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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.32 no.33 São Paulo  2022

http://dx.doi.org/10.37388/CP2021/v31n32a011 

RESENHA

 

Resenha: a instituição que aprende sob o olhar da psicopedagogia

 

The institution that learns under the gaze of psychopedagogy

 

 

Paulo Sergio de Oliveira Junior1

Instituto Sedes Sapientiae

 

 

PORTILHO, Evelise Maria Labatut et al. A instituição que aprende sob o olhar da psicopedagogia. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2018.

A Psicopedagogia, área de conhecimento cujo objeto de estudo é a aprendizagem humana, fincou raiz em terras brasileiras e alcançou localidades fora do eixo Rio-São Paulo de difusão de ideias.

Um exemplo desse fomento da Ciência Psicopedagógica é o livro A instituição que aprende sob o olhar da Psicopedagogia. A obra, produzida a oito mãos, é fruto da parceria das psicopedagogas Evelise M. L. Portilho, Isabel C. H. Parolin, Laura M. S. Barbosa e Simone Carlberg, profissionais que estão vinculadas à Metacognição, grupo de pesquisa de Aprendizagem e Ensino da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), tendo Portilho como coordenadora. Além do vínculo acadêmico, as pesquisadoras da Aprendizagem também desenvolvem trabalhos em uma instituição particular de Aperfeiçoamento e Desenvolvimento da Aprendizagem, bem como atuam na Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), seção Paraná.

O livro divide-se em três partes. Partindo da memória afetiva e profissional das autoras quanto à escolha pela Psicopedagogia Institucional, a obra apresenta orientações para o processo avaliativo, culminando na intervenção e atuação da prática psicopedagógica em grupos. A relevância do trabalho desenvolvido pelas pesquisadoras é claramente expressa no capítulo inicial. De acordo com elas, há, no Brasil, poucos trabalhos dessa modalidade de Psicopedagogia e, aqueles que existem, estão voltados, prioritariamente, para escola, havendo poucas referências a outros tipos de organização: "o foco deste livro é a instituição que aprende e como ela se organiza para que ela se mantenha como espaço de aprendizagens (PORTILHO et al., 2018, p. 17).

Na primeira parte do livro, são apresentadas as concepções de aprendizagem que as autoras detêm, a partir da fundamentação teórica pesquisada e vivenciada por elas em sua atuação profissional. A primeira citação é a da própria Alicia Fernández, psicopedagoga argentina cujas obras são referência obrigatória em cursos de Psicopedagogia. Da sua já conhecida linguagem metafórica que associa aprendizagem à alimentação, Portilho e suas colegas a relacionaram à instituição como espaço de trabalho com o conhecimento que pode ou não facilitar a aprendizagem, essa necessária nutrição.

Outra referência que é citada nesta obra é o trabalho de Jorge Visca, psicopedagogo argentino responsável pelo desenvolvimento do conceito de Epistemologia Convergente, resultado da junção de três teorias difundidas em áreas que trabalham com o psiquismo humano: a Epistemologia Genética de Jean Piaget, a Psicanálise de Sigmund Freud e a Psicologia Social aprimorada por Enrique Pichon-Rivière. Nota-se grande vínculo afetivo das autoras por Visca, já que ele atuou diretamente no Brasil, fundando centros de formação de psicopedagogos, e tendo Portilho e suas colegas como alunas. As psicopedagogas ainda elencam outras formações que fizeram ampliar sua atuação profissional, como é o caso da Teoria da Complexidade de Edgar Morin ou mesmo a Psicomotricidade.

Aprofundando a teoria da Epistemologia Convergente, em que a aprendizagem é vista como um processo de construção e de integração psicossocial, não só do indivíduo (organismo que aprende) mas também do grupo, da instituição e da comunidade, surgem, assim, as dimensões da aprendizagem (conhecimento, interação, funcionamento e estrutura). Na obra, cada uma delas é explicada, pelo menos, de duas maneiras: em parágrafos expositivos e em quadros com os indicadores a serem observados.

De Visca, o livro continua o seu percurso, explicitando a teoria de Pichon-Rivière, antecessor e também mestre do psicopedagogo argentino de que falamos. O aparato conceitual e dialético do Esquema Conceitual, Referencial e Operativo (ECRO), cuja flexibilidade o torna adaptável tanto à conceitualização proposta pelo pesquisador, como também à situação concreta pesquisada (PORTILHO et al., 2018), é base para a elaboração da avaliação psicopedagógica institucional. Estudioso da Psicanálise freudiana, foi Pichon-Rivière que transpôs a teoria do neurologista alemão ao fenômeno grupal, adotando termos conhecidos das etapas de desenvolvimento psicossexual (fase oral, anal, fálica e genital) ao processo de vinculação em grupos. Além disso, a elaboração da ideia de Grupo Operativo, na visão das autoras, é de fundamental importância para a observação e intervenção em um processo de avaliação psicopedagógica.

A teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, de Urie Bronfenbrenner e a Complexidade de Morin aprofundam a visão sistêmica entre pessoas e grupos, assim como entre os saberes existentes e os incipientes. Na visão de Portilho e de suas colegas, a instituição tem uma forma de aprender que precisa ser entendida por meio da pessoa, de sua relação com o ambiente e do momento histórico em que estão (PORTILHO et al., 2018). Com a complexidade, há a consciência da interdependência de saberes, por meio da visão de totalidade formada pelas suas partes. O pensamento, então, torna-se uma rede concatenada de ideias que, ligadas, pressupõe diferentes níveis e direções.

As autoras entendem a modalidade de aprendizagem como "o conjunto de características - habilidades, estratégias, enfoque e estilos - que são colocadas em funcionamento a partir das concepções e interações que acontecem no seu interior, no decorrer de sua história" (PORTILHO et al., 2018, p. 45). Para se chegar a ela, é preciso haver olhar investigativo, por meio da múltipla fundamentação teórica, bem como disposição do profissional psicopedagogo para construir instrumentos avaliativos que levem a instituição à reflexão e superação de obstáculos ao efetivo processo da aprendizagem. Nesse sentido, observar e identificar essa modalidade requer a elucidação dos conhecimentos, regras e procedimentos adotados pela instituição para seus membros colaboradores, a fim de que estes participem desse processo avaliativo com sugestões e críticas. É o que as pesquisadoras denominam de atitude operativa, uma vez que o aprendizado ocorre no processo dinâmico, no movimento para a realização de uma tarefa com autonomia, contextualizada e vivenciada. O diferencial está que, com a intervenção psicopedagógica, há maior consciência acerca do como se aprende.

A Parte II do livro publicado pela Editora Wak dedica-se a discorrer sobre o processo de avaliação psicopedagógica no cenário institucional, com vistas à identificação da modalidade de aprendizagem. O instrumento baseia-se na teoria da Epistemologia Convergente de Visca e descreve as etapas desse processo, desde a Entrevista Inicial com o Gestor, para compreender os motivos pelos quais levaram a instituição ao atendimento psicopedagógico, passando pelo Enquadramento e formalização do contrato, duas formas de Entrevista, quadros para auxiliar no Sistema de Hipóteses e na Análise da Modalidade de Aprendizagem, Elaboração do Informe, Projeto de Assessoria Psicopedagógica e Entrevista Devolutiva.

Nessa avaliação, são apresentadas duas maneiras de entrevista: a Entrevista Operativa Centrada na Modalidade Ensino/Aprendizagem (EOCMEA) e a Entrevista Operatória Dialógica (EODi). Enquanto a primeira técnica de avaliação apresenta maior estruturação da tarefa, a segunda baseia-se no método freiriano de roda de conversa. No entanto, em ambas, há grande preocupação em como as consignas são elaboradas, a fim de que os participantes compreendam o processo pelo qual vivenciam. O livro apresenta exemplos de consignas elaboradas pelas autoras, em momentos de atuação profissional psicopedagógica, bem como destaca a evolução na forma de elaborar a tarefa.

Outras técnicas de avaliação são elencadas pelas pesquisadoras, como o questionário e as técnicas projetivas idealizadas por Visca. O método qualitativo de pesquisa é citado na obra, porém, sem uma referência que o defina como tal. Com isso, parte-se do princípio que o leitor perceba e conheça esse método de pesquisa. Outro termo utilizado pelas autoras, e citando Visca, é o "processo corretor", no momento de elaboração do projeto de intervenção psicopedagógica, o que implica numa dicotomia acerto-erro que não é coerente com a proposta de aprendizagem calcada na autoria e na criatividade.

A intervenção psicopedagógica em grupos é aprofundado na Parte III da obra, com retomada das técnicas citadas na parte anterior. Novamente, as autoras localizam a fonte de suas práticas em autores consagrados no campo psíquico. Além de Pichon-Rivière, Jacob Moreno, idealizador do Psicodrama e o método psicoterapêutico de Simonne Ramain são citados. Propostas psicopedagógicas utilizando o jogo dramático, a roda de conversa, o grupo operativo e a observação operativa são apresentadas por meio de sua conceituação e exemplificação. No jogo dramático, dá-se sentido ao que é vivenciado e, dessa forma, compreende-se como se dá a aprendizagem. A partir daí, é possível reelaborar o significado e transformá-lo em história/memória. Na roda de conversa, pode-se compreender fatos pelo olhar do outro, suas impressões, emoções, posicionamentos e avaliações. No grupo reflexivo, derivado do grupo operativo de Pichon-Rivière, há uma ênfase por questionar as tensões trazidas pelo processo de aprendizagem, mas seus participantes atuam de forma horizontal, intercalando papéis de observador e de observado. Na observação operativa, descreve-se todo e qualquer registro apresentado para que seja comunicado ao professor ou coordenador da equipe.

Por fim, o livro apresenta a atuação psicopedagógica em empresas e em comunidades. As autoras reforçam a ideia de que o trabalho psicopedagógico também pode ser preventivo, na medida em que atuam na manutenção das condições ideais de aprendizagem, afastando fatores que tenham potencial patologizante (PORTILHO et al., 2018). Ainda refletem sobre os três planos pelos quais passa o profissional psicopedagogo: o filosófico, que abarca o referencial teórico; o científico, que assume o caráter de pesquisa em Psicopedagogia; e o prático, em que a atuação profissional decorre graças às diferentes formações e utilizações de técnicas de trabalho.

A instituição que aprende sob o olhar da psicopedagogia é uma importante referência que pode ser adotada em cursos de formação de Psicopedagogia, principalmente, pela sua contribuição à Psicopedagogia Institucional e pela escrita didática que apresenta não só as teorias dos principais nomes dos estudos de grupos, como também de sugestões de práticas que enriquecem o ser e o fazer psicopedagógico.

 

 

1 Pós-graduando em Psicopedagogia (Instituto Sedes Sapientiae). Professor de Língua Portuguesa (Rede Pública Municipal de Mogi das Cruzes). Psicólogo (CRP 06/161.507). Licenciado em Letras (USP) e Pedagogia (UNINOVE). Bacharel em Psicologia (UMC)

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