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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.34 no.86 São Paulo  2014

 

Teorias, pesquisas e estudos de casos

 

 

A (Des)organização urbanística na cidade da Praia: Contexto privilegiado para a transgressão e a delinquência juvenis?1

 

The (Des) organization in urban City beach: Privileged context to transgression and juvenile delinquency?

 

La (Des) organización urbana en cidade da Praia: Contexto propicio para la transgresión y la delincuencia juvenil

 

Jorge Dias 2, I; Rui Abrunhosa Gonçalves3,II, ; Nilton S. Formiga4, III

ICentro de Investigação e Psicologia, Universidade do Minho - Portugal

IIEscola de Psicologia, Universidade do Minho - Portugal

III Faculdade Mauricio de Nassau – João Pessoa, PB - Brasil

 

 


RESUMO

Em Cabo Verde a violência e a delinquência juvenis têm vindo a assumir proporções preocupantes, como são disso, evidênciam as estatísticas oficiais (2005- 2012) da Polícia Nacional (PN). No presente trabalho refletimos sobre a forma como a cidade da Praia está (des)organizada urbanisticamente e as subsequentes transformações sociais, procurando discutir se constituem ou não contextos facilitadores para a transgressão e a delinquência nos jovens. Para tal, partimos dos resultados do estudo "Percursos de Transgressão Delinquência Juvenil nos Jovens na Cidade da Praia: resultado de um estudo exploratório", tratando-se de uma investigação de natureza qualitativa realizada com jovens na cidade da Praia, desde o ano de 2008 a esta data. Os estudos que procuram caraterizar os percursos de desvio e de transgressão destes jovens têm vindo a ganhar notoriedade nos últimos anos. Dada a complexidade desta problemática, que deriva nomeadamente das diferentes formas e modalidades de expressão da atividade delinquente e das suas diferentes trajetórias evolutivas, as reflexões neste domínio assumem especial relevância. Os resultados da investigação indicam três principais grupos de fatores que parecem determinar fortemente o envolvimento destes jovens em práticas criminais: (1) a precariedade socioeconómica, (2) o aprofundamento das desigualdades sociais e (3) a desestruturação familiar. À luz destes resultados, refletimos sobre a possibilidade da organização urbanística constituir um contexto facilitador da transgressão e delinquência juvenis. Assim, além de programas de intervenção psicossocial, discute-se a necessidade de desenvolver programa de requalificação urbanística.

Palavras-chave: Delinquência;transgressivos; jovens; estruturas sociais; (Des)organização urbanística.


ABSTRACT

In Cape Verde violence and juvenile delinquency have come to assume alarming proportions, as evidenced by official statistics (2005-2012) of the National Police (PN). This current work is reflected on the (dis) organized urban planning of the city of Praia and its subsequent social changes, in an effort to discuss whether these variables constitute facilitator contexts for transgression and crime in young adults. To this purpose, we started by revisiting the results of the "Juvenile Delinquency Transgression Paths in Young Adults in the city beach: Resulting of an Exploratory Study", a qualitative research conducted with young people in the city beach, which originated since 2008 and is still in progress. In recent years studies that aim to characterize the pathways of deviance and transgression of young people have been highlighted. Attending to the problem's complexity, intrinsically associated with the different modes of expression of delinquent activity and varied evolutionary tracks, reflections in this field are especially relevant. The results identify three main group factors that seem to be strongly determining of the involvement in criminal practices by young people: (1) the socio-economic precariousness, (2) the exacerbation of social inequalities and (3) the family dysfunctionality. Based on these findings, we discussed urban organization as a facilitating context of transgression and juvenile delinquency; therefore, besides psychosocial intervention programs, it has been discussed the necessity of developing urban requalification programs.

Keywords: Delinquency; transgressive; youth; social structures; urban (Des)organization.


RESUMEN

En Cabo Verde la violencia y la delincuencia juvenil han ido aumentando en proporciones alarmantes, son evidencia de esto, las estadísticas oficiales (2005-2012) de la Policía Nacional (PN). En este artículo reflexionamos sobre la forma en la que Cidade de Praia está (des) organizada urbanamente, así como los cambios sociales posteriores, tratando de analizar si constituyen o no contextos que faciliten la transgresión y la delincuencia juvenil. Para ello, partimos de los resultados del estudio "Recorrido de la transgresión, delincuencia juvenil en los jóvenes de Cidade da Praia: resultados de un estudio exploratorio". Se trata de una investigación cualitativa realizada con los jóvenes de Cidade da Praia, desde el año 2008 hasta la fecha. Los estudios que tratan de caracterizar el recorrido de esta desviación y transgresión en estos jóvenes han ganado relevancia en los últimos años. Dada la complejidad de este problema, que se deriva principalmente de las diferentes formas y modos de expresión de la actividad delictiva y sus diferentes trayectorias evolutivas, las reflexiones en ese sentido adquieren especial relevancia. Los resultados de esta investigación indican tres grandes factores que parecen determinar fuertemente la participación de estos jóvenes en prácticas delictivas: (1) la precariedad socioeconómica, (2) la profunda desigualdad social y (3) la desestructuración familiar. A la luz de estos hallazgos, se reflexiona sobre la posibilidad que esta organización urbana, constituya un contexto facilitador para la transgresión y la delincuencia juvenil. Así que además de los programa de intervención psicosocial, se discute la necesidad de desarrollar programas de renovación urbana.

Palabras-clave: Delicuencia; transgresión; jóvenes; estructuras sociales; (Des)organización urbana.


 

 

Introdução

As recentes transformações socioeconômicas e políticas observadas nas sociedades ocidentais têm contribuído para o aumento dos riscos urbanos e a insegurança, chamando a atenção para estes fenómenos como um problema social relevante. Os comportamentos anti-sociais e delinquentes protagonizados por jovens têm constituído, desde o início dos anos 90, objeto de crescente problematização ao nível institucional e científico na Europa e resto do mundo Os estudos internacionais indicam que a delinquência juvenil tem vindo a aumentar e, sobretudo, que se inicia mais precocemente e é mais violenta (Negreiros, 2008), o que tem constituído um argumento para sustentar as alterações introduzidas no sistema de justiça de menores em Cabo Verde, em geral, bem como nas políticas de prevenção e controlo do fenómeno (Fernandes, 2009).

À semelhança do que ocorre em outros países, verifica-se alguma ambivalência no âmbito das políticas públicas que têm sido desenvolvidas para fazer face à criminalidade e, em particular, à delinquência juvenil. Segundo Patrício, (2005) o que se verifica em Cabo Verde nesta matéria é a existência de um Código Penal de 1992 (código esse que entrou em vigor 1 de Julho de 2004), basicamente o Código de Processos Penal Português de 1929, apenas com subsequentes alterações e incorporações levadas a cabo em Portugal e algumas outras introduzidas pelo legislador cabo-verdiano após a independência do país.

Em Cabo Verde existe uma perceção de que a violência vem aumentando de uma forma consideravelmente preocupante nos últimos anos. A grande maioria da população de Cabo Verde (61,8%) reside hoje nas cidades, mostrando uma tendência comum nos países de rendimento médio que é a migração das áreas rurais para as áreas urbanas. Cabo Verde possui uma população jovem, com média de idade de 26,2 anos, e grande parte dela, na faixa dos 15 aos 19 anos. Esta perceção é apoiada nos dados da Polícia Nacional que apontam que no ano de 2012. A criminalidade aumentou 10,3%, em relação ao ano anterior. Praia é a cidade com maior número de ocorrência (8.108 casos). 2012 foi o ano com maiores ocorrências de crimes registrados no país: 24.444 casos foram registados, sendo 11.288 (46,18%) contra património e 13.156 (53,82%) contra pessoas.

A série histórica mostra um aumento constante ao longo dos anos, sendo do total de crimes, 34% deles foram caraterizados como crimes violentos - homicídios, ofensas corporais, roubos e ocorrências com armas de fogo. Este aumento de criminalidade acontece ao mesmo tempo em que a violência se faz mais presente, principalmente nos centros urbanos, o que é resultante dos conflitos que envolvem grupos de jovens, denominados de thugs. O termo «thug» foi importando dos EUA, que, por sua vez, adotara este vocábulo do hindu, que designa «rufia» ou «grupo de assassinos profissionais». Uma designação que acabou por ser igualmente adotada em Cabo Verde, precisamente com o mesmo significado. A origem dos thugs remete, de acordo com Cardoso & Katia (2009), para a vinda dos retornados, jovens delinquentes de origem cabo-verdiana nos Estados Unidos que, por motivos judiciais, foram expatriados para Cabo Verde onde, além da identidade familiar, não tinham qualquer relação ou conhecimento do país, e desconhecendo a sua cultura e língua. Para esse autor, no entanto, alguns dos deportados vindos dos Estados Unidos podem ter introduzido novas formas lógicas de criminalidade no país. No entanto, culpabilizá-los integralmente por este fenómeno é simplista, assim como o é responsabilizar os média (filmes e música) pela violência entre os jovens.

Segundo relatórios oficiais de diferentes instituições nacionais e internacionais (e.g., Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente ICCA, 2011; Instituto Nacional de Estatísticas – INE, 2010; UNICEF, 2011) que procuram caraterizar os percursos de desvio e de transgressão destes jovens, a violência e a delinquência juvenil têm vindo a ganhar notoriedade nos últimos anos (Cardoso, 2011). As estatísticas oficiais e, em particular, as anunciadas pela Polícia Nacional (2013), permitem-nos somente conhecer a criminalidade registada pelas instâncias formais de controle, o que é claramente insuficiente para formar uma imagem aproximada da criminalidade real. Esta limitação é ainda mais acentuada no caso dos atos de delinquência juvenil, uma vez que, dada a exigência de conhecimento dos atos participados às instâncias públicas competentes, apenas podem ser considerados os casos registrados e não a totalidade dos efetivamente ocorridos.

 

A (des)organização urbanística versus facilitação de atos de violência e delinquência juvenis

No presente trabalho refletimos sobre a forma como a Cidade da Praia está (des)organizada urbanisticamente e as subsequentes transformações sociais, procurando discutir se constituem ou não contextos facilitadores para a transgressão e a delinquência nos jovens

Nas últimas décadas, mais precisamente, a partir da primeira metade da década de 60, a Europa e o resto do mundo industrializado assistiram a um aumento da criminalidade seguido da sua diminuição ou estabilização, em muitos países, a partir dos anos 90. Segundo Lourenço (2010), este fenómeno, entretanto, não é acompanhado pela diminuição do sentimento de insegurança. No entanto, não parece pertinente centrar a emergência deste sentimento de insegurança unicamente no crime ou reduzir a problemática da insegurança ao agravamento da criminalidade. É certo que a insegurança, medida indiretamente através das taxas de criminalidade, aumentou a partir do ano 2000, tal como é real o medo do crime manifestado pelas pessoas, visível nos comportamentos cautelares e na afirmação de que se sentem inseguras, ou em manifestações de protesto substituindo, por vezes, o estado e desencadeando ações de justiça popular.

No contexto dos países em desenvolvimento e em vias de desenvolvimento, no qual se inclui Cabo Verde, a situação tem assumido contornos diferentes. A violência urbana e a criminalidade têm registrado um aumento constante e constituem uma série de constrangimentos à vida dos cidadãos com crescente sentimento de insegurança e medo do crime. A constatação e preocupação por esta globalização da violência urbana são acompanhadas pelo reduzido consenso sobre as suas causas efetivas. Ilustrando esta realidade, a Agência das Nações Unidas para os Assuntos Humanos (UN-HABITAT, 2007) atesta que a violência urbana é uma das cinco primeiras causas de morte em países como o Brasil, a Colômbia, el Salvador e a Guatemala.

Em Cabo Verde, dados do Censo apresentados pelo INE (2010) mostram que, nos centros urbanos, cerca de 43,7% das habitações encontram-se inacabadas, sendo 18% apenas revestidas com bloco sem pintura, 23% sem revestimento e com bloco à vista, 2,7% sem revestimento, dos quais 1,5% são habitações do tipo de barracas de lata e algumas forradas de papelão. Cabo Verde está situado no Oceano Atlântico perto da consta ocidental africana a 450 km do Senegal. É constituído por 10 Ilhas, sendo 9 habitadas. Das 492 mil pessoas que vivem no país, aproximadamente 192 mil são crianças e adolescentes entre 0 e 17 anos, o que corresponde a quase 40% de toda a população do arquipélago. O país tornou-se independente em 1975 e em menos de 35 anos conseguiu alterar, consideravelmente, o seu ambiente económico e social, mudando para um país considerado de rendimento médio. Segundo o ranking do Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento (PNUD, 2011), entre 2000 e 2010, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Cabo Verde passou de 0,500 para 0,5342. Em comparação com a média dos países da África subsaariana, Cabo Verde tem tido sempre um dos melhores desempenhos no IDH, quer na alfabetização, quer na garantia do acesso aos cuidados primários de saúde e aumento da esperança de vida. O impacto destes dados não pode ser ignorado na produção da vida social, muito em especial no quadro da vida das pessoas (Guerra, 2008; Kintrea, Bannister, Pickering, Reid, & Naofumi, 2008,). No âmbito de vários estudos nacionais e internacionais nomeadamente, por exemplo, os bairros urbanos como lugares de práticas sociais (Gonçalves, 1988), a avaliação da qualidade do transporte coletivo urbano, a cidade da Praia, e a satisfação dos utentes (Lopes, 2009), o município da Praia: a governação e o desenvolvimento urbano sustentável (Nascimento, 2006), adverte-se sobre a necessidade de se (re)pensar as políticas para (re)organização dos espaços urbanos para um planeamento prioritário. Não podemos deixar de subescrever aos apelos e reforçar que situações do tipo devem suscitar uma especial reflexão.

Praia é a cidade que mais retrata problemas de urbanização. Um estudo sobre a relação da organização do espaço urbano e a violência urbana em Cabo Verde, realizado pelo Ministério do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território de Cabo Verde, em parceria com o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, apresenta esta cidade caraterizada pelas construções inacabadas, pela desorganização de espaços urbanos, pelas construções clandestinas informais/ilegais, sem controle de fiscalização por parte dos órgãos municipais, a cidade apresenta ainda pelos bairros com construções sem as mínimas condições de alinhamento e com complicações em termos sanitários e de abastecimento de água e eletricidade (Nascimento, 2003).

Ao percorrermos os bairros da cidade da Praia, quer sejam eles de génese dita planeada ou espontânea, não há quem possa ficar indiferente à degradação ambiental construída, que abrange manchas de grande dimensão onde a qualidade de vida da população que ali vive se encontra cada vez mais ameaçada, por inúmeros fatores:

  • construção/habitação, por vezes sem as mínimas condições necessárias à saúde das comunidades, incluindo diversas tipologias de edifícios nas encostas e não só, sem o devido espaçamento entre si de modo a proporcionar as condições de isolamento regulamentares;
  • ruas e passeios de dimensionamento mínimo, sem espaço para que os peões possam caminhar em segurança sem risco de serem assaltados - situação essa agravada pela falta de espaços de estacionamento de veículos;
  • total ausência de espaços verdes, tais como parques, jardins, etc.;
  • insuficiência e inadequação de transportes públicos, são insuficientes e inadequados, não permitindo uma mobilidade fácil no contexto da cidade.

Perante o panorama exposto, a grande questão que se coloca é: como inverter tal situação? Ou melhor, que medidas e ações deverão ser desenvolvidas para corrigi-la? Serão ações da responsabilidade do governo ou da Câmara municipal?

O rápido crescimento demográfico com valores mais acentuados a partir dos anos 90, consequência da migração, na sua maioria de pessoas oriundas do interior de Santiago e de outras ilhas e, mais recentemente da imigração proveniente da Africa Ocidental, associado à ausência de uma planificação urbanística e à frágil organização das finanças municipais são, entre outros, os grandes responsáveis pela "desorganização" dos espaços urbanos na Praia, (cf., gráfico 1). Normalmente, estas situações originam uma profunda articulação entre a pobreza e a exclusão social, as quais tendem a facilitar a criação de condições propícias para a prática de atos de violência e delinquência juvenis.

 

 

Em relação a esta configuração e no sentido de atenuar o défice habitacional nos principais centros urbanos do país, e na cidade da Praia em particular, o governo de Cabo Verde, no quadro da política social de habitação, criou em 2009,o "Programa Casa Para Todos" que visa atender às necessidades habitacionais das populações de baixo rendimento e com problemas específicos no acesso à habitação. Dados da Imobiliária Fundiária e Habitat – IFH (2009), tutelado pelo Ministério do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território", mostram que o défice habitacional quantitativo está avaliado em 40.776 habitações para um total de 66.013 habitações (IFH, 2009). O programa iniciado em 2009 perspetiva construir, até finais do ano de 2013, 20% das construções, que corresponde 8.496 habitações e reabilitar 24% de habitações degradadas, isto é, 16.000 habitações. Entretanto, informações disponibilizadas pelos serviços de coordenação do programa asseveram que até ao momento foram já concluídas apenas 12,18% das habitações a nivel nacional, sendo 2,91% na cidade da Praia (Imobiliária Fundiária e Habitat – IFH, in press).

Se se comparar a taxa de necessidade habitacional inicialmente avaliada (40.776 habitações) com a taxa percentual de construções concluídas em 2013 (12,18%), verifica-se uma diferença significativa de habitações por construir. Esta diferença (87,82%) é mais visível na cidade da Praia com 2,91% construções concluídas, em claro contraste com o volume da sua população. Recorde-se que, na cidade da Praia, a população urbana representa 65,3% da população total do país (INE, 2010). No entanto, outras intervenções nesse âmbito têm sido feitas pela Câmara Municipal da Praia, nomeadamente, no processo de requalificação dos bairros periféricos, calcetamento de ruas, apoios de ligação à rede de saneamento e construção de casas de banho para a população mais carenciada.

Embora nos últimos anos, se tenha feito um esforço notável no sentido de eliminar a deficiente organização urbanística, ainda há muito por fazer como demonstra, entre outros, o caos urbanístico nalgumas zonas de risco nos arredores da cidade (IFH, Imobiliária Fundiária e Habitat). Com construção clandestina no leito das ribeiras, bem como nas encostas em leito de passagem de cheias ou nas ribeiras sem controle "eficaz" por parte dos serviços de fiscalização municipal, fica extremamente complicado ter uma circulação segura na cidade da Praia.

De acordo com as Estatísticas Oficiais da Polícia Nacional (PN, 2013), no ano 2005, ocorreu um total de 17.411 crimes a nível nacional, sendo 7.861 contra a propriedade e 9.550 contra pessoas. Em 2010, a PN registou um total de 20.604 crimes, contra 21. 967 no período antecedente, representando uma diferença de menos seis por cento (-6%) relativamente a 2009 (PN, 2013). A evolução do número de casos atingiu o seu valor mais elevado em 2011 e 2012. No ano 2011, ocorreram 22.073 casos participados, sendo 10.360 contra patrimónios e 11.713 contra pessoas. Em 2012 a criminalidade aumentou 10,3%, em relação ao ano anterior, revela a polícia nacional reportando 24.444 casos, sendo 11.288 contra património e 13.156 contra pessoas (cf., gráfico 2).

 

 

Praia é a cidade com maior número de ocorrências de registos de atos criminais, com 8.108 casos em 2012, que correspondem a 33,1% do total de crimes praticados a nível nacional. Dados estatísticos apontam que os "crimes contra pessoas" diminuam em 2010, mas voltaram a subir ligeiramente, em 2011 e 2012, enquanto os "crimes contra propriedades" diminuíram, ligeiramente, em 2010 e mantiveram o ritmo equilibrado nos subsequentes anos, 2011 e 2012 (cf., gráfico 3).

 

 

De uma forma geral, os casos de violência e delinquência juvenis praticados na cidade da Praia têm ocorrido, de acordo com estatísticas policiais, sobretudo nos bairros periféricos mais desfavorecidos (Safende/Vila Nova, Achada Grande, Lém Cachorro, Paiol/Castelão, Várzea, Achadinha de Cima) com elevado défice de infraestruturação, alojando, regra geral, grupos sociais mais pobres e vulneráveis, o que se traduz numa forte estigmatização desses bairros e dos seus residentes num auto fechamento e exclusão social.

A partir do estudo realizado em 2008/2010, "Percursos de Transgressão e Delinquência Juvenil nos Jovens na Cidade da Praia - Cabo Verde: fatores de risco e de proteção" (Dias, 2010) percebemos que a transgressão e a delinquência juvenis relatadas pelos entrevistados não é apenas um fenómeno espontâneo nem isolado, mas sim resultado de uma sociedade caraterizada pela profunda desigualdade e a exclusão social a diferentes níveis. São vários os fatores que levam ao aumento de violência e a criminalidade entre os jovens. Dentre eles pode-se destacar o aprofundamento das desigualdades sociais em função do processo de urbanização que não fornece o acesso facilitado aos serviços sociais básicos, levando ao aumento dos bairros periféricos, clandestinos com parcas condições de saneamento, eletricidade e água, falta de espaços de lazer e para a prática de desporto, carência de equipamentos de saúde ajustados aos problemas específicos relacionadas com saúde pública, acrescido do aumento considerável de desemprego. Como consequência, regista-se cada vez mais o aumento do consumo do álcool e drogas, a ausência do suporte e controle da família, o aumento dos atos de violência e da delinquência juvenis e o sentimento de insegurança no seio das comunidades.

Reconhecendo a importância dos fatores estruturais (desigualdade social, problemas urbanísticos, etc) na delinquência juvenil, não se pode, no entanto, desvalorizar a existência de outros fatores e a sua interligação. Neste âmbito, Vásquez (2003) considera que os comportamentos antissociais e a delinquência envolvem múltiplos fatores que vão desde o componente individual, passando pela influência da família e do grupo de pares, até os âmbitos comunitário e estrutural. Assim, a compreensão e análise do fenómeno deve considerar, não exclusivamente a dimensão social ou a dimensão individual, mas a conjugação dos múltiplos fatores e dimensões envolvidos na delinquência juvenil. No caso de Cabo-Verde, apesar de se reconhecer, por um lado, os fatores estruturais que podem favorecer a delinquência juvenil e, por outro, a extensão e gravidade do fenómeno, muito pouco se avalia no âmbito das condições sociais e urbanísticas, bem como ao nível da mensuração dos comportamentos delinquentes e/ou violentos dos jovens e dos seus contextos relacionais.

No senso comum, a delinquência, em geral, em Cabo Verde, é na maioria das vezes, associada às condições estruturais ou à pobreza. Num contexto maior, ganham importância não só as condições estruturais (representadas pela desigualdade social, por oportunidades desiguais, pela falta de expectativa social, desemprego, exposição da população juvenil a situações de violência, entre outras), mas também um processo mais amplo e complexo, o qual envolve uma rede de fatores que se inter-influenciam. Segundo os estudos com os jovens que transgridem a lei, a compreensão da realidade é passível de múltiplas combinações e interações, não havendo condições objetivas para se determinar um fator preponderante, válido para todos os casos e situações (Fernandes, 2009). Nesta base, torna-se imperioso enfatizar as conexões e os contextos relacionais nos quais os dramas humanos se desenrolam.

Estudos realizados sobre jovens em conflito com a lei são bastantes elucidativos: dos 43 adultos inquiridos na cidade da Praia, em 2009, pelo Centro de Estudos para o Desenvolvimento, 42,4% declararam-se ter sido vítimas de violência. E em 78,6% dos casos, o ato violento foi perpetrado por um jovem. Constata-se ainda que, do universo dos adultos inquiridos, 87,9% consideram que os jovens infratores não são devidamente penalizados pelos seus atos. De igual modo, partindo apenas dos que admitiram ter sido vítimas de violência, todos afirmaram ter cogitado fazer justiça com as próprias mãos (Fernandes, 2009).

Ora bem, a inclinação para fazer justiça com as próprias mãos sinaliza, por um lado, uma tendência para a quebra dos vínculos de solidariedade e confiança, os quais são substituídos por uma dinâmica de hostilização e incertezas, e, por outro, uma tendência para o recuo das estruturas de normalização e regulação da vida em sociedade, com tudo o que isso representa de perigoso para o equilíbrio, uma vez que, como observado por Levisky (1997), "a estabilidade necessária para que se encontrem meios de convivência social que regem o bem-estar comum está ameaçada". Pelos dados do referido estudo infere-se que a delinquência juvenil é um facto indesmentível em Cabo Verde. No entanto, longe de traduzir uma espécie de disfunção do indivíduo, esse problema social expõe um quadro complexo e dual, no âmbito do qual o jovem violento é ele mesmo vítima de violência, seja ela simbólica ou real. Portanto, importa discutir como o delito é produzido no contexto económico, social e cultural e como ele se apresenta no imaginário da sociedade.

Em Cabo Verde, os atuais modelos de interação revelam-se pontuados pela violência, condicionando a vida em sociedade e criando condições para o alastramento de delitos. Num cenário onde, como observado por Bauman (2008) a densidade física da população não é acompanhada da densidade moral da mesma, a vida deixa de correr sob o signo do bem comum, tornando inócuos os princípios de boa-vizinhança, de cooperação, solidariedade e de reversibilidade de perspetivas. Ao formular a densidade moral, vai ter a oportunidade de medir, por um lado, o grau de coerência de uma representação coletiva e, por outro, o grau de adesão que ela provoca junto dos sujeitos sociais.

Durkhein (1902-1903/1973), já afirmava que o enfraquecimento da densidade moral acarreta consequência nefasta para a sociedade e é responsável pela emergência de diversas patologias, em anomia. Para este mesmo autor, a anomia designa, em sentido lato, a desafeição ou a falta de adesão aos valores, enquanto, no plano das representações, significa a desagregação dos valores e a ausência de referências e, no das relações humanas, remete para a desagregação das relações sociais. Num ambiente desses, cresce o número de crianças e jovens expostos a modelos de comportamento violento, compondo um circuito que tende a reproduzir e reforçar os atos agressivos.

Nesta base poder-se-ia assegurar que o ato inflacional dos jovens traduzse em conflitos concretos no seio da sociedade, expondo a dinâmica de pulverização de significados partilhados, de entrelaçamento de trajetórias múltiplas, desprovidas de elos e marcadas pela individualização, permissividade e hedonismo. Os jovens em conflito com a lei ou em condições de vulnerabilidade são, via de regra, vítimas de uma dinâmica de frustração e violência tanto familiar quanto social. Trata-se de uma situação que se reveste de particular gravidade, dada a capacidade de retroalimentação e automanutenção desses atributos tipificadores da exclusão e marginalização. Em suma, a delinquência juvenil incluise num complexo puzzle societário, construído a partir do tripé família, Estado e indivíduo, sendo uma espécie de efeito cascata das crises, tensões, desencontros e ambivalências que vêm atingindo e descaracterizando esses atores, em suas identidades, suas expectativas e suas esferas específicas de competências.

A conflitualidade dos jovens com a lei expõe um sujeito que é, ao mesmo tempo, vítima. Dificilmente se consegue delimitar com clareza quando se opera a transição de um para o outro lado. Normalmente, a sociedade em geral tende a destacar o vilão e os ativistas, militantes e intelectuais da vítima. O que importa neste caso é uma análise desapaixonada, realista e exaustiva, discutindo sobre como o delito é construído no contexto económico, social e cultural e como ele se apresenta no imaginário coletivo. Nesta base, a discussão sobre a delinquência remete-nos necessariamente para a subcultura da violência e constitui um dos fatores predisponentes do encaminhamento dos jovens para o submundo do crime.

Na perspetiva de Formiga (2002, 2003, 2012), as condutas antissociais não expressam delitos mas comportamentos que desafiam a ordem social e infligem normas sociais (por exemplo, jogar lixo no chão mesmo quando há perto um cesto de lixo, tocar a campainha na casa de alguém e sair correndo). Por seu turno, a conduta delitiva ou delinquente pode ser concebida como merecedora de punição, dado que é capaz de causar danos sociais graves maiores e/ou físicos. As condutas delitivas incorporam comportamentos que estão fora da lei, caracterizando uma infração ou uma conduta faltosa e prejudicial para alguém ou mesmo para a sociedade como um todo. Tais condutas podem ser consideradas mais severas que as anteriores, representando uma ameaça eminente à ordem social vigente. Na verdade o que as condutas antissociais têm em comum é que ambas interferem nos direitos e deveres das pessoas, ameaçando o seu bemestar, não obstante, também as condutas antissociais podem ser diferenciadas em função da gravidade das consequências provenientes.

No entanto, pouco se sabe sobre a relação destes tipos de conduta com variáveis externas como, por exemplo, os valores humanos, a identificação ou o apego com pessoas que ocupam papéis tradicionais dentro da sociedade. Neste âmbito, destaca-se o estudo de Formiga (2013) que aborda a anomia na explicação dos comportamentos antissociais e delitivos. O autor conclui a necessidade de aumentar a consciência colectiva (e não apenas a autoestima), no sentido de potenciar o sentimento de inclusão e compromisso social e, assim, contribuir para a inibição de comportamentos antissociais ou delitivos.

Uma perspetiva alternativa para explicar as condutas antissociais e a delinquência está centrada nos fatores socioeconômicos. Segundo Wright, Cullen e Miller (2001), as condutas antissociais e a delinquência não dizem respeito apenas à estrutura social mas também aos défices educativos e intelectuais, bem como à incapacidade de apresentar habilidades sociais e de solução de problemas - cognitivos e comportamentais. Tais jovens necessitariam de uma reeducação social, como indicava Espinosa (2000). De acordo com Sankey e Huon (1999), a conduta antissocial pode ser explicada a partir de múltiplos fatores, tais como as experiências negativas vividas na escola (práticas de sala de aula, interação com os pares, avaliação e desenvolvimento escolar, etc.), as habilidades sociais do jovem e a qualidade de vida da sua família.

De acordo com Frías e outros (2000), as explicações no que diz respeito aos comportamentos delinquentes são bem mais complexas, sendo necessário considerar também fatores de ordem biológica, social, contextual e de personalidade. Segundo os autores supracitados, tais fatores são determinantes destas condutas, provavelmente mantendo um padrão de interação complexa, o que gira à volta do modelo ecológico da delinquência. De forma geral, não se trata aqui de identificar determinadas situações como "anomalias" e de encontrar soluções o mais rápido possível, visto que tanto estes comportamentos como outros são frequentemente apresentados pelos jovens, podendo, em certa medida, ser considerados como normais ou algo esperado considerando a sua fase desenvolvimental. Neste, o principal objetivo trata-se de avaliar a forma como a cidade da Praia, em Cabo Vede, estar (des)organizada urbanisticamente e suas subsequentes transformações sociais como influenciadores da transgressão e a delinquência nos jovens.

 

Metodologia

Em função da amplitude e variedade dos objetivos que orientaram este estudo, considerou-se pertinente a utilização de um desenho de investigação de cariz qualitativo. Para o efeito, escolhemos a técnica de entrevista como instrumento de trabalho. Privilegiámos a entrevista porque o "eu" da comunicação não é meramente linguístico, mas essencialmente social. Ou seja, através da palavra expressa, do ponto de vista das aspirações, das expectativas e dos sentimentos do grupo de pertença.

Participantes

O grupo de participantes foi constituído por jovens sinalizados com o apoio dos serviços da Direção Geral dos Assuntos Penitenciários e de Reinserção Social e do Instituto Cabo-verdiano de Crianças e Adolescentes de Cabo Verde. A seleção da amostra foi feita através de uma proposta por nós apresentada às instituições responsáveis a qual consistia em identificar jovens sinalizados com medidas de internamento em centros socioeducativos e jovens reclusos a cumprir pena de prisão. A escolha desse grupo foi feita aleatoriamente.

Este estudo englobou sujeitos de dois grupos:

Grupo 1 (jovens sinalizados) - 10 jovens, de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 13 e os 16 anos;

Grupo 2 (jovens reclusos) - 10 jovens de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 17 e os 21 anos.

Assim, a média de idade dos participantes é de 17,3 (DP = 17,5, Min. = 13; Max.=21).

Os dados do relato revelam que 50% dos jovens entrevistados, embora estejam sob termo de internamento nos centros de proteção social, nunca cometeram crimes graves supostamente abordados pela polícia, enquanto 30,0% confessa ter cometido crimes graves, estando a cumprir pena de prisão de 3 a 6 anos. Ainda segundo os dados recolhidos, 50% dos jovens que sabem ler e escrever consomem álcool desde os 11 anos de idade; 22% dos que têm ensino primário usam drogas leves e os que conseguiram chegar ao 12º ano já consomem álcool e drogas leves, especialmente nas escolas. Apenas 17% daqueles que sabem ler e11% dos que concluíram o ensino primário revelaram que, apesar de terem cometido atos considerados anti-sociais, nunca consumiram álcool. (cf., tabela 1).

 

 

Instrumentos

O guião de entrevista utlizado está cogitado para responder a 5 temáticas a saber: (1) Questões sobre comportamentos desviantes; (2) Questões gerais sobre atos de vandalismo; (3) Questões gerais sobre infrações contra a propriedade (4) Questões gerais sobre comportamentos violentos e (5) Questões gerais sobre álcool e droga. Em relação às questões sobre comportamentos desviantes dentro e fora da sala de aula, quisemos saber comportamentos ilegais que os jovens fazem na rua; nas questões referentes a atos de vandalismo quisemos saber a perceção dos jovens sobre as danificações que normalmente aparecem nas ruas, praças/pracetas, cemitérios, entre outros; nas questões sobre infrações contra propriedade, quisemos saber dos roubos praticados a nível das propriedades e assaltos a pessoas na rua; quanto às questões relativas a comportamentos tabela 1). violentos, quisemos saber os atos praticados a pessoas na rua, como: fazer ameaças, andar armado na rua, envolvimento em lutas e desordens em grupo, agressão a pessoas desconhecidas, ferimentos etc.; quanto às questões sobre o uso de drogas, bebidas alcoólicas e suas consequências.

Procurámos, também, saber qual era o grau de envolvimento e a motivação dos pais no processo educativo dos jovens. Abordámos a família, porque desejávamos saber o tipo de relacionamento que os jovens com ela mantinham, o seu grau de afinidade, identificação e proximidade. Procurámos, ainda, averiguar se a delinquência era uma prática corrente na família, o que poderia ter contaminado o comportamento destes jovens. Ao tratarmos a delinquência, indagámos os jovens sobre as suas motivações, atitudes, sentimentos face à prática delinquente e se os espaços habitacionais e de acesso à informação constituíam fatores para a prática de violência e delinquência juvenis.

Procedimentos

Começamos por estudar os artigos científicos e relatórios técnicos produzidos em Cabo Verde, nomeadamente, estudos sobre questões de violência nos bairros periféricos, delinquência juvenil e jovens em conflito com a lei, no sentido de se conhecer os contextos em que os atos ocorreram. Efetuámos levantamentos e lançamento de dados estatísticos recorrendo ao Manual de análise de dados quantitativos com recurso ao IBM* SPSS*: saber decidir, fazer, interpretar e redigir (Martins, 2011) e reunimos com investigadores, dirigentes e técnicos de serviços ligados às questões de Infância e Juventude, em Cabo Verde.

Para obter informações relativas aos processos tutelares, nomeadamente a sua duração e a concretização de mobilizadores, realizámos consultas documentais junto dos serviços da Direção Geral dos Assuntos Penitenciários e Reinserção Social de Cabo Verde e nas bibliotecas do Instituto Superior da Maia, Universidade do Porto e da Universidade do Minho, em Portugal. Para a realização das entrevistas foram contactadas, antes, diversas instituições em Cabo Verde. Foi solicitada a colaboração de representantes de seis instituições que, de forma mais ou menos sistemática, trabalham diretamente ou objetivam vir a atuar junto dos jovens com comportamentos delinquentes designadamente, associações que intervêm junto das comunidades, Diretores de Escolas Secundárias, Centros de Saúde e Forças Policiais, Serviços de Reinserção Social, Procuradoria da Comarca da Praia e Direção da Polícia Nacional.

Assim, após o contacto prévio com os entrevistados, aos quais se deu a conhecer os propósitos do trabalho, realizaram-se as entrevistas com o Diretor e os técnicos do Gabinete da Direção Geral dos Serviços Penitenciários e Reinserção Social, Diretor Nacional da Polícia Judiciária e Procurador de Menores da Comarca da Praia, tutelado pelo Ministério da Justiça, Coordenadora do Centro Social de Lém Cachorro, tutelado pelo ICCA – Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente. De 2005 a 2010, o centro de Lém Cachorro atendeu um número de 129 crianças e adolescentes dos 7 aos 18 anos de idade. A lista atualizada é de 80 crianças e adolescentes sendo 61 rapazes e 19 meninas de 15 bairros periféricos da Cidade da Praia.

O Centro do ICCA tem por vocação assegurar a educação, o ensino, a formação, o desenvolvimento integral da criança e do adolescente em risco de exclusão social, incluindo a sua reabilitação, formação profissional e posterior integração sócio profissional. Neste contexto é sempre referido: (a) os objetivos do trabalho de investigação; (b) contexto de pesquisa, (c) as principais temáticas a serem abordadas.

 

Resultados e discussão

Analisados todos os elementos recolhidos poderemos extrair algumas ilustrações genéricas, que, dado o caráter meramente exploratório deste estudo, serão, necessariamente reflexões para um futuro aprofundamento do estudo e intervenções sociais:

Os relatos indicam a precariedade socioeconómica e a ausência/insuficiência de supervisão familiar, levando os jovens ao afastamento efetivo de casa a sobreviverem na rua. Os comportamentos antissociais relatados incluem uma diversidade de atividades associadas ao fenómeno da delinquência: furtos, agressão física e psicológica e vandalismo, associando-se a transgressões ou violações de normas sociais. Muitos destes comportamentos envolvem igualmente uma ação contra o ambiente, incluindo pessoas e bens (Kazdin, 1996).

Os discursos dos jovens revelam fatores de risco referenciados na literatura, tais como: desigualdade social, a ausência do controlo parental, falta de emprego, ausência de espaços para prática de atividades culturais e desportivas, entre outras razões pela qual entraram na vida delinquente.

Oriundos, na sua maioria, de bairros problemáticos considerados zonas de risco, com histórias de vida associadas à pobreza, exclusão social e marginalização, os jovens entrevistados sentem-se afastados do ambiente na comunidade onde nasceram e viveram.

A pobreza em que vivem tende a limitar-lhes as oportunidades e as perspetivas de futuro, não sendo de estranhar que, para muitos, a sua própria ausência ou, diversamente, a esperança no futuro passe pela delinquência e criminalidade que surgem a competir diretamente a própria convivência em que são expostos.

De igual modo salienta-se uma preocupação especial que tem a ver com o desenvolvimento sustentável dos seus bairros o que, desde logo, remete para uma reflexão sobre importantes questões da problemática de urbanização e (in)segurança nos principais bairros da cidade da Praia. É cada vez mais urgente que sejam encontradas soluções que devolvam a tranquilidade, segurança e esperança de vida nesses bairros.

Em relação à família, denota-se a existência de um número significativo de jovens que pertencem a família cuja desestruturação está relacionada com a emigração do pai e/ou da mãe para países estrangeiros, sobretudo para Portugal e França. Percebeu-se ainda que havia uma certa familiaridade dos pais dos entrevistados com problemas de álcool, uso de drogas, violência familiar, a prática de crimes por membros da família e falta de controlo parental.

É de referir que os jovens relatam, apesar da adversidade, aspetos positivos: a prática de atividades de lazer e desportivas para ocupação dos tempos livres e o trabalho como forma de estratégia para o desenvolvimento de competências sociais.

Ainda segundo os dados recolhidos, 50% dos jovens já experimentaram álcool desde os 11 anos de idade; 22% usam drogas leves e os que conseguiram chegar ao 12º ano já os consomem, especialmente nas escolas. Apenas 17% daqueles revelam que, apesar de terem cometido atos considerados anti-sociais, nunca consumiram álcool. (cf., gráfico 4).

 

 

As dificuldades na eficácia dos controles pessoais e na supervisão exercida pelos pais, sobre as crianças e jovens, designadamente em grupos socioeconómicos desvalidos, são legitimados pelo enfraquecimento da conformidade social (Formiga, 2005; Formiga, 2009). De facto, a pesquisa demonstra haver uma prevalência do delito juvenil nas classes sociais mais baixas (Pais, 1996). Na mesma linha, Costa (1999) justifica o aparecimento da delinquência, em maior número, entre populações desfavorecidas e etnicamente minoritárias, como resultado do enfraquecimento institucional, dos fatores tradicionais de socialização. Ventura, (1999) vai ao ponto de afirmar que os jovens oriundos de meios socioculturais desprotegidos aumentam a aderência a formas e modelos de comportamento criminal. Segundo Rutter (1994), a pobreza não parece mediar o risco psicopatológico, contudo, tem alguma influência sobre os comportamentos desviantes na medida em que frustra o exercício das funções paternas e aumenta as adversidades na família.

Uma outra questão bastante comentada nos relatos e que contribuiu para a discussão deste trabalho foi a do contexto, quer a nível do ambiente escolar, quer a nível da comunidade envolvente. Mais uma vez se verifica a sobrestimação do consumo, agora a nível do contexto escolar. O fator apontado como determinante do consumo de substâncias, em especial do consumo de tabaco, e a questão que mais se destacou foi a ausência de supervisão em relação a não funcionalidade da regra. Os fatores relacionados com a personalidade constituíram, também, importantes fatores de proteção a nível dos individuais. A maturidade constitui o aspeto mais frequentemente referido nos relatos dos jovens e o único fator que foi apontado como protetor para os vários comportamentos em estudo. Também o sentido de responsabilidade, a determinação e o desafio podem funcionar como fatores de proteção para o consumo de substâncias e, consequentemente, para evitar comportamentos desviantes. A nível comportamental foram avançados, de entre outros, dois fatores essenciais: a prática de atividades de lazer e desportivas para ocupação dos tempos livres e o trabalho como forma de estratégia para o desenvolvimento de competências sociais.

 

Conclusão e reflexões

A conclusão deste trabalho requer fazer uma retrospetiva do início do mesmo, uma vez que o contexto em que a cidade da Praia está (des)organizado e os problemas relacionadas com a questão urbanística, o risco e a delinquência juvenil não foram escolhidos ao acaso. Estes elementos constituem noções fundamentais para uma aproximação a aspetos compreensivos do comportamento transgressivo, num sentido lato.

Dos resultados globalmente considerados, conclui-se que a precariedade socioeconómica, a desorganização das estruturas sociais e a desestruturação familiar estão presentes em todos os relatos, potenciando a vulnerabilidade dos jovens a práticas violentas e criminais.

Há que considerar a dimensão espacial e urbanística: repensar a forma como a cidade da Praia está (des)organizada, concorrendo para a precariedade socioeconómica e para a desorganização das estruturas sociais e familiares que potenciam a violência e a delinquência juvenil.

Nesta matéria, em Cabo Verde, a chamada delinquência juvenil ocorre dentro de um quadro familiar e societário concreto que não se pode dissociar da dimensão urbanística. Os participantes do estudo espelham esta interligação: disfuncionalidade associada à idade, desorganização urbanística, vulnerabilidade socioeconómica, exclusão, estigmatização e grupos organizados denominados de Thugs.

Relativamente aos menores e adolescentes que praticam atos transgressivos, constata-se, ao longo deste período, um acentuado predomínio dos crimes contra a propriedade, que ronda os 50% de toda a criminalidade juvenil em Cabo Verde (Fernandes, 2009). Estes crimes de furto são, em regra, de pequeno valor, normalmente praticados sob ameaças e ataques à integridade física das pessoas na rua, em qualquer momento do dia e da noite.

Os delitos mais acentuados estão relacionados com crimes contra a propriedade, homicídios e agressões físicas, com os jovens a representarem mais de 50% de toda a criminalidade juvenil na cidade da Praia.

As explicações motivadoras dos comportamentos muitas vezes violentos e, em particular, da violência em grupo organizado, têm-se revelado redutoras. O clima de frustração e privação vividos em casa, a falta de novas alternativas de sociabilidade constituem riscos de facilitação da delinquência.

Por fim, ao longo deste trabalho, aponta-se em direção de que a adolescência, com base nestes resultados, é um momento de mudanças, de descobertas, de incertezas e de desafios, e como tal, sugere uma fase de busca de novidades e riscos (Formiga, 2008). Assim, apesar de muitos jovens ultrapassarem esta etapa sem problemas, outros têm mais dificuldades. Registase a falta de investimentos em estudos empíricos centrados nas caraterísticas inerentes a uma vulnerabilidade superior das crianças e dos adolescentes ao impacto da violência, bem como, a partir desses levantamentos, proposta de programas de intervenção psicossocial.

Destaca-se, também, a necessidade de uma aposta forte em programas de requalificação urbana sobretudo nas zonas periféricas de difícil acesso, nos planos de prevenção e reabilitação direcionados para as causas da violência e que requerem uma abordagem coordenada e participativa entre várias instituições (governamentais, não-governamentais, associações politicas e comunitárias,religiosas, familiares, etc.), direcionadas para os jovens com vista a sua reabilitação/reintegração na sociedade, como, por exemplo, o acesso à formação profissional, ao emprego, e, ainda a identificação e implementação de projetos de capacitação de instituições que lidam com questões relativas às crianças e à juventude.

 

AGRADECIMENTOS:

À Direção Nacional da Polícia Nacional, queremos agradecer o acesso à informação estatística disponível e a sempre pronta resposta a todas as nossas solicitações e insistentes pedidos de esclarecimentos, em especial ao responsável dos serviços de estatística. Aos professores (as), Doutor Nilton Formiga, Doutora Judite Nascimento, Doutora Sofia Neves, Doutor Randolph Grace, Doutora Joana Arantes Silva, sempre dispostos a ajudar e a dar dicas para o nosso trabalho.

 

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Recebido: 30/10/2013 / Corrigido: 05/02/2014 / Enviado ao Parecerista: 20/02/2014 / Aceito: 31/03/2014.

 

 

1 Trabalho executado ao abrigo da Bolsa de Doutoramento P- 120161 (CV) concedida ao primeiro autor
2 Centro de Investigação e Psicologia, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Email: jorge.dias@adm.unicv.edu.cv; correspondencia: Uni-CV-Universidade de Cabo Verde, CP 379- C, Praça António Loreno - Cidade da Praia. República de Cabo Verde.
3 Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057. E-mail: rabrunhosa@psi.uminho.pt , Portugal.
4 Doutor em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Professor do curso de Psicologia na Faculdade Mauricio de Nassau – JP. João Pessoa – PB, Brasil. E-mail: nsformiga@yahoo.com.

 

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