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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.34 no.86 São Paulo  2014

 

Resenhas de livros

 

 

Miguel Mahfoud (2012). Experiência Elementar em Psicologia – aprendendo a reconhecer. Brasília: Universa; Belo Horizonte: ArteSã. 247 p.

 

Cleusa Sakamato1

 

 

O livro do Prof. Dr. Miguel Mahfoud do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, intitulado "Experiência Elementar em Psicologia – aprendendo a reconhecer" é uma obra que reúne os conceitos fundamentais da antropologia de Luigi Giussani, que vem sendo difundida em vários países e inúmeras áreas do conhecimento: da Física à Bioética.

A obra conta com o Prefácio do Prof. Dr. Mauro Martins Amatuzzi da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, que chama a atenção para a aplicação das idéias de Giussani em diversos contextos, inclusive para o da Psicologia e sua prática de assistência em saúde. Menciona Amatuzzi, que a abordagem de Giussani possibilita aprofundar "o que é humano" e a "realidade" ultrapassando as fronteiras das "possibilidades humanas" que podem permanecer "obscurecidas", não fosse seu envolvimento teológico com a experiência da vida.

O livro possui uma brilhante Apresentação, do Prof. Dr. Giancarlo Petrini da Universidade Católica de Salvador, que faz afirmações contundentes sobre as contribuições do estudo da Experiência Elementar para a "dimensão teórica" e a "prática clínica" em Psicologia, quando propõe oferecer ao paciente "o conhecimento dos dinamismos mais profundos de sua consciência" lhe permitindo "compreender as raízes de seu mal-estar" e se tornar o "protagonista de sua vida.

O autor apresenta uma Introdução seguida de seis capítulos e uma Conclusão, em que desenvolve uma discussão exaustiva sobre a definição de Experiência Elementar, suas bases existenciais estruturantes na construção da pessoa e as implicações para o sentido do viver em que afetividade, liberdade, autonomia, intercambio social, memória, reciprocidade e criatividade são fatores nucleares.

Na Introdução destaca o conceito de Experiência Elementar como aquela que reflete a singularidade da pessoa e permite que sejam reconhecidas suas "exigências fundamentais" de felicidade, verdade, justiça, liberdade, amar e ser amada, auto-realização, por exemplo. Experiência Elementar designa um "ímpeto original" que está na base do gesto e ação significativa, portanto amplia a definição de "experiência" utilizada na Psicologia, afirma o autor.

Os capítulos do livro, segundo elucida seu autor, seguem a metodologia de Giussani e abordam os conceitos de "realismo", "razoalidade" e "moralidade" e discutem as relações da Experiência Elementar com a construção do significado de "pessoalidade", da busca do sentido de liberdade, da importância, da memória e da história, da comunicação e reciprocidade, que se opõem ao esvaziamento do sentido de viver e a solidão.

O capítulo I aborda a "pessoalidade", isto é, a configuração do Eu ou seu resgate, com base na Experiência Elementar que se dá no real, mediante as exigências fundamentais de cada um. Inúmeros casos clínicos são retratados pelo autor em que são discutidas as exigências presentes e a Experiência dada. Relatos de sofrimento em que o autor menciona a percepção das pressões existenciais e conscientização das possibilidades de enfrentamento e conhecimento de si, de reconhecimento do que é próprio e humano.

O capítulo II aborda a identificação das exigências fundamentais, a importância de aprender a reconhecer a Experiência Elementar. Ressalta o valor da afetividade que em geral é desconsiderada em detrimento da razão, ou do que é destacado sem reflexão de seu significado, e aborda a relevância do encontro com a realidade. O autor explica que é a abertura à realidade que indica o significado da Experiência, a partir da "totalidade de fatores" – o conjunto de elementos subjetivos e intersubjetivos que participam da situação vivida pela pessoa. Aos fatores da história pessoal implicados na situação vivida, Giussani designa "indícios" e refere que quanto maior o autoconhecimento, mais acesso ao reconhecimento dispõe esta pessoa.

O capítulo III aborda a moralidade que é definida por Giussani como "atitude diante de um problema", o que implica discutir a "unidade da pessoa" que consiste na associação entre sentimento e razão; o autor menciona que para reconhecer "o que somos, o que o ser humano é", não basta levar em conta o que sentimos, é necessário incluir também, o modo com que lidamos com aquilo que sentimos. Moralidade é "adesão à verdade" e tem íntima relação com a autenticidade e a liberdade, discorre o autor; sendo assim, "A atitude de moralidade nasce espontaneamente: simplesmente reconhecemos algo de verdadeiro diante de nós".

O capitulo IV aborda o desumano, aquilo que representam "atitudes não razoáveis diante de questões fundamentais", entendendo como "não razoável" o que impede a percepção do "horizonte de totalidade" e que "interrompe o dinamismo próprio do humano". São elas: o "esvaziamento da pergunta" ou "negação teórica" que consiste em afirmar a impossibilidade de responder, a "substituição voluntarista" da pergunta em que a vontade desvia-se do essencial, a ausência de liberdade que impede a originalidade do ser e sua singularidade, a falta de esperança e a alienação que descaracteriza o viver no presente com seu significado.

O capítulo V dá continuidade ao entendimento da Experiência Elementar discorrendo sobre as consequências da ruptura do dinamismo inerente ao ser humano: a perda de conexão com o passado, a incomunicabilidade e a solidão. A memória é "guardiã da experiência", menciona o autor, seja em "função do passado" seja como perspectiva para o futuro, na medida em que atribui significado ao gesto e à presença da pessoa ou do outro; a comunicação e o relacionamento em contraste com a solidão são os fatores que complementam a discussão da busca do sentido da Experiência.

O capitulo VI apresenta uma espécie de coroamento às ideias acerca da Experiência Elementar em que Mahfoud aborda a autonomia, o sentimento do amor, a reciprocidade e a criatividade.

A Conclusão retoma de modo sintético, o objetivo da obra: trazer à discussão a antropologia de Giussani e sua reflexão para a Psicologia sobre a Experiência Elementar. Conclui o autor que a "experiência – de dor ou de realização – contém em si uma exigência inegociável (...) de verdade, de justiça, de beleza, de amor, de realização".

O livro remete o leitor a muitas indagações acerca do que é fundamental no viver humano e abre caminho a reflexões sobre o que é de fato significativo. Aborda fatores centrais como a liberdade e a reciprocidade no relacionamento interpessoal, que sem dúvida conferem destaque às bases de estruturação da pessoa e do sentido de suas ações e das ações do outro no transcurso do viver humano. Miguel Mahfoud, com extrema sensibilidade e aguda argumentação, oferece uma obra original que enriquece o olhar do psicólogo e a prática em Psicologia. Trata-se de um livro que estimula um novo entendimento sobre velhas questões da humanidade, muito bem vindo, a este cenário de início de século, em que o ser humano parece estar distanciado de sua natureza afetiva essencial e de sua necessidade de buscar um sentido para sua vida.

Recebido: 05/03/2014 / Aceito: 15/04/2014.

 

 

1 Psicóloga Clínica, Professora Dra. da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação - FAPCOM, Pesquisadora colaboradora do Núcleo de Estudos de História Social das Cidades da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - NEHSC-PUCSP

 

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