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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. v.28 n.1 São Paulo jun. 2008

 

RESENHA DE LIVROS

 

 

Cleusa Kazue Sakamoto1

Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação – FAPCOM

 

 

ALCHIERE, J.C. (org.) (2007) avaliação psicológica: perspectivas e contextos. São Paulo: Vetor, 291p.

A área da Avaliação Psicológica é sem dúvida de inigualável importância na profissão do psicólogo, dado que é a única atividade profissional de sua exclusiva atuação. O psicólogo compartilha com o psiquiatra a atividade de psicoterapeuta; com o administrador de empresas a da gestão de pessoas, com o pedagogo, a da psicopedagogia, mas a Avaliação Psicológica é uma atividade que somente ele pode realizar. Nesta perspectiva, a construção do conhecimento sobre esse tema ganha maior destaque no território da valorização profissional, estendendo-se para além das fronteiras do exercício profissional dos psicólogos. O conhecimento construído na área solidifica o esforço das contribuições sociais que o psicólogo oferece enquanto classe profissional, em virtude de sua especificidade.

Tendo em vista a relevância de pesquisas e publicações na área em referência, a apreciação da obra Avaliação Psicológica: perspectivas e contextos, de organização do Prof. João Carlos Alchiere, foi recebida com grande expectativa. A leitura minuciosa do livro, composto de nove capítulos, trouxe uma conclusão imediata: de que a obra não recebeu um tratamento formal adequado capaz de valorizar aspectos interessantes oferecidos em alguns capítulos. Deixa evidente a ausência de uma revisão acerca da pertinência de alguns capítulos no conjunto da obra. Falta o cumprimento das formalidades necessárias às publicações na construção do conhecimento científico e técnico, já que não apresenta uma Introdução ou sequer, um Prefácio. Encontramos, na obra, capítulos de interesse profissional que, no entanto, são apresentados de modo isolado. Os nove capítulos, que não compõem uma unidade, não são tampouco numerados ao longo do livro. A seqüência deles que parece ser aleatória reforça a idéia de que não houve cuidado necessário na elaboração do projeto da obra, fato que contrasta com o anteriormente mencionado acerca da importância do desenvolvimento profissional na área da Avaliação Psicológica.

No horizonte de pensamento apresentado, será oferecida uma apreciação do livro, com destaque a seis capítulos, seguindo-se o critério da amplitude de questões abordadas por eles, além da originalidade e/ou aplicabilidade das pesquisas apresentadas. Os três últimos serão apreciados de acordo com a noção de conjunto e de acordo com a qualidade dos textos apresentados.

Avaliação psicológica em odontologia, capítulo de autoria de Gabriel Dias de Castro, Rui Vicente Oppermann e João Carlos Alchiere e o de Avaliação empsicoterapia psicodinâmica, de autoria de Elisa Medici Pizão Yoshida e Glaucia Mitsuko Ataka da Rocha, são os trabalhos que discutem com maior amplitude os temas propostos. O primeiro deles refere-se à área da interdisciplinariedade; mostra uma série de estudos sobre a relação entre fatores psicológicos (estresse, depressão, estados emocionais, períodos desenvolvimentais) e saúde bucal, especialmente os problemas da cárie, do bruxismo e da periodontite. Embora as pesquisas não apontem conclusões sobre a relação direta de agentes psíquicos sobre os problemas de saúde odontológica, elas evidenciam a importância e busca do avanço científico nesta direção, o que poderá representar uma grande contribuição aos projetos de prevenção primária da saúde. O segundo capítulo aborda a avaliação de processos psicoterápicos e apresenta grande relevância científica e social, na medida em que os estudos acerca da avaliação de processos terapêuticos ou seus resultados são bastante escassos. Ao apresentar os vários instrumentos de avaliação utilizados em pesquisas e ilustrar o estudo dos processos terapêuticos com caso clínico, evidencia a fecundidade deste campo de investigação e sua importância. As autoras apresentam escalas clínicas que têm sido utilizadas em seus estudos e que visam: indicação de pacientes para psicoterapia breve, mudanças ocorridas ao longo de processos de psicoterapia, resultados de psicoterapias nas situações de término ou acompanhamento posterior e comparação dos prognósticos e resultados. Citamse algumas delas como: Escala Diagnóstica Operacionalizada – EDAO, de Simon (1989); Escala de Avaliação Psicodinâmica – EAP, de Husby (1985); Escala de Avaliação da Motivação de Barth (1988); Escalas de Avaliação dos Mecanismos de Defesa de Perry (1997); e Escala Rutgers de Progresso em psicoterapia. Esta última não foi acompanhada de sua fonte e data, mas foi mencionada com minuciosidade em termos dos itens avaliados. O texto enfatiza a necessidade do encaminhamento paralelo da prática clínica e da pesquisa para o desenvolvimento científico e o aprimoramento do trabalho profissional, que inquestionavelmente devem ser indissociáveis.

O terceiro capítulo é de autoria de João Carlos Alchiere e intitula-se Avaliação da personalidade por meio do modelo de estilos de personalidade deMillon (1997). Apresenta uma prolongada discussão sobre a óptica integradora dessa abordagem, que propõe reunir diversas perspectivas teóricas acerca do conhecimento do ser humano. O autor do capítulo discorre sobre o conceito de personalidade, de normalidade e patologia, de adaptação e apresenta uma visão do processo do desenvolvimento psicológico. Finalmente, apresenta esses estilos a partir de três fatores e pares de polaridades. Cita-se como exemplo o primeiro fator denominado Metas Motivacionais e os seus três pares de polaridades: abertura-preservação, modificação-acomodação e individualismo-proteção. Este texto destaca a dimensão de complexidade no propósito de avaliação da personalidade e oferece possibilidade de solução ao considerar uma visão holística. Apresenta também dois pontos de interessante reflexão: 1- a perspectiva integradora de várias e ricas contribuições teóricas do conhecimento presente sobre a individualidade, para compor uma visão abrangente e compatível com peculiaridades fundamentais do ser humano; 2- a proposta de eleger fatores cognitivos, afetivos e motivacionais definidores dos estilos de personalidade, uma vez que eles respondem pelos eixos que definem as ações humanas.

Os capítulos que se dedicam à avaliação de crianças e de adolescentes compõem outro grupo de peculiar amplitude de estudo. O intitulado Avaliação assistida de crianças no Brasil de autoria de Maria Beatriz Martins Linhares e Sonia Regina Fiorim Enumo discorre sobre o paradigma teórico e metodológico da avaliação assistida, ressaltando suas particularidades. A abordagem é inovadora e busca avaliar as habilidades humanas removendo barreiras não intelectuais. Está baseada nos conceitos de “zona de desenvolvimento proximal” e “aprendizagem mediada” de Vygotsky. Trata-se de uma área nova no cenário nacional e internacional da produção do conhecimento, que se mostra bastante promissora para avaliar crianças em desvantagens, oferecendo informações sobre o potencial de aprendizagem, suplantando barreiras transculturais, impedimentos de linguagem, discriminação social e efeitos do auto-conceito negativo. A avaliação assistida pode facilitar sobremaneira o trabalho do professor e retirar crianças diagnosticadas como deficientes desse grupo estigmatizado.

O capítulo que se dedica à avaliação de adolescentes é de autoria de Sheila Gonçalves Câmara. Aborda um importante tema na atualidade que envolve a saúde mental e o papel social do adolescente hoje. Este é considerado como o envolvido na definição de uma identidade, cuja função social é a de contribuir com questionamentos ao grupo, capazes de estimular mudanças reestruturadoras na direção de melhorias no convívio social que se traduzem a partir de reformulações de idéias, hábitos, costumes e crenças.

Estudar o jovem atualmente demonstra uma iniciativa de elevada relevância científica e social, uma vez que ao mesmo tempo oferece um retrato indireto das condições socioambientais a que está submetido. O estudo apresentado pela autora tem como objetivo investigar o comportamento de risco sobre enfrentamento violento, conduta sexual e consumo de drogas ilegais, entendido como um alerta à necessidade de se desenvolver mais pesquisas relativas à prevenção da saúde dessa população. Os resultados apontam para a realidade de que o jovem que possui uma saúde prejudicada em decorrência de ter contraído doenças sexualmente transmissíveis, não apresenta preocupação em manter sua saúde aumentando o consumo de drogas ilegais e o número de parceiros sexuais. Aponta ainda que a religiosidade é um fator de proteção frente aos problemas apresentados pelos jovens.

A avaliação psicológica no contexto forense de autoria de Sonia Liane Reichert Rovinski é o último dos seis capítulos do livro, que oferece um horizonte de discussões ampliado. Aborda as diferenças da prática do psicólogo no contexto forense, comparado ao contexto clínico. A autora ressalta a importância do preparo do profissional para atuar na área forense, sem recair no engano de transformar a avaliação psicológica em um processo terapêutico, dado que a visão clínica é a perspectiva predominante nos projetos pedagógicos das universidades que mantém cursos de psicologia. Ressalta ainda, que o cliente devido à “natureza coercitiva” do contexto forense, via de regra, tende a distorcer a percepção da realidade e que a coleta de dados na avaliação psicológica não se deve restringir ao próprio cliente. A autora relaciona outras características e cuidados que o profissional deve ter em sua atuação no contexto forense, tais como: não revelar dados íntimos da vida do cliente que não possuem relevância legal; não incluir protocolos de avaliação psicológica no processo judicial no qual leigos podem ter acesso; ter em mente que o laudo psicológico é mais um elemento do processo judicial e não é julgamento final; que o psicólogo necessita obter o conhecimento do sistema jurídico e estar familiarizado com a terminologia da área forense. O capítulo ressalta o avanço da atuação do psicólogo nessa área em que o profissional especializado está oferecendo muitas contribuições, adquirindo respeito e edificando o exercício da profissão.

Para finalizar a apreciação dos três capítulos restantes do livro, será utilizado o critério da qualidade dos textos apresentados para a seqüência da análise. O de Enfoques neuropsicológicos em la evaluación de la afasia: revisión de los instrumentos em español, de autoria de Maximiliano, aborda uma discussão teórica acerca da afasia que permeia todo o desenrolar da apresentação. O autor refere-se a dois grandes enfoques na abordagem dessa síndrome: o clíniconeuroanatômico ou sindrômico e a neuropsicolingüística, e relaciona alguns instrumentos utilizados em cada vertente teórica. Conclui que os estudos são escassos e que atualmente muitas baterias de provas valorizam a avaliação, sendo o enfoque neuropsicolingüístico-cognitivo o mais adequado para a elaboração de um perfil individual do paciente afásico para indicação terapêutica. Finalmente, o capítulo Os desafios da avaliação psicológica na formação eexercício profissional do psicólogo, de Laura Marisa Carnillo Calejon, ao lado do capítulo La evaluación y el diagnóstico educativo y psicológico y el enfoquehistórico-cultural, de autoria de Guillermo Arias Beatón, apresentam em comum marcada superficialidade ao abordarem os temas propostos. A discussão voltada à formação do psicólogo e os seus usuais problemas com as disciplinas de avaliação psicológica é tema da maior relevância na atualidade, mereceria ser encaminhada com maior profundidade. Faz-se necessário um debate criterioso que reúna a trajetória histórica das instituições de ensino no País, as modificações ideológicas que estão nos alicerces da tomada de decisões dos conteúdos curriculares das disciplinas de avaliação psicológica, as diretrizes éticas que asseguram o exercício profissional adequado do psicólogo, a recente iniciativa de disciplinar a publicação e utilização de instrumentos psicológicos apropriados e a busca continuada do desenvolvimento científico e das contribuições sociais. A autora lança as primeiras idéias na direção de uma discussão, mas não se apropria de seu desenvolvimento. Infelizmente menciona o que é óbvio e esvazia o tema-título de seu capítulo que poderia enaltecer enormemente a publicação desta obra. O capítulo de autoria do Prof. Guillermo Arias Beatón também suscita ressalvas, uma vez que não mostra clareza no desenvolvimento das idéias. Embora, por diversas vezes, refira-se à visão de Vygotsky acerca da importância do contexto sócio-histórico no processo evolutivo do ser humano, não apresenta continuidade na exposição de suas premissas e desdobramentos, mantendo um pensamento ora repetitivo, ora confuso, que transformam suas cinqüenta e três páginas em um texto preliminar.

Para concluir, é oportuno mencionar que a crítica responsável é atribuição de todo profissional no exercício de suas atividades e que o progresso do conhecimento científico e as contribuições do psicólogo são ações efetivas. As publicações em forma de livro são importantes veículos do conhecimento e necessitam resguardar seus objetivos existenciais. Provavelmente, a desarticulada apresentação desta obra revele a preocupante realidade presente, em que nem mesmo são considerados, nos grupos de trabalho, prioridades e coerência que sustentam os empreendimentos relevantes.

 

 

Recebido em: 24/01/2008
Aceito em: 22/03/2008

 

 

1 Professora de Psicologia da Comunicação – FAPCOM. Contato: Av. Brig.Faria Lima 1616, s/804– CEP 01451-001 São Paulo, SP. Tel.:(11)3815-8234. E-mail: cleusasakamoto@uol.com.br

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