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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. v.29 n.1 São Paulo jun. 2009

 

RESENHAS

 

Dóris Lieth PeçanhaI,II,1; Renata S. P. de GodoyII,2

IUniversidade Federal de São Carlos
IIUniversidade de São Paulo

 

 

MORIN, E. (2007) Os sete saberes necessários à educação do futuro. (Catarina Eleonora da Silva e Jeanne Sawaya - Tradutoras). (12 ed.) Brasília: UNESCO e São Paulo: Cortez, 118 p.

O livro surgiu por iniciativa da UNESCO, objetivando sistematizar ideias norteadoras de ações educativas para o terceiro milênio. Assim, foi convidado o renomado sociólogo francês Edgar Morin que fez circular suas ideias nos quatro cantos do mundo. A obra, expondo problemas centrais em educação, é o produto final de diversas contribuições. Apesar das muitas reedições do livro, em várias línguas, as questões tratadas continuam palpitantes.

Outras obras de Morin aprofundam o problema epistemológico da complexidade ora exposto ("Introdução ao pensamento complexo", "Educar na era planetária"), bem como questões de método ("O método IV", "Ciência com consciência"), temas antropológicos ligados à natureza humana ("O enigma do homem"; "O paradigma perdido"), à cultura ("Cultura e comunicação de massa", "Cultura de massas no século XX"), à necessidade de religar conhecimentos ("O desafio do século XXI") e, ainda, debates políticos ("Introdução à política do homem e argumentos políticos", "Marxismo e sociologia"). "Meus demônios" expõe os sofrimentos daqueles que adotam um pensamento crítico, sistêmico e complexo, e que agem de forma comprometida com a identidade planetária. Aliás, alguns professores têm sido alvos de assédio moral em função de proporem aos alunos o estudo dos "sete saberes" que objetivam ensinar a "ética da compreensão planetária" - não um conjunto de normas, mas atitudes democráticas, abertas e solidárias. Os trabalhos mencionados visam o avanço do conhecimento por sua crítica, pois razão e desrazão integram qualquer cognição, bem como o fomento de mudanças que tragam beleza e sustentabilidade à "terra-pátria".

Os conhecimentos sistematizados nos "sete saberes" são: 1. As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; 2. Os princípios do conhecimento pertinente; 3. Ensinar a condição humana; 4. Ensinar a identidade terrena; 5. Enfrentar incertezas; 6. Ensinar a compreensão; 7. A ética do gênero humano.

O primeiro capítulo expõe que todo conhecimento pode ser ameaçado pelo erro e pela ilusão. Morin destaca quatro erros: os mentais, os intelectuais, os da razão e as cegueiras paradigmáticas, e demonstra como suas instâncias dificultam o exercício autocrítico. Já que não existe uma verdade, a educação deve ensinar a existência de várias circunscritas num sistema complexo, transdisciplinar e dinâmico. Uma teoria é uma ideia que deve ter seus erros e ilusões demarcadas por outras. Trata-se de uma luta crucial e irônica das ideias contra outras em que nenhuma pode ser identificada com o real. São apenas ideias, pois o real resiste a elas. Os processos de observação e auto-observação, os de crítica e os de autocrítica, os reflexivos e os de objetivação são inseparáveis na construção de um conhecimento complexo. Já o segundo capítulo do livro trata do conhecimento pertinente, ou seja, a contextualização de forma global (o conhecimento necessita refletir o todo), multidimensional (o conhecimento é interdependente) e complexa (o conhecimento pressupõe a multiplicidade e a unidade) para solucionar questões de interesse comum e global.

O terceiro ensinamento refere-se à condição humana. As contradições da condição cósmica, física, terrestre e humana são negligenciadas, optando-se por uma verdade reducionista que destitui as demais de validade. A educação deve ensinar a complementaridade entre aspectos bio-psico-socioculturais da humanidade e de cada homem. É na cultura que a condição humana surge e, esta, para existir, necessita da condição biológica (cerebral) e cognitiva (mental). Há um circuito cérebro/mente/cultura que remete a outro: razão/afeto/pulsão. Outra tríade é a do indivíduo/sociedade/espécie, havendo singularidade e diversidade em cada uma e entre elas. O homem é sapiens e demnes, faber e ludens, empiricus e imaginarius, economicus e consumans, prosaicus e poeticus. E é tudo isso em unidade e dualidade, podendo-se entendê-lo como homo complexus.

O quarto ensinamento diz respeito à identidade terrena. A religação deve substituir a disjunção e apelar à sabedoria de vivermos juntos. Aqui a reflexão sobre a unidade/diversidade remete à história humana. O autor descreve contracorrentes que evidenciam novas formas de solidariedade e responsabilidade, estimulando a unidade da diversidade contra a bestialização do pensamento único. O quinto pilar refere-se ao confronto da incerteza que é complexa e composta pelos circuitos risco/precaução, fins/meios e ação/ contexto. Quando uma ação interage com o contexto, ela sai do domínio de quem a fez, gerando outros significados e consequências imprevisíveis. Assim, o avanço histórico inicia-se muitas vezes no particular e microcósmico. O sexto saber é o ensinamento da compreensão que requer empatia, abertura e generosidade. Por outro lado, o egocentrismo, o etnocentrismo e o sociocentrismo reduzem conhecimentos complexos a impressões pré-concebidas. A educação deve atentar não somente para os obstáculos à compreensão, mas para as metaestruturas de pensamento.

O sétimo saber, a ética do gênero humano, apresenta o conceito de comunidade planetária e a necessidade de uma ética para a Humanidade. A educação deve conduzir à antropoética, considerando o caráter ternário da condição humana: indivíduo/sociedade/espécie. A ética indivíduo/espécie necessita do controle mútuo da sociedade pelo indivíduo e deste pela sociedade, ou seja, a democracia; a ética indivíduo/espécie convoca a cidadania terrestre. O desenvolvimento humano deve compreender o conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e da consciência de pertencer à espécie humana.

Enfim, a educação do futuro exige um esforço transdisciplinar para integrar ciências e humanidades, rompendo com a oposição entre natureza e cultura. Urge assumir esse desafio cognitivo para não sucumbir à fragmentação e aos paradoxos neoliberais que globalizam de um lado e excluem do outro.

 

 

Recebido em: 05/03/2009
Aceito em: 24/04/2009

 

 

1 Profª. Dra. do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (Menção Honrosa da Academia Paulista de Psicologia) e do Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da EESC - USP. Tel.: (16) 3361-1134. E-mail: doris@ufscar.br
2 Psicóloga, Mestranda no Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da EESC - USP, sob orientação da Profª. Associada Dóris Lieth Peçanha. Contato: Rua Dr. Neto de Araújo, 231, ap. 132 - São Paulo, SP - CEP 04111-000. Tel.: (11) 3384-7964. E-mail: resemensato@yahoo.com.br

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