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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.28 no.1 São Paulo June 2008

 

HISTÓRIA DA PSICOLOGIA

 

Resgatando a memória dos pioneiros: Antônio Miguel Leão Bruno (* 21/07/1903 - † 13/09/1997)

 

Redeeming the memory of the pioneers: Antônio Miguel Leão Bruno (* 21/07/1903 - † 13/09/1997)

 

 

Ceres Alves de Araújo1

Cad. nº 39 "Leão Bruno"
Fundação Getúlio Vargas

 

 


RESUMO

Esta biografia pretende ressaltar os principais fatos da vida e da obra do Prof. Dr. Antonio Miguel Leão Bruno, Patrono da Cadeira nº 39 deste sodalício, destacando sua importância nos primeiros tempos da Psicologia no Brasil. Médico, da décima primeira turma da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo e advogado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o Dr. Leão Bruno buscou, em seus estudos, a interdisciplinaridade, tão bem retratada em sua extensa produção científica, e pioneiro nos estudos sobre o teste de Rorschach. Não se pode cair no esquecimento quem tanto contribuiu para o estudo, a promoção e o crescimento da Psicologia como ciência e profissão no Brasil, em especial para o desenvolvimento da técnica em referência.

Palavras-chave: Leão Bruno, Medicina Legal, Psicologia, Psicodiagnóstico de Rorschach.


ABSTRACT

This biography intends to emphasize the main aspects of the life and works of Professor and Doctor Antonio Miguel Leão Bruno, patron of Chair #39 of this fellowship, highlighting his importance in the first steps of psychology in Brazil. As a doctor, belonging to the eleventh group of students that were graduated in medicine by the Faculty of Medicine and Surgery of São Paulo, and a lawyer by the Law Faculty of Sao Francisco Square, Dr. Leão Bruno searched, in his studies, the connection between Psychology and Medicine which was very well portrayed in his extensive scientific production, and as a pioneer in the studies about the Rorschach test in Brazil. He can not be forgotten as he gave a great contribution to the study and promotion of the growth of psychology as a science and profession in Brazil, especially for the development of the Rorschach diagnostic..

Keywords: Leão Bruno, Legal Medicine, Psychology, Rorschach diagnostic.


 

 

1. Legado da Vida e Obra

O ilustre Patrono da Cadeira 39, Professor Doutor Antonio Miguel Leão Bruno, filho de Rozina Bruno e de Affonso Bruno, imigrantes italianos, nasceu na cidade de São Paulo, no bairro da Liberdade, em 21 de setembro de 1903. Casou-se com Maria José Godinho Leão Bruno, em segundas núpcias. Deixou cinco filhos: Sérgio Otávio, Luis Antônio, Roberto Luis, Rosa Adelina e Maria Cecília, vários netos e bisnetos.

Recebeu primorosa educação, desde os então designados Escola Primária e Ginásio do Estado da Capital até os cursos universitários. Formou-se primeiramente bacharel em Ciências e Letras e depois em Medicina e Direito, tendo sido laureado com o Prêmio Antonio de Godoy. Era fluente em vários idiomas: latim, grego, italiano, francês, espanhol, inglês e alemão.

Em 1928, diplomou-se em Medicina, obtendo o CRM 695, um número ainda pequeno em relação aos dos formados nesse campo do conhecimento. Foi aluno da 11ª. Turma da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. No ano de 1930, iniciou suas atividades didáticas como Professor de Física, Química e História Natural no Ginásio Independência da Capital. Posteriormente realizou o curso de Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, tornando-se bacharel em Direito em 1936. No início de sua carreira em Medicina, foi interno da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, tendo atuado também como Assistente da Cadeira de Medicina Legal da Faculdade de Medicina.

A experiência profissional do Dr. Leão Bruno, como era conhecido, e suas pesquisas abrangeram diversas áreas, entre elas a do direito constitucional, direito criminal, direito social, medicina legal, medicina social e psicologia, especialmente em psicodiagnóstico. O Premio Oscar Freire de Criminologia, recebido em 1940, trouxe-lhe reconhecimento nacional. A titulação de Membro Honorário do Círculo de Médicos Legistas de Rosário da República Argentina e a titulação como Membro Honorário da Sociedade Argentina de Sexologia, Biotipologia y Eugenia, comprovaram o seu reconhecimento internacional. Foi membro fundador da Associação de Estudos Clássicos; membro da Associação Brasileira de Escritores, secção de São Paulo; membro da Sociedade de Estudos Filológicos e sócio fundador da Sociedade Paulista de História da Medicina e da Sociedade Rorchach de São Paulo. Tais aquisições e méritos são suficientes para afirmar sobre a grande abrangência dos conhecimentos de que era possuidor, incluindo a Psicologia como área de sua dedicação e base de muitos dos seus trabalhos.

Por quase trinta anos, o Dr. Leão Bruno exerceu a atividade de Médico Legista do Estado de São Paulo e Professor Associado de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi chefe da Secção de Psicologia Experimental do Instituto Oscar Freire e Presidente da Secção de Psicologia Experimental da Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo.

Notória foi também a sua dedicação aos profissionais que com ele tinham objetivos comuns. Cita-se o fato de ter sido ele quem apresentou Emilio Mira Y López ao meio acadêmico e científico no Brasil. Esse especialista tinha vindo da Espanha para dirigir, no Rio de Janeiro, o ISOP (Instituto de Seleção e Orientação Profissional) da Fundação Getúlio Vargas. Ambos possuíam, como interesse comum, o aprofundamento das questões humanas mais complexas, em especial no estudo da Psicologia e dos Direitos Humanos. Também, juntos, destacaramse no empenho pelo reconhecimento da profissão de psicólogo no Brasil.

Dr. Leão Bruno teve sua atuação profissional e suas pesquisas reconhecidas e disseminadas em várias áreas do conhecimento, especialmente quando em colaboração com seus colegas procedentes de diversas cidades brasileiras. Devido, principalmente, aos seus estudos em Medicina Legal, Direito e Psicologia e em união com companheiros de experiências comuns, criaram uma nova área de conhecimento, a Medicina Forense.

Junto a esse expoente, são considerados pioneiros do citado saber as seguintes personalidades: Antonio Ferreira de Almeida Junior (Patrono da Cadeira nº 4), Edmur de Aguiar Whitaker (Patrono da Cadeira nº 10), Afrânio Peixoto, Napoleão L. Teixeira, José Noronha Junqueira, entre outros.

Os primeiros livros no Brasil, sobre Psicologia Forense, Medicina Legal, Psicopatologia Judiciária e Criminologia foram escritos por eles e passaram por edições sucessivas. As obras de sua própria autoria foram reeditadas várias vezes, entre elas Lições de Medicina Legal e seu trabalho sobre A dactiloscopia dos recém-nascidos, resultado de extensa pesquisa que acabou por introduzir uma nova técnica de diagnóstico na Medicina.

Leão Bruno interessou-se muito pelos estudos sobre a gênese dos traços psicológicos e neste sentido aproximou-se de Cícero Cristiano de Sousa e Luiz Carlos Nogueira. Cumpre lembrar que Cícero Cristiano de Sousa ocupou a Cadeira de número 3 da Academia Paulista de Psicologia, por suas reconhecidas contribuições à Psicologia como ciência e profissão.

A história da Sociedade Rorschach de São Paulo está associada ao nome de Leão Bruno. Na oportunidade da sua fundação, apenas alguns psiquiatras e psicólogos ou professores universitários haviam estudado e aplicado o método de Rorschach, após sua aprendizagem na Europa ou nos Estados Unidos. Da mesma maneira que Aníbal da Silveira Santos (Patrono da Cadeira nº 14), Leão Bruno mantinha contato com pesquisadores internacionais na matéria como o próprio Herman Rorschach, Florense Halpern, M.S. Bergman, Samuel Beck, D. Rapport, Ruth Bochner, Harrower-Erickson, Bruno Klopfer, entre outros. Com eles, participou de discussões científicas sobre a interpretação de protocolos do citado teste.

Essas considerações são suficientes para poder afirmar que o Dr. Antonio Miguel Leão Bruno foi pioneiro na pesquisa e prática relativas ao teste Rorschach, um dos criadores do seu movimento no Brasil e o primeiro pesquisador nacional a escrever sobre O fenômeno do sexotropismo no psicodiagnóstico de Rorschach, obra publicada em 1950, que serviu de importante referência para estudos posteriores, sendo citado em publicações nacionais e internacionais. Escreveu também, Das interpretações "A" e "Ad" no psicodiagnóstico deRorschach, publicado em 1954, entre outros trabalhos sobre a citada técnica. Além disso, foi autor de obras mais teóricas relativas à Psicologia como a Psicologia do Testemunho, Conceito de Psicologia Legal, Conceito de simulação em Psicologia Forense e Medicina Social.

Em 1959, Aníbal Silveira Santos convidou alguns membros da Sociedade Rorschach de São Paulo para a elaboração do seu primeiro estatuto, o que ocorreu na sede da Associação Paulista de Medicina. Entre os convidados, figuravam Antonio Miguel Leão Bruno, Antero Barrada Barata, Cícero Christiano de Souza, Ibrahim Matias, Isaías Melsohn, Mauricio Levy Júnior, Otávio Luiz Barros Salles, Spartaco Vizzoto e Ruy Galvão de Andrada Coelho, dado o interesse demonstrado pela citada técnica.

Pioneiro também da Psicologia Social no Brasil, Leão Bruno junto com Aniela Meyer Ginsberg (ex-ocupante da Cadeira nº. 11) e Raul Carlos Briquet (Patrono da Cadeira nº. 12) empenharam-se para a implantação dessa área no Brasil. Ele também juntou-se ao esforço de outros pesquisadores que buscavam, por meio de método comparativo, adequar os temas e as técnicas da Psicologia Social desenvolvidas em outros países às especificidades do contexto brasileiro. O seu livro Medicina Social publicado pela primeira vez em 1965, foi resultado de tão frutífero encontro e colaboração.

Como já citado, Dr. Leão Bruno foi atuante sócio da Sociedade de Psicologia de São Paulo desde o seu início, hoje Associação de Psicologia de São Paulo, com vigência na atualidade. Por ocasião da fundação da Academia Paulista de Psicologia, foi escolhido, por unanimidade, como Patrono da Cadeira de número 39, por sua significativa colaboração à Psicologia como ciência e profissão.

O Dr. Leão Bruno faleceu aos 94 anos na cidade de Santos. Entre seus inúmeros legados, deixou como herança um acervo estimado em nove mil obras, com uma parte expressiva de obras especiais e raras, fruto de sua atuação como docente, pesquisador, cidadão culto que era e grande apreciador das Ciências e das Letras. Fazem parte desse acervo inúmeras teses e coleções de revistas especializadas e de cultura geral como também materiais iconográficos de importante valor histórico.

Sua família, desejando preservar sua memória, deu início, em 2006, ao projeto sobre a Biblioteca Dr. Leão Bruno, a qual está recebendo tratamento técnico especializado. As obras estão sendo catalogadas na base de dados do programa de informações bibliográficas e transcritas para Internet. Das produções de sua autoria, disponibilizadas, atingem o número de 50, sendo expressivas por sua diversidade. São editadas em livros e artigos nas revistas Boletim do Instituto Oscar Freire, Arquivos de Cirurgia Clínica e Experimental, Arquivos da Polícia Civil de São Paulo, entre outras. Além disso, publicou nos anais de congressos dos quais participava ativamente.

Suas contribuições constam nas referências eletrônicas citadas abaixo e são destacadas, neste legado, apenas aquelas obras diretamente relacionadas com a Psicologia e a Psicopatologia. Por certo, recebeu várias homenagens póstumas das entidades profissionais das quais foi um dos maiores atuantes. Cita-se o exemplo da então Sociedade de Psicologia de São Paulo quando publicou o seu necrológio.

 

Referências eletrônicas:

• Biblioteca Dr. Leão Bruno. Disponível em : http://www.familiabruno,eti.br/bibliografia.html . Acessado em 10 de julho de 2007.        [ Links ]

• Bibliografia Dr. Leão Bruno. Disponível em http://www.rorschach.com.br/Bibliografia%20Antonio%20Miguel%20Le%E3o%20Bruno.pdf. Acessado em 10 de julho de 2007.        [ Links ]

Publicações de Leão Bruno relacionadas diretamente com a Psicologia e a Psicopatologia

• (1942) Psicodiagnóstico de Rorschach: padronização das classificações das respostas segundo a natureza do conteúdo Arquivos da Polícia Civil de São Paulo. v.4, 2º. Sem., p. 323-343.        [ Links ]

• (1942) Psicograma de Rorschach: ficha para o seu registro. Arquivos da Polícia Civil de São Paulo. v. 4, 2º. Sem., p. 185-198.        [ Links ]

• (1942) Conceito de psicologia Legal. Aquivos de Cirurgia Clínica e Experimental.        [ Links ]

• (1943) Psicologia e Direito. Revista de Medicina. v. 27, n. 118, p. 9-43.        [ Links ]

• (1944) O movimento do Rorschach no Brasil. Anais Paulistas de Medicina e Cirurgia.        [ Links ]

• (1946) Conferência sobre o Serviço de Psicologia Forense do Instituto Oscar Freire e sobre o Psicodiagnóstico do Rorschach das respostas do espaço branco. Boletim da Sociedade de Psicologia de São Paulo, a. 1, n. 8, p. 35-69 (republicado no nº. 111).        [ Links ]

• (1947) Psicologia do Testemunho. Aquivos da Polícia Civil de São Paulo. v. 13-19, p. 4-20.        [ Links ]

• (1949) Terminologia Rorschachiana. Boletim do Instituto Oscar Freire. v. 4, n. 2, p. 6-61.        [ Links ]

• (1949) Terminologia Rorschachiana (cont. 1) Boletim do Instituto Oscar Freire. v. 5, n. 2, p. 14-40.        [ Links ]

• (1949) Terminologia Rorschachiana (cont. 2) Boletim do Instituto Oscar Freire. v. 5, n. 3, p. 44-70.        [ Links ]

• (1949) A importância do conteúdo das respostas no psicodiagnóstico de Rorschach. Arquivos da Polícia Civil de São Paulo. v. 17-18, 1º./2º. Sem, p. 709-761.

• (1950) O fenômeno do sexotropismo no psicodiagnóstico Rorschach. Boletim do Instituto Oscar Freire. v. 5, n. 4, p. 50-71.        [ Links ]

• (1954) Das interpretações "A" e "Ad" no Psicodiagnóstico de Rorschach. São Paulo: Instituto Oscar Freire, p. 55.        [ Links ]

• (1955) Conceito de simulação em psicopatologia forense. Anais do Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Criminologia. v. 1º. p. 55-78.        [ Links ]

• (1960) Das síndromes epilépticas em infortunística. São Paulo: Instituto Oscar Freire, p. 61.        [ Links ]

• (1960) As neuroses traumáticas em infortunística. São Paulo: Instituto Oscar Freire, p. 34.        [ Links ]

• (1965) Medicina Social. São Paulo: Saraiva.        [ Links ]

 

Homenagens póstumas:

• Vilarinho, M. (1997) In memoriam: Prof. Dr. Antonio Miguel Leão Bruno. Boletim de Psicologia, v. XLVII, n. 107, p. 137.        [ Links ]

• Ross, E.A. (2008) Resgate de memória: Antonio Miguel Leão Bruno. Boletim da Sociedade Rorchach de São Paulo, v. 21, n.2, p. 161        [ Links ]

 

 

Recebido em: 15/09/2007
Aceito em: 17/03/2008

 

 

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