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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.34 no.86 São Paulo  2014

 

Teorias, pesquisas e estudos de casos

 

 

Epistemologia da terapia cognitivo-comportamental: casamento, amizade ou separação entre as teorias?

 

Epistemology of cognitive-behavioral therapy: marriage, friendship or separation between the theories?

 

Epistemología de la terapia cognitivo-conductual: ¿matrimonio, amistad o separación entre las teorías?

 

 

Arianne de Sá Barbosa1; Lauren Bulcão Terroso2; Irani Iracema de Lima Argimon3

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

 

 


RESUMO

Este artigo constituiu-se em uma revisão narrativa de literatura, que visa apresentar as principais abordagens das terapias comportamentais e cognitivas desenvolvidas ao longo das três ondas da terapia cognitivo-comportamental, contextualizando-as histórica e epistemologicamente. O aumento da compreensão sobre o desenvolvimento da terapia cognitivo-comportamental até a contemporaneidade tende a ampliar reflexões sobre os rumos que a psicologia tende a seguir. Percebe-se, através desta revisão, que a terapia cognitivo-comportamental não é linear cronologicamente: teorias milenares coexistem com outras modernas/contemporâneas. Há uma visão de mundo influenciada por diferentes pontos de vista (abstrato, humano, mecânico), de diferentes momentos históricos da humanidade, o que traz um paradigma epistemológico híbrido para a terapia cognitivo-comportamental. Em um primeiro momento, esta diversidade de embasamentos teóricos, pode parecer um problema epistemológico, mas, na verdade, contribui para a riqueza da terapia cognitivo-comportamental, que se desenvolve de forma a dar conta das demandas da modernidade. A primeira, segunda e terceira ondas da terapia cognitivo-comportamental devem ser entendidas como complementares, não rivais: casadas, tendem a proporcionar estratégias eficazes para o tratamento de diversas patologias psíquicas.

Palavras-chave: Epistemologia, Terapia cognitivo-comportamental, Teoria Psicológica.


ABSTRACT

This article is a narrative review of the literature, which aims to present the main approaches of cognitive and behavioral theories developed over the three waves of cognitive-behavioral therapy, contextualizing them historically and epistemologically. The increase in understanding about the development of cognitive-behavioral therapy until the contemporary times tend to enlarge the reflections over the direction that psychology tends to follow. It was perceived through this review that cognitive-behavioral therapy is not chronologically linear: millennial theories coexisting with others modern or contemporary. There is a worldview influenced by different points of view (abstract, human, mechanical), from different historical moments of humanity, which carries a hybrid epistemological paradigm to cognitive-behavioral therapy. At first, this diversity of theoretical grounds may seem an epistemological problem, but actually contributes to the richness of cognitive psychology, which develops in order to cope with the demands of modernity. The first, second and third waves of cognitive-behavioral therapy should be understood as complementary, non-rivals: married tend to provide effective strategies for the treatment of several psychiatric diseases.

Keywords: Epistemology, Cognitive-behavioral Therapy, Psychological Theory.


RESUMEN

Este artículo es una revisión narrativa de la literatura, que tiene como objetivo presentar las principales teorías cognitivas y conductuales desarrolladas en tres momentos de la terapia cognitivo-conductual, contextualizándolas histórica y epistemológicamente. El aumento de la comprensión sobre el desarrollo de la terapia cognitiva-conductual hasta la contemporaneidad tiende a incrementar reflexiones sobre el sentido de que la psicología tiende a seguir. A través de esta revisión, se percibe que la terapia cognitiva-conductual no sigue un orden cronológico lineal: las teorías milenarias conviven con otras modernas/contemporáneas. Hay una visión del mundo influenciada por diferentes puntos de vista (abstracto, humano, mecánico), en diferentes momentos históricos de la humanidad, que trae paradigmas epistemológicos híbridos a la terapia cognitivo-conductual. Al principio, esta diversidad de basamentos teóricos, puede parecer un problema epistemológico, sin embargo contribuye a la riqueza de la terapia cognitivo-conductual, que se desarrolla con el fin de hacer frente a las exigencias de la modernidad. El primero, segundo y tercer momento de la terapia cognitivoconductual deben ser entendidos como complementarios entre sí y no como competidoras: casadas tienden a proporcionar estrategias eficaces para el tratamiento de diversas patologías psíquicas.

Palabras-clave: Epistemología, Terapia Cognitivo-conductual, Teorías Psicológicas


 

 

Introdução

A psicologia comportamental estuda o comportamento, que, por sua vez, está em função das contingências ambientais (Baum, 2006). A psicologia cognitiva estuda a forma como as pessoas percebem, aprendem, recordam e pensam sobre a informação (Sternberg, 1996/2010).

A terapia comportamental, também denominada terapia analíticocomportamental, foi originada na década de 40, inspirada pelos estudos da Análise Experimental do Comportamento e de Burrhus Frederic Skinner. O livro deste autor, O Comportamento dos Organismos (1938) descreve os pontos essenciais de seu sistema inicial. A obra Ciência e Comportamento Humano (1953), por sua vez, é tida como um manual básico da sua psicologia comportamentalista.

Já a terapia cognitiva foi desenvolvida por Aaron T. Beck (1921), na Universidade da Pensilvânia, no início da década de 60, como uma psicoterapia breve, estruturada e orientada para o presente. Inicialmente, foi direcionada ao tratamento de pacientes com depressão, a resolver os problemas atuais e a modificar os pensamentos e os comportamentos disfuncionais destes sujeitos. Porém, ao longo dos anos, foi adaptada para o tratamento dos mais diversos transtornos psicológicos, demonstrando grande eficácia em estudos empíricos realizados com uma ampla gama de perfis populacionais (Beck, 1995/1997).

No behaviorismo radical, o comportamento é determinado e definido como a interação entre o organismo e o ambiente, tem função biológica adaptativa, é entendido dentro de um contexto e a partir de relações funcionais (as contingências) e descreve um modelo selecionista de causalidade, abrangendo a história da espécie, do indivíduo e da cultura (Baum, 2006; Chiesa, 1994; Dougher & Hayes, 2000). Esta filosofia também está dentro de uma perspectiva monista naturalista e é antimentalista por enfatizar o controle externo do comportamento (Abib, 2004; O'Donahue & Ferguson, 2001).

Desta forma, o terapeuta analista do comportamento considera sentimentos, somatizações, atitudes, emoções, valores e pensamentos de um indivíduo como variáveis dependentes, resultantes deste processo interativo denominado de contingências. Portanto, as intervenções da terapia comportamental tendem a focar na modificação das contingências como forma de alterar o comportamento (Marcal, 2005).

A principal fundamentação teórica para a prática da terapia cognitiva, por sua vez, está em um modelo que propõe que o pensamento distorcido (ou disfuncional) é um elemento comum a todos os transtornos psicológicos. Esta distorção cognitiva influenciaria o humor e o comportamento do paciente. Sendo assim, apenas modificações desta distorção e o acesso a uma avaliação realista produziria melhora no humor e no comportamento, ou seja, a melhoria duradoura do paciente resulta de uma modificação das suas crenças disfuncionais básicas (Beck, 1995/1997; Sternberg, 1996/2010).

Entretanto, na busca por técnicas eficazes para a modificação dos comportamentos e das crenças disfuncionais das pessoas, os cientistas comportamentais e cognitivos foram influenciados por várias teorias que ultrapassam o campo da psicologia, trazendo contribuições da antropologia, da filosofia, das neurociências, da fisiologia, da linguística, da matemática e até das teorias da computação. Além disso, não há linearidade cronológica de onde as idéias centrais foram extraídas para configurar o montante teórico da psicologia comportamental e cognitiva (coexistem teorias milenares com outras modernas/contemporâneas). Esta visão de mundo influenciada por diferentes pontos de vista (abstrato, humano, mecânico), de diferentes momentos históricos da humanidade, traz um paradigma epistemológico híbrido para a terapia cognitivocomportamental, que, na verdade, é composta por várias teorias, que podem ser analisadas a partir de suas similaridades, mas também de suas diferenças (Dupuy, 1996; Neufeld, Brust, & Stein, 2011).

Através deste trabalho, pretende-se apresentar uma revisão narrativa da literatura sobre as principais teorias comportamentais e cognitivas desenvolvidas, bem como sua contextualização histórica e epistemológica, no intuito de aumentar a compreensão sobre as origens e o desenvolvimento do corpo da terapia cognitivocomportamental atual. Esta construção pode ampliar a reflexão sobre que rumos esta psicologia tende a seguir. Analisam-se abaixo o desenvolvimento histórico das teorias em referência.

 

A primeira onda da Terapia Cognitivo-Comportamental

O movimento da terapia cognitivo-comportamental se desenvolveu em três ondas. A primeira delas foi predominantemente comportamentalista. Inicialmente, envolveu o modelo clássico pautado na teoria pavloviana, através do qual técnicas de exposição dominam o tratamento (Eysenck, 1994).

Ivan Pavlov (1849-1936) desenvolveu o modelo que trata do papel do condicionamento na psicologia comportamental (reflexo condicionado) na década de 1920, ao estudar a produção de saliva em cães expostos a diversos tipos de estímulos palatares. O cientista percebeu que, com o tempo, a salivação passava a ocorrer diante de situações e estímulos que anteriormente não causavam tal comportamento (por exemplo, o som dos passos de seu assistente). Através de experimentos em situações controladas de laboratório, e, com base nessas observações, teorizou e enunciou o mecanismo do condicionamento clássico. Este seria uma aprendizagem gerada pela associação de estímulos na qual um incondicionado seria pareado com um neutro, gerando uma resposta condicionada (Pavlov, 1903; Skinner, 1930).

Essa descoberta abriu caminho para o desenvolvimento do behaviorismo. Pavlov foi profundamente influenciado e pautou toda a sua produção na lógica experimentalista, que teve Aristóteles (384-322 a.c.) e John Locke (1632-1704) como principais representantes. Para a construção da lei do condicionamento clássico, foi fundamental a observação sistemática das reações dos cães frente a determinados estímulos – raciocínio indutivo. (Neufeld e outros, 2011; Sternberg, 1996/2010).

John B. Watson (1878-1958) é o fundador do Behaviorismo Metodológico, que defendia que o comportamento objetivo e observável era o objeto ideal para a ciência psicológica natural (Watson, 1913). O cientista postulava que esta ciência do comportamento devia formular leis relativas às condições que estimulam o comportamento, deixando de lado a consciência, a introspecção e a mente. Percebe-se, portanto, que esta corrente do behaviorismo tem suas bases filosóficas no realismo, pois postula que as experiências têm origem no mundo real e que este não é afetado por características inter-nas dos indivíduos. Defende a busca da verdade através da experiência (Baum, 2006).

Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), por sua vez, dá origem ao Behaviorismo Radical, postulando que a investigação científica deve ser motivada pela possibilidade de entender os efeitos práticos e funcionais que norteiam a busca pela compreensão do objeto e, não, por uma busca pela verdade. Enunciou o Condicionamento Operante, através do modelo estímulo-comportamentoconsequencia (E-R-C), que estabelecia o controle que as consequências exerciam sobre o comportamento. Influenciado pelo funcionalismo e pelo pragmatismo de William James (1842-1910), ratifica que o sentimento já é um comportamento e, por isso, estudar o ser humano envolveria apenas compreender o conjunto de comportamentos (públi-cos ou privados) e as atitudes manifestas. Segundo esta lógica, não seria necessária a criação de uma entidade mental para haver uma compreensão prática dos eventos encobertos (sentimentos, pensamentos). Através do operacionalismo (relatar e registrar as observações do comportamento), podese estabelecer uma relação funcional satisfatória entre o comportamento e as contingências que o controlam (Baum, 2006; Neufeld e outros, 2011; Skinner, 1971/1983; Sternberg, 1996/2010).

 

A segunda onda da Terapia Cognitivo-Comportamental

Edward Chace Tolman (1886-1959) foi o primeiro behaviorista a levantar que o organismo deveria ser considerado para a descrição completa do comportamento, propondo o modelo estímulo-organismo-resposta (E-O-R). Desta forma, esse pesquisador pode ser considerado um predecessor da psicologia cognitiva, desenvolvendo um modelo mediacional entre a terapia comportamental e a terapia cognitiva. Sua obra é influenciada pelo pragmatismo filosófico de William James e seus desdobramentos, principalmente, pelo contextualismo de Stephen C. Pepper (1891- 1972) e pelo neorrealismo de Ralph B. Perry (1876- 1957) e Edwin B. Holt (1873-1946). Sofre também influências de correntes da psicologia como o behaviorismo de Watson e a Gestaltpsychologie, representada por Kurt Koffka (1886-1941) e Wolfgang Köhler (1887-1967) (Lopes, 2008; Sternberg, 1996/2010).

Neste contexto, destaca-se ainda Albert Ellis (1913-2007), um psicanalista norte-americano. Este, insatisfeito com a aplicação desta abordagem na prática clínica, criou a Terapia Racional Emotiva, em 1955. Esta terapia é influenciada por teorias psicodinâmicas, mas traz um caráter mais ativo, diretivo e sistemático de intervenção junto ao paciente. Em 1983, passou a ser chamada de Terapia Racional Emotiva Comportamental (TREC), assumindo uma influência clara do

O objetivo principal da TREC, portanto, é identificar e contestar as crenças disfuncionais do indivíduo, buscando manter um estado de equilíbrio emocional. A TREC pressupõe que os indivíduos possuem tendências tanto inatas quanto adquiridas para se comportarem e pensarem de forma irracional. Assim, para manterem um estado de saúde emocional, estes devem monitorar e desafiar seus sistemas de crenças básicas constantemente (Dobson & Dozois, 2006). Por ser uma abordagem multidimensional que abarca técnicas cognitivas, emotivas e comportamentais muitos consideram a TREC como uma das primeiras terapias cognitivo-comportamentais, ou seja, que já se utilizava de técnicas não apenas do modelo comportamental, mas também de componentes essenciais do modelo cognitivo. Percebe-se, então, que esta teoria embasa-se no princípio da racionalidade. Sofre influência do estoicismo, corrente filosófica grega e romana que defendia que emoções destrutivas resultavam de erros de julgamento e que um sábio não sofreria dessas emoções. É influenciada também pelo racionalismo, doutrina que afirma que tudo que existe tem uma causa inteligível. Privilegia a razão em detrimento da experiência do mundo sensível como via de acesso ao conhecimento. Considera a dedução como o método superior de investigação filosófica (Knapp, 2004).

Durante a segunda guerra, aumenta a demanda por uma psicologia aplicada, e as teorias de Tolman e seus colaboradores foram aprimoradas na tentativa de compreender a interação entre o ser humano e as máquinas. Devido aos avanços tec-nológicos que estavam sendo produzidos, havia a necessidade de aprimorar a habilidade do ser humano para guiar tais instrumentos. Donald Broadbent (1926- 1993) foi um dos psicólogos envolvidos no estudo des-sas habilidades (Eysenck & Keane, 1989/2007). Ele notou que os trabalhadores guiavam-se pelas informações recebidas das máquinas, mas nem todas elas eram utilizadas por eles. Ou seja, o indivíduo escolhia entre responder conforme o esperado, desconsiderar ou se opor ao estímulo. Diante disso, afirmou que o processamento da informação nos seres humanos parecia similar ao das máquinas (Neufeld e outros, 2011).

Neste contexto, o behaviorismo sofria severas críticas de linhas da psicologia como a Psicologia da Gestalt, que defendia que compreendemos melhor o ser humano quando este era considerado como um todo organizado e não decomposto em partes (como nas unidades do comportamento de estímulo-resposta). Esta perspectiva gestáltica é revelada pela máxima "o todo difere da soma de suas partes", que origina o termo Gestalt (forma total unitária). Os gestaltistas buscavam a experiência da forma mais "pura" possível, tal como é relatada pelo indivíduo, o que traz uma forte influência do movimento fenomenológico de Edmund Husserl (1859-1938) e de Martin Heidegger (1889-1976) (Bezerra, 2007; Dupuy, 1996). Além disso, a teoria gestaltista buscou focar seus estudos em metodologias qualitativas em contra-posição à introspecção e ao método experimental. Esta reinvindicava também o retorno ao estudo da consciência como objeto primordial da psicologia (Sternberg, 1996/2010; Neufeld e outros, 2011).

Sendo assim, a psicologia da Gestalt abre espaço para o advento da psicologia cognitiva que originou a segunda onda terapia cognitivocomportamental. Inclusive, muitas vezes, o objeto de estudo de ambas se confunde, principalmente, nos estudos da área da percepção, mas também nas preocupações da Gestalt com a organização, a estrutu-ração, e o papel do indivíduo e da percepção nos processos de aprendizagem e memorização (Bezerra, 2007; Neufeld outros, 2011).

Karl Spencer Lashley (1890-1958), um dos primeiros discípulos de Watson, ironicamente, foi um dos primeiros estudiosos a defender a necessidade de os psicólogos irem além do behaviorismo e do método experimental de manejo das contingências ambientais. Particularmente interessado em neuroanatomia e na influência da atividade cerebral no comportamento humano, contestou a ideia de que o cérebro era um órgão passivo a estas contingências. Defendeu que o cérebro organizava ativamente comportamentos planejados, como o desempenho artístico, esportivo e o uso da linguagem (Sternberg, 1996/2010).

Neste período, o behaviorismo sofreu críticas também de outras áreas do conhecimento como da linguística, representada por Avram Noam Chomsky (1928) e da antropologia, na figura de Claude-Lévi-Strauss (1908-2009). Chomsky defendia a existência de uma estrutura mental que determinaria a aquisição da linguagem e Lévi-Strauss, que uma estrutura mental explicaria as características fundamentais comuns expressas por diferentes culturas. Estes dois teóricos estruturalistas influenciaram a psicologia cognitiva, propondo a compreensão da mente e suas percepções, através da análise de seus fatores constituintes (Dupuy,1996; Sternberg, 1996/2010).

Finalmente, a confluência destas críticas contra o behaviorismo, das novas demandas sociais e do contexto de desenvolvimento tecnológico propiciaram a revolução que, oficialmente, lançou os modelos de terapia cognitiva como um movimento forte dentro da psicologia. As Conferências Macy foram um marco nesta revolução. Foram dez conferências interdisciplinares, que aconteceram entre os anos 1946 e 1953, que levaram à fundação do que hoje conhecemos por cibernética. Sob organização da Josiah Macy Foundation, uma organização filantrópica dedicada a problemas do sistema nervoso, foram promovidos encontros de importantes cientistas da época em um vasto leque de áreas para discutir causalidade circular e feedback em sistemas biológicos e sociais (Dupuy, 1996; Sternberg, 1996/2010).

O surgimento da cibernética trouxe consigo a criação de uma mente sem sujeito, o que trouxe implicações filosóficas importantes para os estudos em psicologia cognitiva. Segundo Dupuy (1996), Heideger considerava a cibernética como seria "a metafísica da era atômica", ou seja, a extrapolação da concepção cartesiana do cogito. Estudos com inteligência artificial foram iniciados, no intuito de simular e compreender a mente humana. A máquina de Turing, por exemplo, desenvolvida pelo matemático britânico Alan Turing (1912-1954) muito antes de existirem os computadores digitais (artigo de referência publicado em 1936) é um modelo abstrato de um computador universal que até hoje serve de metáfora para a mente humana. Interessante perceber que a máquina de Turing existe sem a necessidade de existência de um computador físico, podendo modelar qualquer máquina digital. Analogamente, a mente poderia ser estudada separada do homem. Com o autômato cibernético, há uma ruptura da visão antropocêntrica do homem: a máquina passa a ser o centro do mundo. Pode-se pensar também que, ao mesmo tempo em que há uma antropomorfização da técnica, há uma mecanização do homem, uma concepção mecanicista já defendida por Thomas Hobbes (1588-1679) em sua obra (Dupuy, 1996; Hobbes, 1651/1988; Neufeld e outros, 2011).

Hobbes defendia modelos de ciência que visam abordar a realidade por meio de categorias como representação, imitação e reprodução, mas ratifica que esses modelos são criados com base na lógica matemática e, por isso, são protótipos imperfeitos de representação da realidade, pois esta tem uma di-nâmica mutatória. Havia, portanto, a necessidade constante de revisão dos modelos, no intuito de corrigir as falhas da captação da realidade. Esta é uma postura que, mais tarde, é assumida pela Psicologia Cognitiva como fundamental para a compro-vação científica de seus postulados (Neufeld e outros, 2011). Hobbes, portanto, busca alternativas para que o modelo retrate a realidade, algo considerado impossível por Platão (428-348 a.c.). Este filósofo grego defende o racionalismo como a única forma de acessar a realidade. Somente através do uso da mente, da razão, da análise lógica do mundo ideal, da dedução de exemplos específicos a partir de princípios gerais seria possível o acesso à verdade. A Psicologia Cognitiva aplica estas ideias platônicas na construção de um conceito operacional lógico da racionalidade. É justamente a junção do conceito calculista com o conceito operacional lógico que resulta na analogia computacional. Além disso, a síntese dialética entre os pressupostos racionalistas e empiricistas, influência clara de Immanuel Kant (1724-1804), permite a construção da representação do mundo externo na mente humana, ou seja, a proposição da representação mental como unidade básica funcional do processamento da informação (Dupuy, 1996; Hobbes, 1651/1988; Neufeld e outros, 2011; Sternberg, 1996/2010).

Vários outros teóricos contribuíram para a construção da psicologia cognitiva, como Donald Meichenbaum, em 1977, com a publicação do livro Modificação Cognitivo-Comportamental; Arnold Lazarus (1976), com a terapia multimodal; assim como Michael Mahoney (1977), que observou que a "revolução cognitiva" que a psicologia em geral havia passado estava sendo aplicada à psicologia clínica (Dobson & Dozois, 2006). Os estudos de Albert Bandura (1925), sobre os modelos de processamento de informações e aprendizagem vicária, também contribuíram para demonstrar as limitações de abordagens estritamente comportamentais. Este autor empregou o constructo da auto-eficácia para se referir ao grau de percepção que um indivíduo tem de ser capaz de abordar algo temido, enfatizando que este seria um indicador do comportamento real (Bandura, 1977). Assim, com a realização de estudos e com a publicação de textos importantes a respeito da mudança cognitiva em 1970, os estudiosos da área passaram a ficar insatisfeitos com os modelos anteriores (Dobson & Dozois, 2006). Devido a isto, um número significativo de teóricos e terapeutas passaram a se identificar com as teorias que enfatizavam o papel da cognição como mediacional para o comportamento humano (Knapp & Beck, 2008).

No início da década de 60, Aaron Beck propôs a Psicoterapia Cognitiva como um tratamento eficaz para a depressão (Beck, 1963). Este autor, a partir de questionamentos sobre eficácia de modelos anteriores, postulou o modelo cognitivo de tratamento que tem por objetivo fazer com que o paciente substitua a suposta avaliação distorcida em relação aos eventos, por uma avaliação mais realista e adaptativa (Dobson & Dozois, 2006). Este modelo parte do princípio, observado por Beck (1963), de que o pensamento distorcido e avaliações cognitivas irreais podem afetar negativamente os sentimentos e o comportamento do sujeito. Ulric Neisser (1928-2012), por sua vez, consolidou a Psicologia Cognitiva e contribuiu para o seu desenvolvimento e a sua divulgação, através de obras como o livro Psicologia Cognitiva, lançado em 1967. Neste livro, definiu este campo da psicologia como aquele que se refere a todos os processos pelos quais um input (entrada) sensorial é transformado, reduzido, elaborado, armazenado, recuperado e usado, output (saída). O paradigma dominante na área foi o do processamento de informação, modelo defendido por Broadbent, que considera os processos mentais comparáveis a um software a ser executado num computador (cérebro) (Neisser, 1967).

Contudo, é possível notar que a terapia cognitiva de Beck está baseada nos princípios do Estoicismo e filosofias orientais, como o taoísmo e budismo, que predizem que as emoções em humanos são embasadas no pensamento, que geram raciocínios, afetos e condutas e interferem na percepção da realidade por parte do indivíduo. Esta abordagem infere que é a forma como o sujeito interpreta o fato determina como este se sente e se comporta (Pereira & Rangé, 2011).

Para ampliar o modelo da terapia cognitiva de Beck, Jeffrey Young (1994) desenvolveu a terapia centrada nos esquemas. Esta abordagem tinha o objetivo de tratar pessoas consideradas como "pacientes difíceis" ou com transtornos de personalidade e parte do princípio que os indivíduos, desde o nascimento, possuem necessidades emocionais para se desenvolver e estabelecer relações saudáveis. Quando estas necessidades não são supridas, os sujeitos passam a tentar supri-las através da utilização de esquemas desadaptativos (Young, Klosko & Weishaar, 2003). A terapia do esquema é uma abordagem integrativa que expande os conceitos da terapia cognitiva tradicional. Este modelo integra elementos da teoria cognitiva, da Psicologia da Gestalt, da teoria das relações objetais, do construtivismo, e das escolas psicanalíticas (Young e outros, 2003). Este modelo considera a importância da aliança terapêutica como um componente básico para a mudança, o que difere da terapia cognitiva tradicional, onde a relação terapêutica é basicamente um veículo para a aderência do paciente à terapia. Outra diferença entre estas abordagens concerne ao fato da importância dada pela terapia do esquema às origens infantis e aos estilos parentais. Também cabe ressaltar que a terapia de Young e outros (2003) enfatiza a importância do trabalho vivencial através de imagens mentais e diálogos, outro fator que a difere da terapia cognitiva de Beck.

A segunda onda da terapia cognitivo-comportamental (na verdade, eminentemente, cognitiva) sofre influências de Karl Popper (1902-1994), filósofo do século XX, defensor do falsificacionismo como um critério da demarcação entre a ciência e a não-ciência. O pensador ataca a visão tradicional de objetividade da observação científica (presente na primeira onda da terapia cognitivocomportamental) e ratifica a observação como não objetiva, já que é diretamente impulsionada por uma teoria. Para Popper, a observação científica será sempre im-pelida por hipóteses e teorias, o que gera um viés: o fenômeno observado dependerá do que se quer ver. Segundo ele, as teorias se baseiam em generalizações e, por isso mesmo, não se justificam do ponto de vista lógico como verdades. Traz a falsificação como uma ferramenta para diminuir o viés das hipóteses e teorias, ou seja, propõe que as verdades podem ser "verificadas" ou "confirmadas" por um fluxo incessante de provas observacionais. Afirma que a boa ciência envolve tanto a confirmação quanto a falsificação e que é esse elemento dinâmico e dialético que não permite a sua estagnação, a sua morte (Neufeld e outros, 2011). E

sta concepção de ciência influencia diretamente a psicologia cognitiva, que, continuamente, desenvolve métodos sensíveis capazes de testar uma teoria tão severamente quanto for capaz. Para isso, se utiliza do método da crítica, o método de procurar casos que constituam falsificação. A psi-cologia cognitiva experimental traz uma forte preocupação com o teste de seus modelos e a busca incessante por explicações convincentes (Neufeld e outros, 2011).

 

A terceira onda da Terapia Cognitivo-Comportamental

Situada em uma abordagem empírica e com enfoque principal, a terceira onda da terapia cognitivo-comportamental é sensível ao contexto e as funções do fenômeno psicológico, visando enfatizar estratégias de mudanças experienciais e contextuais (Hayes, 2004). Esta onda representa uma diversidade de modelos de intervenção, incluindo: a Terapia Cognitiva Baseada em mindfulness (Segal, Williams & Teasdale, 2002); A terapia Comportamental Dialética (TCD) (Linehan, 1993); a Psicoterapia Analítica Funcional (PAF) (Kohlenberg & Tsai, 1991); Terapia de Aceitação e Compromisso (Hayes, Strosahl & Wilson, 1999), entre outras.

Esta diversidade de teorias remonta a uma tendência pós-moderna e pósestruturalista de visão do sujeito, na qual este não é mais visto como um ser universal, mas concebido como resultado de um processo de produção social. A multiplicidade de teorias seria, portanto, uma tentativa de dar conta deste sujeito que está em movimento, se transformando continuamente (Dupuy,1996; Sternberg, 1996/2010).

A terapia cognitiva baseada em mindfulness prediz que é possível alterar a função dos pensamentos sem primeiro alterar a forma destes (Segal e outros, 2002). A prática de mindfulness é originária dos princípios orientais de meditação e passou a fazer parte da área da saúde em 1982, a partir dos programas de redução de estresses de Kabat-Zinn. A meditação de mindfulness tem raízes no budismo Theravada, que é um dos dois ramos desta religião, e nas práticas de tradicionais de yoga. Esta técnica exige concentração através da estabilidade da atenção. Ao invés de restringir a atenção a um único objeto, esta abordagem enfatiza que a observação deve se dar separadamente de um momento para o outro. Esta flexibilidade é atingida primeiramente através da concentração em um único objeto, por exemplo, o fluxo respiratório. Quando a atenção estiver estável, pode se iniciar a expansão da atenção para outros eventos mentais e físicos como as sensações corporais e os pensamentos. A auto-observação não é uma tarefa crucial nesta técnica, pois a mente humana tem uma tendência a vagar e se preocupar com o conteúdo de ideias, memórias ou desejos. Assim, esta atividade resultaria na redução ou perda completa do processo de atenção ou observação (Kabat-Zinn, 1982).

A TCD foi desenvolvida para tratar comportamentos parassuicidas manifestados por indivíduos com transtorno de personalidade borderline. Esta abordagem se baseia em uma visão biopsicossocial, que enfatiza uma interação entre uma predisposição constitucional do indivíduo para a desregulação emocional e um ambiente invalidante às experiências emocionais deste. Combina estratégias da terapia comportamental e da cognitiva, bem como das terapias de apoio e técnicas baseadas em reflexão, empatia e aceitação (Linehan e outros, 1991). O tratamento é dialético (mais uma influência Kantiana), na medida em que conceitualiza o processo de mudança como uma síntese continua entre uma posição alternativa e contraditória (Linehan, 1993).

A terapia analítica-funcional (PAF) é baseada na análise comportamental da relação terapêutica e pode ser usada em conjunto com abordagens comportamentais tradicionais. Esta é indicada quando a capacidade do paciente no que se refere a relacionamentos interpessoais, constitui uma dificuldade nuclear na terapia. A PAF prediz que os problemas que o cliente tem com os outros, fora do setting terapêutico, também irão ocorrer com o psicoterapeuta. Devido a isso, deve-se utilizar a relação terapêutica para ajudar o paciente a construir habilidades interpessoais mais eficazes (Kohlenberg, Hayes & Tsai, 1993). Assim, a PAF assume que o comportamento pode ser moldado durante o processo terapêutico (Kohlenberg & Tsai, 1991). Neste contexto, percebe-se uma retomada das concepções e dos pressupostos epistemológicos behavioristas.

Estudos vêm apontando o uso da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) como efetiva para vários transtornos (Powers, Vörding & Emmelkamp, 2009). A ACT é definida por Hayes, Luoma, Bond, Masuda e Lillis (2006) como uma intervenção psicológica baseada na psicologia comportamental moderna, incluindo a estrutura relacional. Esta teoria aplica conceitos de mindfulness, aceitação, comprometimento e processos de mudança comportamentais para a obtenção de flexibilidade psicológica. A ACT é baseada na análise da linguagem através de uma perspectiva funcional. Assim, esta análise sugere que é comum às pessoas considerarem reações (como sensações físicas, interpretações cognitivas ou percepções) como aversivas. Isto faz com que os sujeitos exerçam tentativas de modificar ou eliminar estas reações, que são ineficazes e podem acabar fazendo com que aumente a frequência desses pensamentos ruins e emoções negativas. Devido a isto, a ACT enfatiza a aceitação como a principal habilidade para que o indivíduo se aproxime dos seus valores. Neste contexto, a aceitação se refere ao abandono consciente da agenda de mudanças mentais e emocionais e a adoção de uma abertura para a própria emoção e para a experiência dos outros. Contudo, os objetivos da ACT são ajudar o paciente a reconhecer a ineficácia da aversão em relação às experiências e desenvolver um novo e mais efetivo repertório de pensamentos e sentimentos para as experiências (Hayes, Luoma, Bond, Masuda & Lillis, 2006). Nesta teoria, portanto, há o casamento entre concepções behavioristas, do movimento fenomenológico, das tradições filosóficas orientais (como Taoísmo, Budismo e Zoroastrismo) e das teorias cognitivas de segunda onda, que passam a ser adaptados às demandas da sociedade contemporânea. Há uma grande flexibilidade e fluidez dos pressupostos psicológicos e epistemológicos que embasam a ACT.

É possível verificar que, na terceira onda, os terapeutas usam mais técnicas de mindfulness e aceitação, diferenciando-as das abordagens anteriores. Mas, ao mesmo tempo, há uma fusão de técnicas e teorias tanto de origem comportamentais como também oriundas das teorias cognitivas. As práticas de mindfulness predizem que não é útil investigar os conteúdos dos pensamentos negativos: o que deve ser feito é observá-los e aceitá-los (Vandenberghe & Souza, 2006). Já as técnicas de reestruturação cognitiva, muito utilizadas nas abordagens anteriores, são tiradas de evidência nas terapias de terceira onda (Brown, Gauriano & Miller, 2011). Assim, os tratamentos desta fase são caracterizados pela abertura para tradições clínicas mais antigas, com foco na segunda ordem e mudança contextual, ênfase na função sobre a forma e construção de repertórios efetivos e flexíveis. Contudo, estas modalidades terapêuticas aproveitam os fundamentos da primeira e segunda onda, mas visam levar a terapia comportamental tradicional para um novo território (Hayes, 2004).

Percebe-se, assim, que a terceira onda da terapia cognitivo-comportamental sofre influência da teoria da complexidade, que é um ramo da filosofia da ciência inaugurado no início dos anos 1970 por Edgar Morin (1921), Isabelle Stengers (1949) e Ilya Prigogine (1917-2003). A proposta central deste movimento é promover o diálogo entre as ciências e a busca das relações entre os conhecimentos. Defende que tudo se entrelaça para formar a unidade da complexidade, então, é preciso encontrar o caminho de um pensamento multidimensional que integre as diversas áreas do conhecimento ("categorias disciplinares"). Isto porque são diferentes faces de uma mesma realidade, mas que não devem ser vistos de forma isolada, como elementos não comunicantes (Morin, 1990/2005).

O homem é visto como homo complexus, capaz de se auto-organizar e de estabelecer relações com o outro, em um processo de auto-eco-organização. Então, o conhecimento deve dar conta deste indivíduo, que está sempre em movimento. A complexidade se opõe ao pensamento linear e reducionista, pois a incerteza e as contradições são parte da condição humana. Há o apelo por um pensamento dialógico, ou seja, o conhecimento é visto como abertura e não fechamento ao dialogo entre as disciplinas (Morin, 1990/2005). A terceira onda da terapia cognitivo-comportamental, portanto, constrói continuamente uma linha de pensamento complexa, flexível, em movimento, influenciada por múltiplas correntes filosóficas e psicológicas.

 

Considerações Finais

É possível concluir que uma exposição dos aspectos históricos e epistemológicos fornece um panorama a respeito de como a terapia cognitivocomportamental se originou e cresceu. Hayes (2004) afirma que a primeira onda da terapia cognitivo-comportamental falhou em lidar adequadamente com a cognição e a segunda onda lidou com este tópico, porém adotou uma psicologia relativamente mecanicista. Este autor critica a ênfase dada pela segunda onda à combinação de variáveis que permitem uma previsão, sugerindo que se deve enfatizar diferencialmente as variáveis contextuais que podem ser diretamente manipuladas no processo terapêutico a serviço da mudança psicológica. Em contrapartida, Hofmann (2008) critica a percepção de alguns modelos de terceira onda como possíveis substitutos a terapia cognitiva, salientando a falta de representatividade em evidências empíricas de alguns modelos novos. Este autor salienta que estudos deveriam combinar as técnicas de terceira onda com aquelas da terapia cognitiva tradicional para aumentar a eficácia dos tratamentos. Hofmann (2008) também sugere o abandono do termo "terceira onda", argumentando que a ciência é um processo contínuo de crescimento e expansão, que a ciência deve ser uma construção coletiva e não o esforço de cientistas em contextos isolados.

A divisão da história e do desenvolvimento da Terapia Cognitivo- Comportamental em três ondas, porém, pode ser vista como um recurso didático relacionado à noção de ciência defendida por Thomas Samuel Kuhn (1922-1996). O estudioso defende que a ciência está em constante transição e que, por isso, sempre uma ciência revolucionária tenderá a contrapor uma "ciência normal", que está vigente em um determinado período histórico (por exemplo, a segunda onda em relação à primeira e a terceira em relação à segunda). Quando isso ocorre, há uma crise intelectual na disciplina das quais as teorias são advindas (no caso, na psicologia). Kuhn ratifica, porém, que a maturidade da ciência se dá na articulação daqueles fenômenos e teorias já desenvolvidos, ou seja, na articulação dos pressupostos behavioristas, cognitivistas e das teorias baseadas em mindfulness e aceitação. Pode-se dizer que, justamente por este diálogo entre as mais variadas linhas de pensamento, a Terapia Cognitivo-Comportamental se constrói como uma área complexa, que dá conta de um homem contemporâneo, sempre em movimento (Bird, 2004; Morin, 1990/2005; Neufeld e outros, 2011).

Porém, mesmo com o grande número de teorias comportamentais e cognitivas existentes e com o aumento da flexibilidade advinda da articulação destas teorias, a Terapia Cognitivo-Comportamental continua, seguindo o pensamento de Auguste Comte (1798-1857), ao pontuar que a verdade não pode ser fruto apenas do pensamento, deve ser provada na experiência. Também aplica a refutabilidade de Karl Popper, submetendo a ciência à falsificação. Os postulados pós-modernos de Kuhn trazem a necessidade de identificar as mudanças de pensamento (Neufeld e outros, 2011).

Conclui-se, então, que a Terapia Cognitivo-Comportamental está longe de ser uma disciplina linear e alheia às mudanças históricas e às demandas sociais de seu tempo. É multifacetada de sua origem até a contemporaneidade, sofrendo influências de concepções filosóficas milenares, mas também de teorias modernas e pós-modernas. Estas influências coexistem e geram teorias ricas em suas origens epistemológicas. A articulação destas favorece a construção de uma psicologia terapia cognitivo-comportamental adequada à sua época, com inúmeras técnicas que têm evidenciado eficácia nos processos terapêuticos. Portanto, proporciona aos profissionais da área inúmeros veículos para lidarem com a variedade de demandas existentes. Assim, através desta revisão, pode-se afirmar que a primeira, a segunda e a terceira ondas da terapia cognitivo-comportamental devem ser entendidas como complementares e não rivais: casadas, tendem a proporcionar estratégias eficazes para o tratamento de diversas patologias psíquicas.

 

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Recebido: 11/06/2013 / Corrigido: 19/06/2013 / Enviado a Parecerista: 26/06/2013 / Aceito: 12/08/2013.

 

 

1 Psicóloga (UFC), Mestre em Psicologia (UFRGS), Doutoranda em Psicologia Clínica (PUCRS). Psicóloga do CAPS-AD de Gravataí e da Clínica Dra. Arianne de Sá. Contato: Av. Ipiranga, 6681 - Partenon - Porto Alegre/RS - CEP: 90619-900. Fone: (51) 3320-3500. E-mail: ariannedesa@yahoo.com.br
2 Psicóloga (UCPel). Mestre em Psicologia Clínica (PUCRS), Doutoranda em Psicologia (UFRGS). Especialização Psicoterapia Cognitivo- Comportamental (Wainer e Piccoloto). Contato: Av. Ipiranga, 6681 - Partenon - Porto Alegre/RS - CEP: 90619-900. Fone: (51) 3320-3500. E-mail: laurenterroso@hotmail.com
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Dra. em Psicologia (PUCRS), Docente do Programa de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Brasil. Pesquisadora Produtividade CNPq. Contato: Av. Ipiranga, 6681 - Partenon - Porto Alegre/RS - CEP: 90619-900. Fone: (51) 3320-3500. E-mail: argimoni@pucrs.brPsicóloga, Profª. Associada IV do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos e do Programa de Pós-graduação (EESC – USP). Contato: Alameda das Crisandálias, 616/ 32 – Cidade Jardim – São Carlos, SP. CEP 13566-570. E-mail: doris@ufscar.br

 

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