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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. v.28 n.1 São Paulo jun. 2008

 

TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS

 

Compreensão e consideração dos professores sobre estilos de aprender

 

Understanding and consideration of teachers regarding learning styles

 

 

Eliana Santos1; Solange Wechsler2

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

 

 


RESUMO

O estilo de aprender compreende a maneira peculiar que cada indivíduo emprega para adquirir experiências e conhecimentos. Envolve, portanto, um processo psicoeducacional que necessita ser avaliado para garantir sucesso na aprendizagem. Tendo em vista tal propósito, estuda-se, na presente pesquisa, a percepção de 11 professores acerca do estilo de aprender de seus alunos. A esses, procedentes do ensino fundamental, médio e superior é aplicado um questionário semi-estruturado com a finalidade de obter-se informações sobre o estilo de aprender de seus alunos. Os resultados mostram que poucos são os docentes estudados que conseguem identificar esse construto, embora afirmem utilizá-lo na prática pedagógica.

Palavras-chave: Estilo de aprender, Prática pedagógica, Docentes.


ABSTRACT

The style of learning comprehends the peculiar manner that each individual uses to attain experiences and knowledge. Therefore, this envolves a psychoeducational process which must be evaluated so as to guarantee a successful learning. With this proposition in mind, this research studies the perception of 11 teachers abou the the learning style of their pupils. A semi-structures questionnaire is pplied to these pupils who come from the basic, medium and superior schooling degrees, with the purpose of obtaining information on the learning style of their pupils. Results demonstrate that not many of the teachers examined manage to identify this construct, although they state that they use it in the pedagocic practice.

Keywords: Learning styles, Pedagogic practice, Docents.


 

 

1. Introdução

Sabe-se que os seres humanos reagem a cada situação de modo diferente em função das diferenças individuais. Nessa diversidade, encontram-se os estilos que, segundo Wechsler (2006, p.5) são maneiras preferenciais de pensar e de comportar-se frente a uma determinada situação. Essa mesma autora ainda enfatiza que, ao realizar um estudo da literatura específica, pôde encontrar-se uma vasta denominação de estilos, facilitando até organizá-los em alguns subtemas específicos, tais como: estilos de pensar e criar, de aprender, de ensinar.

Dentro desse contexto, o estilo em referência pode ser compreendido como sendo a maneira peculiar que cada indivíduo emprega para obter conhecimentos. Para isso, é importante considerar as diferenças individuais, no que tange às preferências sociais, predisposições emocionais, interação com o ambiente, características fisiológicas e modos de processar informações (psicológicas), no entender de Dunn e Milgran (1993) e também Dunn (1986).

Garger e Guild (1984), precisando mais o conceito, consideram os estilos de aprender como características estáveis no indivíduo, manifestadas por meio da interação do comportamento e da personalidade, como forma de adquirir conhecimentos. Já Alonso, Gallego & Honey (1994) definem os estilos citados como um conjunto de características flexíveis presentes em cada pessoa, podendo sofrer alteração para ajustar-se às contingências do momento e/ou às fases do desenvolvimento. Como afirmam esses últimos, os estilos de aprender correspondem a traços cognitivos e afetivos, que servem de indicadores, relativamente estáveis, de como os alunos percebem, interagem e respondem a seus ambientes de aprendizagem. Bariani & Santos (2000) concordam com os autores supracitados, no trabalho que realizaram com estudantes universitários de um curso de Psicologia. Concluem que os estilos não são estáveis e passíveis de modificação ao longo da vida desses alunos.

Alguns autores utilizam os termos estilos cognitivos e de aprendizagem como sinônimos e, à luz desta posição, podem ser concebidos como sendo o modo preferencial que cada indivíduo manifesta para apropriar-se das informações, processá-las e, a partir deste ponto, construir conhecimentos (Cury, 2000). Especificamente, estilos cognitivos são compreendidos como próprios de cada indivíduo e considerados como atributo da estrutura dessa natureza, mutáveis de acordo com as experiências de vida. Ainda, podem indicar predisposições de como cada um relaciona-se com a realidade, envolvendo maior facilidade ou não nas interações (Pitta, Santos, Escher & Bariani, 2000; Santos, Bariani & Cerqueira, 2000).

Portanto, essas diferenciações consideram os estilos de aprendizagem mais intimamente relacionados com a maneira preferencial de um indivíduo adquirir conhecimentos. Por outro lado, estilos cognitivos caracterizam-se, sobretudo, pela forma de obter a informação. Assim, uma pessoa pode dividi-la em partes ou agrupá-la para seu melhor entendimento, agindo de modo impulsivo ou reflexivo e acentuando nessas situações características individuais como memória, percepção, pensamento e julgamento. Nesse entendimento, alguns estudiosos no assunto consideram-no mais um traço de personalidade do que um estilo propriamente (Oliveira, 2003; Souto, 2003). Autores como Pasquali (2003), preferem empregar o termo tipos como sinônimo de estilos. Considera- se que o emprego da designação “tipos” corresponde, de modo mais adequado à personalidade e que se baseia na programação genética e psíquica, sendo encontrado facilmente em textos psicanalíticos (Cabral & Nick, 2001).

Frente a essas diferentes considerações, esta pesquisa, de cunho exploratório, limita-se ao levantamento de dados junto a professores, com o intuito de caracterizar e analisar sua conceituação e a prática sobre os estilos de aprendizagem de seus alunos.

 

2. Método

Participantes: compõem o grupo deste estudo 11 professores (oito do gênero feminino; três do masculino), na faixa etária de 35 a 39 anos. Três deles lecionam no Ensino Fundamental de uma escola na região da Grande São Paulo. Um outro atua no Ensino Médio de uma escola particular e os outros sete são docentes do Ensino Superior, também de uma instituição privada de uma cidade de médio porte do interior do Estado de São Paulo.

Instrumento: para coletar os dados, utilizou-se um questionário semiestruturado, com campos a serem preenchidos com informações relativas à formação e atuação profissional dos participantes, e com perguntas a respeito do conhecimento sobre os estilos de aprender dos alunos e o seu uso no ensino. A validade de conteúdo foi verificada pelos juízes (um psicólogo e uma pedagoga) familiarizados com esses temas.

Procedimento: inicialmente, para efetivar a participação dos sujeitos nesta investigação, foi empregado um termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos onze participantes já caracterizados. Este documento contém itens essenciais para identificação da pesquisa, riscos, benefícios e motivo para participar dela, bem como para obter colaboração voluntariamente. Todos os itens estão de acordo com a resolução 196/96 (Brasil, 1996) e com as normas do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (CAAE nº. 0170.0.147.000-07), onde se realizou o estudo. Todos assinaram o documento concordando em participar deste estudo.

Além da assinatura do TCLE, solicitou-se aos professores que respondessem o questionário, ora citado e o enviasse ou entregasse à pesquisadora, em data pré-agendada. De posse do TCLE e dos questionários respondidos, procedeu-se a uma categorização das respostas para análise de conteúdo (Cozby, 2003). Assim como no estudo de Witter (2005), realizou-se a análise dos dados pelos juízes arrolados, considerando uma análise intrajuiz e interjuiz, mediante o índice de acordo, em que foi possível obter um resultado de 80% em todas as comparações dos dados solicitados.

 

3. Resultados

Tendo em vista o acordo dos juízes, procedeu-se à análise das respostas quanto às da primeira pergunta “o que você entende por estilos de aprender?” Alocaram-se dois grandes eixos temáticos: um denominado de competências e habilidades com quatro respostas e o segundo recebeu o nome de estratégias individuais de aprendizagem, com oito respostas.

No que diz respeito ao primeiro eixo, competências e habilidades, consideram-se as respostas que indicavam processos de apreensão, assimilação e acomodação que, de alguma maneira, facilitassem o aprendiz a aperceber-se do meio que o cerca. Cita-se, como por exemplo, a resposta do participante nº. 5, que avaliou os estilos como modalidades através das quais uma pessoa tem mais facilidade para perceber o mundo ao seu redor e assimilar informações. Seguindo o mesmo raciocínio, o participante nº. 1 classificou esses estilos como formas de comportamentos diferenciados que possibilitam o desenvolvimento de competências e habilidades na apreensão, assimilação e acomodação dos estímulos realizados por um mediador.

Com relação ao segundo eixo, estratégias individuais de aprendizagem, compilaram-se as respostas que indicavam características pessoais de organização, visando o processo de ensino-aprendizagem, como também a construção do conhecimento. São ilustrativas as respostas do participante nº 4, que afirmou ser um método ou conjunto de estratégias que cada pessoa utiliza para aprender determinado conteúdo, ou função; do participante nº 2, que acreditou ser diversas formas de exercitar o aprendizado e do nº 11, que os estilos de aprender são as preferências e tendências altamente individualizadas de uma pessoa, que influenciam em sua maneira de adquirir um conteúdo.

A segunda e última questão investigava se estes profissionais consideravam os estilos de aprender em sua prática docente. Todos afirmaram que sim, ainda que uns de modo quase “instintivamente”. Para esta questão, solicitou-se que justificassem as respostas as quais foram categorizadas, também, em dois grandes eixos temáticos, um fazendo referência à concepção teórica dos estilos e prática pedagógica e o outro às características e diferenças individuais. Os dois eixos temáticos das respostas à pergunta contaram com seis respostas em cada um.

Quanto à concepção teórica dos estilos e prática pedagógica, buscou-se investigá-la, uma vez que alguns professores afirmaram considerar os estilos de aprender de seus alunos e o conhecimento de algum modelo teórico que tinham a respeito, atrelado ao planejamento de aula ou ainda às estratégias de ensino. Este objetivo pode considerar ilustrado pela resposta do participante nº 1, sim, trabalho com a teoria de Alonso, Gallego & Honey (2002), que são os teóricos dos estilos de aprendizagem na Espanha. Utilizo para desenvolver os materiais didáticos que preparo.

No tocante a características e diferenças individuais, estas ocuparam a metade das respostas oferecidas à pergunta referente. Buscaram identificar algum tipo de característica e algum diferencial de cada aluno, no sentido de promover uma aprendizagem mais adequada no contexto escolar, o que foi refletido na resposta do participante nº. 6, sim, procuro identificar cada aluno com sua realidade e necessidade e, a partir daí, adequar o meu estilo de ensinar, buscando alcançar os resultados de aprendizagem que são desejados pelos alunos.

 

4. Discussão e conclusão

Após a análise dos dados, por meio da técnica de exame de conteúdo, pôde-se perceber que o conceito dos estilos de aprender, investigado pela primeira questão, está mais intimamente relacionado a aspectos no tocante ao desenvolvimento humano.

As respostas ofertadas à primeira pergunta o que você entende por estilos de aprender? contrariam algumas concepções teóricas “mais populares” nacomunidade científico-acadêmica sobre os estilos de aprender, como a de Dunn(1986), Felder & Henriques (1995), Kolb (1984), entre tantos outros. Essesteóricos atribuem, aos estilos de aprende, aspectos cognitivos e, por vezes,certos traços de personalidade. Alguns complementam com aspectos emocionaise sociais, mas sem fazer referência explícita aos relacionados com o desenvolvimento humano global, apesar de caracterizarem-se por aspectos passíveis de alterar-se, de acordo com cada etapa do processo evolutivo individual (Dunn, 1986; Dunn & Milgram, 1993).

Quanto à segunda questão, as respostas foram unânimes ao considerar os estilos de aprender dos alunos no planejamento pedagógico e no dia-a-dia das aulas. No entanto, pela análise detalhada dos dados obtidos, percebe-se que os docentes não entenderam bem o significado desse construto. As respostas eram um tanto forçadas, podendo-se notar o direcionamento para o que se denomina “desejabilidade social”, isto é, efetuadas com o intuito de agradar os pesquisadores. E também incluíam jargões teóricos como o do aprender a aprender, como subterfúgio de esconder o que não sabiam. Esses resultados não são condizentes com o nível de conhecimento dos professores participantes, uma vez que, na sua maioria, possuíam ensino superior e grande parte, na área de Humanas, segundo a Classificação da CAPES (2006). Tal discrepância conduz à reflexão de que por não ter claro esse construto eles poderiam ter dificuldades de trabalhar com os alunos individualmente no fazer pedagógico e, em especial, com aqueles que mais se distanciavam da “normalidade”, ou seja, os afetados de deficiências ou possuidores de altas habilidades.

Tem-se a considerar também que os estilos de aprendizagem, segundo a concepção de Dunn (1986) independentemente do nível de ensino, da modlidade (presencial ou a distância) e do tipo de instrução (privada ou particular) corroboram com a diminuição do chamado fracasso escolar e contribuem devidamente com a integração do aluno na comunidade escolar.

O papel do psicólogo escolar é importante no esclarecimento e na prática do estilo de aprender junto aos docentes da instituição onde atua, uma vez que a sua função é condizente com o processo ensino-aprendizagem, com o planejamento pedagógico e mesmo com os programas de atendimento  ndividual dos alunos. Assim, poderá orientar o professor tanto no esclarecimento do construto em pauta, quanto na sua colocação no fazer pedagógico, em consideração às peculiaridades dos seus alunos.

Tendo em vista os resultados obtidos com um número pequeno, mas representativo de professores, sugerem-se novos estudos com maior abrangência de participantes, dirigidos especialmente à práxis pedagógica. Além do mais, há necessidade de divulgação do conceito – estilo de aprender – através, por exemplo, da educação continuada, cujos cursos são propostos na atualidade.

 

Referências

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Recebido em: 07/01/2008
Aceito em: 13/03/2008

 

 

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