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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.31 no.32 São Paulo jan./jun. 2022

http://dx.doi.org/10.37388/CP2021/v31n32a08 

SEGUNDA PARTE: ASSUNTOS GERAIS
ARTIGO ORIGINAL

 

Crianças em situação de institucionalização e o rompimento dos vínculos afetivos: repercussões para a aprendizagem

 

Children in nstitution situation and the breakdown off affective links: repercussions for learning

 

 

Maiandra Pavanello da RosaI,1; Fabiane Romano de Souza BridiII, 2; César Augusto Nunes Bridi FilhoIII, 3

ISecretaria Municipal de Educação de Santa Maria/RS
IIUniversidade Federal de Santa Maria - UFSM
IIIFaculdade Integrada de Santa Maria - FISMA

 

 


RESUMO

Este artigo problematiza a possível relação entre a institucionalização de crianças e adolescentes com as dificuldades de aprendizagem. Tem como objetivo principal conhecer as possíveis relações entre a vivência de institucionalização e as dificuldades de aprendizagem, analisando os fatores que podem vir a interferir no processo de aprender de alunos que vivenciam tal experiência. Se trata de uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa, construída a partir do aporte teórico que tange sobre a temática da institucionalização, rompimento dos vínculos afetivos entre crianças e suas famílias e os efeitos deste afastamento, principalmente relacionados à aprendizagem. A análise foi realizada a partir de artigos publicados sobre a temática, a com base nas lentes teóricas de Bowlby (1984; 1990; 1997; 2002), Winnicott (1983; 1993; 1999; 2001) e Fernández (1991; 2001). A partir destes autores é possível compreender a importância das relações iniciais da criança com seus cuidadores para o estabelecimento e manutenção de vínculos afetivos saudáveis e seguros, os quais são importantes para a aprendizagem. Como possíveis leituras compreende-se que crianças institucionalizadas podem vir a apresentar rendimento escolar mais baixo do que crianças que convivem com as suas famílias. Apesar das relações realizadas neste estudo, compreende-se não ser regra e tampouco ser diretamente relacionada a institucionalização com as dificuldades de aprendizagem. Observou-se uma escassez de pesquisas referentes às relações entre estes aspectos.

Palavras-chave: Abrigamento, Dificuldades de Aprendizagem, Relação afetiva, Vínculo.


ABSTRACT

This article discusses the possible relationship between the institutionalization of children and adolescents with learning disabilities. Its main objective is to know the possible relations between the experience of institutionalization and learning difficulties, analyzing the factors that may interfere in the learning process of students who experience such an event. This is a bibliographical research with a qualitative approach, built from the theoretical framework that deals with the theme of institutionalization, disruption of affective bonds between children and their families and the effects of this separation, mainly related to learning. The analysis was based on articles published on the subject, based on the theoretical lenses of Bowlby (1984; 1990; 1997; 2002), Winnicott (1983; 1993; 1999; 2001) and Fernández (1991; 2001). From these authors, it is possible to understand the importance of children's first relationships with their caregivers for the establishment and maintenance of healthy and safe affective bonds, which are important for learning. As possible conclusions it could be understood that institutionalized children may have lower school performance than children who live with their families. Despite the relationships in this study, it is understood that the relation between institutionalization and learning difficulties cannot be settled as a rule nor to be settled as directly related. The conclusions lead to recognize a shortage of research regarding the relations between these aspects.

Keywords: Housing, Learning disabilities, Affective Relationship, Bond.


 

 

Introdução

A convivência e o cuidado familiar para crianças e adolescentes é direito preconizado e garantido por diversos documentos nacionais e internacionais. A Convenção sobre os Direitos da Criança (1990) se configura como importante instrumento de direitos humanos, enfatizando a importância da família no desenvolvimento integral da criança e a considerando como "grupo fundamental da sociedade e ambiente natural para o crescimento e o bem-estar de todos os seus membros, em particular, das crianças" (UNICEF, 1990, np).

O Estatuto da Criança e do Adolescente, disposto na Lei nº 8.069 de de 1990 reitera a importância da família no cuidado e na constituição das crianças e adolescentes, ressaltando, no seu Artigo 4º, o dever desta para com "a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária" (BRASIL, 1990, np).

Apesar da centralidade da família no cuidado e proteção da criança e do adolescentes, a sociedade e o Estado também possuem responsabilidade pelo zelo e desenvolvimento integral destes sujeitos. Neste sentido, considerando que, por vezes, famílias não conseguem exercer seu papel de proporcionar um ambiente seguro e propício ao desenvolvimento infanto-juvenil, por diferentes motivos, a sociedade e o Estado precisam amparar o sujeito através de apoio, cuidado e proteção em diferentes níveis de intervenção. O afastamento da criança e do adolescente de sua família e o acolhimento em abrigos se configuram como uma das formas de garantia de direitos e proteção à criança e ao adolescente (FONSECA, 2017).

Apesar do entendimento de que em muitos casos há necessidade do afastamento familiar e da institucionalização, compreendemos que tal ação pode provocar efeitos nocivos no desenvolvimento infantil, como depressão e dificuldades de aprendizagem. Dell'Aglio & Hutz (2004), investigaram a relação entre depressão e desempenho escolar em adolescentes institucionalizados, ressaltando que existe diferença no desempenho escolar entre os grupos de adolescentes institucionalizados e o grupo que mora com suas famílias, sendo que o grupo dos adolescentes institucionalizados apresentou médias inferiores de desempenho escolar.

Compreendendo a importância dos primeiros cuidados e vínculos na infância, este estudo tem como base teórica as contribuições de Bowlby (1984; 1990; 1997; 2002) e Winnicott (1983; 1993; 1999; 2001). As relações destes vínculos e vivências com a aprendizagem tem por base o estudo de Fernández (1991; 2001).

Ressaltando a questão dos vínculos afetivos, compreendemos que os seres humanos, ao nascer necessitam de cuidados essenciais, que podem ser desenvolvidos pela mãe, pai ou outro adulto. É a partir desse cuidado do outro sobre a criança, que se estabelece um vínculo inicial. A partir deste vínculo, já existente com um cuidador inicial, que posteriormente, se estabelecem os vínculos com as demais pessoas e situações, ou seja, o vínculo inicial se torna um modelo.

Referente aos cuidados maternos, Winnicott (1993) ressalta que é a partir da proposição da dependência total do bebê que se desenvolve na mãe a preocupação materna primária. Essa característica da mãe faz com que ela seja capaz de atender as necessidades do bebê, de maneira não mecânica, às tarefas primordiais de cuidados físicos e emocionais que este necessita. Este comportamento possibilita condições favoráveis à integração do ego (CONTURBIA, 2017, p 48). A incapacidade no desenvolvimento de tais cuidados, no período da dependência absoluta, ou seja, a dificuldade da mãe em se conectar inteiramente com o bebê, pode acarretar em dificuldades na integração do bebê, fator que pode acarretar em defasagens psíquicas. Logo, podemos perceber a importância das relações primárias para o desenvolvimento da criança.

Bowlby (2002) enfatiza a importância das relações de cuidado entre a criança e a mãe. Ressalta que crianças gravemente privadas dos cuidados maternos e em situação de institucionalização podem apresentar dificuldades no desenvolvimento. Entre elas, o autor inclui a dificuldade em elaborar o pensamento abstrato, em se organizar no tempo e espaço, firmar amizades e relações afetivas, estabelecer vínculo com o seu professor, realizar as atividades individuais, entre outros aspectos que podem interferir na aprendizagem.

Segundo Fernández (2001), os cuidados maternos e as relações vinculares no início da vida são elementos decisivos para a aprendizagem, já que o vínculo afetivo entre os partícipes do processo de aprender, o aprendente e o ensinante, é fundamental.

O presente artigo problematiza as possíveis relações entre a institucionalização/permanência de crianças e adolescentes em abrigos com as dificuldades de aprendizagem, sendo produzido a partir do seguinte questionamento: Existem relações entre sujeitos institucionalizados e dificuldades de aprendizagem? Na existência dessa relação, quais os elementos interferem?

Neste sentido, este estudo teve como objetivo conhecer as possíveis relações entre a vivência de institucionalização e as dificuldades de aprendizagem, analisando os fatores que podem vir a interferir no processo de aprendizagem de sujeitos que vivenciam tal experiência.

O texto aborda as questões que relacionam os efeitos da institucionalização de crianças e adolescentes, com ênfase às possíveis repercussões para a aprendizagem, a partir de estudos empíricos e bibliográficos que abordam a temática. É realizada uma contextualização referente à importância da elaboração de vínculos afetivos e sua influência nos processos de aprendizagem, a partir das contribuições teóricas de Bowlby (1984; 1990; 1997; 2002); Winnicott (1983; 1993; 1999; 2001) e Fernández (1991; 2001), relacionando a importância da família e dos cuidados maternos da organização física e psíquica no desenvolvimento infantil com os processos de aprendizagem na vida destes sujeitos. Concluindo, as considerações finais retomam aspectos importantes do estudo, trazendo apontamentos sobre as relações entre sujeitos institucionalizados e as dificuldades de aprendizagem.

 

Metodologia

O presente estudo teve como questão problematizadora as relações entre as dificuldades de aprendizagem e a institucionalização de crianças e adolescentes, objetivando conhecer as possíveis relações entre a vivência de institucionalização e as dificuldades de aprendizagem, analisando os fatores que podem vir a interferir no processo de aprendizagem de sujeitos que vivenciam tal experiência.

Se configura como uma pesquisa bibliográfica, de natureza qualitativa, do tipo exploratória. Foi construída com base na literatura que versa sobre a temática da institucionalização de crianças e adolescentes, o rompimento dos vínculos afetivos e seus efeitos, principalmente no que tange à aprendizagem. Segundo Gil (1999), uma pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de materiais já existentes, principalmente livros e artigos científicos. As pesquisas de cunho exploratório se destinam a se aproximar, explorar um problema, sendo que, neste estudo, realizou-se uma exploração bibliográfica sobre a temática pesquisada.

A produção analítica foi realizada a partir das contribuições teóricas dos campos da psicologia do desenvolvimento, da psicanálise e da psicopedagogia com base no aporte teórico de Bowlby (1984; 1993; 1997; 2002), Winnicott (1983; 1993; 1999; 2001) e Fernández (1991; 2001).

 

Contextualizando as dificuldades de aprendizagem em crianças institucionalizadas

Atualmente no Brasil existe um grande número de crianças e adolescentes vivendo em instituições de acolhimento. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, em 2017 esse número girava em torno de 46 mil crianças e adolescentes vivendo em 4 mil instituições de acolhimento credenciadas ao sistema judiciário. Em 2020, segundo o documento produzido pelo Conselho Nacional de Educação, o Diagnóstico sobre o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, há um total de 59.902 crianças e adolescentes institucionalizados, aguardando o retorno para família ou adoção.

Os principais motivos para a institucionalização de crianças e adolescentes são o abandono e os maus tratos no contexto familiar. Segundo Cuneo (2009), o encaminhamento para as instituições de acolhimento pode ser feito pelo Conselho Tutelar ou por determinação de autoridade judiciária.

De acordo com a Lei Nº 8.069 de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), as instituições ou abrigos tem a função de acolher as crianças e adolescentes que foram retirados temporariamente de suas famílias com o objetivo de fazer com que retornem aos seus lares e cuidadores. Quando essa ação não é possível, é realizada a tentativa de inserção destes sujeitos em famílias substitutas, o que não é uma tarefa fácil, principalmente quando se trata de crianças em idade avançada.

O Artigo 19 da Lei nº 8.069/90 dispõe que a permanência da criança ou adolescente na instituição não deve se prolongar por mais de dois anos, salvo por ordem judicial. Porém, a permanência de muitos sujeitos em abrigos ultrapassa os esse tempo e merece atenção, considerando os possíveis efeitos nocivos para o desenvolvimento, já que nestes contextos, muitas vezes, a oferta de atenção e afeto, necessários para um desenvolvimento saudável, pode apresentar fragilidades (CUNEO, 2009).

As instituições de acolhimento, apesar de se tornarem um lugar mais seguro para muitas crianças e adolescentes que sofrem negligência ou violência em suas famílias, podem apresentar limitações no desenvolvimento de atenção e cuidados que interferem no desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. Entre os fatores relevantes na fragilidade destes ambientes está a carência quantitativa e qualitativa de cuidadores ou monitores e a circulação destes entre os turnos e dias, dificultando o estabelecimento de uma figura de referência necessária à formação de vínculos.

[...] ao entrar em contato com o cotidiano dessas instituições, depara-se com profissionais que não foram devidamente preparados e que não recebem respaldo ou apoio (na forma de supervisão formal e consistente) para desenvolver trabalho tão importante. Trabalho este que deveria envolver o oferecimento de cuidados, assim como apoio psicológico para que as crianças pudessem significar a separação, a falta da família, as situações de violência pelas quais eventualmente passaram, entre outras coisas (NOGUEIRA; COSTA, 2005, p. 168).

Neste sentido, observa-se a fragilidade dos cuidados primários, essenciais para o desenvolvimento psíquico das crianças e adolescentes em situação de acolhimento. Tais questões podem estar vinculadas tanto às condições de trabalho das instituições, como à falta de formação e conhecimento sobre o desenvolvimento infantil por parte dos cuidadores. A carência na formação e qualificação dos agentes profissionais atuantes nestes espaços pode ser percebida através dos editais de concursos públicos, onde a formação exigida para ocupar o cargo de cuidador em abrigo é de nível médio, não se configurando como necessidade um conhecimento mais específico sobre questões relacionadas ao desenvolvimento infantil.

Segundo Cuneo (2009), crianças que permanecem em instituições de acolhimento por mais de um ano costumam ter alterações psicossomáticas, apresentando doenças físicas recorrentes, onde os métodos de cura comuns se mostram ineficazes. Também apresentam enorme carência afetiva, medo exagerado, baixa autoestima, sentimento de rejeição, inferioridade, insegurança e falta de confiança no outro. No que se refere ao comportamento, podem apresentar agressividade, oposição às regras de convívio social, rebeldia e rejeição à escola. Em relação ao vínculo afetivo, a institucionalização não parece formar no sujeito um referencial de vínculo suficientemente forte, sendo que os relacionamentos existentes na instituição muitas vezes se configuram com fragilidades, interferindo na capacidade da criança em estabelecer outros vínculos afetivos, primeiramente pela quebra do vínculo primordial e familiar e posteriormente, devido às inúmeras trocas de monitores (CUNEO, 2009).

Para Aciem (2010) as primeiras relações vinculares dos sujeitos ocorrem desde muito cedo, com os familiares e se estendem para o resto de suas relações pessoais. Sendo assim, no futuro, a criança poderá transferir a experiência do meio ambiente anterior para o ambiente atual. Nesse sentido, quando a criança é separada de sua família e colocada em uma instituição de acolhimento essas relações vinculares que existiam com a sua família tornam-se fragilizadas. Na institucionalização a criança pode formar novas relações vinculares, porém é importante que esta não se fragilize novamente, considerando que os vínculos positivos têm um papel fundamental para muitas aprendizagens ao longo da vida.

A qualificação das instituições de acolhimento pode ser decisiva para o desenvolvimento das crianças que necessitam deste espaço. Locais onde existem profissionais capacitados e estáveis podem vir a contribuir para o desenvolvimento das crianças que permanecem institucionalizadas por um longo período. Ressalta-se assim a importância de vínculos afetivos fortes para o desenvolvimento saudável e, posteriormente, a aquisição de aprendizagens (SIQUEIRA; DELL'AGLIO, 2006).

Nesse sentido, Siqueira e Dell'Aglio (2006) destacam que a institucionalização necessita de políticas públicas que garantam a continuidade e qualidade de cuidadores de crianças que vivem em instituições, enfatizando que os vínculos não sejam rompidos constantemente. Ressaltam que, quando estes aspectos são frágeis, o desenvolvimento do sujeito pode ser prejudicado.

Segundo Nascimento e Piassão (2009), as instituições são locais considerados de impacto negativo ao desenvolvimento psicomotor. Ressaltam que crianças de 0 a 18 meses podem apresentar atraso no desenvolvimento psicomotor quando residem em instituições de acolhimento. Este atraso pode estar relacionado com a falta de estimulação e um ambiente com poucas condições para criança brincar e interagir com o meio. O referido estudo conclui que as crianças institucionalizadas apresentam desenvolvimento defasado em relação às crianças cuidadas por suas mães, demonstrando significativo atraso em diferentes áreas do desenvolvimento.

Suehiro, Rueda e Silva (2007) compararam o desenvolvimento percepto-motor em crianças institucionalizadas e não institucionalizadas, concluindo que as crianças que vivem em instituições de acolhimento possuem desenvolvimento significativamente inferior do que crianças que vivem com suas famílias. As autoras destacam ainda a relevância do desenvolvimento da motricidade como fator importante no desenvolvimento das funções cognitivas e, consequentemente, da aprendizagem. Acreditam que a superioridade no desenvolvimento percepto-motor em crianças que vivem em situação de bem estar com suas famílias está intimamente ligada à segurança emocional, decorrente de um ambiente estimulador.

No que se refere às questões ligadas à aprendizagem, Andrade (2011) realizou estudo a fim de conhecer a organização da escrita em crianças e adolescentes institucionalizados. A autora utilizou como instrumento de avaliação da escrita o ADAPE - Escala de Avaliação de Dificuldades de Aprendizagem na Escrita, aplicando em crianças residentes de abrigos que frequentavam a 2ª, 3ª e 4ª série do Ensino Fundamental. Os resultados mostraram que cerca de 80% dos sujeitos da pesquisa podem ser considerados analfabetos, sendo que não conseguem elaborar e ler frases simples.

Os problemas de aprendizagem dessas crianças e adolescentes parecem ser decorrentes, dentre outras variáveis, da insegurança emocional e material fruto da ausência de familiares e de um ambiente estimulador, já que o alto índice de criança/adolescente por cuidador no abrigo não favorece a construção de laços afetivos e significativos de forma a contribuir para o funcionamento intelectual (ANDRADE, 2011, p. 223).

As crianças submetidas ao estudo encontravam-se em situação de institucionalização há muito tempo, bem como foram encaminhadas a este contexto por sofrerem situações de negligência e maus tratos, como violência física É possível perceber os efeitos que as experiências de maus tratos e institucionalização pode ocasionar na vida das crianças e adolescentes, como as dificuldades de aprendizagem e desafios no percurso escolar.

A demanda por atendimento psicológico é presente na vida de crianças e adolescentes institucionalizados. Rotondaro (2002) destaca que tal necessidade tem ocorrido principalmente pelas crianças e adolescentes apresentarem problemas de comportamento, seguidos de dificuldades de aprendizagem e sofrimento psíquico. A autora observa também a dificuldade das crianças em se envolver com a psicoterapia, pois o medo do vínculo parece ser algo ameaçador, já que as relações vinculares se configuraram de forma frágil e, muitas vezes, de forma descontínua. A dificuldade em se envolver e vincular com a psicoterapia pode se assemelhar com a dificuldade que a criança encontra em se vincular com o professor, aspecto fundamental para a aprendizagem.

Dell'Aglio e Hutz (2004) destacam que sintomas depressivos, decorrentes de situação de abandono, também interferem na aprendizagem de crianças institucionalizadas. Segundo as autoras, crianças institucionalizadas apresentam maior índice de depressão e médias mais baixas de desempenho escolar do que crianças que vivem com suas famílias, além desse fator interferir nas suas relações sociais, no desenvolvimento psicológico, inteligência e criatividade. As autoras sugerem que a falta de apoio familiar pode contribuir significativamente para a depressão e dificuldades de aprendizagem.

É possível perceber o quanto a institucionalização pode ser determinante no aparecimento e permanência de dificuldades no desenvolvimento saudável do sujeito além de trazer prejuízos aos processos de aprendizagem. As consequências podem ser percebidas, principalmente no comprometimento das relações vinculares que o sujeito realiza no decorrer da sua vida, na inteligência e criatividade.

A promoção de um ambiente composto de segurança, cuidado e afetividade é importante para o desenvolvimento infantil saudável, porém cabe ressaltar que algumas famílias podem não se configurar como um ambiente propício para o desenvolvimento infantil. Neste sentido, a existência de instituições de abrigo que possam acolher crianças que vivenciam situações de negligência é de fundamental importância. Cabe pensar nas condições de produção deste espaço como um ambiente acolhedor, que consiga se configurar como promissor e potente para desenvolvimento infanto-juvenil.

As relações vinculares e o desenvolvimento infantil saudável são elementos fundamentais para a aprendizagem, entre outros fatores. Compreendemos a importância da família ou de adultos que se tornam referência para crianças na primeira infância e, assim propiciam relações vinculares o mais saudáveis possíveis. Na falta desta família ou deste adulto, a instituição de acolhimento tem a função de exercer este papel e pode se configurar como um ambiente potente ao desempenhar um papel semelhante a um ambiente familiar, proporcionando às crianças um desenvolvimento saudável.

 

Desenvolvimento emocional e rompimento dos vínculos afetivos: repercussões para a aprendizagem

Os vínculos afetivos saudáveis, construídos na tenra infância são fundamentais para o desenvolvimento infantil. John Bowlby e Donald W. Winnicott ressaltam a importância da figura materna para o desenvolvimento emocional e dos vínculos afetivos, bem como as consequências que rompimento desses vínculos podem causar no desenvolvimento saudável na infância. No que tange às questões relacionadas ao estabelecimento de vínculos e as relações com a aprendizagem, Alicia Fernández, estudiosa no campo da Psicopedagogia, que segue a linha psicanalítica é enfática quanto à importância de vínculos saudáveis como fator relevante para o processo de aprender. Estes três autores se constituem como base e apoio na produção analítica deste estudo, proporcionando reflexões sobre a relação entre o rompimento dos vínculos afetivos e a institucionalização como possíveis fatores que influenciam as dificuldades de aprendizagem em crianças e adolescentes.

John Bowlby é o criador da Teoria do Apego, que aborda a relação entre a mãe (ou mãe substituta permanente) e o bebê. Considera a primeira relação construída entre o bebê e o seu cuidador como essencial para o desenvolvimento afetivo, social e cognitivo da criança. O autor afirma que o comportamento de apego é um comportamento biologicamente programado, ou seja, faz parte dos humanos, assim como a necessidade de ser alimentado. O desenvolvimento de apego saudável está relacionado à sensibilidade do cuidador em entender e atender às necessidades da criança desde seus primeiros dias de vida (BOWLBY 1969, 1993).

Bowlby (1969,1993) ressalta que as primeiras relações são importantes para o desenvolvimento da criança, sendo que o comportamento de apego começa a aparecer no bebê aproximadamente aos três meses de idade, quando este já consegue distinguir a sua mãe (ou cuidador principal) de outras pessoas. O autor chama de apego essa relação vincular mãe/bebê. Relaciona a capacidade de vinculação do cuidador com o bebê a partir das suas experiências de vínculos afetivos com seus cuidadores, enfatizando a importância da relação que o bebê tem com seu cuidador, já que esta terá repercussões nas suas relações vinculares ao longo da vida.

Acredita-se que os próprios sistemas comportamentais se desenvolvem no bebê como resultado de sua interação com o seu meio ambiente de adaptabilidade evolutiva e, em especial, de sua interação com a principal figura nesse meio ambiente, ou seja, a mãe (BOWLBY, 1969,1993 p.194).

Neste sentido, enfatiza-se a importância de a criança estabelecer um vínculo saudável com seu cuidador, fator que depende principalmente da capacidade desse cuidador em proporcionar um ambiente saudável para tal vinculação, que será determinante nas experiências vinculares futuras do sujeito.

Donald W. Winnicott também traz considerações importantes sobre o desenvolvimento infantil e as relações vinculares. Winnicott (1993) destaca que o desenvolvimento é uma história de dependência, onde a criança vai caminhando desde a mais absoluta dependência até sua maior autonomia, tanto física quanto psíquica e emocional. Antes mesmo do bebê nascer, a mãe já entra em um estado diferenciado, de sensibilidade exacerbada, o qual o autor chama de preocupação materna primária (WINNICOTT, 2002). Neste momento a mãe, a partir desta sensibilidade, consegue proporcionar ao bebê um ambiente facilitador para o seu desenvolvimento emocional.

A mãe que desenvolve esse estado ao qual chamei de 'preocupação materna primária' fornece um contexto para que a constituição da criança comece a se manifestar, para que as tendências ao desenvolvimento comecem a desdobrar-se, e para que o bebê comece a experimentar movimentos espontâneos e se torne dono das sensações correspondentes a essa etapa inicial da vida (WINNICOTT, 2002, p. 403).

Sendo assim, é a partir dos cuidados maternos que o bebê conseguirá desenvolver-se saudavelmente, caso contrário o bebê poderá não conseguir se constituir um "ser". A mãe suficientemente boa é a mãe (ou mãe substituta) que consegue prover este ambiente e este cuidado que a criança necessita, transmitindo apoio e segurança, para que a criança possa vir a ter o senso de existência.

A mãe suficiente, do ponto de vista de Winnicott, "é uma mãe comum que gosta do filho", aquela que é capaz de rejeitar uma série de coisas em favor dos cuidados que o filho solicita, a que tem capacidade de diminuir gradativamente a adaptação desses cuidados, de acordo com a habilidade do bebê em lidar com a falha materna, quando este já consegue intelectualmente entender pequenas ausências da mãe quando de suas solicitações (ROCHA, 2006, p. 11).

Assim, a mãe suficientemente boa é aquela que apresenta a sensibilidade em compreender e proporcionar cuidados ao bebê, como entender os momentos em que este necessita estar aconchegado no colo, ou no berço, bem como suprir atentamente às suas necessidades fisiológicas e necessidades de carinho, no período em que este se encontra em total dependência. É papel desta mãe também promover autonomia à criança ao ir percebendo as capacidades da mesma, transitando de uma fase de dependência absoluta para dependência relativa e posteriormente a independência.

Winnicott (1983) usa o termo holding adequado para caracterizar um ambiente favorável à evolução do processo de maturação, ou seja, evolução do self e do ego. A relação emocional favorável entre a criança e o seu cuidador é fundamental para o desenvolvimento da personalidade.

O desenvolvimento emocional ocorre na criança se se provêem condições suficientemente boas, vindo o impulso para o desenvolvimento de dentro da própria criança. As forças no sentido da vida, da integração da personalidade e da independência são tremendamente fortes, e com condições suficientemente boas a criança progride; quando as condições não são suficientemente boas essas forças ficam contidas dentro da criança e de uma forma ou de outra tendem à destruí-la (WINNICOTT, 1993, p. 63).

Caso não seja proporcionado um ambiente que consiga suprir as necessidades do bebê, não sendo desempenhado o papel de uma mãe suficientemente boa "o self verdadeiro da criança não consegue formar-se, ou permanece oculto por trás de um falso self que a um só tempo quer evitar e compactuar com as bofetadas do mundo" (WINNICOTT, 1993, p. 24).

A partir das ideias corroboradas, pode-se perceber a importância da convivência, da formação e manutenção de um vínculo saudável entre o bebê e sua mãe ou cuidador principal. Bowlby (1976; 2002) afirma ser essencial para a saúde mental e o desenvolvimento saudável da personalidade a vivência de uma relação íntima, calorosa e contínua com a mãe (ou mãe substituta). Quando não existe essa relação, ocorre um fenômeno que o autor nomeia de "privação de mãe", que pode ser parcial ou total. A privação parcial consiste basicamente em uma privação dos cuidados maternos no que se refere ao rompimento de cuidados básicos, como amor e afeto, porém é mantida a proximidade mãe/bebê. Já na privação total, a criança é afastada física e emocionalmente dos vínculos parentais ou cuidados maternos.

Destaca, entre os efeitos da "privação de mãe", os seguintes sintomas: angústia, carência afetiva, sentimento de vingança, culpa, depressão, distúrbios de personalidade e, em casos de privação total, a criança pode vir a ficar incapaz de estabelecer relações afetivas com outras pessoas (BOWLBY, 1976, 2002).

Para Winnicott (1993) a criança, a partir das fragilidades nos cuidados maternos, pode sofrer "privação" ou "deprivação". A privação ocorre quando a criança é submetida a falhas nos cuidados na fase de dependência total, onde o bebê ainda não consegue se reconhecer como um ser separado de sua mãe. Já a deprivação se refere a negligência ou afastamento sofridos pela criança quando esta já não se encontra num estágio de dependência total, sendo que no processo de "deprivação" a criança tem consciência de que o ambiente falhou e reconhece os responsáveis pelo seu sofrimento. De qualquer forma, a privação ou a deprivação se referem ao afastamento de um ambiente que proporciona cuidados adequados para um desenvolvimento satisfatório.

É consenso entre os autores que o rompimento dos vínculos afetivos pode causar problemas no desenvolvimento saudável da criança. Destacam, entre os efeitos da fragilidade e/ou rompimento de vínculos, problemas de personalidade e depressão, e não descartam o aparecimento de patologias graves como autismo e psicose.

Bowlby (1993) afirma que podem ser causas de distúrbios psiquiátricos na infância a carência de oportunidade para se estabelecer vínculos afetivos ou prolongadas separações, o que causa rupturas dos vínculos já formados.

Foi sistematicamente apurado que duas síndromes psiquiátricas e duas espécies de sintomas associados são precedidos por uma elevada incidência de vínculos afetivos desfeitos durante a infância. As síndromes são a personalidade psicopática (ou sociopatia) e a depressão; os sintomas persistentes, a delinquência e o suicídio. (BOWLBY, 1993, p. 101)

Bowlby e Winnicott são unânimes quanto ao fato de que o rompimento dos vínculos afetivos e afastamento do principal cuidador podem causar consequências no desenvolvimento e na vida das crianças. Neste sentido, pode-se perceber o quanto a separação entre crianças e suas famílias, o qual frequentemente acarreta na institucionalização, podem causar consequências como depressão e desempenho acadêmico inferior.

Crunivel & Boruchovitch (2003), em uma pesquisa sobre depressão infantil, ressaltam que crianças deprimidas demonstram desempenho acadêmico menor do que o esperado, pois apresentam alterações em algumas funções cognitivas tais como, atenção, memória, raciocínio e concentração, contribuindo para experiências relacionadas ao fracasso escolar.

Alicia Fernández destaca que vínculos afetivos saudáveis são importantes para a aprendizagem, já que para aprender é necessário o estabelecimento de uma relação vincular entre a pessoa que ocupa o papel de ensinar e a pessoa que se ocupa em aprender (FERNÁNDEZ, 1991). A autora aborda as questões da aprendizagem, bem como os fatores que podem interferir neste processo, ressalta que a incapacidade de estabelecer um vínculo com a pessoa que está ocupando o lugar de ensinar pode ser uma das causas para a dificuldade de aprendizagem. Segundo a autora, para haver aprendizagem é necessário que existam dois personagens, um aprendente e um ensinante, sendo indispensável a existência de vínculo entre eles (FERNÁNDEZ, 1991).

Nesta perspectiva, é notória a importância das relações vinculares fortes e saudáveis como um dos fatores para o sucesso na aprendizagem, já que a autora enfatiza que "a aprendizagem é um processo cuja matriz é vincular" e que aprendemos a partir daquele a quem concedemos confiança e o direito de ensinar.

O aprender transcorre no seio de um vínculo humano cuja matriz toma forma nos primeiros vínculos mãe-pai-filho-irmão, pois a prematuridade humana impõe a outro semelhante adulto para que a criança, aprendendo e crescendo, possa viver (FERNÁNDEZ, 1991, p. 48).

A aprendizagem está intrinsicamente relacionada às relações e vínculos que se estabelecem neste processo, vínculo este que é muito influenciado pelas experiências vinculares que o bebê/criança experienciou ao longo da vida, ou seja, os vínculos que a criança consegue estabelecer no presente são consequências de vínculos iniciais na vida do sujeito.

Atualmente muitos profissionais da educação já têm consciência de que a aprendizagem tem ligação com fatores emocionais. Fernández (2001) parte do pressuposto que a inteligência não é uma faculdade apenas do cérebro e que para se aprender não se depende somente de um bom aparato intelectual.

A autora considera quatro dimensões essenciais para a aprendizagem, como: o organismo, o corpo, a inteligência e o desejo, sendo estes quatro aspectos extremamente relevantes no processo de aprender. Fernández (1991, p. 58) ressalta que "o organismo bem estruturado é uma boa base para a aprendizagem", sendo ele comparado a um mecanismo receptor, dotado de células nervosas, órgãos estruturados, memória, capazes de registrar, construir e reproduzir aprendizagens.

Vinculado ao organismo, está a influência do corpo no processo de aprendizagem. Fernández (1991) ressalta que os primeiros dois anos da criança são fundamentais no processo de reconhecimento do corpo, da apropriação da sua imagem, a qual proporciona o sentimento de prazer pelo domínio adquirido. A aprendizagem, entendida como "apropriação das possibilidades da ação, instrumentada pelo corpo que confere um poder de síntese ao ser e ao saber do sujeito, assim como uma ressonância agradável que o ajudará a incorporar a experiência" necessita da apropriação do corpo pela criança, ou seja, a partir desta apropriação a criança poderá assimilar outros objetos. Estes movimentos e assimilações compõem o processo de aprendizagem (FERNÁNDEZ, 1991, p. 59).

Não é possível falar sobre inteligência sem levar em consideração o desejo. A inteligência e o desejo se configuram como uma trama que proporciona o pensamento. Baseada nas estruturas lógicas de Piaget, Fernández (1991) destaca que a criança percorre níveis cognitivos de desenvolvimento, ressaltando que o percurso entre os diferentes níveis associa as questões orgânicas, corporais, cognitivas e desejantes.

Enquanto a inteligência se propõe a apropriar-se do objeto conhecendo-o, generalizando-o, incluindo-o em uma classificação, o desejo se proporia a apropriar-se do objeto, representando-o [...] na medida em que se apreende o objeto do conhecimento, aumenta-se o desconhecimento, contata-se com a ignorância, surgem novas perguntas, continuando-se assim a busca de novos conhecimentos. Ambos os circuitos, o do desejo e o da inteligência, enfrentam-se com a falta, com a carência (FERNÁNDEZ, 1991, p. 75).

Enfatizamos o "desejo", já que Fernández (1991) relata que este desejo é sempre o desejo do Outro. Nesse sentido, podemos entender que o sujeito apresenta o desejo de aprender a partir do desejo de alguém, que logicamente deseja que ele aprenda. Desta forma, a família e o cuidador principal, aqueles que possuem um forte vínculo com a criança, são os sujeitos esperados para realizar esse papel importante, ou seja, o desejo do outro que a criança vivencia.

Ao vivenciar o afastamento dos cuidadores principais e a institucionalização o estabelecimento dos vínculos afetivos passa por uma desorganização e talvez uma reorganização, que pode apresentar fragilidades, já que nestes contextos as crianças raramente recebem atenção de forma mais individualizada, comprometendo o estabelecimento de relações vinculares consistentes e, consequentemente, a falta de um adulto que inscreva o desejo de êxito na criança. Logo, pode-se inferir que sujeitos que têm seus lares desfeitos ou precisam ser afastadas de suas famílias, podem apresentar prejuízos emocionais que podem repercutir nos processos de aprendizagem.

Fernández (1991) ressalta a importância da família no processo de identificação das dificuldades de aprendizagem, já que leva em consideração o modo de circulação do conhecimento e do saber dentro da mesma, bem como o papel que é atribuído à criança dentro do grupo familiar. Quando a família é desfeita e a criança passa a morar em uma instituição pode haver uma confusão sobre o seu lugar em um possível contexto familiar, além da confusão em relação ao seu futuro.

Para entender a dificuldade no processo de aprender é importante que se consiga olhar através da dificuldade propriamente dita (por exemplo, dificuldade em somar), levando em consideração o organismo, seu corpo, inteligência, sua história de vida, as relações familiares e a instituição escolar.

Neste sentido, é impossível desconsiderar a relação existente entre a história de vida da criança, suas relações iniciais e a qualidade dessas relações, as quais inscrevem no sujeito as formas de vida e aprendizagem destes. Sendo assim, a organização dos vínculos afetivos, desde a mais tenra infância, é primordial para uma vida psíquica saudável e para a aprendizagem.

A aprendizagem se constitui nas relações. O desenvolvimento neurológico do sujeito que aprende é, sem dúvida, fundamental para o sucesso nas construções, reconstruções e resolução de problemas, porém não é a única ferramenta que o sujeito necessita para aprender. Um vínculo afetivo saudável entre quem ensina e quem aprende, um contexto confiável e a aposta no sucesso são elementos fundamentais para aprendizagem.

Desta forma, compreender a influência das relações, tanto anteriores quanto atuais, que o sujeito aprendente vivenciou e vivencia é necessário para compreendermos uma possível dificuldade de aprendizagem, não apenas responsabilizando os aspectos biológicos e as funções mentais do sujeito neste processo.

 

Considerações finais

Esta pesquisa teve por objetivo conhecer as possíveis relações entre o afastamento familiar e a permanência de crianças e adolescentes em instituição de acolhimento ou abrigos com a presença das dificuldades de aprendizagem, bem como identificar quais os fatores que poderiam causar estas dificuldades, a partir de uma revisão de literatura.

O abandono infantil, bem como maus tratos e negligência são acontecimentos presentes na vida de algumas crianças e adolescentes. A consequência destes atos pode acarretar o encaminhamento destes sujeitos a instituições de acolhimento e abrigos e esta experiência pode apresentar efeitos negativos no desenvolvimento do sujeito.

Ao longo do estudo, a partir de um levantamento bibliográfico com base em pesquisas realizadas sobre a temática, pode-se dizer que crianças institucionalizadas podem vir a apresentar rendimento escolar mais baixo do que crianças que convivem com as suas famílias. É possível perceber que o fato de que crianças em situação de institucionalização tendem a apresentar, com maior frequência, dificuldades de aprendizagem, em comparação às crianças que vivem com suas famílias ou foram e são submetidas à cuidados saudáveis.

Compreende-se a importância das relações iniciais da criança para o seu desenvolvimento favorável. O estabelecimento e a manutenção de vínculos afetivos positivos são essenciais para a saúde psíquica e emocional do sujeito, bem como para a aprendizagem. Nesse sentido, pode-se dizer que crianças que sofrem rompimentos nos vínculos afetivos podem vir a ter dificuldades de aprendizagem, possuindo grandes chances de apresentarem fracassos em determinados momentos ou em todo o seu percurso escolar.

É importante ressaltar que, apesar das relações realizadas neste estudo, referentes à institucionalização e abrigamento, reconhece-se que não há uma relação causal direta, ou seja, não necessariamente sujeitos que são submetidos ao afastamento familiar e vivenciam a institucionalização apresentarão dificuldades de aprendizagem. Porém, ao mesmo tempo, compreende-se que a vivência de afastamento pode provocar efeitos no desenvolvimento infantil, e entre estes efeitos, possíveis dificuldades no processo de aprendizagem. A relação foi fundamentada principalmente pelo rompimento de vínculos afetivos, os quais podem se tornar fragilizados após experiências de afastamento familiar. Da mesma forma, apesar de compreender as fragilidades na qualidade de atenção e cuidados nas instituições de acolhimento, entende-se que este espaço, para muitos sujeitos, ainda é o local mais adequado para viver.

Proporcionar espaços e experiências mais ricas para crianças e adolescentes que necessitam viver nestes espaços pode ser uma forma de minimizar os efeitos negativos que, muitas vezes, este contexto proporciona ao desenvolvimento dos sujeitos. A proposição de momentos que qualifiquem os profissionais que atuam em instituições de acolhimento, diretamente com crianças e adolescentes e que apresentem dificuldades de aprendizagem pode proporcionar relações vinculares mais fortes e efetivas, podendo minimizar os efeitos do afastamento familiar na aprendizagem. Compreendemos também que a oferta de serviços de apoio para crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem, como apoio escolar e atendimento psicopedagógico podem proporcionar maiores possibilidades de minimizar as dificuldades e garantir percursos escolares mais felizes e promissores.

Destaca-se também que são escassos os estudos empíricos que teçam relações entre as experiências de afastamento familiar e acolhimento com as dificuldades de aprendizagem.

 

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1 Professora de Educação Especial da Rede Municipal de Ensino de Santa Maria, Psicopedagoga, Doutora em Educação. E-mail: maiandra.pavanello@gmail.com.
2 Professora Adjunta da Universidade Federal de Santa Maria, Psicopedagoga, Doutora em Educação. E-mail: fabianebridi@gmail.com.
3 Psicólogo, docente da Faculdade Integrada de Santa Maria - FISMA, Mestre, Doutorando em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: bridifilho@gmail.com.

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