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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.27 no.2 São Paulo Dec. 2007

 

RESENHA DE LIVROS

 

 

Mauro Antonio Pires Dias da Silva1

Universidade Estadual de Campinas

Endereço para correspondência

 

 

SECAF, V. e COSTA, H. C.B.V.A. (2007). Enfermeiras do Brasil: história das pioneiras. São Paulo: Martinari,184p.

As autoras representam, de forma didática e em um estilo agradável, as biografias das personagens selecionadas e que colaboraram de forma expressiva para a construção da história da enfermagem brasileira. O livro é de grande valia para o ensino da história da enfermagem e para aqueles que se preocupam e estudam a questão de gênero no Brasil, e ainda serve de orientação geral para leitores que desejam conhecer o perfil biográfico de mulheres valorosas que, além de auxiliarem a construção da enfermagem, colaboraram para a melhoria do quadro epidemiológico da saúde no Brasil.

Na apresentação do livro, as autoras estabelecem e explicam a forma com que encaminharam o estudo e a lógica da apresentação. Na introdução estabelecem rapidamente as características históricas e sociais do período e como a mulher e a enfermeira desprestigiadas são valorizadas pela "Missão Técnica de Cooperação para o Desenvolvimento da Enfermagem" e sobretudo em um serviço público de enfermagem.

As biografias das personagens foram selecionadas, obedecendo determinados critérios estabelecidos pelas autoras: personagens já falecidas e de nacionalidade brasileira, com exceção da Madre Domineuc, que embora francesa, dedicou grande parte dos anos de sua vida à assistência de enfermagem no Brasil.

Evidentemente as autoras reconhecem que muitas outras personalidades da enfermagem brasileira deverão ter a sua biografia apresentada e serem acrescentadas ao rol de "pioneiras da enfermagem", entretanto é um trabalho que deverá ser desenvolvido futuramente, até mesmo pelas autoras que iniciaram este necessário e útil estudo.

A ordem de apresentação das biografias adotada pelas autoras foi a data de início da atuação na enfermagem brasileira.

As autoras conseguiram os seus objetivos, pois, ao lermos os conteúdos das biografias, vamos criando o cenário de cada personalidade. Evidentemente que existem algumas repetições nas vidas das pessoas, até porque as experiências, muitas vezes, eram muito similares. Entretanto a obra mostra e desvela aspectos particulares das personalidades que jamais saberíamos, na forma que é apresentada, concisa, com linguajar simples e direto. Embora as autoras justifiquem que não conseguiram datas e informações sobre os cursos realizados no Brasil por Marina Andrade Resende, sentimos falta das informações.

Na obra as autoras desenvolvem a biografia de quinze enfermeiras, garimpando aspectos dos personagens que caracterizaram o pioneirismo. A seguir apresentamos uma pequena síntese de cada personagem, fundamentado na obra e na biografia de cada pioneira.

Edith Magalhães Fraenkel que em 1925 consagrou-se como a primeira enfermeira brasileira a fazer um curso de três anos. Coordenou o ensino da Escola de Enfermagem Anna Nery e foi a primeira presidente da Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas Brasileiras. Organizou e foi a primeira diretora da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP). As autoras apontam a Enfermeira Edith como a "pioneira das pioneiras".

Rachel S. Haddock Lobo, originária de importante família do Rio de Janeiro, nasceu em 1891, recebeu educação em colégio católico e tradicional do Rio de Janeiro. A formação em Enfermagem foi na França, complementou estudos na Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN). Trabalhou na área de Saúde Pública e dirigiu os serviços de enfermagem no Hospital Paula Cândido, no Rio de Janeiro. Em 1927, como bolsista, freqüentou o Hospital Geral de Filadélfia e o Teachers College da Universidade de Columbia, Nova York. Auxiliou as fundadoras da Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas Brasileiras. Em 1931, foi designada como a primeira diretora brasileira da EEAN.

Lais de Moura Netto dos Reys nasceu em 1894. Fez parte da primeira turma que se formou na EEAN em 1925. Recebeu bolsa de estudos para freqüentar o Hospital Geral da Filadélfia nos Estados Unidos. Chefiou o Centro de Saúde no Rio de Janeiro. Em 1928 visitou diversas Escolas de Enfermagem na Europa e cursou Psicologia e Pedagogia na Sorbonne e Universidade Católica de Paris. Estimulou e desenvolveu a semana de enfermagem. Ação adotada posteriormente pela Associação Brasileira de Enfermagem, de 12 a 20 de maio. Segundo os relatos, era exemplo de competência, dedicação e bondade. A religiosidade foi uma constante na sua atuação profissional.

Izaura Barbosa Lima, nascida em 1897. Conclui os seus estudos em 1926, na segunda turma da EEAN. Foi uma das fundadoras da Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas Brasileiras e pioneira na participação como Enfermeira voluntária na Segunda Guerra Mundial.

Hilda Anna Krisch nasceu em 1900. Destacou-se como melhor aluna de sua turma na EEAN. Com bolsa de estudos, patrocinada pela Fundação Rockefeller, cursou diversos cursos na Universidade de Columbia, em Nova York. Posteriormente atuou como professora da Escola. Substitui Edith Magalhães Fraenkel na presidência da Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas Brasileiras, de 1938 a 1941. Auxiliou na organização do Hospital das Clínicas de São Paulo. Auxiliou o desenvolvimento da Enfermagem em Santa Catarina. Em função de seus trabalhos como enfermeira e historiadora, e reconhecendo o seu valor, ruas, escolas, centros acadêmicos, entre outros, têm recebido o seu nome.

Zaíra Cintra Vidal nasceu em 1903, de origem modesta. Ingressou e cursou a EEAN. Recebeu bolsa de estudos para os Estados Unidos, de 1927 a 1929, freqüentou vários cursos, inclusive no nível de pós-graduação. Na década de 40, chefiou vários hospitais. Organizou a Escola de Enfermagem em Vitória (ES). Ocupou por duas vezes o cargo de presidente da Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas Brasileiras. Alterou o nome para Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas (ABED). A sua meta: elevar a qualidade da assistência de Enfermagem no Brasil.

Madre Marie Domineuc, nasceu na Bretanha, França, em 1911, graduou- se pela Escola de Enfermagem de Paris. Veio para o Brasil com 24 anos. Em 1938 atuou e organizou os serviços de enfermagem do Hospital São Paulo. Organizou a fundação da Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo, hoje, Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Em 1939 fundou o Amparo Maternal que tem como objetivo fundamental assistir à mãe desamparada. Embora não tendo nascido no Brasil, revelou-se uma brasileira lutadora e buscando o melhor para a profissão. Seu lema: nunca recusar ninguém que precisasse de auxílio.

Haydée Guanaes Dourado nasceu em 1915, no sertão baiano. Na infância teve contato com a Missão norte americana de protestantes. Seus familiares serviram de intérpretes e assimilaram muito da cultura. Durante o transcorrer de sua adolescência e juventude, estudou em várias escolas e o curso normal foi completado em escola que seguia as propostas pedagógicas de Pestallozzi. Fez o curso na Anna Nery e posteriormente conseguiu bolsa de estudos para os Estados Unidos e Canadá. Ao voltar para a Bahia, auxiliou a criação do Hospital das Clínicas e foi a organizadora e primeira diretora da Escola de Enfermagem da Bahia. Fez cursos de Políticas Sociais e de Jornalismo, sempre aplicando os novos conhecimentos na enfermagem. Culta, versátil e disposta a enfrentar qualquer desafio.

Waleska Paixão nasceu em Petrópolis em 1903, originária de família de educadores. Lecionou e dirigiu colégios no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Concluiu o curso de enfermagem em 1939, na Escola de Enfermagem Carlos Chagas. Fez cursos de Filosofia, Sociologia e Moral. Ocupou o cargo de Diretora da Escola de Enfermagem Carlos Chagas, em Belo Horizonte. Lutou para preservar a enfermagem como uma profissão liberal. Auxiliou a Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas (ABED) nos temas referentes à Educação de Enfermagem. Em 1947 foi eleita primeira presidente da seção da ABED de Minas Gerais. Lutou por questões relacionadas à elaboração do código de ética das Escolas de Enfermagem. Em 1950 Waleska assumiu a direção da EEAN, permanecendo até 1967. Faleceu em 1993. O livro Páginas de História de Enfermagem é um marco nos estudos da história da enfermagem..

Maria Rosa Sousa Pinheiro nasceu na cidade de Araraquara, SP, em 1908. Com formação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, desempenhava, no Instituto de Higiene de São Paulo, a função de Educadora- chefe. De 1940 a 1943, fez o curso de enfermagem no Canadá - Toronto, com objetivo de capacitar-se para criar a Escola de Enfermagem de São Paulo. Portadora de vasta experiência no exterior, foi designada vice-diretora da Escola de Enfermagem da USP, de 1951 a 1955, exerceu a direção desta instituição de 1956 a 1978. Desenvolveu relevantes trabalhos na Associação Brasileira de Enfermagem e no Conselho Federal de Enfermagem, auxiliando na organização de congressos nacionais e internacionais. Faleceu em São Paulo em 21 de junho de 2002.

Glete de Alcântara nasceu em 1910 em Minas Gerais. Em São Paulo, graduou-se na Escola Normal e como Educadora Sanitária. Em 1941, foi indicada para concluir um curso de Enfermagem no Canadá. Retornou ao Brasil em 1944, revalidou o diploma na Escola de Enfermagem Anna Nery, lecionou na Escola de Enfermagem da USP - São Paulo até 1952. Em 1952, através de convite do Professor Zeferino Vaz, Diretor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, foi convidada a organizar a Faculdade de Enfermagem em Ribeirão. Dirigiu a escola que fundou até 1971, paralelamente colaborou na Associação Brasileira de Enfermagem e exerceu por duas vezes a presidência da entidade. Desempenhou papel importante nos Congressos Internacionais de Enfermagem, sobretudo os relacionados ao ICN.

Marina Andrade Resende nasceu em 1918, foi bolsista da Kellogg Foundation em 1945, realizando um curso no Providence School of Nursing, Estados Unidos. Exerceu intensa atividade na Associação Brasileira de Enfermagem. Foi presidente da entidade em dois mandatos, biênio de 1958 a 1960 e de 1960 a 1962. Foi editora da Revista Brasileira de Enfermagem. Faleceu em 1965.

Olga Verderese nasceu em 1917, também filha de professores, precocemente se dedicou à leitura. Cursou o normal e lecionou por algum tempo. Fez a graduação na Escola de Enfermagem da USP (EE-USP), entre os anos de 1944 a 1947. Após experiência na organização do Serviço de Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, tornou-se Vice- Diretora e fundadora dessa escola. Organizou a Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas - Seção Bahia. Presidiu a Seção da ABED no Rio Grande do Sul e foi eleita vice-diretora da Escola de Enfermagem do Rio Grande do Sul. A partir de 1958, passou a trabalhar como Consultora Regional em Educação de Enfermagem da Organização Pan-Americana de Saúde/ Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS), permanecendo nessa instituição até 1980. Entre os anos de 1982 a 1986, atuou no Conselho Federal de Enfermagem. Caracterizou-se, sobretudo, como coordenadora de estudos sobre a enfermagem do Brasil.

Wanda Horta nasceu em Belém do Pará em 1926. Viveu em sua cidade natal até 1936. O seu primeiro emprego foi em Curitiba no Posto de Puericultura da Legião Brasileira de Assistência. O Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), órgão federal, oferecia bolsa de estudos para a formação de enfermeiras na EE- USP. Após ter-se formado, trabalhou 10 anos como enfermeira em diversos setores hospitalares e de Saúde Pública, em 1959 tornou-se docente nesta Escola. Criou a Teoria de Enfermagem e Metodologia do Processo de Enfermagem, baseado na Teoria das Necessidades Humanas Básicas de Maslow, que serve de referência para as enfermeiras na área de ensino e assistencial. Em 1977 foi promovida a professor titular da EE-USP. Aposentou- se em 1981, vindo a falecer no mesmo ano. Teve como lema: Enfermagem: gente que cuida de gente.

Maria Ivete Ribeiro de Oliveira nasceu no ano de 1928 na Bahia. Formou- se na Universidade Federal da Bahia, em enfermagem e em Filosofia pela Universidade Católica de Salvador. Fez curso de Pós-graduação na Universidade de Boston e de Los Angeles (EUA). O doutorado foi feito em 1972 na Universidade de São Paulo. Foi diretora da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, por dois mandatos. Ocupou cargos de Adjunto de Reitor para assuntos de ensino, Pesquisa e Extensão da UFBA. Entre os anos de 1984 a 1986, foi Presidente da Associação Brasileira de Enfermagem. E presidente em dois mandatos do Conselho Federal de Enfermagem de 1979 a 1982 e 1982 a 1985. Exerceu várias atividades públicas não relacionadas especificamente à enfermagem, como por exemplo: Diretora Geral do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Servidores da Bahia, membro do Conselho diretor da Associação Comercial da Bahia, Presidente do Banco da Mulher da Bahia. Defendia as questões de gênero. Pela amplitude de visão atuou além de suas atividades profissionais.

As autoras, nas considerações finais, ponderam que as ações das pioneiras caracterizaram-se, sobretudo, como resistência a modelos dominantes e pouco propícios ao desenvolvimento da mulher brasileira que, na sua maioria, era facultado à vida doméstica, aos conventos ou a um casamento por conveniência. O pioneirismo na implantação do sistema Nightingale no Brasil foi de vital importância para que a enfermagem se desenvolvesse e assumisse novos significados na sociedade contemporânea.

Um tripé significativo é identificado e desvelado pelas autoras no transcorrer da obra. Nas ações das pioneiras, o empenho em desenvolver uma entidade (ABEn) forte e representativa, sobretudo nas questões que envolvem a Educação e a Psicologia, a criação e desenvolvimento da Revista (REBEn) e a criação da Escola Anna Nery e demais escolas nos vários Estados do Brasil com o mesmo padrão de qualidade.

As pioneiras atuaram nacionalmente e internacionalmente, construindo bases para uma enfermagem sólida cientificamente. Sem dúvida que esta obra clareia a importância destas pioneiras para a enfermagem e para a mulher de maneira geral, mostra e abre possibilidades para que outras profissões busquem os profissionais que construíram as suas realidades! Um convite para os psicólogos e para os demais profissionais da área da saúde.

 

 

Endereço para correspondência
R. Eunice Virginia Ramos Navero, 70 c.34, Pq.Alto Taquaral
CEP: 13087-765 Campinas, SP
E-mail: mapds@unicamp.br

Enviado em: 20/07/2007
Aceito em: 25/08/2007

 

 

1 Professor Doutor do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

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