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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. v.28 n.1 São Paulo jun. 2008

 

TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS

 

Percepção da família pelos adolescentes com perda auditiva profunda adquirida

 

Family's awareness of the adolescents' profound hearing loss acquired

 

 

Midori Otake Yamada1; Marilene Krom2; Dagmar Targa Abreu3

Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais - (HRAC/Bauru) Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é o de avaliar a percepção que o adolescente com perda auditiva adquirida, em nível profundo, tem de sua família. São estudados 10 deles, na fase pré-cirúrgica, de ambos os sexos, com idade de 13 a 18 anos e que são atendidos pelo Programa de Implante Coclear do Centro de Pesquisas Audiológicas (CPA) do HRAC/USP/Bauru. Utilizam-se, como instrumentos de coleta e interpretação dos dados, o Desenho de Família com Estórias (DF-E) de Trinca e o Questionário do Adolescente R-4 de Oliveira. Tem-se o enfoque sistêmico como base teórica. Conclui-se que a percepção referida é caracterizada por duas formas: de satisfação, quando o adolescente percebe que a família organiza-se para atendê-lo e de insatisfação quando sente que aquela detém conflitos, mostrando-se incapaz de atender às suas solicitações. No primeiro caso, incluem-se a maioria dos jovens estudados.

Palavras-chave: Deficiência auditiva, Adolescente, Família, Teoria sistêmica.


ABSTRACT

The objective of this work is to evaluate the awareness that an adolescent with acquired hearing loss, at deep level, has of his family. Ten of them were studied in the presurgery stage, both male and female with ages ranging from 13 to 18, and who are being attended by the Program of Cochlear Implanttion of the Center of Hearing Researches (CTA) of the HRAC/USP/Bauru. Trinca’s method of Family Drawing with Stories (DF-E) and Oliveira’s R-4 Adolescent Questionnaire are employed as instruments for the collection and interpretation of data. The systemic focus is used as a theoretical basis. The conclusion is that the mentioned perception is characterized by two forms: of satisfaction, when the adolescent realizes that the family members organize themslves in order to help him; and dissatisfaction, when he feels that they are in conflict, incapable of attending his needs. The majority of the youngsters studied are included in the first case.

Keywords: Lourenço Filho, ABC Tests, Reading and writing.


 

 

1. Introdução

Considera-se, como preâmbulo deste trabalho, a problemática que ocasiona aos jovens, como os participantes desta pesquisa, a perda auditiva adquirida de nível profundo. Eles poderão ter menos dificuldade para relacionar-se verbalmente pela experiência anterior obtida, mas é de esperar-se que desenvolvam problemas emocionais intensos e desajustamentos decorrentes da perda. Para começar, o impacto que lhes poderá causar o conhecimento de um diagnóstico limitador e que, muitas vezes, lhe é transmitido de maneira enfática e acompanhado de um prognóstico negativo. Traumas profundos, em geral, lhes são causados e também às suas famílias, ao tomarem ciência do diagnóstico, ao que, com o correr do tempo, somam-se mais dificuldades no relacionamento, especialmente porque, gradativamente, vão perdendo a realidade construída anteriormente, inclusive as características da própria fala.

Diante desse quadro, torna-se necessário, como prevenção secundária e até primária, a avaliação e intervenção interdisciplinares, dentro de uma concepção contextualizada, envolvendo o adolescente afetado como também o seu ambiente sociofamiliar. Estudos e investigações são necessários para fundamentar esse abrangente e complicado processo.

O Centro de Pesquisas Audiológicas (CPA), do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) – USP/Bauru, através do Programa de Implante Coclear (I.C.), oferece aos adolescentes com perda auditiva profunda, e adquirida, assim como a outras pessoas assim afetadas, modalidades de intervenção priorizando o I.C. para fins de recuperação auditiva. O referido implante consiste em um dispositivo eletrônico composto de uma parte interna, implantada na cóclea (parte do ouvido interno) mediante cirurgia cerebral e de uma externa que são o microfone e o processador de fala. (Yamada, Bevilacqua & Costa Filho, 1999). Ao compreender que cada paciente e sua família vivenciam a surdez de modo singular, a equipe interprofissional formada principalmente por otorrinolaringologista, neurologista, assistente social, fonoaudiólogos e também por psicólogos, avalia cada paciente, em particular, mediante diagnóstico conjunto e propõe intervenções apropriadas, através da técnica de estudos de casos.

Dentro dessa óptica, a presente pesquisa desenvolve-se particularizandose na percepção que o adolescente com perda auditiva profunda e adquirida tem de sua família. O enfoque utilizado é o da Teoria Sistêmica.

 

Contribuições bibliográficas

A análise literária baseia-se principalmente na Teoria Sistêmica para continuar com uma visão sumária das características dos adolescentes, em especial os afetados de surdez profunda adquirida e a percepção que eles têm de sua família, sendo este último tema objeto do presente estudo.

A concepção sistêmica da família tem como foco o estudo da sua estrutura, funcionamento, interações e disfuncionalidades. A primeira característica insere subsistemas como o conjugal e o filial, fronteiras que indicam demarcações territoriais, tanto da família no meio em que se desenvolve quanto das suas subunidades e espaços previstos para a atuação dos seus membros. Da segunda e terceira características, evidenciam-se dimensões e padrões transacionais entre membros do sistema familiar. Quanto à disfuncionalidade, tem-se o “amaranhamento” (alto grau de confusão nas fronteiras e papéis) e a “triangulação” (intromissão de um membro de um subsistema em um outro) (Bateson, 1986; Betalanfly, 1973; Carter & McGolduchi, 1995 e Minuchin, 1982).

Há de considerar-se a interação dos membros na família tentando ajustarse às intercorrências que neles apresentam-se, como também as que aparecem no ambiente onde aquela se acha inserida. Assim, a família está sujeita tanto à influência das variáveis internas que provêm principalmente das condições dos seus membros e dos seus subsistemas, quanto aos fatores do ambiente externo. Esse conjunto de forças, quando positivo e livre de intercorrências pode incentivar o crescimento da famíia como um todo como também dos seus integrantes e suas relações (Minuchin, 1982).

Como já assinava Knobel, Perestrello & Uchoa (1981), as imagens advindas de um mundo externo satisfatório e das parentais positivas podem ajudar o adolescente a superar suas crises internas e ajudá-lo a seguir um curso progressivo em seu desenvolvimento. Objetos adequados e gratificantes no exterior proporcionam ao jovem um mundo interno tranqüilo e bem menos conflituoso. Ao contrário, quando a realidade externa é agressiva e frustradora, impulsiona o desenvolvimento de um mundo interno cheio de objetos perseguidores e destruidores. Esses fatores positivos e/ou negativos são incorporados na evolução do ciclo vital da família, modificando a sua estrutura e a dinâmica na relação entre seus membros (Carter & McGoldrick, 1995).

Com maior abrangência, é possível verificar a transferência de certos padrões de uma geração a outra. Segundo a Leitura Evolutiva e Instrumental Mítica delineada por Krom (1992, 1994, 1997 e 2000), destacam-se desses elementos os mitos familiares intergeracionais. O autor identifica-os e elabora um corpo teórico consistente para explicar sua construção e reorganização através das gerações. Considera-os norteadores dos significados que são atribuídos às fases do ciclo vital, como a da adolescência e às doenças ou deficiências que podem ocorrer nos seus membros, em especial nessa fase de vida.

É na adolescência que se busca alcançar a identidade com a idade adulta através de várias formas de comportamento como: conduta social reivindicatória, contradições sucessivas, crises morais e religiosas, mudança do auto-erotismo para heterossexualidade e desejo de independência dos seus pais (Knobel et al. 1981). Tais comportamentos afetam o sistema familiar, os quais podem reagir negativa ou positivamente para induzir a entrada do adolescente ao mundo de responsabilidades e de compromissos próprios da fase adulta (Magagnin, Barros, Busetti & Bertoletti, 1997).

Esse processo do alcance à identidade adulta faz-se através de mecanismos de separação/individuação que ocorrem no seio da família. O jovem passa por momentos de desorganização, muitas vezes transitórios quando não há intercorrências significativas em sua vida e desde que a família apresente recursos para assimilar essas mudanças e propor-lhe meios de superação (Andolfi, Ângelo & Menghi, 1984). Um sistema familiar equilibrado colabora com o adolescente na resolução dos seus problemas, proporcionando-lhe oportunidades para o seu crescimento pessoal (Carter & Mc Goldrick, 1995).

É evidente que uma doença ou uma deficiência grave não somente pode interferir na vida do jovem que a possui, como também da família, desenvolvendo disfunções e acarretando interferências nos subsistemas do casal e dos filhos, conforme assinalam os especialistas da teoria que fundamenta o presente trabalho (Andolfi et al., 1984; Bateson, 1986; Minuchin, 1982 e outros).

A percepção que o jovem tem de sua família é sumamente importante para compreender a inter-relação que existe entre ambos. O que se pressupõe a necessidade de estudar-se esse comportamento, especialmente quando o adolescente é afetado por limitações nessa inter-relação, como é o caso da surdez. Vale considerar aqui que, nessa condição, a pessoa atingida depende da postura e da disponibilidade dos outros membros da família para realizar a leitura orofacial e compreender o que está sendo falado; como também colaborar nas comunicações sem a presença do emissor, como ocorre nos telefonemas e recados. (Bevilacqua e Costa Filho, 1999; Yamada, 2001; e Reiter, 1990).

 

3. Material e método

Os integrantes do presente estudo constam de 10 adolescentes, de ambos os sexos, com a idade de 13 a 18 anos e com perda auditiva adquirida, de nível profundo, que são atendidos pelo Programa de Implante Coclear, encontrandose na fase pré-cirúrgica.

A percepção da família pelo adolescente foi verificada pela prova Desenhos de Família com Estórias (DF-E) desenvolvido por Trinca (1997), constituindo-se na realização de quatro desenhos de família cromáticos e acromáticos, seguido cada qual de estórias abrangendo inquéritos e títulos. A aplicação seguiu as normas do autor e para sua interpretação utilizaram-se determinadas normas por ele propostas, aplicáveis aos delineamentos sistêmicos. Tem-se a considerar que essa técnica é de natureza psicanalítica. Empregou-se também o Questionário do Adolescente R-4 de Rynaldo de Oliveira (1988), a fim de verificar a possível influência nessa percepção das áreas conflitantes (familiar, escolar, social, sexual e individual) comuns nos adolescentes. Segundo o autor, o questionário é utilizado na detecção das citadas áreas para selecionar outros instrumentos na avaliação dos problemas que normalmente implicam em desajuste. Para ele um desajuste apurado em qualquer uma das áreas merece destaque especial quando ultrapassa o padrão de 2,5.

Anteriormente à aceitação do Centro e dos familiares para realizar a presente pesquisa, os instrumentos foram aplicados individualmente em duas sessões, durante a rotina dos atendimentos dos jovens selecionados. É importante considerar que a surdez de que são afetados não os impediam de atender as instruções dos instrumentos aos que foram submetidos, uma vez que todos eles utilizavam da linguagem verbal e da leitura orofacial.

 

4. Resultados

Estes são apresentados qualitativamente e quantitativamente. Quanto ao DF-E, foram analisados os relatos das estórias pelas classificações em cinco grupos e subdividido cada qual em outras cinco unidades conforme o referencial de Trinca (1997). Não se analisaram os desenhos efetuados, deixando-os para estudos futuros. Quanto ao Questionário R-4, estudaram-se apenas os dados quantitativos distribuídos em função das áreas de conflitos indicadas pelo autor (Oliveira, 1988).

Seguem-se as verbalizações que foram selecionadas e classificadas conforme os critérios de Trinca, acima referidos.

Grupo I – Atitudes Básicas: (Incluem-se atitudes gerais dos adolescentes em relação a si próprios e em relação ao mundo).

1- Aceitação (atitudes de segurança, domínio, crescimento, autonomia e auto-suficiência)

Sujeito 2: Sou muito sincera. Estou surda, não estou muda.

Sujeito 3: Vou retomar meu trabalho.

Sujeito 4: Nesta família todo mundo é feliz.

Sujeito 5: Eu quero fazer medicina... Vivem na mata e são felizes.

Sujeito 6: Costumamos passear nos finais de semana, jogar bola com os amigos.

Sujeito 7: Este lugar é um sítio em que sempre vamos. Todo mundo está alegre.

Sujeito 8: Todos se relacionam bem... vivem felizes.

Sujeito 10: Estamos saindo pra curtir um domingo legal, passear um pouco, sair por aí.

2 – Oposição (desconsideração, desprezo, hostilidade, não colaboração, rejeição aos outros).

Sujeito 1: Praticamente agora não tenho família... se for considerar as pessoas com as quais moro,seria uma folha em branco.

Sujeito 2: Minha irmã é muito ignorante.

Sujeito 9: Se o filho for doido pode até matar o pai e a mãe ... fazer greve de pai e mãe. O filho quer fazer tudo sozinho, não quer interferência de pai e mãe.

3 – Insegurança (necessidade de proteção, medo de não conter os impulsos, percepção do mundo como desprotetor)

Sujeito 1: Sinto muito a falta deles ... uma pessoa triste, fez uma cachoeira de lágrimas. Estou com o coração apertado.

Sujeito 2: Minha família não é unida. Eles brigam muito e falam que sou maluca.

Sujeito 3: Gostaria que todos estivessem juntos. Sinto falta da minha mãe.

Sujeito 10: Eu não me coloquei... eles estão falando sobre mim e eu não estou.

4 – Identificação positiva (sentimentos: de valorização, identificação com o próprio sexo, auto-imagem real)

Sujeito 3: Vou morar com as gurias e o padrinho... retomar o trabalho. Eu e meu pai assistimos a jogos....

Sujeito 10: A professora é muito legal, conselheira, muito querida. A matéria é História... Minha mãe é professora de História... Pretendo ser professora também.

5 – Identificação negativa (sentimentos de menos-valia, incapacidade, sem importância)

Sujeito 1: Uma pessoa triste, chorando... sou eu... as pessoas que cercam não se importam com isto.

Sujeito 2: Minha família fala que sou maluca... Minha avó fala que minha surdez é castigo por eu ser tão respondona.

Grupo II – Figuras significativas: (Aspectos referentes à valorização das figuras paternas e fraternas).

6 – Figura materna positiva (sentida como presente, gratificante, afetiva, protetora, facilitadora...)

Sujeito 4: J. é minha mãe. Gosto muito dela. Ela me trata muito bem.

Sujeito 5: Em minha casa a pessoa com quem me dou melhor é a minha mãe... Com ela tudo é mais fácil.

Sujeito 6: Minha mãe é professora, em uma creche... ela é muito boa e esforçada.

Sujeito 7: Minha mãe está falando para chegarmos cedo em casa. Minha mãe ficou preocupada e começou a chorar.

Sujeito 8: A mãe trabalha... passeamos juntas... Os pais se amam.

Sujeito 9: Os pais fazem o que podem. Eles estão à espera do filho, mas não conseguem.

Sujeito 10: Estou com minha mãe... estamos saindo para passear.

7 – Figura materna negativa (mãe percebida como ausente, omissa, rejeitadora, ameaçadora, controladora...)

Sujeito 1: Eu não me dou bem com a minha mãe de sangue... Praticamente agora não tenho família.

Sujeito 2: A mãe está colhendo flores... É uma família feliz... A minha não é assim, eu inventei.

Sujeito 3: Depois que fiquei surdo, minha mãe mudou-se... eu não quis ir. Eu nunca tinha saído de perto dela. Sinto falta.

8 – Figura paterna positiva (pai sentido como presente, gratificante, afetivo, protetor...)

Sujeito 3: O pai e eu nos damos bem. Assistimos TV, jogos... juntos.

Sujeito 4: L. é meu pai. Ele é muito bom para mim.

Sujeito 8: O pai trabalha, estuda e gosta de passear... todo Domingo saímos juntos.

Sujeito 9: Os pais fazem o que podem... Ele está de braços abertos à espera do filho.

9 – Figura paterna negativa (pai ausente, omisso, ameaçador, autoritário...)

Sujeito 5: O pai gosta de fazer cursos, ele estuda muito... Não temos muito contato... Ele fala muito baixo... Às vezes sinto-me culpado por isso.

Sujeito 6: Meu pai não trabalha... sempre está com dor... Minha mãe é quem faz tudo.

Sujeito 7: O pai apareceu, em algumas unidades de produções (desenhos), realizando atividades como jogar bola, nadar... O sujeito não verbalizou sobre o relacionamento entre ambos. Quando foi solicitado para desenhar a família que gostaria de ter, o sujeito omitiu o pai.

Sujeito 10: O pai e mãe são separados. Meu pai não me dá atenção,não conversa. Quando eu era pequena ele era bom. Agora ele é diferentecomigo.

10 – Figura fraterna e outras consideradas positivas: (relacionamento com irmãos e outros, envolvendo cooperação, igualdade...)

Sujeito 3: Gosto muito de estar com eles. Vou morar um tempo com Eles (primas e tios).

Sujeito 4: A M. é amiga de minha mãe, eu gostaria que fosse minha tia... Tratamos muitos amigos como parentes (amigos da família).

Sujeito 7: Eu e meu irmão estamos indo passear.

Sujeito 8: Os irmãos brigam um pouco por besteira, mas se gostam muito.

Sujeito 10: Tenho um irmãozinho, gosto muito dele... Às vezes sou como mãe dele. Minha mãe é casada novamente, me dou muito bem commeu padrasto.

11 – Figura fraterna negativa e outras figuras negativas): (aspectos negativos como competição, rivalidade, conflito, inveja...)

Sujeito 1: Aqui são as pessoas que me cercam: padrasto, mãe, irmão... Eu não me dou bem com eles.

Sujeito 2: Minha avó diz que minha surdez é castigo... Minha irmã é muito ignorante.

Sujeito 10: Eu e meu irmão não nos damos bem porque sou surda. Ele vai muito pro lado da mãe dele e ela não é muito legal (irmão paterno emadrasta).##

Grupo III – Sentimentos expressos

12 – Sentimentos derivados de conflito (ambivalência, sentimentos de culpa, medos de perda e de abandono, solidão, tristeza, desproteção...)

Sujeito 1: Meu pai e meu irmão já morreram, sinto muita falta deles. Estou com o coração apertado. Praticamente agora não tenho família.

Sujeito 2: Na minha casa, tem muita briga, é muita confusão. Às vezes, me sinto culpada pelo meu jeito... falo tudo que penso.

Sujeito 5: Meu pai fala muito baixo comigo. Às vezes, me sinto culpado por isso.

Grupo IV – Tendências e desejos

13 – Necessidade de suprir faltas básicas (desejos de proteção, de abrigo, necessidades orais e de manter as coisas da infância, e de ser cuidado regressivamente...)

Sujeito 1: Meu pai e meu irmão já morreram, sinto falta deles... Se eles estivessem vivos, tudo seria diferente.

Sujeito 3: O pai e a mãe se separaram... gostaria que todos estivessem juntos.como antes.

14 – Tendências destrutivas (desejo de vingança, de atacar, de destruir...)

Sujeito 9: O filho pode fazer tudo sozinho, ele não tem medo de nada ... matar pai e mãe. Ele só se importa consigo mesmo.

15 – Tendências construtivas (necessidade de cura, de aquisição, de realização e autonomia, de crescimento...)

Sujeito 2: Quero ser mais independente.

Sujeito 3: Vou retomar meu trabalho.

Sujeito 5: Eu quero fazer medicina.

Sujeito 6: Gostaria de morar na cidade, lá é melhor, tem mais pessoas... Pretendo trabalhar lá (...) será melhor para mim.

Sujeito 10: Quero ser professora.

Como síntese, pode-se asseverar que as verbalizações obtidas com a aplicação do DE-F permitiram o uso das divisões x unidade propostas por Trinca, facilitando a compreensão dos resultados.

A tabela 1 apresenta os graus de desajustes nas áreas conflitantes obtidos pelo Questionário R-4.

Tabela 1. Freqüência dos adolescentes estudados em função de desajustes nas áreas conflitantes, no R-4

 

 

Ao examinar a tabela 1, observa-se grande variabilidade nos resultados, tanto individualmente quanto no grupo como um todo, dificultando realizar uma apreciação global e dos casos em particular. Contudo, pelos totais obtidos em cada área e pelos dados acima de 2,5 (indicado por Oliveira, 1988), é possível apreciar as conflitantes e também em forma gradual. Em primeiro lugar, aparece a sexual como mais conflitiva, seguida pela escolar e social; em nível inferior, a individual, depois pela familiar e, bem abaixo, a de tóxico.

 

5. Discussão

A óptica sistêmica propiciou a compreensão da família em suas interrelações na visão dos adolescentes estudados em especial quanto às situações problemáticas decorrentes da deficiência. Pelos relatos, deduz-se que eles percebiam quando a família desorganizava-se, mas que ia em busca de recursos próprios na sua estrutura e funcionamento, em especial em seus subsistemas ou lançava mão de possibilidades externas para tentar resolver a situação em que eles encontravam-se.

Nesse sentido, a afirmação acima é comprovada pelas percepções dos adolescentes estudados que são apresentadas nos relatos no DE-F e nos resultados do Questionário R-4. Denota-se que os relacionados com a área familiar não são tão expressivos quanto a conflitos. Comprovam-se a colocação em 5º. lugar nas áreas de desajuste no R-4 e os índices inferiores a 2,5 em 70% das respostas dos adolescentes alvo de estudo, como também os relatos ilustrativos apresentados no DE-F. Esse resultado vem confirmar a própria seleção dos adolescentes ao programa do I.C., cujos critérios inclui a exigência de recursos que a família deve possuir para apoiar sua reabilitação e também os da comunidade na qual essa esteja inserida (Costa Filho, Bevilacqua & Moret, 1996).

Em geral, os resultados do uso desses critérios são comprovados pela percepção satisfatória que a maioria dos jovens selecionados apresentaram no Questionário R-4. Os relatos no DF-E dos integrantes identificados pelos números 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 10 (com índices inferiores a 2,5) constituem também provas da visão positiva que demonstraram de suas famílias. Utilizando da linguagem sistêmica, podem ser positivadas tais percepções como delimitaçãodo território familiar (ex.: nesta família todo mundo é feliz; Eles estão em grupo, conversando, dançando), identificação do subsistema paternal (ex.: os pais seamam, são amorosos) do subsistema fraternal (ex.: eu e meu irmão estamos indo passear) entre outras relações. Essas considerações são explicadas por Krom (2005) na Leitura Evolutiva e Instrumental Mítica pela presença dos mitos positivos e organizadores tais como o Mito da União e do Cuidado que favorecem sentimentos agregadores, assim como propiciam condições para superação das adversidades.

No entanto, encontram-se percepções desfavoráveis nos adolescentes estudados, mas em número bem limitado. Comprovam os valores superiores a 2,5 pontos e a freqüência em alto nível no Questionário, bem como os relatos no DE-F dos jovens identificados pelos números 1 (9,0 pontos), 2 (5,5 pontos) e 9 (7,0 pontos). Vale destacar, nesses relatos, aspectos que se identificam como disfunções familiares. Assim, inexistência do território familiar (ex.: praticamente agora não tenho família [...] se for considerar as pessoas com as quais moro, seria uma folha em branco); conflito com o subsistema paternal (ex.: se o filho doido pode até matar o pai e a mãe [...] fazer greve de pai e mãe); sentimento de oposição desse subsistema para com o examinando (ex.: minha família fala que eu sou maluca. Minha avó fala que minha surdez é castigo por eu ser tão respondona) e assim por diante.

Tais considerações evidenciam que a maioria dos adolescentes estudados manifestaram impressões positivas de suas famílias. Perceberam-na bem definidas assim como a estrutura dos seus subsistemas e os papéis dos seus membros. Através das percepções de uns poucos adolescentes, foi possível compreender como ocorre a disfunção familiar partindo da confusão nas fronteiras e chegando à “triangulação” entre os membros familiares, estimulando assim o adoecimento individual (Bertalanfffy, 1973; Bateson, 1986; Carter e McGoldrick, 1995; Minuchin, 1982).

Contudo, ao avaliar as outras áreas do Questionário R-4, evidenciaram-se claras disfunções no terreno sexual (90% dos jovens com índices bem acima de 2,5, indicando alta freqüência dos desajustes), o que pode ser completado pelos desajustes individuais (50% dos adolescentes com índice maior que 2,5 e o total com freqüência mediana). Nas áreas escolar e social, com resultados praticamente iguais, são também expressivos e que merecem destaque. Esse panorama do acometido nessas áreas poderão ser objeto de novos estudos. O que se pode asseverar, de início, sobre os resultados nas áreas sexual, individual, escolar e social é que todas elas dependem basicamente da interação e comunicação com o outro, sem contar possivelmente, da compreensão que provavelmente esses jovens puderam encontrar no contexto familiar. A perda auditiva adquirida pode originar-lhes problemas de ordem afetiva devido ao impacto dessa deficiência, o que os impediram de participar do mundo dos ouvintes sem a devida aceitação dos demais (Yamada, 2001), excluindo, naturalmente, as pessoas do seu núcleo familiar que, provavelmente, os compreenderam.

 

6. Conclusões

A teoria sistêmica, enfoque na fundamentação da pesquisa e o emprego do DF-E e do Questionário R-4 mostraram-se eficientes para analisar a percepção dos jovens estudados com perda auditiva adquirida em grau profundo. Em sua maioria, eles manifestaram percepção satisfatória de sua família, tanto no seu conjunto como nos subsistemas e dos seus membros em particular. A percepção que os jovens têm de si mesmos é o que deixa dúvidas, em especial quanto ao terreno sexual e, em menor proporção, na área social, escolar e individual. O uso do DF-E mostrou-se útil para compreensão do funcionamento da estrutura e disfunções conforme o enfoque sistêmico. Por outro lado, o Questionário R-4 revelou-se eficiente na detecção dos desajustes apresentados pelos jovens, objetos de estudo.

Os resultados dos dois instrumentos puderam ser relacionados, uma vez que ambos expressaram, de forma diferenciada, questões relevantes à percepção do adolescente com surdez adquirida sobre sua família. Manifestaram, em geral, desejos construtivos e uma relação de confiança nos pais diretamente ligados ao apoio que eles prestavam-lhe. Alguns adolescentes apresentaram percepção insatisfatória de sua família, revelando impressões de ausência dos pais, sobretudo em relação aos problemas que apresentavam e sentimentos de revolta pela desconsideração vivenciada, sentindo-se não aceitos por aquela.

Foi verificado que os jovens tinham consciência de que a família buscava adaptar-se aos aspectos próprios de sua fase de vida, como também de sua deficiência, resgatando para tal a tarefa do mito da união que tem como finalidade a reorganização e fortalecimento dos laços familiares intergeracionais.

O estudo sugere a continuação de pesquisas sobre as outras áreas de desajuste apontadas pelo Questionário R-4 e pelo conteúdo dos desenhos derivados do DF-E, cujas aplicações podem ser incluídas na rotina dos atendimentos dos pacientes atendidos pelo C.P.A. Além disso, faz-se necessário o emprego da teoria sistêmica em outros estudos e com maior exploração das suas concepções.

 

Referências

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Recebido em: 15/10/2007
Aceito em: 10/03/2008

 

 

1Psicóloga do Centro de Pesquisas Audiológicas (CPA) e Profª do Curso de Especialização em Psicologia Clínica. Contato: Rua Silvio Marchioni, 3-20 – Vila Universitária CEP 17043-900 – Bauru. Tel.: +55 14 3235-8168. E-mail: miotabi@centrinho.usp.br
2Profa. e Orientadora do Curso de Especialização em Psicologia Clínica. Contato: Clínica Salutaris - R.Maria José, 10-48. CEP 17012-160 Bauru, SP. Fone: +55 14 3227-8112.
3Ex-aluna do Curso de Especialização em Psicologia Clínica.

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