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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.27 no.2 São Paulo Dec. 2007

 

RESENHA DE LIVROS

 

 

Cleusa Kazue Sakamoto 1

Sociedade Paulus de Tecnologia e Comunicação - FAPCOM

Endereço para correspondência

 

 

FLEITH, D.S.; ALENCAR, E.M.L.S. (orgs.) (2007) Desenvolvimento de Talentos e Altas Habilidades - Orientação a pais e professores. Porto Alegre: Artmed, 188p.

A obra representa destacada contribuição no campo do desenvolvimento de talentos e altas habilidades, na medida em que discute inúmeros aspectos que envolvem o desenvolvimento e a assistência a indivíduos que demonstram potenciais diferenciados. Com a proposta de oferecer informações fundamentais e promover uma discussão sobre este grupo diferenciado de crianças e jovens, o livro esclarece dúvidas e desfaz enganos, mostrando-se uma resposta efetiva a questões presentes no cotidiano de escolas e lares, destacando as peculiaridades da avaliação psicológica.

A Profª. Eunice Alencar, uma das organizadoras e co-autora da presente obra, destaca que o ser humano com elevado potencial criativo pode tanto utilizá- lo para benefício da humanidade, quanto para outros objetivos que são contrários ao bem comum. Esta última possibilidade, apreciada no contexto de nossa realidade atual, deve nortear, com prioridade, as ações educacionais com vistas à prevenção de problemas sociais, uma vez que vemos no cotidiano, freqüentemente, a divulgação de memoráveis ações criadoras destrutivas ao lado das construtivas, muitas vezes editadas pela mídia com demasiada indiferença crítica. Provavelmente a acentuada revelação de ações destrutivas do ser humano e mesmo a falta de crítica na constatação dessas ações são resultantes, em boa parte, de altas capacidades, oportunidades (acesso livre à diversificada informação em cadeia global), aliada à carência de orientação e proteção adequada ao desenvolvimento de crianças e jovens. O encaminhamento adequado do ser humano, com potencial diferenciado para o desenvolvimento de suas habilidades, pode, seguramente, representar um projeto de grande relevância científica e social no presente e futuro da humanidade.

A obra Desenvolvimento de Talentos e Altas Habilidades reúne um grupo de especialistas que apresenta com clareza uma exposição de diversos aspectos que envolvem o campo da superdotação. O livro está organizado em três partes que permitem uma visão delimitada das características do indivíduo com altas habilidades: (Parte I); uma apreciação acerca da avaliação de altas habilidades e talentos (Parte II); e uma apresentação de fatores de influência no desenvolvimento de talentos e altas habilidades - relativos à família, à escola e à cultura (Parte III).

Na Parte I, Jane Farias Chagas apresenta no Capítulo 1, diferentes concepções de superdotação e talento, relacionando características individuais, assim como fatores familiares e culturais; apresenta um interessante quadro de características da superdotação e possíveis implicações positivas e negativas decorrentes que podem ser observadas em sala de aula.

Ângela Mágda Rodrigues Virgolim, no Capítulo 2, discute altas habilidades e desenvolvimento intelectual, oferecendo uma clara explanação sobre a evolução do conceito de inteligência e destacando a sua perspectiva multifatorial. A abordagem do desenvolvimento intelectual é fundamental ao entendimento da criatividade e deve ser valorizado no conjunto do desenvolvimento de talentos.

Denise de Souza Fleith, uma das organizadoras desta obra, apresenta, no Capítulo 3, um debate sobre o desenvolvimento socioemocional e altas habilidades, e propõe estratégias de assistência emocional e social a crianças superdotadas. É interessante considerarmos que os aspectos emocionais da personalidade são extremamente importantes em crianças superdotadas e raramente recebem a atenção de pesquisadores que se limitam ao estudo de competências. Neste capítulo encontramos uma relação de características emocionais e sociais freqüentemente associadas a crianças com altas habilidades que são fundamentais na determinação do processo do desenvolvimento global do indivíduo, tais como a perseverança, a independência de pensamento e a elevada consciência de si. Essas características, do ponto de vista do potencial criativo, sustentam a atividade criadora tanto na originalidade das soluções imaginadas quanto na concretização de suas aspirações.

Vanessa T. A. Tentes de Ourofino, no Capítulo 4, aborda as altas habilidades, muitas vezes confundidas com hiperatividade - situação que, devido ao insuficiente conhecimento em relação à diferenciação adequada de suas caracterizações, provoca inadequações principalmente no ambiente escolar. Encontramos neste capítulo orientações sobre a identificação do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) e recomendações a profissionais da área médica e da equipe escolar (professores e psicólogo educacional) como também aos pais, em termos do manejo adequado da criança e suas dificuldades.

Ana Valéria Marques Fortes Lustosa, no Capítulo 5, discute o desenvolvimento moral de alunos com altas habilidades, ressaltando a importância da constituição da personalidade desses indivíduos. A autora menciona um estudo seu com crianças que demonstram essas habilidades no domínio da moral pró-social, relacionando suas principais características, a saber: compaixão, sensibilidade ao sofrimento alheio, empatia, sentimentos profundos e proteção aos necessitados. Ressalta que o grupo de crianças com altas habilidades não é homogêneo e, portanto, não é possível fazer generalizações, mas afirma que muitos desses indivíduos demonstram uma destacada preocupação com os problemas mundiais (preservação das espécies, guerras, miséria) e, neste sentido podem vir a ser importantes benfeitores para a humanidade.

Na Parte II, Tânia Gonzaga Guimarães, no Capítulo 6, aborda a avaliação psicológica de alunos com altas habilidades: apresenta o processo indicado para a avaliação e nesta discute o papel do psicólogo, do professor e da família. Esse processo abrange oito sessões que se iniciam com a entrevista com os pais ou responsáveis, seguido de seis sessões com o aluno e é concluído com entrevista devolutiva para os pais e para os professores. Os instrumentos utilizados incluem testes conhecidos de inteligência (Teste de Matrizes Progressivas de Raven, a Escala Wechsler de Inteligência para Crianças [WISC]), o Teste Torrance de Pensamento Criativo e inúmeras atividades (jogos como quebra-cabeça e memória, e brincadeiras como liga-pontos e palavras cruzadas) que avaliam o autoconceito e a criatividade. A avaliação, afirma a autora, deve ser criteriosa e consistente, tanto na escolha de instrumentos, quanto no embasamento teórico e no relacionamento com os envolvidos. Destaca a importante contribuição do professor treinado para lidar com os alunos com altas habilidades, na medida em que ele poderá participar desde a identificação do educando a partir de seu potencial diferenciado até ao oferecimento do suporte curricular significativo de acordo com as suas necessidades. Destaca a participação da família no sentido de valorizar os interesses e os esforços criativos e monitorar as aspirações e estratégias de solução de problemas dos indivíduos com altas capacidades.

No Capítulo 7, Tatiana de Cássia Nakano e Solange Muglia Wechsler prosseguem com o tema da avaliação psicológica, apresentando uma relação de quatorze características para a identificação do talento criativo e sugerem inúmeras atividades a serem desenvolvidas em sala de aula para a estimulação da criatividade. É interessante observar que, na sugestão de atividades, as autoras incluem diferentes problemas que permitem estimular variadas capacidades e envolvem diversos aspectos do ser humano - a fluência e flexibilidade de pensamento, a capacidade de análise e síntese, o planejamento estratégico, a imaginação e inovação, a emoção, a independência de julgamento e a crítica social, a espontaneidade e autoconfiança, a intersubjetividade. Dentre as atividades sugeridas, encontra-se o planejamento do futuro que pode ser considerado extremamente especial no sentido de contemplar a integração de aspectos afetivos, intelectuais e conativos do indivíduo. Essa atividade pode ser altamente reveladora do potencial criativo do sujeito já que pressupõe a mobilização da imaginação com profundas implicações pessoais e práticas e que permitem a manifestação de aspirações e temores inconscientes da personalidade.

Afonso Galvão, no Capítulo 8, aborda o desenvolvimento do talento musical, referindo a personalidade e estilo cognitivo do músico, as fases de aprendizagem e os fatores de influência do ambiente de aprendizagem como o apoio familiar, a importância do relacionamento professor-aluno e a participação das opiniões de colegas. Encontramos, nesta discussão, uma relevante contribuição ao ensino de música e do desenvolvimento da expertise musical, que vai ao encontro de uma lacuna existente neste domínio. O autor destaca que a performance musical de alto nível depende de um conjunto de fatores que se mostram atuantes na formação de um músico, das quais se incluem as características de personalidade.

Terezinha Losada, no Capítulo 9, discute o talento criativo nas artes plásticas, destacando os aspectos da arte pós-moderna e as alternativas do ensino da arte na contemporaneidade, que deve integrar a apreciação estética, a contextualização histórico-cultural e o fazer artístico.

Na Parte III, Cristina Maria Carvalho Delou discorre, no Capítulo 10, sobre o papel da família no desenvolvimento de talentos e altas habilidades, exemplificando intervenções que favorecem a busca de soluções frente às necessidades de seus filhos. O suporte afetivo no acompanhamento do desenvolvimento integral de indivíduos talentosos é, sem dúvida, um dos fatores de grande relevância na assistência adequada a estes indivíduos, na medida em que assegura o próprio processo evolutivo do potencial diferenciado e auxilia o desenrolar do desenvolvimento global da pessoa nos ambientes de seu convívio.

No Capítulo 11, Maria Lúcia P. Sabatella dá continuidade à discussão sobre a participação da família no desenvolvimento de altas habilidades e enfatiza tanto a importância do conhecimento das necessidades emocionais e sociais dos indivíduos superdotados, quanto do exercício adequado do papel dos pais, na assistência oferecida à família.

No Capítulo 12, Eunice Maria Lima Soriano de Alencar discute o papel da escola na estimulação do talento criativo, relacionando diversos fatores responsáveis por sua deficiência e negligência; propõe ao professor inúmeros procedimentos com as estratégias de promover junto a seus alunos, ambiente estimulante e de valorização do trabalho individual e de grupo. É interessante considerar que, embora a criatividade seja hoje referida como necessária e estimulante no ambiente escolar, nem sempre o professor encontra estratégias adequadas para inseri-la no cotidiano de suas atividades em classe. No presente capítulo, encontramos sugestões pontuais que certamente ajudarão os professores a desenvolverem atividades criativas.

No Capítulo 13, finalizando a obra, Vera Lúcia Palmeira Pereira e Tânia Gonzaga Guimarães discorrem sobre programas educacionais para alunos com altas habilidades: de enriquecimento curricular, de aceleração do tempo para a conclusão de estudos em cada série, grupos de habilidades selecionados em classes especiais, bem como oficinas realizadas em centros de promoção cultural, museus etc. As autoras apontam também a possibilidade do apoio pedagógico especializado para grupos homogêneos em uma mesma escola ou, ainda, a possibilidade de orientação periódica de especialistas itinerantes que visitam as escolas.

Em suma, o livro oferece suporte para um amplo entendimento da complexa tarefa que envolve a capacitação de profissionais e a orientação familiar daqueles que estão em contato diário com as pessoas talentosas. Nesse sentido, apresenta-se como leitura imprescindível àqueles que se encontram envolvidos com o estudo do assunto, àqueles que necessitam alcançar um conhecimento básico e específico sobre o tema e aos outros que desejam enriquecer o cotidiano de seu trabalho e/ou de seu convívio humano com o conhecimento oferecido por esse texto.

 

 

Endereço para correspondência
Av. Brig. Faria Lima, 1616 – s.804
CEP-01451-001 – São Paulo, SP
Tel.: (11) 3672-5982
E-mail: cleusasakamoto@uol.com.br

 

 

1 Psicóloga clínica, Mestrado e Doutorado sobre Criatividade pela Universidade de São Paulo. Docente da FAPCOM.

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