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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.27 no.1 São Paulo June 2007

 

OBITUÁRIO

 

Haim Grünspum (* 16/08/1927 - † 14/10/2006)

 

 

Francisco Baptista Assumpção Jr.1

 

 

Coube-me a nobre tarefa de registrar o falecimento do ilustre colega, Prof. Dr. Haim Grünspum, ocupante da Cadeira nº 19 da Academia Paulista de Psicologia, cujo Patrono é Pedro de Alcântara Machado,. Seu valor foi incontestável, não somente na área da Psicologia como também da Psiquiatria da Infância e da Adolescência, especialmente no Brasil.

Falar do Prof. Haim é tarefa difícil, considerando sua dedicação imensurável no atendimento das nossas crianças e na formação das novas gerações de profissionais. Entretanto, exatamente em função dessas dificuldades é que agradeço a Academia Paulista de Psicologia por me permitir transmitir um pouco da vida que ele construiu através de seus significados e fatos marcantes.

Eu o conheci, ainda quando aluno da Faculdade de Medicina, em uma das salas da APAE-SP no momento em que ele e os Profs. Stanislau Krynski (ex-ocupante da Cadeira nº 37 desta Academia), Aron J. Diament e Benjamin J. Schimidt realizavam uma reunião da ABENEPI (Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil). Fascinado pelo encontro com esses profissionais ilustres, aos quais conhecia somente através de livros, senti-me privilegiado por poder desfrutar do tempo e da presença deles, mal sabendo que muitos anos depois teria a honra de poder ter o Dr. Haim como autor de capítulos em duas obras por mim organizadas e, neste momento, poder registrar importantes contribuições que o Acadêmico deixou para a posteridade.

Haim Grünspum nasceu em 16 de agosto de1927, na Romênia, filho de Hers Grünspum e Livsa Grünspum. Chegou a São Paulo, juntamente com seus pais em 1932, portanto ainda em tenra idade. Naturalizou-se brasileiro em 27 de julho de 1950, ainda jovem e ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo onde se formou em 1952 e, logo a seguir, em abril de 1953, prestou concurso público para cargo de Psiquiatra no antigo IAPC (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários). Ao ser aprovado, criou o curso, a convite, de Psicoterapia Lúdica no Instituto Sedes Sapientiae. Com a posterior implantação da Clínica Psicológica, no mesmo Instituto, foi nomeado seu Diretor Clínico, cargo o qual manteve durante o período de 1955 a 1975.

Graças a sua importância na área, o então Presidente da República, Jânio Quadros, autorizou, nessa época, a continuidade de convênio da Clínica Psicológica com o Hospital do IAPC para que crianças que necessitassem de atendimento psiquiátrico pudessem ser atendidas na Clínica do Sedes Sapientiae. Neste instituto, foi docente de Psicopatologia Infantil desde maio de 1953 e, ao ser criado o curso de Psicologia na PUC/SP, foi convidado a exercer o cargo de Professor de Psicoterapia Infantil e também, junto com outros professores, encarregou-se da Cadeira de Psiquiatria na Faculdade de Medicina da PUC/SP, cujas contribuições ele descreveu em seu livro de memórias Trem para o hospício,  publicado em 1980.

Como se não bastasse sua formação médica e psicológica, o nosso incansável colega, ao estudar os conflitos familiares, motivou-se por realizar o curso de Direito, formando-se em 1970. A partir daí, com esses conhecimentos, passou a participar em vários processos de julgamento de separação de casais, sendo indicado por diversos juízes. Em conseqüência, realizou cursos, proferiu palestras sobre mediação familiar e escreveu livros.

Assim, fruto de sua efetiva experiência profissional nos atendimentos clínicos e ludoterapêuticos em crianças, nos estudos realizados, inclusive na atualidade por internet, na docência que ministrava ia construindo seu incontestável legado através de publicações. Foram mais de 50 artigos em revistas nacionais e internacionais, além de uma variedade de livros nos quais registrou suas contribuições, muitas vezes inéditas, nas áreas de Psicologia, Psiquiatria, Educação e Direito.

Em um dos seus primeiros livros, publicado em 1961, intitulado Distúrbios psiquiátricos na criança, o saudoso colega apresentava diretrizes para a formação de profissionais vinculados à saúde mental da infância e da adolescência, tema ainda pouco divulgado na época. No de Distúrbios Neuróticos e Distúrbios Psicossomáticos, colocado ao público cinco anos depois, punha em destaque o valor do atendimento multidisciplinar à criança, em momentos em que pouco se falava da intervenção da equipe de vários profissionais no diagnóstico e tratamento dessa fase de vida. Na publicação Distúrbios Neuróticos da Criança, na segunda edição, sistematizou o diagnóstico e as linhas terapêuticas dos problemas da psicomotricidade e criou, no Sedes Sapientiae, um curso de especialização em psicomotricidade. Na quinta edição, com o subtítulo de Psicopatologia e Psicodinâmica, atualizado em seu conteúdo, colocou-o na internet, como evidenciava o seu espírito inovador, sempre ávido pelas novas possibilidades. Dentro dessa mesma direção de conjugar suas publicações à docência universitária, pois sempre tinha sua mente voltada à formação de especialistas, seguiu redigindo outros livros e artigos. São exemplos: Crianças e adolescentes com transtornos psicológicos, Psicoterapia lúdica de grupo com crianças; Mediação Familiar - o mediador na separação de casais com filhos. Trabalhou de maneira intensa na defesa dos direitos das crianças e, em conseqüência, publicou mais dois livros: Os direitos dos menores; e o Trabalho das crianças e dos adolescentes.

Foi também convidado por diferentes organizadores de livros participando com capítulos nas obras Psiquiatria, editada pela Organização Pan-Americana de Saúde; Pediatria Básica; Clinica Médica; Temas de Psiquiatria Infantil; Emergências em Psiquiatria Infantil; Esquizofrenia – Atualização do Diagnóstico e Tratamento; Tratado de Psiquiatria da Criança e do Adolescente; Do Suicídio; Patrimônio e Sucessão; Estatuto da Criança e do Adolescente comentado, o que justifica mais ainda sua importância e penetração no ambiente psicológico e psiquiátrico brasileiro e latino-americano. Prefaciou, a convite, diferentes obras.

Digno de registro foi sua atuação em entidades e associações profissionais e nas dedicadas ao bem-estar da família e da criança. Participou da fundação da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil (ABENEPI) juntamente com o saudoso Stanislau Krynski e também António Lefévre, também falecido; foi seu Presidente e organizou e dirigiu congressos sob os auspícios dessa entidade. Ultimamente atuou como vice-presidente da Associação Internacional de Psiquiatria Infantil. Participou ativamente de muitas outras associações das quais são destacadas as seguintes: Associação de Psicologia de São Paulo; Sociedade Rorchach de São Paulo; Liga Brasileira contra a Epilepsia; Associação Paulista de Medicina; e Associação Brasileira de Psiquiatria.

Durante a década de 60, colaborou ativamente na fundação da Escola de Pais do Brasil, movimento voluntário de educação dos pais através de profissionais e genitores mais esclarecidos. Daí por diante, foi efetivo mentor desse movimento, especialmente na organização dos eventos por ela promovidos. Dessa experiência, iniciou uma série de publicações sobre temas relacionados com a vida em família. Publicou, com sua esposa Feiga, enfermeira diplomada psicóloga, importantes trabalhos como: Autoridade dos pais e educação da liberdade; Casamento e acalanto; Assuntos de família, pais e filhos e tóxicos, entre outros. Sua participação nessa associação foi tão significativa que foi objeto várias vezes de reconhecimento e, inclusive, postumamente.

Proferiu mais de 200 conferências em diferentes serviços especializados, ministrou diversos cursos, em vários locais do País como o já referido Psicoterapia Lúdica de Grupo com crianças, este sendo o primeiro curso de extensão universitária referente ao tema; Mediação Familiar; Resiliência, a Imunidade Psicológica; e Resiliência e Violência ambos abrindo, também, um novo campo na Psicologia; todos através da PUC/SP. Participou de inúmeros congressos especializados e mais de 100 deles em conferências e participação em simpósios.

Entre 2000 e 2005, como alguém sempre ligado a novas possibilidades e alternativas, planejou programa, via internet, de consultoria na área psicológica, sobre bibliografias, projetos e pesquisas, participando também de diferentes entrevistas em TV como as de filhos únicos e pais com idade avançada e sobre Psicologia da criança e do adolescente.

Deixou, por razão do seu falecimento, em 14 de outubro de 2006, sua esposa e três filhos, dois dos quais, Henrique e Suzana, também médicos e a outra, falecida.

Temos que considerar que Haim Grünspum foi muito além do simples reconhecimento acadêmico e institucional, o que se pode considerar como um dos baluartes na construção da Psicopatologia Infanto-Juvenil no Brasil.

Por tudo isso, representado sobejamente através de seu legado teórico e de sua vida cotidiana, sua figura transcenderá a própria morte fazendo com que dele nos recordemos com orgulho por termos podido conhecê-lo e participando, um pouco, de sua convivência mas, principalmente por tudo aquilo que nos deixou e que permanecerá durante muito tempo. Sua esposa, psicóloga, seus dois filhos, médicos, e demais participantes de sua vida familiar e profissional certamente continuarão enriquecendo o seu legado como se ele estivesse presente entre nós.

Morrer, dormir, sonhar quem sabe se é tão grande o espaço. (O. Bilac)

 

 

Enviado em: 02/02/2007
Aceito em: 28/02/2007

 

 

1 Contato: E-mail cassiterides@bol.com.br / arletema@usp.br