SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.33 número85Maria Julia Kovács: uma pesquisadora refletindo sobre a morte índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.33 no.85 São Paulo dez. 2013

 

HISTÓRIA DA PSICOLOGIA

 

Entre a atividade perceptiva e a fantasmática: Nina Rausch de Traubenberg e o método de Rorschach1

 

Between perceptual and fantasy activity: Nina Rausch de Traubenberg and the Rorschach method

 

Entre la actividad perceptiva y la fantasmática: Nina Rausch de Traubenberg y el método Rorschach

 

Entre activité perceptive et fantasmatique: Nina Rausch de Traubenberg et la méthode Rorschach

 

 

Benoit Verdon2,I; Deise Matos do Amparo 3,II

IUniversité Paris Descartes
IIUniversidade de Brasília (UnB)

 

 


RESUMO

Nina Rausch de Traubenberg nasceu em 1920, na Finlândia e faleceu em 07 de abril de 2013, em Paris. Neste manuscrito rendemos nossa homenagem a essa grande dama do ensino e da prática do teste de Rorschach, de importância fundamental no fortalecimento e desenvolvimento da área. Nina Rausch de Traubenberg na presidência das Société Internationale du Rorschach e da Société du Rorschach et des Méthodes Projectives de Langue Française contribui com a divulgação internacional do método de Rorschach, e tem uma importante atuação política na área das provas projetivas. Atuando na função de professora e presidente de uma associação científica forma muitos profissionais da área e tem uma atuação expressiva como pesquisadora. Sua obra contempla estudos com métodos projetivos envolvendo diferentes grupos clínicos de crianças e adultos, psicopatologias, estudos sobre a representação de si e a identidade, desenvolvimentos técnicos e teóricos concernentes à dinâmica afetiva no Rorschach. Um dos aspectos principais dos seus desenvolvimentos teóricos, particularmente oriundo dos estudos clínicos com crianças e com psicopatologias graves, refere-se a particularidade de definição do método de Rorschach como um espaço de encontro e de interações, entre a atividade perceptiva e a atividade fantasmática,ou seja, entre a realidade externa do objeto conhecido e a realidade interna do objeto vivenciado. Em suma, Nina Traubenberg pela sua expressiva contribuição teórica e clínica é reconhecidamente uma referência fundamental para o estudo dos métodos projetivos.

Palavras-chave: Métodos Projetivos; Rorschach; Traubenberg;


ABSTRACT

Nina Rausch de Traubenberg was born in 1920 in Finland, and passed away in Paris, April 7, 2013. Through this eulogy, we honor the memory of this great lady who gave a praiseworthy contribution to the Rorschach test teachings and practice, and had a fundamental importance in the improvement and development of the projective methods field. Besides her decisive involvement in promoting the Rorschach method worldwide, and her essential role as a projective science advocator, Nina Rausch de Traubenberg, during her presidency term of "Société Internationale du Rorschach" and "Société du Rorschach et des Méthodes Projectives de Langue Française", mentored many professionals and had an astounding performance as researcher. Her work encompasses several studies on: projective methods applied to a wide range of subjects, from children to adults; psychopathologies; the 'self' representation and identity; technical and theoretical advances related to Rorschach emotional dynamics; and more particularly, the approach of this method as a space for encounters and interactions, between perceptual and fantasy activities. One of the main aspects of her theoretical developments, among those achieved through clinical studies with children and with severe psychopathologies, refers to the particular definition of the Rorschach method as an interactions space between perceptual activity and fantasy activity, i.e. between external reality of the known object and internal reality of the experienced object. In short, Nina Traubenberg, due to her significant clinical and theoretical contribution is recognized as a fundamental reference for the study of projective methods.

Keywords: Projective Methods; Rorschach; Traubenberg.


RESUMEN

Nina Rausch de Traubenberg nació en Finlandia en 1920 y murió el 7 de abril de 2013, en París. En este manuscrito rendimos nuestro homenaje a esta gran dama de la enseñanza y la práctica del test de Rorschach, de importancia fundamental en el fortalecimiento y desarrollo de esta disciplina. Nina Rausch de Traubenberg na presidenta de la Société Internationale du Rorschach y de la Société du Rorschach et des Méthodes Projectives de Langue Française contribuye a la difusión internacional del método de Rorschach, y tiene un importante papel político en el ámbito de las pruebas proyectivas. Actuando en el papel de profesora y presidente de una asociación científica, forma a muchos profesionales del área, y tiene una actuación expresiva como investigadora. Su obra incluye estudios con métodos proyectivos que involucran diferentes grupos clínicos desde niños y adultos, psicopatologías, así como diversos estudios sobre la representación del sí mismo y la identidad, técnicas y desarrollos teóricos sobre las dinámicas afectivas en el Rorschach. Uno de los principales aspectos de su desarrollo teórico, sobre todo procedentes de los estudios clínicos con niños y las psicopatologías severas, se refiere a la definición particular del método de Rorschach como un espacio de encuentro e interacción entre la actividad perceptiva y la actividad de la fantasía, es decir, entre la realidad externa y la realidad del objeto conocido, objeto interno experimentado. En resumen, Nina Traubenberg por su significativa contribución tanto teórica como clínica, es reconocida como una referencia clave para el estudio de los métodos proyectivos.

Palabras-clave: Métodos proyectivos, Rorschach, Traubenberg.


RÉSUMÉ

Nina Rausch de Traubenberg est née 1920 en Finlande et est décédée le 07 avril 2013 à Paris. Dans ce texte nous rendons hommage à cette grande dame de l'enseignement et de la pratique du test de Rorschach, dont l'importance est fondamentale pour le renforcement et le développement du champ des méthodes projectives. Nina Rausch de Traubenberg, à la présidence la Société du Rorschach et des Méthodes Projectives de Langue Française contribue à la diffusion internationale de la méthode de Rorschach et développe une importante activité politique dans le domaine des méthodes projectives, comme professeur et présidente d'une association scientifique forme de nombreux professionnels et obtient une certaine notoriété en tant que chercheuse. Son oeuvre réunit des études sur les méthodes projectives à partir de différents groupes cliniques d'enfants et d'adultes, de psychopathologies, d'études sur la représentation de soi et de l'identité, de développements techniques et théoriques liés à la dynamique affective dans le cadre du Rorschach. L'un des principaux aspects de ses développements théoriques découle d'études cliniques avec des enfants et des psychopathologies graves et fait référence à la particularité de la définition de la méthode de Rorschach comme un espace de rencontre et d'interactions entre l'activité perceptive et l'activité fantasmatique, c'est-à-dire entre la réalité externe de l'objet connu et la réalité interne de l'objet vécu. En somme, Nina Traubenberg est une référence fondamentale de l'étude des méthodes projectives, surtout du fait de ses contributions théoriques et cliniques expressives,.

Mots-clés : Méthodes Projectives., Rorschach, Traubenberg.


 

 

Vida e Obra

Nina Rausch de Traubenberg, grande dama do ensino e da prática do teste de Rorschach, faleceu em Paris, em 07 de abril de 2013. Professora em Psicologia Clínica e Projetiva na Université Paris V, René Descartes, França, ela presidiu a Société Internationale du Rorschach e a Société du Rorschach et des Méthodes Projectives de Langue Française, na qual sempre foi presidente honorária. Foi diretora de publicação da revista Bulletin de la Société du Rorschach e da revista Psychologie Clinique et Projective durante vários anos.

Nascida na Finlândia, em 1920, de pais russos a caminho do Oeste Europeu, Nina Rausch de Traubenberg viveu na Alemanha, na Checoslováquia e na Bulgária, antes de chegar à França. Enriquecida por esse percurso, ela sempre deu muita atenção à diversidade das línguas, das práticas e das culturas, pois lembrava que nunca fora convidada para casa de colegas de escola, talvez por ser estrangeira, embora melhor aluna da sala de aula, mesmo tendo aprendido a falar francês mais tarde... Seu estatuto de apátrida a fragilizou durante a Segunda Guerra Mundial e a ocupação da França pelas forças nazistas. Porém, o seu conhecimento da língua alemã fez com que ela trabalhasse temporariamente numa livraria, antes de ser expulsa pela Gestapo. Graças à Cruz Vermelha, ela conseguiu sair de Paris e trabalhar como enfermeira e assistente social. Foi nesse momento que ela construiu o projeto de cuidar "da pessoa humana, do ser humano". Logo no fim da guerra, ela ingressou na carreira de orientadora para os operários, e sempre esteve muito atenta aos seus sofrimentos psíquicos, sobretudo quando eles haviam sofrido acidentes. Após esse período, ela voltou para França e estudou o teste de Rorschach, que acabava de chegar nesse país, na ocasião encontrou Nella Canivet e Cécile Beizmann. Naquela época, o Rorschach era antes de tudo utilizado para orientar e selecionar profissionais. Nina Rausch de Traubenberg foi naturalizada francesa em 1947.

Interessada pela psicopatologia da criança, ela ofertou seus serviços, de forma benevolente, como psicóloga, para os chefes de serviço de psiquiatria infantil dos Hospitais de Paris. Ela cuidava, sobretudo, de testes de avaliação de QI. Nessa ocasião, encontrou Vica Shentoub e no período organizou com ela algumas publicações (Heuyer, Shentoub, Rausch de Traubenberg, Jampolsky & Rivet, 1956; Jampolsky, Rausch de Traubenberg & Shentoub, 1956; Shentoub & Rausch de Traubenberg, 1958). Para sustentar-se financeiramente, ela traduzia muitos artigos e livros para um centro de documentação e, assim, teve acesso às publicações internacionais sobre o Rorschach. Na década de 1950, com uma bolsa da Organização Mundial da Saúde, Nina Traubenberg estagiou nos Estados Unidos e visitou centros de cuidados para crianças. Participou também de congressos e percebeu que o Rorschach era bastante utilizado, pois as revistas da área (Journal of Clinical Psychology, Journal of Projective Techniques), abordavam amplamente estudos com ele. Na oportunidade, Nina Traubenberg encontrou Piotrowski, Wechsler, Bender, Rappaport e os informou das pesquisas desenvolvidas na França em relação à seleção profissional, mas também quanto à psicopatologia. Assim, ela descobriu múltiplas abordagens do Rorschach, notadamente a abordagem behaviorista (Beck), mas também uma abordagem mais clínica (Schafer). Essa última abordagem a conquistou, e ela aprofundou e enriqueceu com a perspectiva fenomenológica (Minkowska) e a perspectiva psicanalítica (Schafer). Nina Rausch de Traubenberg voltou para França fortalecida por tantos encontros e publicou entre os anos cinquenta e sessenta vários estudos teóricos e empíricos. Ela aplicou o teste de Rorschach em diferentes grupos clínicos de crianças e adultos, procedeu a retestes, conduziu estudos comparativos e realizou contribuições singulares do estudo com o método de Rorschach no âmbito da investigação psicológica (Rausch de Traubenberg, 1955, 1957a, 1957b, 1957c, 1959, 1960a; 1960b; 1960c,1961a; 1961b; 1962; 1963; Anzieu & Rausch de Traubenberg 1965).

Em 1967, Nina Rausch de Traubenberg foi nomeada professora de Psicologia Clínica no Instituto de Psicologia de Paris (Université Paris V) e encarregada dos trabalhos sobre o Rorschach, na direção de Didier Anzieu. Essa atividade de pesquisa e de ensino fez com que ela aprofundasse no tema que lhe era mais caro: compreender o "processo do Rorschach" para entender o porquê das respostas, analisar as suas condições de aparição e o que levava á variação dessas condições. Assim, o diretor do Instituto, Paul Fraisse, encorajou-a a escrever um manual de utilização do Rorschach, o que ela fez, relacionando de forma interessante o seu grande conhecimento da história das pesquisas sobre o teste com sua atividade clínica, em associação com vários psicólogos clínicos, dentre os quais Catherine Chabert, que, naquela época, trabalhava no Hospital da Pitiésalpêtrière em Paris. Sua obra em formato de manual, La pratique du Rorschach, foi publicada em 1970. A editora Presses Universitaires de France já lançou a nona edição dessa obra que foi traduzida inúmeras vezes e permanece uma ferramenta de formação indispensável para os estudantes de psicologia e profissionais do Rorschach (Rausch de Traubenberg, 1975a; 1977;1998; 2005).

Neste livro Nina Traubenberg teve como objetivo expor os dados básicos em que se fundamentava o método de Rorschach, buscando a exploração dos seus aspectos multidimensionais na sua riqueza e complexidade. A perspectiva era realizar a interação dos fatores de análise do teste preconizando os aspectos perceptivos e os processos dinâmicos com um esforço para destacar e explicar os mecanismos que estão na base da interpretação, considerando o mecanismo que o produziu e o contexto clínico e genético de seu aparecimento como apontado por Herman Rorschach. Sobre esse aspecto, Rausch de Traubenberg (1975a) afirma na sua introdução:

O próprio Rorschach preconizou o estudo da interpretação dos fatores e somente essa interação confere ao teste o caráter de situação privilegiada no decurso do qual alternam e coexistem os processos perceptivos e os processos dinâmicos. Conquanto nos seja impossível desenvolver aqui essas questões, parece-nos indispensável recordar brevemente como a abordagem multidimensional da prova se impôs, mediante a sucessão de trabalhos respeitantes ao teste (pg. 7).

No Brasil essa obra também foi traduzida e em 1998. Por ocasião da segunda edição do livro, em língua portuguesa, André Jacquemin registrou em sua apresentação a importância da obra para o ensino do método e formação do profissional:

Trata-se de uma obra básica e fundamental para o estudo do Método de Rorschach. Serve de referência tanto para quem quer iniciar seus estudos com a técnica quanto para quem precisa recordar, atualizar, refletir e até aprofundar alguns conceitos e procedimentos de cotação e de interpretação. (...) Rausch de Traubenberg é realmente um marco de competência e de seriedade no campo das técnicas projetivas, em particular o Rorschach (Rausch de Traubenberg, 1998, pg.5-6).

No momento em que André Jacquemin assinou sua apresentação, ele o fez como Presidente da Associação Brasileira de Rorschach e Métodos Projetivos (ASBRo). Afirmamos, suas palavras foram e ainda são muito verdadeiras. Os ensinamentos de Nina Rausch de Traubenberg, juntamente com o seu rigor metodológico e sabedoria, foram semeadas aos psicólogos brasileiros desde a década de 1970 até o presente momento, em vários cursos de Psicologia do Brasil.

Nina Rausch de Traubenberg, também teve uma importante atuação no Brasil para a área. Em 1987, foi realizado, em São Paulo o XIII Congresso da Sociedade Internacional de Rorschach, organizado por Latife Yazigi, Anna Elisa de Vilemor Amaral, Inês Sucar, Norma Lottenberg Semmer, André Jaquemin, Regina Sonia Gattas e Ana Maria Benevides, cujas publicações, incluindo os trabalhos de Nina Traubenberg, foram realizados na Rochachiana XVI (Rausch de Traubenberg, 1987; Rausch de Traubenberg, Bloch-Laine, Boizou, Martin & Poggionovo, 1987). A convite de André Jaquemin, Nina Traubenberg participou desse evento além de ter ofertado um curso de formação no Rorschach em Ribeirão Preto - São Paulo. Nessa ocasião, foi eleita Presidente da Sociedade Internacional do Rorschach, e reconduzida ao cargo na gestão seguinte, tendo como vice-presidente uma brasileira, Lafife Yazigi.

Enquanto presidente da Sociedade Internacional do Rorschach, Nina Traubenberg além de ter realizado uma excelente gestão, demonstrou ser uma pesquisadora de sólida formação. Na condução da Sociedade Internacional ela sempre teve uma atitude afetuosa e amigável acompanhada de uma postura integradora da diversidade cultural. Foi com esse espírito que organizou em Paris, no ano de 1990, o XIII Congresso Internacional da Sociedade de Rorschach, um grande sucesso que agregou mais de 600 participantes.

No decorrer dos anos de sua atuação como pesquisadora e clínica, Nina Rausch de Traubenberg propôs muitas reflexões de suma importância sobre a atuação do psicólogo clínico e a análise e cotação do método de Rorschach (Rausch de Traubenberg, 1960c; 1968; 1970; 1974b; 1975a; 1975b; 1976; 1983; 1990a; 1990b; 1994a; 1994b; 1996; 2003; Rausch de Traubenberg & Shentoub, 1982; Rausch de Traubenberg, Bloch-Lainé, Duplant, Martin & Poggionovo, 1990; Azoulay, Emmanuelli, Rausch de Traubenberg, Corroyer, Rozencwajg & Savina, 2007 ), a psicopatologia da criança e do adolescente (Rausch de Traubenberg, 1957a; 1973; 1980; 1981; Rausch de Traubenberg & Boizou, 1976;1977; Duché, Rausch de Traubenberg & Bouras, 1971; Rausch de Traubenberg, Boizou, Bloch- Lainé, Chabert, Des Ligneris & Ponroy, 1973; Chabert & Rausch de Traubenberg, 1982), a psicose, e a deficiência mental e física (Rausch de Traubenberg, 1963a; 1963b; 1964a; 1964b; 1965; 1966a; 1966b; 1968; 1974a; Boizou, Bloch-Lainé, Chabert, des Ligneris & Ponroy, 1973; Rausch de Traubenberg, 1973) a representação de si e a identidade e a dinâmica afetiva (Boizou, Chabert & Rausch de Traubenberg, 1978; Martin; Bloch-Lainé, Duplant, Poggionovo & Rausch de Traubenberg, 1990; Rausch de Traubenberg, Bloch-Lainé, Boizou, Duplant, Martin & Poggionovo, 1990; Perron, Rausch de Traubenberg & Chabert, 1973). As suas reflexões integraram, também, o estudo do Rorschach como um espaço de encontro e de interações, um lugar de interferências entre a atividade perceptiva e a atividade fantasmática, que envolve o trabalho tanto sobre o processo da resposta quanto sobre o próprio material. (Rausch de Traubenberg, 1975b; 1976; 1981; 1983; 1993; 1996; Rausch de Traubenberg & Boizou, 1978).

Na sua Tese de Doctorat d'Etat, Rausch de Traubenberg (1981) aprofundou a peculiaridade e o refinamento do método de Rorschach para análise da relação entre a atividade da percepção e a atividade fantasmática. Um dos aspectos principais dos seus desenvolvimentos teóricos, particularmente oriundo, dos estudos clínicos com adolescentes e crianças com psicopatologias graves, referese a particularidade de definição deste método como um espaço de encontro e de interações, entre essas duas atividades, ou seja, entre a interação com a realidade externa do objeto conhecido e a realidade interna do objeto vivenciado. De forma correlativa, esses aspectos são considerados levando-se em consideração, a propriedade de investigação do método de Rorschach para analise da integração da imagem do corpo.

Em uma comunicação realizada em 1981 no X Congresso Internacional de Rorschach, em Washington, publicada posteriormente na Psychologie Française e no mesmo ano no Brasil, Rausch de Traubenberg (1983) reafirma a presença desse mecanismo de interação entre a atividade perceptiva e fantasmática no método de Rorschach. A partir de uma grande pesquisa com 260 crianças, de subgrupos normais e clínicos sendo este ultimo particularmente constituído de pré-psicóticas e borderline, Rausch de Traubenberg observa justamente no grupo clínico a invasão fantasmática de nível primário e ao mesmo tempo o esforço em manter a relação com a realidade objetiva. Nos diferentes grupos ela precisou os tipos de interação entre esses fatores especificando o teor fantasmático, tanto na sua propensão organizadora quanto desorganizadora, a força do Eu e o modo de resolução do conflito, bem como a atividade de mentalização produzida. Segundo a sua forma de conceber o método de Rorschach é justamente a referência ao duplo (fantasma e percepto) que define o nível do funcionamento psíquico e permite, em um segundo tempo, estabelecer relações com a dimensão diagnóstica.

Para além desse aspecto dinâmico, Nina Traubenberg entendeu que o estímulo é um dado fixo, estável, e que a dinâmica relacional que se instaura entre o clínico e o paciente é um dado móvel, diferente de um contexto para outro e que deve ser estudado tanto quanto o próprio protocolo de respostas. A qualificação do aspecto interacional com o clínico particulariza as suas análises caso a caso e oferece ao método uma perspectiva acentuadamente clínica.

Em relação ao desenvolvimento científico de sua obra e sua atuação como pesquisadora, enquanto ela estava focada no Rorschach, Vica Shentoub consagrava boa parte dos seus trabalhos ao TAT, razão pela qual ela apoiou a proposta de Catherine Chabert de ensinar conjuntamente os dois testes, achando que isto seria um avanço importante para a formação dos estudantes, assim como para a coerência do ensino. Dessa forma, Nina Rausch de Traubenberg lançou as bases de um ensino rigoroso e fértil dos métodos projetivos: ensino de formação fundamental, mas também de formação continuada, com cursos teóricos e metodológicos e profundos estudos de casos clínicos. Para isso, ela não hesitava em deixar Paris e ir ao encontro de colegas em diversas regiões francesas, nem em deixar a França para visitar vários países do mundo. Ela revindicava uma aliança entre a pesquisa, o ensino e a prática clínica, única garantia para uma boa compreensão das questões levantadas pelas experiências de campo, assim como para uma boa formação.

 

Considerações finais

Em suma, Nina Traubenbeng teve uma importante atuação política e profissional na área dos projetivos. A sua obra vem contribuindo com o avanço e desenvolvimento da área além de favorecer a formação de profissionais e clínicos que atuam no campo. No Brasil, a sua influência é marcante em grupos de pesquisa que trabalham com a abordagem francesa do método e desenvolvem pesquisas clínicas, de normatização e atualização do método de Rorschach.

Em um próximo número da revista: Psychologie Clinique et Projective, as homenagens que foram prestadas à Nina Traubenberg pela Société du Rorschach et des Méthodes Projectives de Langue Française, durante um colóquio realizado em 2011, serão publicadas e no próximo congresso da Associação Brasileira de Rorschach e Métodos projetivos, a ser presidido por Sonia Pasian, e realizado em Ribeirão Preto – São Paulo em 2014, homenagens serão prestadas em agradecimento à sua pessoa e importante contribuição para o reconhecimento da área. Como pesquisadora, Nina Traubenberg deixou um importante legado de trabalhos teóricos e empíricos sobre os métodos projetivos, particularmente o método de Rorschach; suas inúmeras publicações continuam a alimentar as reflexões e a formação dos psicólogos projetivistas.

 

Références

• Anzieu, D. & Rausch de Traubenberg N. (1965). L'enseignement des projectifs. Rapports du Congrès international du Rorschach et des méthodes projectives. Société du Rorschach et des Méthodes Projectives de Langue Française, Paris, 473-479.         [ Links ]

• Azoulay C., Emmanuelli M., Rausch de Traubenberg N., Corroyer D., Rozencwajg P. & Savina Y. (2007). Les données normatives françaises du Rorschach à l'adolescence. Psychologie Clinique et Projective 13 (1), 371- 409.         [ Links ]

• Boizou M.F., Bloch-Lainé F., Chabert C. & des Ligneris J. Ponroy R. (1973). Organisation pré-psychotique et psychotique de la personnalité chez l'enfant à travers les techniques projectives. Psychologie Française, 18 (4),         [ Links ] 213-231.

• Boizou M.F., Chabert C. & Rausch de Traubenberg N. (1978). Représentation de soi, identité et identification au Rorschach chez l'enfant et l'adulte. Bulletin de psychologie, XXXII-339 (3-7), 271-277.         [ Links ]

• Chabert C. & Rausch de Traubenberg N. (1982). Test de projection de la personnalité chez l'enfant. Encyclopédie médico-chirurgicale, 37190 (B10), 1-15.         [ Links ]

• Duché D.J., Rausch de Traubenberg N. & Bouras A. (1971). Apport des techniques psychologiques à l'examen de dépistage des troubles visuels chez l'enfant de 3 à 6 ans, Revue de neuropsychiatrie infantile et d'hygiène mentale de l'enfance, 19 (1-2), 49-56.         [ Links ]

• Heuyer G., Shentoub V., Rausch de Traubenberg N. & Jampolsky P., Rivet J. (1956). L'examen psychologique dans la schizophrénie juvénile. Revue de neuropsychiatrie infantile et d'hygiène mentale de l'enfance, 4 (11-12), 3-16.         [ Links ]

• Jampolsky P., Rausch de Traubenberg N. & Shentoub V. (1956). Les techniques projectives et la neuropsychiatrie infantile. Revue de neuropsychiatrie infantile et d'hygiène mentale de l'enfance, 4 (7-8 ), 245- 262.         [ Links ]

• Martin M.; Bloch-Lainé F., Duplant N., Poggionovo M.P. & Rausch de Traubenberg N. (1990). Expression actuelle au Rorschach du fonctionnement psychique d'adolescents normalement scolarisés. Rorschachiana, XVII (64), 313-318.         [ Links ]

• Perron R., Rausch de Traubenberg N. & Chabert C. (1973). Les images parentales: niveau d'élaboration et niveaux d'expression dans diverses épreuves projectives. Psychologie Française, 18 ( 4),         [ Links ] 175-194.

• Rausch de Traubenberg N. (1955). Le test de Rorschach. Revue de neuropsychiatrie infantile et d'hygiène mentale de l'enfance, 3 (11-12), 3-8.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1957a). Intelligence et Rorschach. Revue de neuropsychiatrie infantile et d'hygiène mentale de l'enfance, 5 ( 3), 495-499.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1957b). Le Rorschach dans la schizophrénie infantile et juvénile. Psychologie Française, 2 (3), 3-5.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1957c). Données psychométriques sur la schizophrénie infantile. Psychologie Française, 2 (3), 181-189.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1959). Aspects psychologiques des schizophrénies dans certains cas d'arriération mentale. Revue de neuropsychiatrie infantile et d'hygiène mentale de l'enfance, 7 (9-10), 3-7.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1960a). L'activité perceptive en psychopathologie infantile. Revue de neuropsychiatrie infantile et d'hygiène mentale de l'enfance, 8 ( 3-4), 1-4.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1960b). Test de projection de la personnalité. Encyclopédie médicochirurgicale, Psychiatrie 37190 (A10), 1-6.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1960c). La signification des kinesthésies. Psychologie Française, 5 (1), 53- 59.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1961a). Les techniques projectives en médecine psychosomatique: étude psychologique d'un groupe de sujets atteints d'hypertension artérielle. Rorschachiana, VIII (50), 218-232.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1961b). Réflexions à propos de l'utilisation du Rorschach dans la recherche. Bulletin du Groupement français du Rorschach, 1 (12), 29-31.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1962). Réactions perceptives d'adolescents de différents groupes cliniques. Psychologie Française, 7 (1), 42-55.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1963a). Le Rorschach de l'enfant normal. Bulletin de psychologie, XVII -225 (2-7), 189-192.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1963b). A propos de l'orientation professionnelle des cardiopathes congénitaux. Revue de neuropsychiatrie infantile et d'hygiène mentale de l'enfance, 11 ( 3-4), 173-177.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1964a). Problèmes psychologiques posés par la chirurgie des malformations cardiaques congénitales chez l'enfant. Revue de neuropsychiatrie infantile et d'hygiène mentale de l'enfance, 12 (1) 741-745.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1964b). L'enfant cardiopathe devant l'intervention correctrice. Bulletin de la Société française du Rorschach et des méthodes projectives, 9 (17-18), 81-87.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1965). Implications psychologiques des cardiopathies congénitales. Effet des interventions correctrices. Thèse de Doctorat de 3ème cycle. Université Paris V René Descartes, Paris.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1966a). Implications psychologiques des cardiopathies congénitales chez l'enfant. Revue de neuropsychiatrie infantile et d'hygiène mentale de l'enfance, 15 ( 9), 695-706.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1966b). L'étude psychologique des enfants handicapés physiques et malades somatiques. L'année psychologique, 66 (2), 623-640.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1968). L'enfant devant le pédiatre. Médecine infantile, 75 ( 1), 51-54.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1968). Images du psychologue clinicien. Bulletin de psychologie, XXI - 270 (15-19), 1015-1019.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1970). La pratique du Rorschach. 9ème edition. Paris: PUF.         [ Links ] Rausch de Traubenberg N. (1973). Organisation prépsychotique de la personnalité chez l'enfant à travers les tchniques projectives. Revue de neuropsychiatrie infantile et d'hygiène mentale de l'enfance, 21 (12), 745- 754.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. Boizou M.F., Bloch-Lainé F., Chabert C., Des Ligneris J. & Ponroy R. (1973). Organisation pré-psychotique et psychotique de la personnalité chez l'enfant à travers les techniques projectives. Psychologie française, 18 (4), 213-231.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1974a). Approche dynamique des arriérations mentales. Revue de neuropsychiatrie infantile et d'hygiène mentale de l'enfance, 22 (1-2), 10-14.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1974b). Evolution de la psychologie clinique aux Etats-Unis dans les deux dernières décennies. Bilan d'un voyage d'études. Revue de neuropsychiatrie infantile et d'hygiène mentale de l'enfance, 22 (6), 405-408.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1975a). A prática do Rorschach. São Paulo: Editorio Cultrix LTDA.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1975b). Autour du Psychodiagnostic de Rorschach. Réflexions sur l'utilisation des techniques projectives – du Rorschach en particulier – en milieu professionnel. In: Société française de psychologie: Section Psychologie du travail (Org) Paris: Editions E.A.P., p. 3-38.

• Rausch de Traubenberg N., Boizou M.F. (1976a). Les mécanismes de défense et leur expression Rorschach chez l'adulte et chez l'enfant. Bulletin de la Société française du Rorschach et dês méthodes projectives, 1 (29-30), 5- 21.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1976b). Approches projectives en France. Réalisations et tendances. Revue de psychologie appliquée, 1 (26) 359-379.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1977). La pratica del Rorschach. Madrid: Cromograf, German Pérez Carrasco.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. & Boizou M.F. (1977). Le Rorschach en clinique infantile ; l'imaginaire et le réel chez l'enfant. Paris: Dunod.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. & Boizou M.F. (1978). Interférences entre activité perceptive et activité fantasmatique dans les Rorschach d'enfants. Psychologie française, 23 (2), 127-140.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1980). Pre-psychotic conditions in children as manifested in their perception and fantasy experiences on Rorschach and thematic tests. In: S. Kwawer, H. Lerner, P. Lerner, A. & Sugarman (Orgs) Borderline Phenomena and the Rorschach Test, International Universities Press, Inc: New York, pp. 395-409.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1981). Activité perceptive et activité fantasmatique dans les Rorschach d'enfants et d'adolescents, Thèse de Doctorat d'Etat. Université Paris V René Descartes, Paris.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. & Shentoub V. (1982). Test de projection de la personnalité. Encyclopédie médico-chirurgicale, 37190 (A10), 1-13.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1983). Actividade perceptiva e actividade fantasmática no teste de Rorschach. O Rorschach: espaço de interações. Análise Psicológica, 1 (IV), 17-22.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1983). Utilisation des tests en psychologie clinique en France. Critiques et réalisations. Newsletter of the international test commission. Supplément à la Revue de psychologie appliquée, 33 (2), 23- 37.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1987). Modalités méthodologiques d'analyse et d'interprétation du Rorschach en clinique et en recherche. Rorschachiana, XVI (63), 126-136.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg, N.; Bloch-Laine, F.; Boizou, M.F.; Martin, M. & Poggionovo, M.P. (1987). Etude psychologique des adolescents vietnamens apport du Rorschach: Specificité culturelle, vecu traumatique, modalités d'adaptation. Rorschachiana, XVI (63) 81-87.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1990a). Méthodologie et formation en psychologie projective. Rorschachiana, XVII (64), 91-93.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1990b). Santé mentale, pathologie mentale : des différents niveaux de prédiction à partir des techniques projectives. Psychologie médicale, 22 (8), 671-673.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N., Bloch-Lainé F., Boizou M.F., Duplant N., Martin M. & Poggionovo M.P. (1990). Modalités d'analyse de la dynamique affective au Rorschach. Grille d'analyse de la dynamique affective. Revue de psychologie appliquée, 40 (2), 245-258.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1993). The Rorschach: from percept to fantasm. Rorschachiana XVIII, 18 (1) 7-25.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1994a). Recherches en psychologie projective. Thèmes et parcours. In: Kaes, R. (1994) Les voies de la Psyché, Hommage à Didier Anzieu. Paris: Dunod,         [ Links ] 258-268.

• Rausch de Traubenberg N. (1994b). Le Rorschach, lieu d'interactions entre le percept et le fantasme. Bulletin de la Société du Rorschach et des Méthodes Projectives de Langue Française, 38 (1) 123- 136.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (1996). De quelques modalités d'interprétation du Rorschach. Bulletin de psychologie, XLIX (423), 219-224.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg, N. (1998). A prática do Rorschach. São Paulo: Vetor.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (2003). Les cinquante années de publications du «Groupement français du Rorschach » devenu « Société du Rorschach et des méthodes projectives de langue française ». Psychologie clinique et projective, 9 (1), 9-17.         [ Links ]

• Rausch de Traubenberg N. (2005). La pratique du Rorschach. Moscou: Cogito Center.         [ Links ]

• Shentoub V. & Rausch de Traubenberg N. (1958). Les techniques projectives. Problèmes théoriques de validation. La Psychiatrie de l'enfant, 1 (1), 238- 246.         [ Links ]

 

Recebido: 18/06/2103
Corrigido: 10/09/2013
Enviado a Parecerista: 11/09/2013
Aceito: 08/10/2013.

 

 

1 Agradecemos as contribuições de Latife Yazige e Erika Tieme Kato Okino.
2 Professor na Université Paris Decartes, Instituto de Psicologia, Laboratório de Psicologia Clínica e Psicopatologia. Contato: Institut de Psychologie - 71 avenue Edouard Vaillant 92100 Boulogne Billancourt - France. Tél : 00 33 1 55 20 58 93 Fax : 00 33 1 55 20 59 56. E-mail: benoit.verdon@parisdescartes.fr
3 Professora na Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura. Contato: Universidade de Brasília, Departamento de Psicologia Clínica. Instituto de Psicologia - Campus Universitário Darcy Ribeiro - Asa Norte, CEP: 70910-900 - Brasília, DF – Brasil. Telefone: (61) 33072625 Ramal: 315 Fax: (61) 33477746. E-mail: deiseamparo@unb.br

 

Creative Commons License