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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.30 no.1 São Paulo jun. 2010

 

TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS

 

Cuidado paliativo: benefícios da ludoterapia em crianças hospitalizadas com câncer1

 

Palliative care: benefits of playtherapy in children hospitalized with cancer

 

 

Flor de Maria Araújo Mendonça SilvaI,2; Silvana Maria Moura da SilvaII,3; Maria do Desterro Soares Brandão NascimentoII,4; Sinara Marques dos SantosII,5

ICentro Universitário do Maranhão
IIUniversidade Federal do Maranhão

 

 


RESUMO

Analisar benefícios psicológicos de um trabalho ludoterápico como cuidado paliativo em crianças hospitalizadas com câncer. Trata-se de ensaio clínico com desenho analítico experimental pareado. São realizadas duas avaliações psicológicas com as crianças, utilizando-se do HTP (House, Tree, Person) cromático, padronizado por Buck; a primeira, antes de iniciar o processo de intervenção ludoterápica e outra no final dela, comparando-se os resultados obtidos nas duas avaliações. Os dados quantitativos foram analisados através do programa estatístico SPSS for Windows 16.0 (2007). A análise estatística descritiva foi feita pelo Teste dos Sinais, no nível de significância foi p<0,05. Os resultados acerca das variáveis comportamentais, sociais, defesas psíquicas e distúrbios psicossomáticos avaliados correspondem a: p = 0.508; p = 0.754; p = 0.016; p = 1, respectivamente. Apresentados na análise estatística das variáveis, os resultados traduzem que a ludoterapia como cuidado paliativo em crianças hospitalizadas com câncer apresenta benefícios significativos nas variáveis sobre defesas psíquicas.

Palavras-chave: Ludoterapia; Cuidado paliativo; Câncer infantil.


ABSTRACT

Analyzing the psychological benefits of a work done by play therapy technique as palliative care in children hospitalized with cancer. This essay comprehends a clinical trial with experimental analytical conjugated design. Two kinds of psychological research esassessments with children were performed; first before starting the process of intervention through play therapy and another at the end of the process, comparing the results of both evaluations. The quantitative data were analyzed by the statistical program, SPSS for Windows 16.0 (2007). The descriptive statistics analysis was made by the Signal Test. The level of significance was p < 0,05. The results about evaluated behavioral, social, psychic defense and psychosomatic disturbances evaluated have corresponded respectively to: p = 0.508; p = 0.754; p = 0.016; p = 1. Presented in the statistical analysis of variables, the results show that the play therapy as a palliative care in hospitalized children with cancer presented significant benefits in variable psychological defenses.

Keywords: Playtherapy; Palliative care; Pediatric cancer.


 

 

1. Introdução

O câncer em crianças no Brasil apresenta-se como a quarta causa de morte na população abaixo de 14 anos de idade, de acordo com estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Brasil, 2008). Segundo Camargo & Kurashima (2007), o câncer em criança é estudado separadamente desse quadro clínico em adulto, pois apresenta diferenças importantes em relação ao local primário acometido, à origem histológica e ao comportamento clínico (p. 25). Por outro lado, a doença tende a ter menores períodos de latência, costuma crescer rapidamente e torna-se bastante invasiva, porém, responde melhor à quimioterapia.

No caso específico do câncer infantil, a doença é tão limitante que, especialmente no uso do lúdico, elas passam essa faixa etária sem vivenciá-lo em sua plenitude. A presença do câncer na criança torna o clima emocional no seu ambiente familiar tenso e angustiante, e o pensamento dominante é sobre doença e morte.

De acordo com Valle & Françoso (2005), a configuração atual do câncer infantil gera necessidades específicas na área da assistência, impondo transformações nas práticas de saúde organizadas para atender a criança (p. 32). Motta, Enumo & Ferrão (2006) reforçam a ideia de que a criança hospitalizada com câncer adiantado precisa adaptar-se à situação de hospital, sendo necessária a utilização de estratégias para enfrentar essa circunstância adversa, minimizando seus efeitos negativos e potencializando ganhos à aprendizagem e no enriquecimento do repertório comportamental da doente.

No processo ludoterápico realizado nesta pesquisa, foram trabalhados fatores relacionados à aprendizagem comportamental junto com problemas emocionais originados no comportamento infantil frente a condições invasivas em que se encontram. Partiu-se do princípio de que o comportamento é regido por normas e qualquer mudança nele ocorrida é resultante da sua interação com o meio, repercutindo no repertório do paciente.

Nesta pesquisa, dez crianças com câncer e hospitalizadas foram objeto de avaliação psicológica e de intervenção por ludoterapia, além do tratamento médico que recebiam. Para a avaliação utilizou-se da anamnese e do teste HPT (House, Tree, Person) cromático e o seu inquérito. Buscou-se identificar as variáveis mais significativas que incidiam no desenvolvimento emocional, cognitivo e psicomotor das crianças em estudo, considerando, principalmente a situação comprometedora que elas se encontravam.

Dada a importância da realização das atividades lúdicas no tratamento oncológico com hospitalização condicionadas à infância, esta pesquisa procurou responder a seguinte questão: como a ludoterapia pode beneficiar as crianças nessas condições?

 

2. Método

2.1 Participantes

Os critérios de inclusão das crianças na pesquisa foram os seguintes: a faixa etária de 5 a 12; estarem hospitalizadas por diagnóstico de qualquer tipo de câncer no serviço de oncologia do hospital e na Casa de Apoio "Criança Feliz". Ambos os setores pertencem ao Instituto Maranhense de Oncologia Aldenora Belo (IMOAB). Para o estudo, foram excluídas as crianças que se encontravam em regime de isolamento.

Inicialmente, 23 delas tomaram parte da pesquisa, mas somente dez concluíram o processo, sendo enumeradas de 1 a 10 para preservar-lhe o anonimato. Dentre as inicialmente selecionadas, treze não finalizaram a pesquisa; pois durante o processo ludoterápico, quatro receberam alta médica temporária e viajaram para o interior do Estado; sete vieram a óbito e duas não alcançaram a periodicidade na participação das sessões de ludoterapia e, segundo a equipe do hospital, a família desistiu do tratamento por razões não explicadas.

2.2 Local

A pesquisa teve como mantenedora a Fundação Antônio Jorge Dino em São Luís - MA. O serviço de oncologia desse Hospital, onde foi realizada a investigação, é referência em todo o Estado do Maranhão para o tratamento do câncer.

2.3 Instrumentos para a coleta dos dados

Os utilizados na pesquisa foram: entrevista anamnésica, complementada com os dados do prontuário médico da criança, objeto de estudo; O HTP (House, Tree, Person) cromático segundo Buck (2005), junto com o inquérito do teste destinado às 10 crianças selecionadas. Este instrumento foi aplicado duas vezes, antes e depois da intervenção ludoterapêutica.

Na entrevista anamnésica, junto com o prontuário, obtiveram-se os dados como: história da vida da criança e de sua doença, como também da sua hospitalização; o relacionamento no lar e na escola e com seus pares; além dos distúrbios de comportamento que elas apresentaram, incluindo as dificuldades no sono.

2.4 Procedimentos da coleta e análise dos dados

A coleta de informações gerais para caracterização das crianças e dos familiares foi feita a partir de prontuários médicos, contendo a identificação dos participantes, filiação, data de nascimento, fase de tratamento e data de inscrição no Serviço de Oncologia. Após os levantamentos desses dados, foram agendados encontros individuais com os pais ou cuidadores das crianças para fornecerlhes informações sobre a pesquisa, explicando-lhes os procedimentos éticos como o sigilo dos dados coletados e a liberdade de sair do grupo a qualquer momento. Após tais informações, um grupo selecionado dos pais ou cuidadores acederam ao convite para assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Por se tratar de um ensaio clínico com desenho analítico experimental pareado, o mesmo grupo de crianças constituiu o experimental e o controle. A avaliação psicológica foi feita pela pesquisadora junto aos pais ou cuidadores e junto à criança, objeto de estudo. Utilizou-se o teste projetivo HTP cromático, a padronização Buck (2005) e a aplicação do inquérito do próprio instrumento. Para o emprego do teste, foram oferecidos às crianças lápis de várias cores e, para cada desenho realizado, uma folha de papel branco A-4. Para a análise do HTP, utilizou-se das normas do teste acrescidas dos aspectos individuais de cada criança.

O processo ludoterapêutico transcorreu durante três meses em 12 sessões individuais ou em grupo, realizadas duas vezes por semana na brinquedoteca da Casa de Apoio "Criança Feliz" do IMOAB, com duração de 30 a 50 minutos cada sessão. O período total de realização dessa pesquisa foi de seis meses, compreendendo desde a seleção da primeira até a última criança, entrevistas anamnésicas com os pais, aplicação do HTP nas crianças e sessões ludoterápicas a elas.

Os jogos e brinquedos utilizados nas sessões ludoterápicas compreenderam os especificados por Bomtempo (1999). Os conteúdos trabalhados com as crianças nas sessões respectivas obedeceram às fases de desenvolvimento infantil de Piaget (2001) e delas foram avaliadas as suas vivências (esquema corporal, orientação espacial, estruturação temporal), jogos (de exercício, simbólicos, de acoplagem, de regras simples e complexas) e desenhos livres escolhidos pelas crianças e por aqueles solicitados pela pesquisadora. Terminado o processo ludoterápico, foi realizada, em cada caso, a segunda aplicação do teste projetivo HTP, seguida do seu inquérito.

2.5 Materiais e equipamentos

O grupo de brinquedos utilizado nas sessões ludoterápicas foi o proposto e especificado por Bomtempo (1999), com a seguinte classificação:

a) Jogos de exercício: bola e instrumentos de sopro;

b) Jogos simbólicos: fantoches, palhaços, material para desenhar e de faz-de-conta;

c) Jogos de acoplagem: montagem, modelagem, recorte/colagem e quebra-cabeça;

d) Jogos de regras: baralho, dominó, bingo, dama;

e) Jogos diversos: para ler, ouvir histórias, cantar e dançar.

No setting terapêutico, foram utilizados brinquedos de plástico e de pano, segundo relação especificada acima. Materiais como massa para modelar, tinta guache (jogo com 12 cores), papel branco, lápis de 12 cores, pincel, tesoura sem ponta, cola colorida, barbante, argila foram também empregados nas intervenções lúdicas.

2.6 Análise do material

A análise dos benefícios da ludoterapia foi obtida através das observações das respectivas sessões e dos dados decorrentes da aplicação do HTP e do seu inquérito, comparados com as informações da entrevista anamnésica assim como os dados advindos dos prontuários.

Para analisar quantitativamente os resultados das variáveis obtidas nos conteúdos dos protocolos produzidos nos desenhos das crianças no teste http e seu inquérito, empregou-se o programa estatístico SPSS for Windows 16.0 (2007) e do procedimento, também estatístico, de pequena amostra, o Teste dos Sinais, comparando-se as variáveis encontradas em dois momentos (antes e depois) das sessões ludoterápicas. Os valores de p < 0,05 foram considerados significativos. Foi feita também análise qualitativa dos dados obtidos.

2.7 Considerações éticas

O projeto da pesquisa foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (CEPHUFMA) sob o protocolo nº. 33104-1183/2007 e aprovado conforme o Parecer Consubstanciado nº. 066/2008. Os dados foram coletados somente após a aprovação pelo referido Comitê, e pelos responsáveis das crianças que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para participarem da pesquisa. Além disso, a pesquisadora assinou o Termo de Conhecimento e Concordância.

 

3. Resultados

3.1 Análise dos dados obtidos dos prontuários e da anamnese

As informações obtidas a partir dos prontuários médicos indicaram as variáveis relativas às internações hospitalares das crianças e os dados de sua identificação. Ressalta-se que são apresentados somente os dados estatísticos levantados dos prontuários referentes aos resultados das 10 (dez) crianças que concluíram o processo ludoterápico, sendo que seis delas eram do sexo feminino, enquanto que quatro, do sexo masculino. Quanto à idade, são quatro entre 11 e 12 anos, e duas delas para cada faixa etária de 5 a 6 anos; 7 a 8 anos e 9 a 10 anos. Note-se que a faixa etária selecionada para o estudo compreendeu de 5 a 12 anos, estando de acordo com as estatísticas efetuadas pelo Instituto Nacional do Câncer (Brasil, 2008).

Das crianças em estudo, sete eram alfabetizadas, sendo que três estavam na primeira série do ensino fundamental e quatro não o terminaram. Eram três não alfabetizadas, incluindo duas com idade menor (5 a 6 anos incompletos) da exigência para frequentar essa faixa de ensino. Considerando as suas idades, muitas das crianças estavam atrasadas na aprendizagem escolar. Os motivos alegados pelos pais para justificarem o atraso e/ou abandono escolar deveu-se, principalmente, ao aparecimento do câncer no filho, consequentemente à rotina do tratamento e ao deslocamento, por meses ininterruptos, para São Luís com períodos prolongados de hospitalização. Outra justificativa relatada por eles foi que as crianças apresentavam dificuldades na aprendizagem, ao retornarem à escola após o início do tratamento. Esses distúrbios eram agravados por agressividade entre colegas e a presença de comportamento ansioso e hiperatividade no filho doente.

A quantidade de filhos por família era de dois até sete. Para fins de análise, esclarece-se que uma criança de cinco anos sofria de Tumor de Wilms; outra de 6 anos e duas de 11, de leucemia; uma de 7 anos e outra de 11, de osteossarcoma; uma de 8 anos de neuroblastoma e outra de 10 anos, de linfoma de Burkit. Todas elas com grave diagnóstico.

Para a avaliação dos benefícios da ludoterapia, utilizou-se, entre outras variáveis, o tempo do tratamento. Duas delas permaneceram de 7 a 10 meses; três de 11 a 14 meses; uma de 15 a 18 e quatro, mais que 18 meses. Estas últimas foram as que alcançaram maiores benefícios, sendo que tais resultados se mostraram bastante consistentes.

Os dados obtidos na anamnese e nos prontuários também facilitaram a identificação das crianças e dos seus familiares, assim como do processo evolutivo daquelas e das dificuldades dos genitores de auxiliar no tratamento da doença e da hospitalização do(a) filho(a). Obtiveram-se informações importantes quanto à gestação da criança; cinco das mães rejeitaram a gravidez, mas a prosseguiram e revelaram não querer mais filhos; três delas engravidaram, sem planejamento e apenas duas aceitaram a vinda da criança.

Naturalmente essas descobertas irão somar-se ao conhecimento das condições de saúde dessas crianças.

3.2 HTP e inquéritos

Pretendeu-se verificar pelos resultados decorrentes da aplicação do teste e do inquérito, em referência, detectar e interpretar variáveis de natureza emocional, cognitiva e psicomotora das crianças em estudo.

Inicia-se a análise por aquelas com maior percentual para depois examinar aquelas de menor frequência.

A agressividade resultante de 90% de sua intensidade poderá ser devida às frustrações que as crianças estudadas sentiam pela intercorrência na sua vida de uma doença e de tratamentos invasivos e também as consequências negativas da internação hospitalar; a impulsividade (80%) manifestada por reações abruptas, explosivas e inesperadas; a inibição, insegurança emocional e também a passividade, em termos de 90%, podem ser explicadas por cansaço de lutar e a impotência sentida de não poder contar com forças para enfrentar a problemática que as consomem.

Apresentam-se sentimentos de culpa, fobias e medos com percentual de 80, podendo ser devido à esquiva persistente para não enfrentar situações de sofrimento e limitantes da doença e da internação. Como defesa, as crianças buscaram na fantasia e na imaginação momentos compensatórios de prazer, evitando assim enfrentar a dura realidade.

Ainda com relativamente menor percentual (60%) aparecem as dimensões relacionadas à timidez e as tensões emocionais que resultam da interiorização dos conflitos e traumas decorrentes das condições invasivas do câncer e do seu tratamento, complementada pela inadequação limitante da hospitalização para a vida das crianças. Essa dimensão pode ser considerada a mais doentia do que as anteriores pela contenção emocional.

Os níveis de agitação em 60% também relativamente menores que as variáveis anteriores as dificultavam no descanso necessário ao tratamento e adaptarem-se às contingências do momento.

Analisaram-se os prejuízos complementados pelo preconceito da própria doença e a sua incapacidade de conviver e se adaptar relativamente a tais condições. Muitas (70%) são de difícil adaptação e outras manifestavam sentimentos de inadequação ao meio.

Tais dimensões estavam associadas à imaturidade emocional e a sentimentos de oposição. Assim a negação (50%), sentimento de desamparo (70%), o refúgio na fantasia (80%) revelaram a forma conflituosa como essas defesas eram manipuladas pelas crianças. Além disso, o sentimento de menos-valia frequentes em todas elas denota a presença de autodepreciação, de retraimento e redução na capacidade de experimentar o prazer, ocasionando sérios prejuízos para a vida delas. Uma das variáveis significativas nesse agrupamento de prejuízos causados pela problemática que as envolve é a depressão com 90% dos resultados, evidenciando alteração do humor, causando também distúrbios psicossomáticos.

Deduz-se que os impactos produzidos pelo câncer e tratamentos com a hospitalização provocam sérios conflitos associados a situações de estresse e ao desenvolvimento de somatizações. Esses prejuízos confirmaram a tendência da expressão do sofrimento através de reações psicossomáticas.

Os resultados descritos e interpretados confirmaram, junto com o tempo prolongado de hospitalização, sérios desajustes que incidiram na identidade das crianças estudadas, sendo muitas vezes irreversíveis.

 

4. Comprovações por cálculos estatísticos

Estes quando não paramétricos, como é o teste de sinais (+ ou -) aplicamse nos estudos com grupos pequenos de indivíduos, como é o caso do presente trabalho. Para tal fim, o processo da ludoterapia foi dividido em dois momentos: M1 e M2. Segundo Vieira (1980), pode-se comprovar a existência e a ausência dos sintomas, utilizando-se esse procedimento, no qual o indivíduo é seu próprio controle, independentemente da magnitude da diferença que possa ser alcançada, no caso, entre "antes" (M1) e "depois" (M2).

A maioria das variáveis selecionadas foram as que identificaram as dimensões estudadas no capítulo anterior, separadas em quatro grupos: comportamentais, sociais, defesas psíquicas e distúrbios psicossomáticos, cujos dados são distribuídos nas tabelas que seguem.

 

 

No primeiro momento (M1) associado ao tratamento de quimioterapia, as variáveis estudadas, as que mais se evidenciavam foram as comportamentais, comprovadas pelos resultados do teste dos sinais. O resultado geral acerca dessas variáveis apresentadas pelas crianças no primeiro e segundo momentos do processo ludoterápico apresentou um p = 0.508 e, assim, considerou-se que não houve significância quantitativa. Observando-se os dados da Tabela 1, podese verificar que, no grupo das variáveis comportamentais, o p = 1 não foi significativo à mudança. Porém, houve respostas positivas, sinalizando modificação do comportamento. Para Collet (2004), as reações fisiológicas, como a ansiedade, são reações do sistema nervoso-autônomo e da respiração, aspectos que causam mudanças na pressão sanguínea e na temperatura (p. 12). Isto mostra que a situação de câncer, tratamento e hospitalização puderam causar ansiedade e medo à criança, refletindo no seu sistema fisiológico.

A Tabela 1 ainda ressalta que nas variáveis coordenação motora pobre, hiperatividade e impulsividade com o p = 0.5, apenas duas crianças responderam positivamente à intervenção. Em dificuldade de discriminação, o p = 0.625 mostrou melhores respostas que as outras variáveis estudadas, verificando-se a possibilidade de resultados mais relevantes, caso o processo ludoterápico se prolongue, posto que três crianças demonstraram mudanças para melhor. Na variável emotividade, quatro responderam significativamente à terapia. No entanto o p = 0.375 sugeriu mudança qualitativa pela ausência dos sintomas detectados.

Por apresentar p = 0.317, a variável insegurança emocional demonstrou não haver mudanças nos resultados finais, pois os comportamentos apresentados apenas se alteraram na avaliação do primeiro ao segundo momento. Por outro lado, ressalta-se, que a manutenção dos comportamentos, numa criança com uma doença progressiva como é o câncer, pode considerar ganho qualitativo nesta variável.

Na de sentimento de imobilidade, três crianças responderam positivamente à intervenção, enquanto que seis permaneceram com os mesmos comportamentos e apresentaram um p = 0.625, sem significância quantitativa.

A variável tensão emocional, correspondendo em intra e extratensão, o p = 0.307 foi o resultado mais significativo obtido nesse grupo de variáveis, no qual cinco das crianças permaneceram com os mesmos comportamentos nos dois momentos das avaliações, resultados que qualitativamente sinalizam tendência positiva.

Com a introdução da ludoterapia, pôde-se constatar na Tabela 1 a manutenção do quantitativo inicial de algumas variáveis comportamentais, dado que comprova que mesmo com o agravamento da doença, o lúdico pôde proporcionar momentos de descontração, como também uma fuga da realidade vivenciada. O brincar, associado ao bem-estar, expressa os medos e tensões, favorecendo que as crianças elaborem suas vivências, permitindo a realização de atividades prazerosas.

A tabela 2 compreende a análise dos dados acerca das variáveis sociais apresentadas pelas crianças no primeiro momento (M1) e no segundo momento (M2) da ludoterapia, aplicando-se o teste dos sinais.

 

 

O resultado geral acerca das variáveis sociais apresentadas pelas crianças no primeiro e segundo momentos da ludoterapia mostrou um p = 0.754 e, portanto, considerou-se não haver significância quantitativa.

Na Tabela 2, foram analisadas as variáveis sociais, cujos resultados apenas divergiram dos encontrados nas comportamentais. As variáveis: habilidade para obter satisfação do ambiente, necessidade de isolamento, sentimento de inadequação ao meio, a indicada como outras, o p = 1 não foi significante. Porém, o que se observou foi a manutenção dos comportamentos nos dois momentos das avaliações, interpretação qualitativamente positiva. Ao serem comparados os dois momentos das avaliações com a variável necessidade de isolamento em que aparece p = 1, percebeu-se que as mudanças se equivaleram nos dois momentos, havendo um saldo positivo em duas crianças que permaneceram com os mesmos comportamentos nas duas avaliações.

Outras variáveis se comportaram de maneira semelhante, como a adaptação difícil e ausência de autocrítica. As duas permaneceram inalteradas em oito crianças, havendo, contudo, uma inversão nos valores: na primeira variável, os dados da M1 foram maiores que os de M2, ao passo que, na segunda, os do M1 foram menores que os do M2, entretanto, duas das crianças se comportaram negativamente na segunda variável e ambas obtiveram p = 0.5.

Desempenhos também semelhantes tiveram as variáveis constrição ambiental e dificuldade de ajustamento e de integração, ambas com p = 0.25, confirmando a busca do equilíbrio emocional nessas crianças. Em algumas faixas de idades, estas dificuldades não são consideradas distúrbio. No entanto, essa reação pode ter surgido em virtude de a criança estar passando por uma situação que lhe é desconhecida. Recomenda-se que essas variáveis devem ser observadas juntamente com o conjunto das outras reações observadas, como informação adicional.

Essas variáveis confirmaram seus resultados através de outra semelhante, observada e analisada, que foi a incapacidade de adaptação, obtendo um valor mais positivo que as duas anteriores, sendo que cinco crianças modificaram seus comportamentos, elaborando suas dificuldades e, quatro permaneceram com os mesmos comportamentos sociais, dado sinalizando positividade terapêutica com o p = 0.219.

A incapacidade para desempenho de tarefas foi outra variável que se destaca por um p = 0.337, em que sete crianças demonstraram manutenção desse comportamento. Isto se configurou pela baixa escolaridade apresentada por elas em comparação com sua idade cronológica, podendo-se confirmar que todas as crianças do grupo estudado apresentaram déficit na aprendizagem. A necessidade de liberdade foi uma variável que demonstrou resultados favoráveis com quatro crianças, apresentando mudanças na segunda avaliação e seis delas mantiveram as mesmas necessidades até o final do processo ludoterápico com o p = 0.125.

A tabela 3 compreende a análise dos dados acerca das variáveis defesas psíquicas apresentadas pelas crianças no primeiro e no segundo momentos da ludoterapia, pelo teste dos sinais.

 

 

O resultado geral acerca das variáveis defesas psíquicas apresentadas pelas crianças no primeiro e segundo momentos da ludoterapia mostrou um p = 0.016 e, portanto, considerou-se que houve significância estatística.

A Tabela 3 mostra a frequência obtida nas variáveis defesas psíquicas, em que no primeiro momento (M1) da variável satisfação na fantasia, duas crianças apresentaram o segundo momento (M2), maior que o primeiro momento (M1). No entanto, sete delas permaneceram estáveis quanto à presença das variáveis nos dois momentos das avaliações com um p = 1. Foi perceptível a diferença apresentada nas variáveis ambivalência afetiva, fuga dos estímulos exteriores e imaturidade afetiva, em que a mesma significância de "p" foi igual ao resultado anterior. No entanto, oito crianças permaneceram com os mesmos sintomas e com igual intensidade ao término do processo ludoterápico com p = 1.

A variável fuga dos estímulos exteriores apresentou-se como mecanismo de defesa, no qual o medo do desconhecido transformou-se numa formação reativa de fuga, no sentido de afastar de si situações desagradáveis que lhe pareciam ameaçadoras. Nas variáveis refúgio na fantasia e outras, foram encontrados o mesmo valor de p = 1, porém, nove crianças não apresentaram mudanças nessas variáveis nos dois momentos das avaliações. A de sentimento de menos-valia, também com o p = 1, evidenciou ausência de mudança, nos dois momentos, portanto, sugeriram a manutenção dos sintomas.

Outro valor foi encontrado na variável bloqueio de afeto com p = 0.625, sem relevância quantitativa, mas no momento 2, os resultados foram mais positivos que no momento 1, no qual cinco variáveis permaneceram estáveis nos dois momentos. O valor de p = 0.062 na variável inadequação das defesas do ego foi positivo, principalmente, ao demonstrar que o momento 2 representou 50% de positividade do processo, enquanto que os outros 50% permaneceram estáveis.

Outra variável similar nas defesas do ego foi a negação, em que os resultados não divergiram da anterior com o p = 0.5 sem significância. Porém, os resultados nos dois momentos foram menos significantes que nos da variável anterior. Na de sentimento de desamparo com o p = 0.219, também sem significância quantitativa, observou-se que cinco crianças responderam positivamente ao processo ludoterápico, enquanto que somente uma no momento 2 (M2) foi maior que no momento 1 (M1) e quatro mantiveram a presença dos sintomas, mas sem elevação de intensidade. Por fim, na variável sentimento de rejeição, cinco crianças mantiveram os mesmos sintomas nos dois momentos das avaliações, porém, quatro modificaram os sintomas no momento 2 e somente uma criança apresentou elevação no momento 2, com o p = 0.375.

A tabela 4 mostra a análise dos dados acerca da variável distúrbios psicossomáticos apresentada pelas crianças no primeiro e no segundo momentos do processo ludoterápico.

 

 

O resultado geral destas variáveis mostrou que no primeiro e segundo momentos do processo ludoterápico obteve-se um p = 1; considerou-se que não houve significância quantitativa.

Com base nos dados dessa tabela, as variáveis distúrbios psicossomáticos foram os que menos apresentaram mudanças nos sintomas somáticos. Por outro lado, foram as que mais se mantiveram constantes em termos de presença de sintomas ao final do processo ludoterápico. Algumas mudanças foram perceptíveis na variável estresse pós-traumático com redução nas alterações dos distúrbios em três crianças constatadas na avaliação no momento 2, enquanto que sete delas se mantiveram com os mesmos sintomas, ou seja o p = 0.25.

Os resultados quantitativos não apresentaram significância, mas percebeuse que qualitativamente os efeitos da hospitalização representaram para a criança uma experiência, por si só, estressante, já que é uma vivência do desconhecido. Na variável aprendizagem com p = 0.5, confirmaram-se os resultados obtidos nas comportamentais, dificuldade de discriminação e coordenação motora pobre, em que se observou a interferência significativa da dificuldade na aprendizagem, que sofreu alterações significativas na medida em que a hospitalização se prolongava e com ausência das aulas por parte das crianças. Isto se reflete sobremaneira nos resultados em baixa escolaridade, acrescidas das alterações negativas geralmente estabelecidas pelo câncer na criança.

Outra variável que se inseriu nesse contexto, foi a atenção (tabela 4), na qual todas as crianças mantiveram o mesmo sintoma nos dois momentos das avaliações, sendo que o p = 1 não representou significância quantitativa, mas verificou-se positividade nos resultados, considerando que não houve elevação dos sintomas.

As variáveis relacionadas aos distúrbios psicossomáticos se comportaram de maneira diferente, a esquizotípica com o p = 1, sem significância quantitativa. Entretanto, os resultados revelaram também mudanças no momento 2 da avaliação com duas crianças que não apresentaram o sintoma. Outras duas indicaram a presença dos sintomas e seis delas mantiveram a presença dos sintomas iniciais, porém, sem acréscimos de comorbidades.

Ao comparar a variável ansiedade generalizada (tabela 4), duas das crianças apresentaram o momento 2 menor que o momento 1 nas avaliações, enquanto que uma delas no momento 2 foi maior que do momento 1 e oito se mantiveram estáveis, com p = 1.

Os resultados das variáveis relacionadas aos distúrbios psicossomáticos: depressão, dependência, pânico e somatização e em outras três obtiveram cada uma p = 1.

O resultado das variáveis das quatro tabelas demonstrou que não houve benefícios produzidos pela ludoterapia como cuidado paliativo no enfrentamento do câncer nas crianças. Por outro lado, demonstrou elevado grau de prejuízos causados pela hospitalização e que o brincar pode ser um veículo rico a ser utilizado como função potencializadora para crianças nessas condições.

 

4. Conclusões

Nesta pesquisa, os resultados obtidos comprovaram que brincando a criança expressa suas emoções, demonstra situações inerentes ao confronto ao desconhecido, e resgata valores pessoais e elementos que fazem parte de sua vida. Sinalizaram, portanto, para a positividade de projetos voltados para a melhoria da qualidade de vida das crianças hospitalizadas por câncer, utilizandose a ludoterapia como cuidado paliativo. Além desses aspectos, através da atividade lúdica, a criança demonstra que projeta questões pertinentes ao seu adoecer. A estabilização dos sintomas apresentados no início do processo ludoterápico é um forte indício de positividade qualitativa dos procedimentos realizados.

Apesar de as crianças se encontrarem em situação de desamparo pelo adoecimento e pela hospitalização, ainda assim, puderam através do brincar como terapia, vivenciar esses momentos difíceis de sua vida, de forma mais favorável ao seu desenvolvimento pelo prazer de brincar.

Pelos resultados estatísticos desta pesquisa, deduz-se que a ludoterapia como cuidado paliativo exclui a possibilidade de cura dos sintomas psíquicos emergentes aos sintomas orgânicos do câncer infantil. Todavia, mostrou que o brincar teve um papel significativo, contribuindo para o desenvolvimento integral da criança, bem como, proporcionando melhoria na sua qualidade de vida.

Através da técnica da ludoterapia na vivência de adoecimento do câncer infantil, ficou evidenciado que o brincar teve uma representação simbólica subjetiva que perpassou o ato da brincadeira.

Os dados do estudo demonstraram que a hospitalização pode se configurar em ruptura no processo de desenvolvimento da criança estudada e que poderá ser integrada à sua vida, e, quando elaborada, produzirá a construção de novos significados que serão úteis não só para o entendimento da situação específica, mas também estendidos numa compreensão maior em suas relações com o seu meio.

No tratamento oncológico infantil, as atividades estimulantes e alegres expressas no brincar devem ser proporcionadas à criança como aliadas fundamentais no seu desenvolvimento físico, emocional, cognitivo, social e espiritual, pois os jogos, brinquedos e brincadeiras lhes propiciam a continuidade de seu desenvolvimento e proporcionam alegria para aderirem ao tratamento e atenuam a saudade do ambiente da casa e de seus amiguinhos.

Os resultados obtidos ao trabalhar com recursos lúdicos evidenciaram a importância e o significado do brincar para a criança e como lida com as emoções geradas pela hospitalização e câncer.

A partir das avaliações dos processos ludoterápicos, foram estabelecidas diretrizes terapêuticas e estratégias utilizadas para trabalhar com determinados conteúdos expressos, em auxiliar a criança, no sentido de sintetizar, integrar esses significados para uma elaboração de si, na sedimentação e na construção da sua identidade.

Na pesquisa, ficou evidenciado que quando crianças experimentam hospitalização prolongada, decorrente de doença progressiva com grandes possibilidades de óbito, as crianças se encontravam em maior risco de atraso nos desenvolvimentos físico, cognitivo, emocional e social.

Outro aspecto que deve ser ressaltado é que a ludoterapia para a criança hospitalizada, além de ser um cuidado paliativo, viabiliza a construção de significados importantes na concepção de si e de suas emoções, as quais fazem parte de suas experiências dentro e fora do hospital.

Espera-se que esta pesquisa contribua para que demais estudos e intervenções ludoterápicas possam ser efetivados em hospitais destinados ao tratamento do câncer infantil, e que o direito de brincar da criança possa ser respeitado em qualquer contexto de sua vida.

 

Referências

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Recebido em: 20/03/2010
Aceito em: 25/05/2010

 

 

1 As autoras deixam registrados agradecimentos à Fundação Antônio Jorge Dino pelo apoio obtido para realizar a pesquisa.
2 Psicóloga, professora Titular do Centro Universitário do Maranhão. Mestre em Saúde Materno Infantil (UFMA). Contato: Rua Barão de Grajaú, Quadra 37, Casa 05, Jd. Eldorado, Bairro Turu, São Luís, MA. Brasil. CEP 65066-300. E-mail: flordemariaraujo@hotmail.com ou ppgmsmin@yahoo.com.br.
3 Educadora, Professora Associada II da UFMA. Professora do Mestrado em Saúde Materno Infantil (UFMA). Contato: Rua Miragem do Sol, Lote 8, Q. 20, ap. 70. Ruberval Palmeiras. Renascença II – São Luís, MA. Brasil. CEP 65075-760. E-mail: smouraufma@yahoo.com.br
4 Médica, Professora Adjunta IV da UFMA. Professora do Mestrado em Saúde Materno Infantil (UFMA). Contato: Rua Duque Bacelar, Quadra 33, nº. 41, Quintas do Calhau, São Luís, MA. Brasil. CEP 65067-510. E-mail: cnsdma@uol.com.br
5 Graduanda em Medicina pela Univers. Federal do Maranhão. Contato: Rua Domingos Barbosa 49, Centro - São Luís, MA. Brasil. CEP 65015-130. E-mail: marquesinara10@yahoo.com.br.