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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. v.28 n.2 São Paulo dez. 2008

 

TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS

 

Benefícios das atividades lúdicas na recuperação de crianças com câncer

 

Benefit of ludic activities in the recovery of children with cancer

 

 

Emnielle Pinto Borges1; Maria do Desterro Soares Brandão Nascimento2; Silvana Maria Moura da Silva3

Universidade Federal do Maranhão

 

 


RESUMO

A criança hospitalizada para tratamento oncológico convive com uma série de restrições impostas pelo quadro clínico do qual padece, complementadas com a tensão que lhe causa a gravidade da doença e também a rotina hospitalar. As atividades lúdicas aparecem como importante estratégia de confronto a essas condições, propiciando um ambiente menos traumatizante e mais humanizado, podendo promover, assim, a saúde e o bem-estar da criança em tais condições e, também, de sua família. Baseando-se nessa temática, realiza-se a presente pesquisa de natureza qualitativa-quantitativa em 12 crianças, na faixa etária entre 2 e 10 anos, e suas respectivas mães. Os instrumentos de coleta de dados são: entrevistas com a genitora, observações lúdicas e relatos das crianças, complementados com dados dos dossiês no hospital dessas últimas. Conclui-se que o brincar é essencial no tratamento dos pequenos com câncer e hospitalizados. Seus benefícios centralizam-se no fortalecimento da alegria infantil, na promoção da socialização e bem-estar, na aceitação e na promoção do tratamento.

Palavras-chaves: Criança hospitalizada; Lúdico; Oncologia.


ABSTRACT

The hospitalized child undergoing oncological treatment has to deal with a number of restrictions imposed by the illness that ails him, in conjunction with the tension caused by the gravity of the illness and also by the hospital routine. Ludic activities appear as an important strategy to confront these conditions, allowing a less traumatic and more humanized environment, which improves on the health and well being of the child under such conditions, as well as to the family. The present research on a qualitative-quantitative basis has been performed with 12 children, with ages between 2 and 10 years old, and with their respective mothers. The instruments for the collection of data were: interviews with the mother, ludic observations and talk with the children, complemented by data furnished by the hospital registers of the children. The conclusion is that playing is essential in the treatment of the hospitalized kids with cancer. The benefits are centralized in the strenghtening of the children’s joy, in the promotion of socialization and well being and in the acceptance and promotion of the treatment.

Keywords: Hospitalized child; Ludic; Oncology.


 

 

1. Introdução

O problema pelo qual se justifica esta pesquisa fundamenta-se nos benefícios que as atividades lúdicas proporcionam às crianças em tratamento oncológico. Elas, quando hospitalizadas, passam a conviver com inúmeras restrições devido a uma série de tratamentos, a maioria dolorosos e invasivos, que acabam comprometendo o seu desenvolvimento. Soma-se a esse quadro a necessidade de adaptar-se a novos horários e relacionar-se com pessoas até então desconhecidas e, sobretudo, experimentar a angústia que causa a própria doença.

As atividades lúdicas proporcionadas a essas crianças no ambiente hospitalar atuam como catalisadoras no processo de sua recuperação e adaptação, representando estratégia de confronto das condições adversas da hospitalização. O ato de brincar permite à criança sentir-se melhor no cotidiano de sua internação e resgatar as brincadeiras que realizava em seu ambiente familiar, antes da hospitalização. O ambiente hospitalar torna-se mais humanizado, o que favorece a qualidade de vida desses pequenos e a de seus familiares, influenciando assim na sua recuperação.

Ao analisar vários trabalhos sobre a temática, constataram-se efeitos positivos do brincar sobre a criança hospitalizada com câncer, como amenizar o sofrimento hospitalar, favorecer a comunicação e auxiliar a aceitação do tratamento a ela proporcionado. Diante desses benefícios, a presente pesquisa centralizou-se no estudo do apoio em que atividades lúdicas prestam diretamente na recuperação dessas crianças quando hospitalizadas. Foram selecionadas 12 delas e suas mães, das pacientes atendidas no Setor de Pediatria do Instituto Maranhense de Oncologia Adenora Belo (IMOB) e na Casa de Apoio Criança Feliz, ambos situados em São Luis (MA). Observações lúdicas e relatos dessas crianças como também entrevistas com a mãe, além de dados colhidos nos dossiês daquelas constituíram-se os meios de coleta de dados. Estes, analisados e comparados com a literatura disponível, proporcionaram expressivos resultados sobre o apoio do lúdico na recuperação desses pequenos.

A citada pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas envolvendo Seres Humanos (processo nº 33104-0453/2004 – Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Maranhão). Em relação aos participantes, procedeu-se à assinatura do termo de Consentimento Livre e Esclarecido por parte das mães das crianças selecionadas.

 

2. Contribuições bibliográficas

No Brasil, aproximadamente metade dos casos de câncer pediátrico ocorre em crianças do nascimento aos 5 anos e pouco mais de 25%, entre crianças de 6 a 10 anos (Costa Júnior, 2005). Os tumores malignos na infância, apesar de corresponderem a apenas 2% de todos os cânceres diagnosticados, representam, do ponto de vista epidemiológico, uma das principais causas de óbito por doença, e a segunda maior causa de perda de potenciais de vida (Brasil, 2001).

O câncer, por ser considerado uma doença crônica, cujo tratamento, em geral, demanda tempo considerável de hospitalização, expõe a criança a procedimentos invasivos e incômodos. Afeta seu desenvolvimento em termos físicos, cognitivos e emocionais, podendo desencadear reações de estresse e ansiedade (Motta, Enumo & Ferrão, 2006). Conforme Domingos (apud Aragão & Azevedo, 2001 e Soares, 2003), são os prejuízos da hospitalização que provocam o desenvolvimento de ameaças reais ou imaginárias, expressas através do medo dos médicos, choro, agressividade, dependência, ansiedade, dor e distúrbios do sono. Aspectos esses que facilmente podem ser generalizados para as crianças com câncer, em tais situações.

Na infância, a hospitalização configura-se como uma experiência potencialmente traumática (Santa Roza, 1999). Ao ser hospitalizada, a criança é afastada do seu convívio natural e exposta ao confronto com a dor e o sofrimento, bem como à limitação física e à passividade, aflorando assim, sentimentos de culpa, punição e medo da morte. Ela pode apresentar dificuldades de lidar com tais circunstâncias ao deixar de participar do cenário e das condições favoráveis à continuidade do seu desenvolvimento. Em tais situações, especialmente quando afetada por doenças graves como é o câncer, e sujeita a tratamentos dolorosos e invasivos, o quadro ainda mais se intensifica.

Para a criança, adaptar-se à hospitalização, faz-se necessária a utilização de estratégias para minimizar seus efeitos negativos, potencializando ganhos relacionados à aprendizagem e em seu repertório comportamental. Neste sentido, atividades lúdicas atuam como catalisadores no processo de recuperação e adaptação da criança hospitalizada, proporcionando-lhe a construção de uma realidade própria e singular, além de expressar sua criatividade e emoção. Para Mitre & Gomes (2003), o lúdico é percebido como uma possibilidade de ganhar-se ou construir algo positivo em uma situação de tantas perdas como esta.

O brincar passa a ser visto como espaço de reabilitação capaz de promover não só a continuidade do desenvolvimento infantil, mas também permite que a criança hospitalizada elabore melhor este momento específico em que vive (Mitre, 2000). Para Soares (2003), as brincadeiras e jogos variados que promovem risadas podem melhorar a oxigenação, induzem ao relaxamento e melhoram a auto-estima (p.26).

O ato de brincar também pode informar a evolução da doença, seus aspectos, o nível de estresse da hospitalização e tratamento (Motta, Enumo & Ferrão, 2006). Além disso, sendo este ato uma das formas de expressão genuína da criança, permite que ela revele suas necessidades, vontades ou prazeres. No ambiente hospitalar, torna-se ainda fundamental para o universo infantil, servindo como meio em que são percebidos os anseios da criança internada. Cunha (1994) dá ênfase ao brincar e relaciona-o como meio de a criança desenvolver-se e de integrar-se ao ambiente que a cerca, o que se pode transferir para o contexto em referência.

 

3. Métodos

Foi realizada uma pesquisa do tipo quantitativa e qualitativa, que compreendeu informações sobre dados de identificação das crianças com câncer (idade, sexo, diagnóstico); idade das mães; alterações comportamentais em nível de hospitalização; e atividades lúdicas preferidas pelas crianças no seu domicílio e no hospital. Utilizou-se, como procedimento de análise de dados, o estudo de caso, enfatizando-se a interpretação para melhor apreender o objeto de estudo da pesquisa (benefícios das atividades lúdicas). Essas informações permitiram adequações das atividades lúdicas aos interesses e às necessidades das crianças objeto de estudo.

Foram selecionadas 21 crianças, sendo que apenas doze delas (assim identificadas: 6-JCRR, 7-NJS, 8-LCS, 9-EMS, 10-AJSM, 12-FFC, 13-MAC, 16- AC, 17-LVRSP, 18-GAC, 19-LKCS e 20-MGM) concluíram a pesquisa. Quanto às nove, algumas vieram a óbito, outras receberam alta médica e outras ainda a família desistiu do tratamento. Atenderam aos critérios de seleção préestabelecidos: faixa etária de 2 a 10 anos; diagnóstico confirmado de qualquer tipo de câncer; e tempo mínimo de um mês em internação hospitalar. Além disso, utilizou-se do critério de residência da criança e sua família fixada no interior do Estado do Maranhão, contribuindo para a permanência mais prolongada da criança no hospital, o que favoreceu a realização da pesquisa.

Para facilitar a intervenção lúdica, registraram-se dados referentes à realidade de cada criança: quem ela é; como adoeceu; as limitações impostas pela doença; do que gosta de brincar; quais são seus interesses e necessidades; atividades lúdicas preferidas em suas residências e aquelas proporcionadas no hospital. Utilizou-se da observação participante nas atividades do brincar realizadas pelas crianças selecionadas. Foram oferecidos jogos e brincadeiras compatíveis com o seu nível de desenvolvimento e com as limitações gerais impostas pela doença, com programações de atividades específicas para cada uma delas. As sessões lúdicas foram diárias, individualmente, com duração de 30 a 50 minutos e, em grupo de, no máximo, quatro crianças, com duração média de 2 horas.

Após essas intervenções, foram obtidos relatos de cada criança e entrevistas com sua mãe, para resgatar os benefícios proporcionados pelas atividades lúdicas desenvolvidas. As sessões foram gravadas, depois transcritas, preservando-se os conteúdos originais das falas. Após as transcrições, procedeuse à análise dos dados, decompondo-os e posteriormente recompondo-os. Obedeceu-se, tanto quanto possível, às relações existentes nesse processo para favorecer a compreensão dos dados, além de estabelecer relações entre eles e a bibliografia examinada. Quanto à análise de conteúdo, utilizou-se a modalidade temática de Bardin (1995).

 

4. Resultados

Dos doze participantes desta pesquisa, a metade deles era do sexo feminino. A leucemia linfoblástica aguda (LLA) estava presente em 50% dos pequenos selecionados. Duas crianças, uma do sexo feminino e a outra do sexo masculino, apresentavam diagnóstico de Tumor de Wilms. As demais sofriam de um dos tipos das seguintes doenças: Linfoma de Hodking, Linfoma de Burkit, câncer de pulmão ou Sarcoma no membro inferior.

Em relação às idades das mães, estas variavam de 20 a 45 anos, o que poderia deduzir-se haver certa veracidade nas informações.

Quanto às crianças, o tempo de permanência no hospital variou de um a quatro meses, dando oportunidade para a sua familiarização com as atividades lúdicas empregadas.

Durante o período de utilização do lúdico, observou-se que as alterações de comportamento dos pacientes (passividade, agressividade, ansiedade, perturbações no sono e irritabilidade) foram diminuindo gradativamente para darem lugar à espontaneidade e satisfação.

Analisando as atividades lúdicas na visão das crianças e das mães antes do início das sessões do brincar, observou-se um expressivo predomínio do lúdico realizado nas residências em comparação com o efetuado no hospital. A tabela 1 comprova essa informação pelos totais obtidos e também pelos tipos de brinquedos realizados. Houve bem maiores ganhos no lar quanto às atividades motoras (jogar bola, amarelinha etc.) e as de “Faz de conta” (de casinha e de escolinha). Bem poucas brincadeiras realizadas no hospital superaram as efetuadas no lar e, além disso, a de maior freqüência (pintar) nem foi citada pelas crianças.

 

 

Quanto às observações feitas por uma das pesquisadoras, denota-se um certo aumento, mas não expressivo, sobre as informações das crianças e de suas mães no referente às atividades lúdicas realizadas no hospital. Esse aumento é registrado nos brinquedos de recortar e montar, bem como de quebra-cabeças.

Com esses resultados, foram planejadas as sessões lúdicas e realizadas diariamente com as crianças. Apesar da doença, elas participavam das atividades, a não ser em momentos de intensas dores e mal-estar. Durante as intervenções lúdicas, quando não conseguiam deslocar-se à brinquedoteca do hospital, devido ao seu estado de saúde, e não podendo sair do leito, tais atividades eram realizadas neste local.

Os principais benefícios resultantes da intervenção lúdica expressam-se principalmente no favorecimento da alegria infantil, apontadas em 10 crianças e 10 mães; no sentimento de ser feliz, 6 crianças e 3 mães, e na promoção da socialização, 4 das genitoras.

 

5. Discussão

As alterações comportamentais das crianças sob regime de tratamento oncológico, relatadas por suas mães, corresponderam à diminuição expressiva das atividades motoras, à agressividade, angústia e dor. Na literatura, encontramse dados semelhantes, como Domingos (apud Aragão & Azevedo, 2001) e Soares (2003), que destacam, como prejuízos da hospitalização, o sentimento de ser ameaçada, expresso através do medo dos médicos, choro, agressividade, dependência, ansiedade, dor e distúrbios do sono.

A pesquisa apontou que a presença das atividades lúdicas para a criança em tratamento oncológico tornou-se fundamental, pois garantiu alegria e favoreceu positivamente seu desenvolvimento e tratamento. Mitre (2000) concordou em afirmar que o brincar passa a ser visto como um espaço terapêutico, capaz de promover não só a continuidade do desenvolvimento infantil, como também a possibilidade de a criança hospitalizada melhor elaborar o momento em que vive.

O favorecimento da alegria infantil foi o benefício mais citado nas entrevistas realizadas com as crianças e suas mães. Revela-se também em alguns de seus depoimentos.

Pesquisadora: “Quando você está brincando, como você se sente?”.

Criança 3: “Alegre, alegre, feliz”.

Pesquisadora: “Mãe 10, a senhora acha que as atividades lúdicas realizadas com seu filho têm proporcionado benefícios para ele?”.

Mãe 10: “É; alegria no comportamento, muita fortaleza; ele brinca, sorri, ele gosta muito das brincadeiras também, das brincadeirinhas”.

O segundo maior benefício das atividades lúdicas foi a ajuda à criança a sentir-se feliz e pode ser observado no seguinte depoimento:

Pesquisadora: “Por que você gosta de brincar?”.

Criança 8: “Porque eu gosto mesmo. Porque eu fico alegre, fico feliz”.

Pesquisadora: “Quais os benefícios das atividades lúdicas para seu filho?”.

Mãe 1: “Para dá mais alegria, mais paz, ele se sente muito mais feliz”.

Na brincadeira, a criança aprende com espontaneidade, sem estresse ou medo de errar; utiliza o prazer na aquisição do conhecimento. Ela desenvolve a sociabilidade, aprende a conviver e a respeitar o direito dos outros. No hospital, por ser um espaço fechado ao tratamento de enfermidades graves, é mais difícil facilitar a socialização da criança, principalmente em tratamento oncológico, que é geralmente prolongado e onde a presença de visitas tem ocorrido apenas ocasionalmente.

A promoção da socialização da criança aparece em terceiro lugar. Foi evidenciada pelas mães entrevistadas, embora este benefício não tivesse sido mencionado pelas crianças em seus relatos. Depoimentos como estes revelaram o benefício ora citado:

Pesquisadora: “A senhora tem alguma coisa a acrescentar?”.

Avó 1: “Não. Acho ótimo, acho legal, tô gostando do serviço, tô adorando. Se vocês não fizessem essas brincadeiras, não tivessem essa ajuda, eu tenho certeza que meu neto ficaria mais triste, isolado, passando por esse sofrimento; aí vem a ajuda de vocês”.

Pesquisadora: “A senhora percebeu mudanças em sua filha, depois que ela começou a participar de nossas atividades?”.

Mãe 9: “Sim, porque quando eu cheguei aqui ela não andava, ficava pregada em mim e agora desde que vocês estão aqui, ela me esquece (risos)”.

Durante a realização das intervenções lúdicas, foram priorizadas as atividades que envolvessem grupos de crianças, respeitando seu nível de aprendizagem e sua faixa etária. Elas tiveram oportunidades de interagir com outras companheiras, enquanto dançavam, manuseavam objetos, desenhavam, jogavam, enfim, quando brincavam.

Certos autores concordam com esses benefícios, afirmando que a socialização da criança é intensificada enquanto brinca, pois brincando, satisfaz suas necessidades básicas, inclusive de comunicar, questionar, interagir com outros e fazer parte de uma experiência social mais ampla (Moyles, 2002). Assim, o brincar é meio de expressão infantil, forma de a criança integrar-se ao ambiente que a cerca (Cunha, 1994).

Três mães e uma criança entrevistadas apontaram que as atividades lúdicas auxiliavam no tratamento de seus filhos. Os trechos abaixo ilustram esse benefício:

Pesquisadora: “O que a senhora acha que melhorou em seu filho, a partir do momento que ele começou a fazer nossas atividades?”.

Mãe 1: “Achei que ele melhorou no tratamento, melhorou na ajuda que vocês estão dando para ele, para mim também, porque estou ficando feliz, por que estão ajudando ele, ele se sente feliz e eu também”.

Pesquisadora: “Como é que você se sente quando está brincando?”.

Criança 12: “Melhor. A gente fica alegre, feliz”.

Através do brincar, as crianças experimentam sensações de prazer e de felicidade; adquirem conhecimento sobre o mundo; aprendem espontaneamente; desenvolvem a sociabilidade. O brincar pode representar uma fuga da realidade, ou seja, esquecer temporariamente a doença. Todos esses benefícios contribuem para que as crianças aumentem as defesas imunológicas; minimizem os prejuízos da hospitalização, sobretudo a apatia e a irritabilidade; recuperem-se mais rapidamente e resgatem a alegria inerente à infância, mesmo em situação de doença grave. Além desses aspectos, Soares (2003) destaca o que já foi citado anteriormente, que quando as brincadeiras e os jogos são alegres, podem melhorar a oxigenação, induzir ao relaxamento e também à auto-estima. Assim, se uma criança sente-se alegre e descontraída, sua permanência no hospital poderá ser mais fácil, tendo seu desenvolvimento e cura favorecidos. Esses dados concordam com os resultados encontrados nessa pesquisa.

Além desses benefícios apontados pelas mães entrevistadas, existiram outros menos citados como: ajuda a criança a sentir-se melhor; promoção ao crescimento e desenvolvimento infantil; favorecimento da criatividade; redução da agressividade; aumento do interesse em brincar; diminuição da depressão e ajuda a esquecer a doença. Os seguintes depoimentos revelam alguns deles:

Pesquisadora: “Mãe 11, quais os benefícios que a senhora percebeu a partir das atividades lúdicas realizadas com sua filha?”.

Mãe 11: “Eu acho que ela tá desenvolvendo a criatividade dela, ela está aprendendo a fazer coisas, a fazer desenhos, eu acho que ela está gostando.”

Pesquisadora: “Quais as mudanças observadas em sua filha, a partir do momento em que ela começou a fazer nossas atividades?”.

Mãe 11: “Ela era agressiva, se mordia, ela mudou, ela mudou o ambiente familiar dela, e quando ela vai brincar ela adora, ela voltou o interesse de brincar”.

Pesquisadora: “Quais os benefícios das atividades lúdicas para a sua filha?”.

Mãe 7: “Ela ficou mais animada, mais alegre, mais desenvolvida. Até o crescimento favoreceu, eu acho”.

As mães apresentaram, nas suas entrevistas, uma variedade maior de benefícios em relação às crianças, talvez porque soubessem expressar-se melhor. Houve o predomínio do benefício, “favorecimento da alegria”, notado tanto nas crianças quanto nas suas mães. Já o benefício “ajuda à criança a ficar feliz” foi bastante citado pelas crianças e apontado, com menor freqüência por suas mães, porém, evidenciando o papel fundamental que as atividades lúdicas exerceram no processo de recuperação de seus filhos.

Pelos resultados apresentados, pode-se inferir que a criança que brinca parece não estar doente, mesmo que em um breve espaço de tempo. Nesse contexto, Mitre e Gomes (2003) coloca que o lúdico é percebido como uma possibilidade de ganhar ou construir algo positivo.

 

6. Considerações gerais

A presença de atividades lúdicas no processo de tratamento oncológico infantil é de grande importância, haja vista os benefícios detectados tanto para as crianças, quanto para seus pais ou familiares como também para a própria humanização do ambiente hospitalar.

No tratamento oncológico infantil, atividades prazerosas e alegres devem ser proporcionadas à criança como aliadas ao seu desenvolvimento e reabilitação, e não como simples passatempo. Assim, é preciso que todos aqueles que cuidam dela no tratamento oncológico tenham clareza dos benefícios das atividades lúdicas na melhoria da sua qualidade de vida por favorecer momentos alegres, saudáveis e promotores do desenvolvimento infantil e de sua reabilitação.

Recomenda-se, portanto, que as atividades lúdicas sejam inseridas na rotina hospitalar como recurso fundamental à criança em tratamento oncológico, para garantia do seu bem-estar, e constituindo efetivos recursos para o seu desenvolvimento e reabilitação.

 

Referências

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Recebido em: 07/06/2008
Aceito em: 04/09/2008

 

 

1 Residente do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Hospital Universitário – HUFMA. Contato: Rua da Malásia, Quadra 51, nº 03, Anjo da Guarda, São Luis – MA – CEP 65085-000. E-mail: emnielle.borges@yahoo.com.br
2 Doutora em Medicina UNIFESP-EPM. Professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Materno-Infantil da UFMA. Contato: Rua Duque Bacelar, Quadra 33, nº 41, Quintas do Calhau, São Luis – MA – CEP 65067-510. E-mail: cnsd_ma@uol.com.br
3 Doutora em Educação Motora/UNICAMP. Docente dos Mestrados Saúde Materno Infantil e em Educação da UFMA. Contato: Rua Miragem do Sol, Lote 8, Q. 20, ap. 70. Ruberval Palmeiras. Renascença II CEP – 65075-760 – São Luis – MA. E-mail: smmourasilva@bol.com.br

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