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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.29 no.2 São Paulo dez. 2009

 

HISTÓRIA DA PSICOLOGIA

 

Resgatando a memória dos patronos: Enjolras Vampré - Cadeira 38 (* 04/07/1885 - † 17/05/1938)

 

Redeeming the memory of the patrons: Enjolras Vampré - Cadeira 38 (* 04/07/1885 - † 17/05/1938)

 

 

Hebe C. Boa-Viagem A. Costa1

 

 


RESUMO

O Patrono da Cadeira nº. 38, Dr. Enjolras Vampré, foi uma personalidade marcante que se destacou no campo da medicina especialmente em Neurologia e Psiquiatria e a relação com a Psicologia. Figura ímpar na capacidade didática, foi capaz de contagiar seus assistentes e discípulos com o entusiasmo pela profissão e desejo intenso de continuamente ir além. Nunca procurou impor-se como o melhor no seu campo de atuação e sim dar oportunidade para que os outros brilhassem ao seu redor. É interessante notar a grande quantidade de trabalhos produzidos que contavam com a colaboração de seus assistentes e discípulos. Assim, revelou-se, socialmente, um psicólogo em ação.

Palavras-chaves: Psiquiatria; Neurologia; Enjolras Vampré.


ABSTRACT

The Patron of Chair no. 38, Dr. Enjolras Vampré, was an outstanding personality in the field of medicine, especially in Neurology and Psychiatry and in relation with Psychology. Unparalleled in his teaching capacity, he was able to influence his assistants and students due to his enthusiasm with his profession and a strong desire to continually go further. He never sought to impose himself as the best in his acting field but to give opportunity for others to distinguish themselves. It is Interesting to note the amount of his works that relied on the collaboration of his assistants and disciples. Socially, therefore, he revealed himself as a psychologist in action.

Keywords: Psychiatry; Neurology; Enjolras Vampré.


 

 

Fiquei feliz quando a Dra. Aidyl Macedo de Queiroz Pérez-Ramos me convidou para que elaborasse a biografia do Dr. Enjolras Vampré. Desde a minha infância, ouvi falar desse eminente neurologista, posto que meu pai fora contemporâneo dele na Faculdade de Medicina da Bahia (1909). Eram da mesma idade e faleceram prematuramente.

Sergipano, da cidade de Laranjeiras, filho do Dr. Fabrício Carneiro Tupinambá Vampré e Mathilde de Andrade Vampré, fez seus primeiros estudos em São Paulo e cursou medicina na Faculdade da Bahia.

A sua vida estudantil foi intensa, destacando-se como o melhor aluno de sua turma e também como interno da Clínica Psiquiátrica e Moléstias Nervosas da Faculdade da Bahia; do Hospital de Isolamento da Peste em Monte Serrat,(Ba) (1906-1908); ex-Chefe da Comissão contra a peste bubônica em Alagoinhas, (Ba) (1907) e ex-presidente da Sociedade de Beneficência Acadêmica da Bahia. Toda essa dedicação ao estudo e aprimoramento profissional pode parecer, à primeira vista, que não havia lugar para exercer outras atividades e que o afastaria do convívio com os colegas. Um fato interessante ilustra o quanto é enganoso esse juízo apressado. A Faculdade de Medicina de São Paulo só foi criada em 1910 e os jovens paulistas que queriam ser médicos iam, preferencialmente, estudar na Bahia. Moravam em “repúblicas” e resolveram fundar o São Paulo F. C. da Bahia, para disputar o campeonato Bahiano. Quem eram os futuros médicos, futebolistas do São Paulo F.C. da Bahia? Eram eles, entre outros, Enjolras Vampré, Ovídio Pires de Campos, Edmundo de Carvalho, Alceu Peixoto Gomide, Clodomiro Vieira da Silva, Antonio Netto, Cristiano Carlos de Souza, Sebastião Toledo Barros, Zeferino do Amaral, Astolfo Margarido da Silva, Celestino Bourroul, Oscar José Alves, Bento Pereira da Silva Júnior, Cândido de Camargo Serra, José Tepaldi e Randolfo Margarido. Como vemos, todos nomes ilustres da nossa classe médica.

Em 1908 concluiu o curso e, com brilhantismo, defendeu a tese Ligeiras considerações sobre as perturbações nervosas e mentais da peste bubônica. Mereceu, assim, ter seu retrato no Pantheon da Faculdade de Medicina da Bahia e um Prêmio de viagem à Europa. Quando retornou ao Brasil, instalou-se em São Paulo onde continuaria, com a mesma dedicação, a exercer a medicina.

Mostrou logo a que viera e desdobrou-se em inúmeras atividades inerentes a sua profissão. Participou de diversas Associações e nelas ocupou os mais variados cargos. Assim, entre outras instituições:

• Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo - Membro Titular (1910);

• Sociedade de Medicina de São Paulo - Presidente (1921);

• Associação Paulista de Medicina - Presidente em 1936 - Sócio Fundador;

• Academia Nacional de Medicina do Rio de Janeiro - Sócio Honorário;

• Associação Médica do Instituto Penido Burnier (Campinas) - Presidente Honorário;

• Seção de Neurologia e Psiquiatria - SP - da Sociedade de Medicina e Cirurgia - Presidente (1936);

• Seção de Otorrinolaringologia - SP - da Sociedade de Medicina e Cirurgia;

• Sociedade de Neurologia e Psiquiatria (Rio de Janeiro);

Societé de neurologie de Paris - Sócio Correspondente;

• Academia Nacional de Medicina de Buenos Aires - Sócio Correspondente;

• Fundador da Escola Neurológica Paulista: tendo moldado as características profissionais de seus assistentes diretos - Adherbal Tolosa, Paulino Longo, Oswaldo Lange, Carlos Gama e Fernando de Oliveira Bastos - aos quais sempre procurava dar o prestígio e apoio necessários;

• Orientador de teses de doutorado.

Estava sempre disposto a contribuir para o bem comum e ocupou, num certo período, o cargo de Inspetor Sanitário da Capital do Estado de São Paulo.

Em inúmeros hospitais, exerceu sua profissão. Entre eles destacamos o dos Alienados do Juqueri, hoje Hospital Franco da Rocha, o Central da Santa Casa e como Diretor da Seção de Neuropsiquiatria do Instituto Paulista (1912), cargo que ocupou até seu falecimento. As visitas que fez à Europa, a primeira como Prêmio de seu aproveitamento durante o curso de medicina e a segunda, como representante da Faculdade de Medicina de São Paulo nas comemorações do centenário de Charcot, permitiram que ele frequentasse, em Paris, os Serviços de Babinski, Dejerine, Foix, Guillain e Bertrand e, na Alemanha, os Serviços Psiquiátricos de Daldorf, Wuhlgarten, Herzberg e Brech.

Em 1927, participou ativamente na Semana Neuro-ophtalmologica. Sua contribuição foi publicada em diversos artigos e, em um deles, com a colaboração do Dr. Paulino Longo e do Dr. Belfort de Mattos, médicos destacados na comunidade científica.

Sua atuação na Faculdade de Medicina, no exercício do magistério foi muito significativa. Foi contratado como professor para reger a Cadeira de Neurologia e Psiquiatria (1925) e, nesse ano, representou a Faculdade nas comemorações do centenário do nascimento de Charcot, em Paris, já referido. Permaneceu no cargo até 1932 quando a Cadeira foi desmembrada em Psiquiatria e Neurologia e novamente foi contratado para reger esta última até 1935. Desde 1932, a Congregação da Faculdade, reconhecendo a notável qualidade dos ensinamentos do Dr. Vampré, por decisão unânime, enviou um documento aos poderes competentes, propondo-o para a regência definitiva independentemente de concurso. Ele, entretanto, recusou-se a aceitar esse benefício. Fez questão de prestar o concurso e enfrentar uma rigorosa Comissão Examinadora formada por Antonio Austragesilo, Aloysio de Castro, Alfredo de Brito Filho, Delfino Ulhoa Pinheiro Cintra e Ovidio Pires de Campos, todos eles expoentes da Neurologia e da Clínica Médica. Foi assim que, com muito brilho, ele tornou-se Catedrático de Neurologia (30ª Cadeira) da Faculdade de Medicina de São Paulo.

Dr. Enjolras conseguiu, com seu amplo conhecimento aliado a uma perfeita didática, interessar seus alunos a ponto de transformá-los em autênticos multiplicadores do seu saber, convidando-os, sempre, a irem além do que aprenderam. Por ocasião do falecimento do Dr. Enjolras, Mario Ottoni descreveu o mestre com precisão:

Enjolras Vampré, o emérito neurologista brasileiro, o trabalhador incansável, o cientista infatigável, o professor entusiasta que amava sua Cátedra, tanto quanto seus discípulos, aos quais sabia estimular e ensinar as belezas do que conhecia como mestre, o amigo dedicado e leal, caiu ferido pela moléstia que ele não se cansava de tornar conhecida e que tanto conhecia. Pegado de surpresa, morreu no mesmo recinto em que procurava transmitir, a seus discípulos, os seus ensinamentos necessários para o combate do mal que o derrubara. Morte gloriosa ele teve, rodeado do que mais queria na terra: família, amigos e discípulos, ensinando a combater o sofrimento e a dor. A saudade que deixou não tem limites, mas está diluída na própria grandeza de sua morte!
Distribuiu, às mãos cheias, e com uma generosidade ilimitada, a seus discípulos e a seus amigos, o grande manancial de seus profundos conhecimentos na especialidade que professava com exímio saber. Soube transmitir e dizer o que queria, sabido é o entusiasmo com que discorria, sobre assuntos os mais difíceis, tornava-os de fácil apreensão pela assistência, sempre atenta, quando ouvia sua palavra sábia.
Nenhum professor, de nossa Faculdade, sobrepujou-o no interesse com que era ouvido pelos discípulos.
Vampré sabia prender a atenção da assistência, porque sabia ensinar, porque amava o ensino e ao Instituto que tanto honrava, e, acima de tudo, porque era, de fato, um neurologista na estrita acepção da palavra. Vampré, era amigo sincero e era sincero porque era bom e leal. Sabia agradecer mesmo a colaboração daqueles pelos quais tudo havia feito. Sabia estimular aos seus amigos e assistentes, incutindo-lhes no espírito o amor entranhado que dedicava à especialidade que professava e abrindo-lhes, paternalmente, a cornucópia de seu coração bondoso, cheio de amizade e carinho pelos seus diletos discípulos. Vampré era um bom e um sábio, sem orgulho do muito que sabia.

Proferiu inúmeras conferências e delas destacamos algumas:

• Centro Acadêmico Oswaldo Cruz - Tema: “Prophylaxia da syphilis nervosa”;

• Associação Médica Penido Burnier por ocasião do 10º. aniversário do mesmo Instituto - Archivos do Instituto Penido Burnier - Tema: “Neurologia postoperatoria - Phsychopathologia do ganglio de Gasser” - 1932;

• Assistência Policial de São Paulo - “Padecimentos agudos do cérebro. Alguns meios para melhorá-los”- 1930.

Em seu Serviço, foram orientadas 21 teses de doutoramento.

Apesar de tantas atribuições, não deixou à margem sua clínica particular e, nos 30 anos de atividade, atendeu cerca de 22.000 doentes!

Sua personalidade marcante traçou rumos seguros e seus assistentes souberam dar continuidade a sua obra. Adherbal Tolosa assumiu, após concurso, os cargos deixados pelo mestre: a direção da Cátedra e o Serviço de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Paulino Longo, seguindo o mesmo caminho de seu colega, conquistou a Cátedra de Neurologia da Escola Paulista de Medicina e criou Serviços segundo os moldes preconizados pelo Dr. Enjolras.

 

Homenagens e Prêmios

• Espaço de honra no Pantheon da Faculdade de Medina da Bahia por ter sido o melhor aluno do curso;

• Pelo mesmo motivo, Prêmio de viagem à Europa;

• Patrono da Cadeira 49 da Academia Nacional de Medicina;

• Patrono da Cadeira 11 da Academia Sergipana de Medicina;

• Patrono da Cadeira 54 da Academia Paulista de Medicina;

• É nome de rua em São Paulo: Rua Enjolras Vampré, Jardim da Saúde (zona sul).

• Necrológio feito pelo Dr. Mario Ottoni na reunião da Seção de Otorrinolaringologia da Associação Paulista de Medicina, realizada no dia 17 de maio de 1938 e as palavras de Dr. Albernaz Mangabeira, Presidente da Associação Paulista de Medicina - Setor de Otorrinolaringologia;

• Homenagem póstuma - Arquivos de Neuro-Psiquiatria - Editor - Dr. Oswaldo Lange - Vol. 1 - 1943, São Paulo - In memoriam Professor Enjolras Vampre;

• Homenagem póstuma - Editorial da Revista da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia - Vol. 6 - Ed. 3 - maio /junho - 1938;

• Centenário de Enjolras Vampré - Arquivos de Neuro-Psiquiatria - São Paulo - Vol. 43 - nº. 4 - Dezembro 1985 - Jornal da Academia Brasileira de Neurologia;

• Prêmio “Honório Líbero” conferido pela Associação Paulista de Medicina - 1938;

• Associação Paulista de Medicina criou o Prêmio “Enjolras Vampré”;

• Inúmeras turmas de formandos da Faculdade de Medicina de São Paulo o homenagearam e foi paraninfo de uma delas em 1928.

 

Suas Obras

Contribuiu com mais de 140 artigos, em sua maioria sobre Neurologia, para o acervo da Medicina Brasileira de que foi um dos expoentes máximos.

Redator da revista Annaes Paulista de Medicina e Cirurgia/ SP e colaborador do Jornal O Estado de S. Paulo.

- Livro

Tumores cerebraes. Considerações clinicas e therapeuticas, em colaboração com o Dr. Gama.

- Revistas

Contribuiu para muitas, especialmente a da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (mais de 70 artigos). Outras: Annaes Paulista de Medicina e Cirurgia; Ciência médica; Revista da Associação Paulista de Medicina; Brasil Médico, Revue Sud Americaine; Archivos Penido Burnier; Jornal dos Clínicos; Revista Oral de Ciência médica (Argentina); Médico; Ärchivos Brasileiros de Neuropsychiatria.

Reconhecendo-o pelas expressivas produções no campo da Neurologia e Psiquiatria e suas vinculações com a Psicologia, a Academia Paulista de Psicologia o distinguiu, nomeando-o Patrono da Cadeira 38, que leva o seu nome e é, atualmente, ocupada pelo titular Isaac Mielnik, também médico, especialista em Terapia Familiar e grande batalhador na Escola de Pais de São Paulo.

 

Referências:

- Bibliográficas (difíceis de serem localizadas e às vezes incompletas):

• Amaro, J.W.F. (2002) - Revista médica - SP - 8134-37 -nov. 2002; (n. esp).         [ Links ]

• Canelas H. M. (1985) - Centenário de Enjolras Vampré - Arquivos de Neuropsiquiatria - São Paulo - Vol. 43 - nº. 4 - Dezembro.         [ Links ]

• Lange, O. - (Ed) (1999) In memoriam Professor Enjolras Vampré; Arquivos de Neuro-Psiquiatria - Vol. 1 - 1943, São Paulo.         [ Links ]

• Milam, L.R. & Marco, O.L.N - O universo psicológico do futuro médico. Editora Casa do Psicólogo, 1999.         [ Links ]

• Prado, L. - Dicionário Histórico-Biográfico dos Médicos de Sergipe.         [ Links ]

• Soares, W. E. N. Academia Sergipana de Medicina - Sociedade Brasileira de História da Medicina - 2006.         [ Links ]

- Documentos eletrônicos:

• Abril - Quando os “Cracks” dos clubes eram acadêmicos e doutorandos - Disponível na Internet via URL: http://www.abril.com.br/especial450/materias/futebol/index.html - Arquivo capturado em 10 de junho de 2009.

• Brazilian Journal of Otorhinolaryngology - Disponível na Internet via www.URL: http://www.rborl.org.br/conteudo/acervo/acervo.asp?id=757 - Arquivo capturado em 07 de janeiro de 2009.         [ Links ]

• Ciber Saúde - Disponível na Internet via URL: http://www.cibersaude.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=2148 - Arquivo capturado em 10 de janeiro de 2009.         [ Links ]

• Museu Médico de Sergipe “Dr. Aureliano Leite” - Programa Memória Disponível na Internet via URL - http://somese.com.br/site/index.php?id=1 - Arquivo capturado em 07 de maio de 2009.

• Teixeira, L. A., Em prol da ciência, a serviço da saúde - Disponível na Internet via URL - http://www.fclar.unesp.br/soc/revista/artigos_pdf_res/16/05teixeira.pdf - Arquivo capturado em 18 de janeiro de 2009.         [ Links ]

• Wikipédia - Enciclopédia Livre - Enjolras Vampré - Disponível na Internet via URL: http://pt.wikipédia.org/wiki/Enjolras_Vampr%C3%A9 - Arquivo capturado em 07 de maio de 2009.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 15/07/2009
Aceito em: 18/08/2009

 

 

1 Licenciada em Pedagogia e Ciências Sociais pela USP e em Direito pela Faculdade de Guarulhos. Contato: R. Augusto Tortorello Araujo, 207 - ap.42 - CEP 02040-010. São Paulo, SP. Tel. 2283-2935 - E-mail: hebejose@uol.com.br

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