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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.27 no.2 São Paulo Dec. 2007

 

ATOS DA ACADEMIA

 

Posse dos acadêmicos

 

Academics taking office

 

 

CERES ALVES DE ARAÚJO, FRANCISCO BAPTISTA ASSUMPÇÃO JR., MARIA REGINA MALUF, MARILDA EMMANUEL NOVAES LIPP E MARINA PEREIRA ROJAS BOCCALANDRO.

Realizou-se, no dia 15 de junho do presente ano, a Sessão Solene de Posse dos Acadêmicos supra-citados, no Auditório Ernesto Igel do Centro de integração Empresa-Escola (CIEE), local cedido a esta Academia nos termos do convênio recentemente firmado com aquela entidade.

Expressiva audiência abrilhantou o ato que contou com a presença de autoridades do meio político e acadêmico do nosso país, a saber: representantes de outras Academias, da Prefeitura Municipal da cidade de São Paulo, do Instituto de Psicologia da USP, da Faculdade de Psicologia da PUC/SP, da PUC/ Campinas, da UNICAMP, da UnB, da UNESP, da UMESP e da Universidade Castelo Branco, além de um número significativo de Acadêmicos deste sodalício. Abrilhantaram também o evento amigos e familiares dos Patronos e dos Acadêmicos homenageados, bem como dos que foram empossados.

Atividades protocolares deram início ao Ato: composição da Mesa, entrada solene dos Acadêmicos, introdução ao recinto dos novos Titulares, Hino Nacional, abertura oficial da Sessão por Arrigo Leonardo Angelini, Presidente da Academia, e comunicação de autoridades que justificaram a ausência como o Governador do Estado de São Paulo, Dr. José Serra.

O Senhor Presidente procedeu ao ato de posse dos novos Acadêmicos, solicitando-lhes prestarem juramento nos seguintes termos:

Prometo cumprir fielmente com os deveres que me competem junto à Academia Paulista de Psicologia, propugnando pelo progresso deste sodalício, cujo objetivo principal é o de preservar a memória e estimular o desenvolvimento da ciência psicológica em prol do bem-estar humano.

Em seguida, teve lugar a cerimônia da outorga dos Diplomas e do Colar Acadêmico aos novos Titulares com a Declaração de Empossados pelo Presidente da Academia nas correspondentes Cadeiras, como segue:

- Marina Pereira Rojas Boccalandro
Cadeira nº 13, "Ferraz Kehl"
Antecessor: Juan Pérez-Ramos

- Francisco Baptista Assumpção Jr.
Cadeira nº 17, "Jean Maugüé"
Antecessora: Maria Helena C. F. Steiner

- Ceres Alves de Araújo
Cadeira nº 39, "Leão Bruno"
Antecessor: Agostinho Minicucci

- Marilda Emmanuel Novaes Lipp
Cadeira nº 7, "Oscar Freire"
Antecessor: Carlos Del Nero

- Maria Regina Maluf
Cadeira nº 28, "Pompeo de Toledo"
Antecessora: Maria José de Barros Fornari de Aguirre

Uma vez empossados, a Acadêmica Yolanda C. Forghieri (C.1) usou da palavra para saudar Marina Pereira Rojas Boccalandro, Francisco Baptista de Assumpção Jr. e Ceres Alves de Araújo. Por sua vez, a Acadêmica Geraldina Porto Witter (C.23) saudou Marilda Emmanuel Novaes Lipp e Maria Regina Maluf. Ambas as oradoras, nas boas-vindas aos novos Acadêmicos, ressaltaram os seus importantes méritos no desenvolvimento da ciência psicológica.

Ato seguido, os novos Titulares pronunciaram seus discursos, os quais resultaram em significativo valor histórico, mormente pelas homenagens que prestaram aos Patronos e aos Acadêmicos que os antecederam nas Cadeiras que passam a ocupar, além do próprio posicionamento perante a ciência psicológica e como Acadêmicos. Foram unânimes em considerar esta Academia como entidade aberta na aceitação dos seus membros, sejam eles de diferentes áreas ou adeptos de diversos enfoques doutrinários, respeitando a pluralidade de concepções para melhor compreender o ser humano. Tais documentos farão parte do Acervo Técnico e Científico da Academia seja para enriquecê-lo, seja para consulta dos interessados.

Transcreve-se, neste Boletim, apenas um Discurso de Posse como exemplo da significação de um documento dessa natureza:

 

Discurso de Posse de Maria Regina Maluf

Saudações aos Acadêmicos e demais autoridades presentes, alunos, ex- alunos, amigos e familiares. É feita uma saudação especial aos familiares da antecessora, Doutora Maria José de Barros Fornari de Aguirre, na pessoa de sua filha Ana Maria e esposo Renato; do filho José Luiz e esposa Célia; do filho Alberto.

Nota biográfica sobre a antecessora e sobre o Patrono da Cadeira 28

A professora Maria José (*27/8/1921 - †28/8/2005) assumiu a Cadeira nº. 28 em 22 de agosto de 1980. Um passeio por sua rica biografia nos mostra que concluiu seu Curso de Pedagogia na Universidade de São Paulo (USP) no ano de 1942, quando ainda eram raras as mulheres que ascendiam à Universidade. Fez viagem de estudo ao Chile, com bolsa de estudos da Universidade do Chile, onde permaneceu por alguns meses. Ao retornar ao Brasil, passou a atuar como Assistente da Cadeira de Psicologia Educacional na mesma USP. Sua tese de doutoramento, orientada pela Doutora Noemy da Silveira Rudolfer (ex-ocupante da C.2), na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP, foi publicada em 1953, quando publicações científicas, especialmente teses, ainda eram bastante escassas em nosso país, sob o título de Afeição, cólera e medo entre adolescentes estudantes da cidade de São Paulo. Essa trajetória mostra seu pioneirismo, quando as mulheres tinham que vencer pesados obstáculos de gênero para assumir papéis na sociedade.

Continuou ministrando disciplinas, realizando pesquisas em Psicologia e publicando. Lembramos aqui uma publicação de 1956, sob o título de Dislexia e imaturidade de trabalho, duas causas freqüentes da reprovação no primeiro grau da escola primária. Esse é um tema de grande relevância social e recorrente ainda nos dias de hoje. Conquistou sua Livre-docência, na Cadeira de Psicologia Educacional, em 1965, com a tese Significado de alguns fatores psicológicos no rendimento em leitura. Em 1967 publicou, em colaboração com Nilce Pinheiro Mejias, os resultados de importante pesquisa sob o título de Percepção da vertical: alguns estudos sobre a prova de haste e moldura com universitários brasileiros, no primeiro número da Revista Interamericana de Psicologia, da Sociedade Interamericana de Psicologia (SIP). Maria José foi aprovada em concurso para Professor Titular em Psicologia da Personalidade no recém-criado Instituto de Psicologia da USP (IPUSP), em novembro de 1973. Orientou teses de doutorado, foi membro de numerosas comissões examinadoras, exerceu cargos de responsabilidade na USP.

Meus caminhos se cruzaram com os da professora Maria José quando, tendo eu concluído meus anos de formação em Psicologia na Bélgica (1973), voltei ao Brasil e o professor Arrigo Leonardo Angelini, então diretor do IPUSP encaminhou-me para conversar com ela, com vistas a um possível trabalho nessa unidade. É muito grato para mim registrar que eu havia procurado o professor Arrigo no IPUSP para lhe oferecer um volume de minha tese de doutorado que, sendo sobre motivação, tinha elementos conexos com seus interesses em Psicologia. Ademais, ele me ajudara para que eu pudesse coletar dados na Universidade de São Paulo.

Esse primeiro encontro com a professora Maria José foi inesquecível, pela importância de que se revestem, para um recém-formado, os primeiros contatos com renomados docentes, num momento em que o jovem tem a expectativa de iniciar sua carreira acadêmica. Fui recebida com gentileza, atenção, tivemos conversas esclarecedoras, tanto do ponto de vista profissional quanto do ponto de vista dos valores humanos. Nos anos seguintes trabalhei no IP/USP tendo-a como colega e como autoridade, na chefia ou na direção do IP e com ela muito aprendi (a professora Maria José foi Diretora do IP de 1980 a 1984).

Foi com surpresa e alegria que recebi o generoso convite para candidatar- me à Cadeira que lhe pertencera. Agradeço aos queridos amigos e colegas, Arrigo Leonardo Angelini, Romeu Moraes de Almeida, e, de tão grata memória, Juan Pérez-Ramos, a iniciativa da indicação de meu nome para integrar esta prestigiosa Academia.

A Cadeira nº 28, que passo a ocupar, tem como Patrono Maria da Penha Pompeu de Toledo, conhecida como Talita. (16/01/1914 - 27/11/1971). Houve sem dúvida boas razões para que ela fosse escolhida como Patrono de uma das Cadeiras da Academia Paulista de Psicologia. Talita morreu muito cedo, aos 57 anos, mas foi tempo suficiente para conquistar méritos que levaram a dar seu nome à Cadeira nº. 28. Das 40 Cadeiras, somente duas mulheres são Patronos: Maria da Penha (Cad.28) e Elza Barra (Cad.35). Em 1939 Talita ocupou o cargo de 3ª Assistente Efetiva da Cadeira de Psicologia Educacional, dirigida pela Dra. Noemy da Silveira Rudolfer na USP. Talita era psicanalista de crianças. Escreveu vários artigos sobre contos infantis, sob a óptica da psicanálise: Branca de Neve, João e Maria, Gata Borralheira e outros. Entre suas publicações registra-se no Boletim da Sociedade de Psicologia de São Paulo - hoje Associação - um interessante e pioneiro artigo (Toledo, 1962) sob o título Que é a psicanálise. Que é um psicanalista. O que ambos não são.

Meu posicionamento perante a ciência psicológica

Cabe-me agora explicitar meu posicionamento teórico-prático perante a ciência psicológica. Gostaria de começar com três assunções que considero como fundamentais.

Começarei afirmando que entendo a ciência como um modo de conhecer e entendo a Psicologia como sendo uma ciência. O astrônomo Carl Sagan publicou em 1995 um livro com o título original The demon-haunted world. Tive acesso a ele um pouco mais tarde, na edição em português, publicada sob o título de O mundo assombrado pelos demônios. A ciência vista como uma vela no escuro (Sagan, 1996). Sagan inspirou-se, para escolher o título de seu livro, em Thomas Ady que escreveu, em 1656, A candle in the dark, referindo- se à ciência vista como uma vela no escuro. Essa foi então uma das pouquíssimas vozes que se ergueram no silêncio que envolveu a febre da caça às bruxas na Europa do século XVII. O mundo sem ciência é o mundo assombrado pelos demônios.

Uma segunda assunção consiste em afirmar o caráter necessário da experimentação para constituir o pensamento científico. A especulação não cria evidências. É preciso experimentar. Sempre que possível, os cientistas experimentam. Sob diversas formas, a busca do pensamento científico faz parte de nossa cultura. Uma das maneiras de estimular o pensamento racional- científico entre nossos estudantes é promover o confronto entre a ciência e a pseudociência ou outros modos de conhecer. Aqui tomo novamente palavras emprestadas de Sagan: "a ciência está longe de ser um instrumento perfeito de conhecimento. É apenas o melhor que temos. E nesse aspecto, como em muitos outros, ela se parece com a democracia" (Sagan, 1997, p. 41). A ciência se parece com a democracia quando se reconhece como não sendo perfeita, mas é reconhecida como o melhor que temos na busca de melhores condições de vida para a humanidade; quando por definição exige o confronto, a crítica, o debate. A ciência não nos dá todo o conhecimento, mas nos dá um certo tipo de conhecimento, que pode ser utilizado de acordo com nossa visão de mundo.

Nossa terceira afirmação é também inspirada em Sagan. Mais do que um corpo de conhecimento, a ciência é um modo de conhecer e, conseqüentemente, um modo de pensar. A ciência nos convida a acolher os fatos, mesmo quando eles não se ajustam aos nossos a priori. A ciência nos ensina a guardar sempre hipóteses alternativas, que serão evocadas para buscar a melhor resposta de compreensão da realidade. A ciência nos pede exame cético e rigoroso das idéias, num desafiador equilíbrio de abertura a tudo que é novo, por mais estranho que nos possa parecer. A ciência caminha com um mecanismo de correção de seus próprios erros, pois no conhecimento científico nada é absolutamente certo... porque onde há duvida, há liberdade (provérbio latino).

Assim vemos a Psicologia como sendo um modo de conhecer e um modo de pensar, que necessita e utiliza sempre que possível a experimentação. Dito de outro modo, a Psicologia é uma ciência porque preserva um modo específico de conhecer.

Nas suas origens, a Psicologia foi vista como sendo o estudo da "alma". Hoje se considera que a Psicologia como ciência é um modo de pensar as questões da psique, do comportamento. O marco histórico do nascimento da Psicologia como ciência, considerado como sendo a criação do Laboratório de Psicologia Experimental por Wundt em Leipsig, em 1879, pode ser visto como a consolidação, na comunidade nascente de psicólogos, de um novo modo de pensar essas questões. O novo modo de pensar é ao mesmo tempo imaginativo e disciplinado; baseado na verificação, na confrontação, na crítica, no aperfeiçoamento sucessivo de nosso entendimento; no aprendizado por meio de nossos erros, sabendo que a certeza absoluta sempre nos escapará, e que, o que podemos, é reduzir as margens de erros e ampliar as probabilidades de estarmos certos.

Período de formação em Psicologia

Devo meus primeiros encontros com a Psicologia ao meu mestre no curso de Pedagogia da PUC de Campinas, Enzo Azzi, o doutor Enzo (ex-ocupante da Cadeira nº. 10), como o chamávamos. Um pouco mais tarde, a Antonius Benko, o padre Benko, meu professor no início de meu curso de Psicologia na PUC do Rio de Janeiro. Ambos me ensinaram uma Psicologia científica porque baseada em evidências e ao mesmo tempo profundamente humana porque comprometida com a busca de resposta às perguntas por natureza vinculadas às questões comportamentais.

A história da Psicologia mostra o surgimento de diferentes áreas, como a clínica, industrial, social, educacional. Ao concluir meu curso básico de Psicologia, na Universidade de Louvain (Bélgica), eu sabia um pouco das diferentes áreas. Era hora de aprofundar em uma temática para elaborar a pesquisa de "segunda- licenciatura", segundo a denominação utilizada na Universidade de Louvain. Escolhi a linha de trabalho de um de meus professores, Joseph Nuttin. Ele investigava na área da Motivação Humana e Perspectiva Temporal do Futuro e passou a ser meu orientador. Fiz a pesquisa que corresponderia ao nosso mestrado e logo depois o doutorado.

Com Nuttin aprendi sobre a dinâmica da motivação e da perspectiva do tempo futuro na vida humana. Aprendi muito sobre a elaboração cognitiva das necessidades: como somos motivados por nossos desejos e medos e os elaboramos sob a forma de planos e projetos de ação. Enfim, sobre a concepção relacional da motivação humana (Maluf, 1968; 1972).

Docência e pesquisa em Psicologia do Desenvolvimento e da Educação

Os temas de estudo, teoria relacional da motivação humana e perspectiva do tempo futuro, estavam próximos das questões educacionais, de modo mais implícito do que explícito. Ao iniciar meu trabalho de docência e pesquisa na Universidade, em 1973, comecei a aproximar-me cada vez mais da Psicologia Educacional em suas interfaces com a Psicologia do Desenvolvimento. Devo isto, em grande parte, ao meu inesquecível mestre Joel Martins, que conheci por meio de meu irmão, de vivíssima memória, José Roberto Malufe, professor da PUCSP, inspirador do Grupo de Estudos sobre Identidade, que leva seu nome.

Ensinei e orientei pesquisas sobre motivação em situações de sala de aula, e sobre a Psicologia do Pré-escolar baseada em Piaget, publiquei sobre esses temas.

Em 1979, mediante recomendação de Joseph Nuttin, fui recebida em Los Angeles, na Universidade da Califórnia (UCLA), por Bernard Weiner, para um pós-doutorado. Assim ampliei meus conhecimentos de motivação com o enfoque da atribuição causal, na tradição de Fritz Heider e depois dele de Harold Kelley.

Fiz e orientei pesquisas no enfoque atribucional da motivação, que foram publicadas em co-autoria com meus alunos, tratando de temas como: o valor que o professor atribui à capacidade, esforço e resultado obtido pelos alunos em contextos de realização escolar; atribuições causais às experiências de sucesso e fracasso escolar.

Na segunda metade da década de 70 e na década de 80, aprofundou-se meu trabalho de docência e pesquisa na área da Psicologia Educacional. Tive intensa atuação como coordenadora de programa de pós-graduação, como consultora da CAPES e assessora a grupos emergentes de pesquisa em diferentes regiões do País.

Cabe lembrar que em 1978 tinha sido criada a Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPED). Alguns anos depois surgiu a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Psicologia (ANPEPP). Em 1980 teve lugar a 1ª. Conferência Brasileira de Educação (CBE). Em todas elas tive intensa atuação, sob as mais diferentes formas. O País agitava-se, saindo do regime militar em busca da "redemocratização". A sociedade civil organizava- se. No mundo acadêmico falava-se em "relevância social da pesquisa" e no "compromisso social do pesquisador". As metodologias clássicas eram questionadas e surgiam "novos métodos" considerados como sendo mais adequados à nossa realidade social. Falava-se e discutia-se muito sobre pesquisa/ação, pesquisa participante, métodos qualitativos. Na Educação o grande tema era o "fracasso escolar"; na Psicologia os psicólogos se intimidavam frente às críticas de medicalização, patologização dos problemas vividos na escola, a ponto de consolidar-se, em muitos deles, a crença na incapacidade da Psicologia para oferecer respostas aos problemas da escola. Muitos psicólogos transformavam-se ou travestiam-se de sociólogos. Mas, em meio às contradições próprias dos períodos de mudança, Educação e Psicologia se acercavam aos problemas concretos vividos na sociedade brasileira.

Minha trajetória acadêmica sempre foi pontuada, isto é, intensamente influenciada, por participações em congressos e reuniões científicas de caráter internacional, além das nacionais. Em 1976 participei do Congresso Internacional de Psicologia, promovido pela International Union of Psychological Sciences (IUPsyS), que se realizou em Paris. Nele foi feita uma homenagem a Piaget pelos seus 80 anos e ele leu pela 1ª. vez o manuscrito de O Real, o Possível e o Necessário, tema que assumiu mais tarde enorme importância teórica em sua produção. No enfoque piagetiano e entrando na questão da alfabetização, aprendi com Emilia Ferreiro a entender melhor a influência do contexto social na aprendizagem da linguagem escrita. Mais tarde escrevi o texto "Alfabetização na pré-escola: conceitos e pré-conceitos" (Maluf, 1987), no qual defendi a urgência e necessidade de introduzir as questões da alfabetização com as crianças de meios populares na pré-escola. Recentemente o tema foi retomado sob a óptica do papel do psicólogo escolar na alfabetização (Maluf, 2005).

Eu queria entender a "pesquisa participante", ou "pesquisa/ação", de cujas virtudes tanto se falava na época. O Centre de Recherche de l´Éducation Spécialisée et de l´Adaptation Scolaire (CRESAS), ligado ao Institut National de la Recherche Pédagogique (INRP), em Paris, atraía a atenção de muitos brasileiros. Em 1988, com apoio do CNPq consegui um estágio de pós-doutorado e fui para Paris, trabalhar com Mira Stambak e sua equipe. Foram sete meses de grandes aprendizagens e de novas experiências, em que tive oportunidade de conhecer organizações, institutos, grupos de pesquisa, que muito me ensinaram. Com a equipe do CRESAS aprendi um novo modo de pesquisa aplicada, que estava sendo feita em escolas da "zona de educação prioritária", ou seja, com crianças provenientes de famílias de baixa-renda, sobretudo filhos de imigrantes.

O trabalho de pesquisa sob a forma de participante não me conquistou. Pareceu-me ser portador de exigências metodológicas que não podiam ser atendidas em minhas condições concretas de trabalho. Mas o contato com a equipe do CRESAS me ensinou muito sobre a intersubjetividade na pesquisa, o respeito no trato com os participantes, os efeitos das condições de trabalho do professor e a importância de suas motivações. Ensinou-me o que era seu lema: toda criança é capaz de aprender se lhe forem dadas condições para isso.

Em 1994 o Conselho Federal de Psicologia (CFP) elaborou um Programa de Estudos e Debates sobre a Formação e Atuação do Psicólogo, do qual o primeiro produto foi Quem é o psicólogo brasileiro (1988). O segundo foi Psicólogo Brasileiro: Construção de novos espaços (1992). E o terceiro, do qual participei, foi Psicólogo Brasileiro: Práticas emergentes e desafios para a formação (CFP, 1994).

Nesse terceiro livro, está o resultado de minha pesquisa sobre Formação e atuação do psicólogo na educação: dinâmica de transformação (Maluf, 1994). Tratava-se de conhecer as formas emergentes de trabalho do psicólogo escolar, por meio de entrevistas com psicólogos que tivessem idéias e atividades inovadoras. Buscava-se iluminar as atuações adequadas ao nosso contexto social, afirmativas das possibilidades da Psicologia como ciência, em contraposição a críticas destrutivas que não traziam alternativas.

Foi nesse período que me envolvi com o tema da formação e atuação do psicólogo escolar. E orientei teses que não se limitavam às denúncias, mas antes, apresentavam alternativas.

Com incentivo da ANPEPP fizemos muitas apresentações e debates em reuniões científicas a respeito da Psicologia no Brasil e da Psicologia Educacional. A Associação Brasileira de Psicologia Escolar/Educacional, ABRAPEE, recém-criada, organizou seu primeiro encontro, do qual participei com o tema: Psicologia e Educação: Paradoxos e horizontes de uma difícil relação (Maluf, 1992).

Em 1997 foi realizado no Brasil, pela terceira vez, um Congresso Interamericano de Psicologia (o 37º Congresso). Com incentivo da Sociedade Interamericana de Psicologia (SIP), participamos de equipes interamericanas para realização de um extenso projeto de pesquisa sobre a formação e a atuação dos psicólogos no continente americano (Maluf, 1999; 2001; 2003).

As várias oportunidades de relações internacionais estão na origem de um Projeto de Cooperação Internacional, CAPES/COFECUB, que deu novo impulso ao nosso Grupo de Pesquisa Escolarização Inicial e Desenvolvimento Psicológico -EIDEP- (encontrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq). Os estudos do EIDEP se distribuem em duas grandes vertentes da Psicologia da Educação e do Desenvolvimento: Desenvolvimento sociocognitivo e teoria da mente e Metalinguagem e alfabetização (Maluf, 2005a e 2005b). Tratam desses temas nossas publicações mais recentes, em colaboração com nossos alunos e ex-alunos de mestrado e doutorado, da equipe brasileira e da equipe francesa.

Acreditamos na Psicologia como ciência capaz de oferecer respostas para os desafios e necessidades da sociedade brasileira. A Psicologia no Brasil, particularmente a Psicologia Educacional/Escolar, caminha na busca de respostas aos problemas educacionais das escolas brasileiras. Mas, falar em Psicologia no Brasil significa para nós ter parceiros válidos na comunidade científica como construção universal. É o que tentamos expressar quando escrevemos sobre a participação de psicólogos brasileiros na Sociedade Interamericana de Psicologia, suas contribuições e perspectivas (Maluf, 2004). E igualmente quando escrevemos sobre o tema da disseminação da pesquisa realizada por psicólogos latino-americanos, que escrevem em sua língua materna, espanhol ou português "brasileiro" (Adair, Maluf, Kashima, Pandey, 2006).

Posso hoje afirmar que ao longo do tempo fui construindo minha própria maneira de pensar a respeito da ciência psicológica. Devo isso ao ensino de excelentes professores pesquisadores, às oportunidades que tive de participar de encontros científicos e a uma reflexão que só se tornou possível com a passagem dos anos. Assim aprendi que formas diversas de explicação da mesma realidade podem ser rivais; que os grandes sistemas psicológicos tiveram sua importância histórica; que as explicações a respeito do comportamento humano são ainda parciais; que é preciso procurar a melhor resposta para os problemas e que nem sempre essa resposta se encontra na hipótese previamente aceita; que o conhecimento está em construção; que diferentes metodologias produzem diferentes respostas e a melhor deve ser escolhida. Daí minha aversão a radicalismos, a pensamentos monolíticos e consensuais.

Permito-me concluir com duas considerações finais.

A Psicologia Educacional avançou no Brasil. Nos últimos 50 anos, passamos da repetição de temas lidos em manuais - em língua estrangeira ou traduzidos para o português brasileiro - para a produção própria de pesquisas e textos. Começamos a ter uma tradição de pesquisa proveniente, sobretudo, de nossos cursos de pós-graduação, cuja qualidade vem sendo preservada pelo sistema de avaliação e acompanhamento implantado com sucesso desde

1969. A Psicologia Educacional avançou na direção de tratar os temas relevantes de modo apropriado às nossas características culturais. Uma análise comparativa entre as apresentações no 1º. Congresso da ABRAPEE em 1992 e o último, em 2007, permitem-nos visualizar esse percorrido. Eu penso que "um novo psicólogo escolar" está surgindo (Maluf, 2003). É verdade que falta avançar muito. A Educação ainda não ocupa em nosso país o lugar prioritário a que tem direito.

A formação de nossos estudantes como pesquisadores é condição necessária para que possamos oferecer cursos de ensino superior capazes de formar profissionais competentes. É preciso investir nessa formação e isto se faz em colaboração e parceria com equipes avançadas na pesquisa. Dos profissionais formados nas instituições de ensino superior depende em grande parte o futuro da educação brasileira.

Acolhida como Titular na Academia Paulista de Psicologia

Ser recebida na Academia Paulista de Psicologia por colegas que respeito e com os quais muito tenho aprendido é uma experiência geradora de novos estímulos e também de novas exigências e compromissos. Não a vejo como afirmação de méritos e sim como generoso convite para integrar um novo círculo de relações, dedicadas a promover e estimular o progresso da Psicologia como ciência, a serviço de todos, na construção de uma sociedade melhor. Assim resumo os fins da Academia Paulista de Psicologia, que desde sua criação no ano de 1979, percorre caminhos e aponta direções de atividades para o psicólogo cidadão, solidário com as urgências e necessidades de seu tempo.

 

Referências bibliográficas

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