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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.34 no.86 São Paulo  2014

 

Teorias, pesquisas e estudos de casos

 

 

Expressão de indicadores de Transtorno de Estresse Pós-traumático em bombeiros1

 

Expression of Posttraumatic Stress Disorder indicators in firefighters

 

Expresión de los indicadores de trastorno de estrés post-traumático en bomberos

 

Geórgia de Oliveira Moura2; João Carlos Alchieri3 ; Marianna Carla Maia Dantas de Lucena4

Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Norte –UFRN

 

 


RESUMO

O trabalho de bombeiros militares é complexo e demanda rotineiramente o desenvolvimento de instrução e técnica para o aprimoramento de habilidades específicas. A investigação da saúde dessa população no contexto da avaliação psicológica do transtorno de estresse pós-traumático é de relevância de modo a compreender os mecanismos utilizados para prevenir e também tratar o estresse pós-traumático. Para tanto, o estudo objetiva investigar a presença de índices de Transtorno de Estresse PósTraumático (TEPT) em Bombeiros Militares no Brasil. A amostra foi composta de 216 bombeiros de diferentes graduações hierarquicas, do sexo masculino com idade média de 35 anos (desvio padrão = 7,52 anos). Para obtenção dos índices foram utilizados como instrumentos de medida o formulário sociodemográfico, o Inventário Clinico Multiaxial de Millon–III, o Questionário de Saúde Geral de Golberg e a escala de estresse póstraumático da Mini Entrevista Neuropsiquiátrica Internacional. Os resultados indicam que os participantes apresentam valores elevados para risco de transtorno ou mesmo sua presença, em relação à saúde geral, por sua vez o grupo com maior expressão de TEPT apresenta diferenças significativas entre as médias com relação ao grupo sem o transtorno. Estudos sobre instrumentos específicos visando a verificação e intervenção precoce de TEPT no cenário laboral são necessários e embasam a continuidade da investigação.

Palavras-chave: transtorno de estresse pós-traumático; bombeiros; avaliação psicológica.


ABSTRACT

The work of firefighters is complex and demands technical and specific skills to face stressful situations; the research of health of this population in the context of psychological assessment of post-traumatic stress disorder is relevant in order to understand the mechanisms used to prevent and treat post-traumatic stress. Therefore, the study aimed to investigate the presence of indexes of posttraumatic stress disorder in Brazilians military firefighters. The sample consisted of 216 firefighters from different grades, males with a mean age of 35 years (desvio padrão = 7,52 years). To obtain the indexes, tools to assess sociodemographic form were used, the Millon Clinical Multiaxial Inventory-III, the General Health Questionnaire of Goldberg and the scale of posttraumatic stress of Mini International Neuropsychiatric Interview. The results indicate that the participants have a high risk for disorder or even their presence, in relation to general health, the group with PTSD traits shows significant differences between the averages with respect to those without the disorder traits. Studies about specific instruments aimed at verification and early intervention for PTSD in the labor scenario are needed and underpin ongoing research.

Keywords: post-traumatic stress disorder; firefighters; psychological assessment.


RESUMEN

El trabajo de los bomberos activos es complejo y exige constantemente el desarrollo de técnicas determinadas para el perfeccionamiento de habilidades específicas. Las investigaciones sobre salud en esta población, dentro del contexto psicológico y a su vez relacionándolo a la medición del trastorno estrés post-traumático se considera más que pertinente, con la finalidad de poder entender los mecanismos utilizados para prevenirlo y tratarlo. Siendo así, el objetivo de este estudio es investigar la presencia de índices de Trastorno de Estrés Post-Traumático (TEPT) en los bomberos activos de Brasil. La muestra estuvo conformada por 216 bomberos de diferentes grados, de sexo masculino, con edad promedio de 35 años (desviación de: 75). Para obtener los índices se utilizam como herramienta para la evaluación sociodemográfico, el Inventario Clínico Millon multiaxial-III, el Cuestionario de Salud General de Goldberg y la Escala de Estrés Post-traumático y la Mini Entrevista Neuropsiquiátrica Internacional. Los resultados indican que los participantes presentan altos níveles para el desarrollo del trastorno o incluso su presencia. En relación con la salud general, el grupo indica más altos valores para el trastorno del estrés post-traumático con diferencias significativas entre los promedios al respecto a los que no presentan rasgos del trastorno. Se hace necesario realizar más estudios sobre los instrumentos específicos dirigidos a la verificación e intervención temprana, para el TEPT en el escenario laboral, lo que, a su vez, apoyaría la investigación en curso.

Palabras-clave: Estrés de estrés post-traumático; bomberos; evaluación psicológica.


 

 

1. Introdução

O estresse pós-traumático é definido pelo Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais – DSM-IV a partir da experiência de algum evento traumático para a pessoa, na qual houve ameaça à vida ou à integridade física de si ou de pessoas próximas a ela. São caracterizadas por situações essencialmente violentas, como acidentes naturais (enchentes, incêndios, soterramentos), acidentes automobilísticos, estupros, entre outros (Câmara-Filho, & Sougey, 2001). Sua sintomatologia é categorizada no DSM-IV a partir de três indícios principais, quais sejam, reexperiência traumática, esquiva e distanciamento emocional e hiperexcitabilidade psíquica (APA, 2002).

Estudos epidemiológicos demonstraram impactos significativos desse transtorno na população geral, com prevalência em torno de 6,8% (Kessler e outros, 2005; Sbardelloto, Schaefer, Justo, & Kristensen, 2011), tomando-se por base o contexto histórico e social dos indivíduos que sofrem de TEPT, como também as estratégias de enfrentamento utilizadas por eles, e não apenas pelos tipos de eventos estressores traumáticos mais frequentemente experienciados (Archer, Buffington-Vollum, Stredny & Handel, 2006)

Os profissionais de segurança pública e profissionais de emergência caracterizam-se como o público que apresenta maiores incidências de exposição a eventos traumáticos por atuarem diretamente em três fatores de risco: eventos intencionais provocados pelo homem, eventos não intencionais provocados pelo homem e eventos provocados pela natureza (Schiraldi, 1999). Por atuarem em contextos que exigem respostas rápidas visando à eficácia dos atendimentos, pode acarretar em elevados índices de estresse nessa população (McEwen, 2002; Hagh-Shenas e outros, 2005; Perrin e outros, 2007; Lima & Assunção, 2011). Por estar inserida em contextos específicos, essa população apresenta características distintas da população em geral, tais como, o treinamento recebido, a duração e a frequência da exposição aos eventos traumáticos e a influência de variáveis organizacionais (Clohessy & Ehlers, 1999; Regehr & Bober, 2005; Sterud, Ekeberg & Hem, 2006). Para definir os fatores de risco no desenvolvimento de sintomas de TEPT em policiais brasileiros foi possível identificar respostas como: afeto negativo, tempo de trabalho, frequência de exposição a eventos traumáticos, dissociação peritraumática e apoio social diminuído, indicando 55% das variações dos sintomas de TEPT (Maia e outros, 2011). É interessante verificar dentre as profissões com exposição a eventos traumáticos quais apresentam índices significativos que possam influenciar diretamente na qualidade de vida desses profissionais, assim como afetarem significativamente seu cotidiano de trabalho

Os bombeiros militares, assim como os policiais, vivenciam ações de guerra, desastres, violência em geral e necessitam estar em constante vigilância e preparados psicologicamente para lidar com situações de extremo desconforto emocional (Corrigan e outros, 2009; Berninger e outros, 2010; Farnsworth & Sewell, 2011). A atividade do Bombeiro Militar, comporta a exposição a eventos que põem a sua vida e dos demais colegas de trabalho em risco. A qualidade de sua atuação está diretamente ligada às suas condições física, psicológica e motivacional. Essa atuação pode gerar no sujeito altos índices de estresse, o que pode interferir na sua qualidade de vida e seu desempenho profissional. O serviço desse profissional está intrinsecamente relacionado à sua reação individual e suas experiências de trabalho, envolvendo vários itens como motivação, satisfação no trabalho, fatores ambientais e ergonômicos (Farnsworth & Sewell, 2011; Lima & Assunção, 2011).

A investigação do cotidiano de trabalho dessa profissão pode contribuir, de maneira significativa, para os estudos acerca do transtorno de estresse póstraumático visto que essa população está inserida no grupo de risco. Assim, a realização de estudos sobre o TEPT pode auxiliar para um melhor entendimento do desenvolvimento do transtorno e proporcionar avanços nas modalidades de tratamento. Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é averiguar a existência de índices de transtorno de estresse pós-traumático no cotidiano de trabalho da Corporação dos Bombeiros Militares, por meio de um processo de avaliação psicológica, levantamento crítico de questões pertinentes quanto ao processo avaliativo e de tratamento dentro das corporações.

 

2 - Método

A presente proposta de pesquisa foi apresentada ao Comitê de ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte aprovado sob nº 268/ 2012 Prot 299/11. Diante da disponibilidade em participar da pesquisa, os sujeitos recebiam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para maiores esclarecimentos quanto ao sigilo das informações. Cada participante recebeu um envelope contendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, uma folha de respostas, Inventário Clinico Multiaxial de Millon–III, o Questionário de Saúde Geral de Goldberg e a escala de estresse pós-traumático da Mini Entrevista Neuropsiquiátrica Internacional, sendo orientados sobre procedimentos e tempo de aplicação destes.

2.1 - Participantes

Os participantes foram selecionados de forma aleatória entre trabalhadores militares do sexo masculino, cujas idades variam de 18 a 70 anos, residentes e domiciliados em duas unidades federativas do Brasil, perfazendo um total de 216 militares de diferentes graduações hierárquicas (sargentos, cabos e soldados). Os critérios de inclusão eram o interesse em participar do estudo, estar desempenhando suas funções na corporação de bombeiros e o consentimento em participação no estudo, através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídos da amostra os militares à disposição de outros órgãos e os afastados por licença médica ou especial, bem como militares do sexo feminino por apresentarem uma baixa representatividade sobre o contingente militar e ocuparem atividades paralelas.

2.2 - Instrumentos

2.1.1 - Millon Clinical Multiaxial Inventory – III (MCMI-III)

O Millon Clinical Multiaxial Inventory- III (MCMI-III), criado em 1997 por Theodore Millon, é um instrumento com 175 itens que avalia 14 tipos de personalidades e 10 síndromes clínicas. O MCMI-III é constituído por 175 itens nos quais o sujeito pode optar por responder entre verdadeiro (V) ou falso (F) sendo dividido em 24 escalas clínicas e 4 escalas de verificação que servem para identificar tendências de se ocultar patologias ou exagerá-las, bem como obliquidades de respostas socialmente desejadas (Millon & Millon, 1997). Em seguida as escalas de padrões clínicos de personalidade representam patologias da personalidade, que são: esquizoide, evitativo, depressivo, dependentes, histriônico, narcisista, antissocial, agressivas (sádico), compulsivo, negativista e masoquista, esquizotípicas, boderline e paranóide. As últimas dez escalas são dedicadas ao Eixo I do DSM-IV e outras síndromes clínicas, que são: ansiedade, distúrbio somatoforme, transtorno bipolar, transtorno distímico, dependência de álcool, toxicodependência, estresse pós-traumático, pensamento desorganizado, depressão maior e desordem delirante (Millon e outros, 2006). No presente estudo foi dada atenção especial à escala de estresse pós-traumático composta por 16 itens, que avaliam memória e pesadelos dolorosos que remetem a traumas. De forma que independente da vontade evocam lembranças de eventos passados tidas como traumáticas e que parecem ser revividos no presente.

2.1.2.- Questionário de Saúde Geral de Goldberg (QSG)

O Questionário de Saúde Geral de Golberg (QSG) (Pasquali, Gouveia, Andriola, & Ramos, 1996) é um questionário de saúde física e psíquica, validado em 1972 e adaptado para a população brasileira no ano de 1996. O mesmo é composto por 60 questões a serem respondidos em escalas tipo Likert de quatro pontos com o objetivo de detectar doenças psiquiátricas não-severas (nãopsicóticas). Por meio dele é possível avaliar os seguintes fatores: Fator I - Estresse; Fator II - Desejo de Morte; Fator III - Preocupação com o Próprio Desempenho; Fator IV - Distúrbios do Sono; e Fator V - Distúrbios Psicossomáticos. Tais fatores visam avaliar o índice de depressão, o nível de estresse cognitivo e físico, as características psicossomáticas, o índice de auto eficácia, desejo de morte e os distúrbios do sono. Somando esses cinco escores, obtemos um escore de saúde geral.

2.1.3 - Mini Entrevista Neuropsiquiátrica Internacional (MINI)

A MINI é uma entrevista diagnóstica breve padronizada, com duração de 15-30 minutos, compatível com os critérios do DSM-IV e do CID-10, destinado à administração na prática clínica e na pesquisa em atenção primária e em psiquiatria. Utilizou-se da versão Plus do MINI, mais detalhada, destinada principalmente à utilização em cuidados primários e em ensaios clínicos, a MINI compreende 19 módulos que exploram 17 transtornos do eixo I do DSM-IV, o risco de suicídio e o transtorno da personalidade antissocial. Explora sistematicamente todos os critérios de inclusão e de exclusão e a cronologia (data do início e duração dos transtornos, número de episódios) de 23 categorias diagnósticas do DSM-IV. No entanto, para esta pesquisa, foi utilizada apenas o módulo I – Transtorno de Estresse Pós-Traumático, com 5 itens de (sim ou não).

 

3 - Resultados

A distribuição sociodemográfica da amostra consistiu de 26,9% de sujeitos residentes em uma capital de um Estado do Nordeste brasileiro, sendo 46,8% com ensino superior e 58,3% afirmaram ser casados. A maioria situa-se na faixa jovem adulta (21-40 anos), com média de 35 anos (desvio padrão = 7,52 anos). Em relação à possível realização de acompanhamento psicológico anterior, 89,8% dos participantes relatou não ter realizado.

Diante dos dados obtidos na escala de estresse pós-traumático da MINI, os participantes foram distribuídos em dois grupos, com traços de TEPT e sem traços de TEPT. O Teste t de Student foi realizado a fim de obter comparação das médias entre a classificação obtida da MINI e os escores brutos obtidos dos fatores do QSG. O teste revelou que para todos os fatores, as médias dos sujeitos com traços de transtorno mostraram-se maior que a de sujeitos sem o transtorno, conforme demonstrado na tabela 1:

 

 

Observam-se diferenças significativas (p<0,001) entre as médias dos escores brutos pontuados no QSG, onde as médias mais altas foram representativas no grupo com traços de TEPT, os desvios padrão foram menores para o grupo sem traços em todos os fatores, indicando que os escores do grupo variam menos em torno da média se tomada como referência o grupo com traços de TEPT, evidenciando menor variabilidade entre o grupo sem traços de TEPT. O mesmo teste foi realizado para fazer a comparação das médias entre a classificação da MINI e os dados brutos da escala R do MCMI-III. Observou-se que o grupo que apresentou traços de TEPT obteve média superior (7,3 ± 5,9) do que os sujeitos que não apresentaram esses traços. A diferença de médias entre as condições foi de 5,1, com significância de p<0,001.

Para comparação das médias nos cinco grupos de escolaridade e escores do QSG foi realizado o teste Análise de Variância - ANOVA com post hoc de Bonferroni. Notou-se que há apenas dois destaques estatisticamente significativos, presentes nas variáveis, escolaridade, no fator Sono [F(4, 211) = 4,244; p= 0,003] e no fator Somático [F(4, 211) = 3,219; p= 0,014], considerando significância (p <0,05). O teste de post hoc realizado demonstrou índices de significância adequados apenas para esses dois fatores (intervalo de confiança ajustado: Bonferroni; p<0,05) para as diferenças de média encontradas. A tabela 2 descreve as médias e desvio padrão para cada grau de escolaridade em relação aos fatores que foram significativos:

 

 

4 - Discussão

Esse estudo buscou investigar a expressão do TEPT e os fatores associados aos aspectos de comportamentos desadaptados diante de sinais que pudessem caracterizar o transtorno em trabalhadores de uma atividade profissional específica, bombeiros. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (IBGE, 2010) apontam que no país atualmente só 14% dos municípios têm Corpo de Bombeiros, e nesses locais o efetivo é muito reduzido em relação à quantidade de habitantes. Isso se justifica pela legislação brasileira que limita os recursos do Estado devido à lei de responsabilidade fiscal, que não permite que mais de 46% do orçamento do Estado seja gasto com recursos humanos (Presidência da República, 2000). Frente a esta oferta limitada de serviço público a população que é coberta por um efetivo de bombeiros cinco vezes menor do que os padrões determinados pela entidade norte-americana NFPA – National Fire Protection Association (0,5 a 2,7 bombeiros para cada mil habitantes). No Brasil, em relação ao efetivo, apenas o Distrito Federal, Amapá e Rio de Janeiro seguem os padrões internacionais de segurança. Nos dois Estados avaliados, PB E RN, foi possível identificar que em ambos o efetivo está consideravelmente abaixo dos padrões estabelecidos pelo NFPA (NFPA, 2011). Na Paraíba constavam apenas 0,31 do efetivo por mil habitantes e no Rio Grande do Norte apenas 0,21 (IBGE, 2010).

A sobrecarga de atividades laborais pode afetar direta e significativamente a saúde do profissional, que em sua grande maioria evita buscar ajuda, gerando altos índices de estresse e doenças psicossomáticas (IBGE, 2010). A partir dos resultados obtidos é possível levantar questões acerca dos cuidados de prevenção para essa população, como são abordados ao ingressarem na corporação e se há algum acompanhamento ao longo de sua carreira que possa dar suporte, ou mesmo sugerir esse suporte.

Ao se observar os dados sobre escolaridade na amostra utilizada foi possível identificar que o maior número dos sujeitos da amostra já havia concluído ou estava concluindo o Ensino Médio ou Superior. Infere-se que os sujeitos que ingressaram na corporação dos bombeiros o fizeram via vestibular através do curso de formação de oficiais com o objetivo de seguir carreira militar integralmente, ou buscaram outra formação superior na área civil, visto que as condições de trabalho desta profissão não lhes dão a estabilidade financeira almejada. Essa instabilidade pode ser um fator a se considerar como uma das possíveis causas do estresse. Bezerra (2011) sugere que a qualidade do serviço do bombeiro é inerente as suas condições de trabalho, desse modo é preciso estar atento sempre às respostas comportamentais desses profissionais a fim de prevenir posteriores danos à saúde desses.

É possível observar que na população avaliada há predomínio de participantes com nível de escolaridade alto, casados e que estão na faixa etária de jovens adultos. Dados que sugerem busca de estabilidade, como a encontrada ao ingressar na corporação dos bombeiros, porém, da mesma forma que outras instituições públicas há também suas limitações financeiras. Isso faz com que apesar da estabilidade que este trabalho representa, o bombeiro busque outras alternativas que não lhe demande tanta fadiga física e psicológica e estresse (Del Ben e outros, 2006; Witteveen e outros, 2007).

Os resultados demonstraram que a representatividade do TEPT na amostra utilizada foi significativa, evidenciando taxas de prevalência que corroboram com estudos da área que apontam para uma prevalência do TEPT na população de 5% a 6% para os homens (Kessler e outros, 2005; Nemeroff e outros, 2006; De Quervain & Margraf, 2008). Assim se demonstra a pouca expressão que o cuidado e prevenção quanto aos efeitos psicológicos de situações de estresse tem na capacitação, pois 4,6% dos sujeitos afirmaram ter realizado algum tipo de acompanhamento psicológico ao longo de suas vidas.

A hipótese de que profissionais como bombeiros e socorristas não são grupos comparáveis à população geral é levantada por estudos e definem que os militares poderiam diferir significativamente da população envolvida em um mesmo evento estressor, pois a experiência profissional e a construção de estratégias coletivas de enfrentamento são pontos explicativos para essas diferenças observadas (Hagh-Shenas e outros, 2005). Os mesmos autores apontam que a formação desses profissionais os prepararia e auxiliaria a enfrentar eventos estressores sem efeitos secundários negativos. Outros autores corroboram com essas hipóteses sugerindo que esses profissionais apresentam características diferentes, tais como, o treinamento recebido, a duração e a frequência da exposição aos eventos traumáticos e a influência de variáveis organizacionais que poderiam auxiliá-los no enfrentamento de tais situações (Clohessy & Ehlers, 1999; Regehr & Bober, 2005; Sterud, Ekeberg & Hem, 2006; Lima & Assunção, 2011)

Os dados do presente estudo demonstram que apesar da experiência profissional e de diferentes estratégias de enfrentamento, os participantes ainda apresentam aspectos desadaptados de seu comportamento diante de eventos traumáticos, e que tendem a uma progressão exponencial negativa ao longo do tempo, sem o tratamento adequado, reforçando que apenas esses fatores não são conclusivos para sugerir a presença ou não do transtorno. Cabe ressaltar que é preciso levar em consideração características de personalidade e capacidade de adaptação ao ambiente. A resposta a eventos traumáticos é dada a partir de fatores diversificados e é necessário levá-los em consideração para prevenir respostas desadaptadas (Ballenger, Davidson, Lecrubier, Nutt, & Marshall, 2004; Heinrichs, Wagner, Schoch, Soravia & Ehlert, 2005).

Ás análises entre os instrumentos QSG e MINI demonstraram que maiores médias encontram-se nos participantes que apresentam sintomas de TEPT, isso pode sugerir que esses têm maiores propensões a desenvolver problemas de saúde mental. Dentre os fatores, as maiores médias foram no fator Desempenho, que se refere à consciência da capacidade de realizar as tarefas do cotidiano de forma satisfatória; e, no fator Sono, representado pelos distúrbios do sono, ou seja, problemas referentes ao sono, como pesadelos ou insônia (Pasquali e outros, 1996). Com quadros sintomáticos de redução do desempenho e sono prejudicado, a qualidade do serviço desses profissionais decai, assim como há maior tendência para desenvolver o TEPT (Calhoun & Resick, 1999; APA, 2002; Milet e Sougey, 2010). Também deve-se caracterizar a possibilidade do desenvolvimento de comorbidade, comum de acontecer em conjunto com o desenvolvimento de TEPT (Kessler e outros, 1995; Kristensen, Parente & Kaszniak, 2005; Stewart, Grant, Ouimette, & Brown, 2006).

 

5 - Considerações finais

A profissão de bombeiro apresenta características específicas de trabalho visto que o evento estressor é seu cotidiano de trabalho, contudo, situações como estas geram alta vulnerabilidade sem um suporte psicológico que lhes auxilie a lidar com tais situações. É notório que há pouco ou nenhum treinamento contínuo e acompanhamento de uma equipe multiprofissional para esses sujeitos e os indicadores internacionais sugerem a necessidade desse acompanhamento contínuo. Assim evidenciaram-se índices de TEPT no perfil do bombeiro, tomando como base a avaliação através de instrumentos objetivos e de autorrelato, o que pode ser útil no meio acadêmico e também dentro do cenário militar, na medida em que possibilita discussões aprofundadas referentes às condições de saúde e trabalho desses profissionais por todo o país, não se restringindo apenas a região estudada.

 

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Recebido: 31/03/2014 / Corrigido: 17/04/2014 / Enviado a Parecerista: 20/04/2014 / Aceito: 30/04/2014.

 

 

1 Trabalho baseado em dissertação de Mestrado: Indicadores de transtorno de estresse póstraumático em bombeiros militares. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.
2
Mestre em Psicologia e especialista em Saúde Mental. Contato: Rua Doutor Antonio Sá, 80. Bairro Centro, Campina Grande, PB, Brasil. CEP 58400-227. E-mail: georgiaio@hotmail.com , Brasil.

3
Professor adjunto e bolsista de produtividade CNPq. Contato: Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Campus Universitário Natal, RN Brasil, CEP: 59078-970 Caixa Postal: 1622. E-mail: jcalchieri@gmail.com , Brasil.
4
Mestre em Psicologia e especialista em Psicologia da Saúde. Contato: Rua Sachet, 325. Bairro:Ribeira. Ed Mirante João Olímpio Filho apto 16, Natal, RN. CEP:59012-420. E-mail: mariannacarla.lucena@gmail.com , Brasil.

 

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