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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.33 no.34 São Paulo  2023  Epub 08-Mar-2024

http://dx.doi.org/10.37388/cp2023/v33n34a07 

RESENHA

BARREIROS: UMA TRAJETÓRIA EDUCATIVA ENTRE MATA E MAR

Paulo Sergio de Oliveira Junior1 

1 Pós-graduando em Psicopedagogia ( Instituto Sedes Sapientiae ). Professor de Língua Portuguesa ( Rede Pública Municipal de Mogi das Cruzes ). Psicólogo (CRP 06/161.507). Licenciado em Letras ( USP ) e Pedagogia (UNINOVE). Bacharel em Psicologia (UMC).

“Barreiros é uma fazenda gigante muito legal, que tem muitas coisas produtivas, aprendizados, lendas legais. Amo o Barreiros! Te amo!”

(VASSIMON & SILVESTRE, 2023, p. 227)

A citação acima é de uma das crianças e adolescentes que participam do Projeto Barreiros, tema do livro idealizado pelas psicopedagogas Georgia Vassimon e Maria Christina de Magalhães Silvestre (2023). As autoras integram o corpo docente do curso de Formação em Psicopedagogia - Atendimento Clínico e Institucional, do Instituto Sedes Sapientiae, e são responsáveis pela disciplina de Formação do Papel do Psicopedagogo , componente curricular este que acompanha os quatro semestres do curso de especialização, refletindo sobre a figura do profissional, sua formação ética e atuação, quer no espaço clínico, quer no espaço institucional.

Vassimon e Silvestre narram a experiência educativa da Associação Barreiros, conhecida popularmente como “Barreiros”, homônimo da fazenda que se localiza na Ilhabela, município-arquipélago localizado no litoral norte do estado de São Paulo. A iniciativa da criação dessa Associação deveu-se ao empenho da proprietária da Fazenda, Maria Silvia Doria do Amaral que, ao lado do esposo, Luiz Alves, recebeu a indicação do Grupo de Estudos e Trabalhos Psicodramáticos (GETEP) para que se ampliasse o projeto socioeducativo, com vistas a atender crianças e adolescentes da localidade.

O livro conta com a nota das autoras, em que apresenta a narrativa dos dez anos de atividades do Barreiros e apresenta-nos o tom polifônico e plurissemiótico de toda a obra: “fomos narrando o trabalho realizado, à luz de muitas vozes, escolhendo falas, imagens, percursos e detalhes para incentivar a todos um olhar e esforço coletivo em prol da educação pública do Brasil” (VASSIMON & SILVESTRE, 2023, p. 9). O prefácio que segue a nota é de Antonio Carlos Cesarino, médico e psicodramatista, pioneiro no trabalho com o psicodrama público na Sala Adoniran Barbosa do Centro Cultural São Paulo. Na qualificação do trabalho realizado em Ilhabela, está a importância de existir um espaço que, sem dinheiro público, consegue não só complementar o ensino de crianças e adolescentes, mas também de desenvolver a reflexão sobre a própria conduta e “a consciência da necessidade de se perceber como parte de uma comunidade que tem valores e projetos (VASSIMON & SILVESTRE, 2023, p. 10).

Em nove capítulos, entramos em contato com a trajetória educativa do Barreiros, porém, de uma forma muito própria: cada capítulo se inicia com uma epígrafe de importantes personalidades no campo da poesia em língua portuguesa (Manoel de Barros, João Cabral de Melo Neto, Alberto Caeiro, Adélia Prado, Ferreira Gullar, Paulo Leminski), além de Francisco de Assis, numa relação direta com aprendizagem e natureza. Ilustrando a obra, uma coletânea de imagens acompanham o texto escrito, fazendo com que o Barreiros, seus participantes, bem como Ilhabela, se façam presentes. A citação inicial é um poema de Jacob Levy Moreno, idealizador do Psicodrama, uma das referências de trabalho das autoras.

O primeiro capítulo, “Nossas concepções, nossos caminhos. Enfim, tudo começou!” situa a criação do GETEP, assim como as referências teóricas para o seu trabalho: além do Psicodrama, temos a Psicopedagogia, a Biologia Cultural de Humberto Maturana e a Vegetoterapia Caracteroanalítica de Federico Navarro. O conjunto desses estudiosos amplia a visão de mundo do GETEP, qual seja: a aprendizagem em prol do desenvolvimento de pessoas e de grupos, não deixando de lado a espontaneidade, a criatividade, o desenvolvimento socioemocional e o próprio corpo, entrelaçando experiência e teoria na mesma jornada. Maturana ganha destaque no livro, em função da grande quantidade de citações de suas obras. Para as autoras, seus princípios servem de referência para um trabalho que se atenta a uma relação interpessoal de qualidade, com “relações colaborativas, honestas e respeitosas com todos” (VASSIMON & SILVESTRE, 2023, p. 22), como demonstraram no relato que traz o contato inicial com Maria Silvia, a visita à fazenda, as atividades que já estavam em andamento, bem como a inclusão de profissionais e de organismos da área da educação, como a Secretaria Municipal de Ilhabela.

O capítulo seguinte, “Pessoal envolvido no trabalho: diversidade e engajamento”, apresenta as equipes de trabalho no Barreiros, a Administração, a coordenação geral, os coordenadores de oficinas, psicólogos, psicopedagogos, monitores. O projeto tem por princípio vincular o trabalho pedagógico ao administrativo, o que reflete na tomada de decisões e ações entre todos os setores. Também nesse capítulo, há uma preocupação em diversificar o currículo do espaço educativo, para que o repertório dos alunos também seja ampliado, em paralelo com a diversidade humana, gerando o exercício de uma convivência “respeitosa, colaborativa e honesta” (VASSIOMON & SILVESTRE, 2023, p. 57).

No terceiro capítulo, “Refletir a ação em contínua transformação”, encontramos as estratégias para o aprimoramento de suas práticas: a valorização da formação continuada que ultrapassa o pedagógico, incluindo uma escuta do grupo e para o grupo. Barreiros trabalha vivências para o desenvolvimento desse processo, de forma a incorporar um modo de fazer no cotidiano, que leva em conta o outro, o contexto, reconhecendo, dessa forma, potencialidades e desafios. Com isso, as equipes são fortalecidas por meio de encontros semanais por meio da reflexão quanto às atividades desenvolvidas na semana.

O capítulo seguinte, “Trocar a roda com o carro andando”, expõe a forma de adesão e de participação das crianças e adolescentes de escolas parceiras ao Barreiros. Apresenta a organização bimestral das oficinas, tendo em vista quatro objetivos: Concentração, Autoconhecimento, Trabalho em grupo e Comunidade. Assim, consegue-se engajá-los não só no processo de ensino e aprendizagem, mas também no exercício da cidadania.

O quinto capítulo, “Para além dos objetivos: criar, recriar, transformar”, reforça a ideia de que o Barreiros desenvolve ações com vistas a complementar e ampliar a educação formal. As ações trabalham com o senso de desafio e de estímulo para retirar os alunos de sua zona de conforto, além de propiciar momentos de reflexão para o desenvolvimento do cuidar de si mesmo, do outro, graças a uma maior atenção ao próprio fazer e viver. É de suma importância, para o projeto em Barreiros, a ampliação do repertório cultural de suas crianças e adolescentes, a fim de que o respeito e troca de experiências se efetivem. Este capítulo reitera a importância da construção coletiva de cada etapa dessa trajetória educativa.

Em “Nosso jeito de trabalhar: metodologia de ação e avaliação recursiva”, o espaço para aprender no grupo é retomado ao situá-lo no Método Socionômico de Aprendizagem, criado a partir da teoria do Psicodrama. Um dos elementos dessa metodologia é a importância de jogos/ brincadeiras de jogos dramáticos para o desenvolvimento da criatividade e da espontaneidade. Já em “Monitoramento e articulação. Estar junto: escuta e olhares atentos”, temos ciência do cuidado do Barreiros em dialogar com as organizações parceiras, seus procedimentos para inscrever novos participantes, a observação da frequência, bem como o planejamento e avaliação das atividades. A participação dos familiares nesse processo levou o projeto a criar um espaço dedicado a atender essa demanda, no que se refere ao processo de escolarização.

O oitavo capítulo do livro, “Em 2020, 2021: tempos de pandemia e Reinvenção”, aborda o trabalho, em Barreiros, no período do distanciamento social, em função da pandemia da Covid-19. O projeto, por exemplo, encontrou obstáculos acerca do uso da tecnologia para a realização das atividades. Este capítulo destaca a participação dos educadores para propor adequações frente à situação em que se encontravam. O capítulo final, “Palavras finais: para além do Barreiros ”, encerra a trajetória de dez anos percorrida no livro de Vassimon e Silvestre, porém, o projeto prossegue, com novas ideias e novos desafios. As ideias de Maturana encerram essa obra, com especial ênfase ao encontro no processo de ensino de aprendizagem, encontro este que tem o poder transformador de consciência e de atitude.

Barreiros: uma trajetória educativa entre mata e mar é uma importante obra de referência para o educador. A diversidade de textos e imagens é fonte de sugestões para enriquecer o processo educativo em qualquer espaço, principalmente, em instituições. A leitura desse livro tem um tempero especial para quem cursou Psicopedagogia no Instituto Sedes Sapientiae: as professoras Georgia e Chris, durante as aulas, citavam frequentemente Barreiros, com muito carinho e muita delicadeza. Reconhecemos esse mesmo cuidado na obra, assim como o respeito em dar voz a todas as pessoas que integram o projeto, fazendo do livro uma criação de muitas mãos.

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