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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.34 no.87 São Paulo Dec. 2014

 

Teorias, Pesquisas e Estudos de Casos

 

 

Nível de estresse e principais estressores do motorista de transporte coletivo

 

Public transportation driver's level of stress and main stressors

 

Nivel de estrés y principales factores estresantes en los conductores de transporte público

 

 

Franciele de Fraga Martins1,; Regina Maria Fernandes Lopes2; Marianne Farina3

Univ. Luterana do Brasil

Pontifícia Universidade Católica, RJ

 

 


RESUMO

Atualmente, o mercado de trabalho está com os olhos mais voltados na produtividade e na busca da satisfação do cliente, deixando, algumas vezes, de preocuparse com a saúde mental do trabalhador. Dentro disso, está presente o estresse, que é o resultado da interação entre sujeito e ambiente, e os efeitos negativos surgem quando o sujeito não possui mais recursos de adaptação. O desgaste gera desconforto, cansaço, diminuição do ritmo de vida e da capacidade de manter o equilíbrio das atividades diárias, podendo ocasionar problemas de saúde e nos relacionamentos pessoais. Assim, a satisfação no trabalho tem despertado interesse no campo das pesquisas devido às consequências organizacionais no que se refere ao comportamento do sujeito trabalhador, seu desempenho, afastamentos e estresse ocupacional. Este artigo tem como objetivo avaliar o nível de estresse e identificar os principais estressores do motorista de transporte coletivo. Participam do estudo 80 motoristas de uma empresa localizada na região metropolitana de uma capital do estado do sul do Brasil. Para a coleta de dados foi utilizada a Escala dos Principais Estressores e o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp. Neste estudo, é encontrado um baixo índice de estresse quando comparado a outras pesquisas, que foi identificado em 27,5% dos motoristas estudados. Verifica-se que a maior parte da amostra encontra-se na fase de resistência e que há a prevalência de sintomas psicológicos. Nesta população, os estressores estão relacionados ao exercício da profissão, e às condições e organização do trabalho. Em função dos estressores não serem alterados, pode-se pensar que estes profissionais que apresentam sintomas de estresse, talvez não estejam utilizando as estratégias de coping adequadamente para enfrentar as situações do dia a dia no trabalho.

Palavras-Chave: estresse, motorista, transporte coletivo.


ABSTRACT

The labor market is highlighting the productivity and the search for client satisfaction recently, thus giving less attention to the employee's mental health, sometimes. In this context, the stress presents itself, which is the result of the interaction between subject and environment, and the negative effects occur when the subject has no adaptive resources left. The exhaustion generates discomfort, weariness, decrease in the life rhythm and capability of sustaining the daily activities' balance, which might result in health and relationship problems. Thus, the satisfaction at work has risen interest in the research field, for the organizational consequences about the subject's behavior at work, performance, absence and occupational stress. This article aims to assess the public transportation driver's level of stress and identify his main stressors. 80 drivers from a firm located at the metropolitan region of Porto Alegre participated of the study. The Escala dos Principais Estressores (Main Stressors Scale) and the Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (Lipp's Stress Symptoms' Inventory for Adults) were employed to collect the data. In this study, low stress levels were found when compared to other researches, which was found in 27.5% of the drivers. It was verified that the majority of the sample is at the resistance stage and there has been the prevalence of psychological symptoms in it. It is possible to think that these professionals who show stress symptoms might not be using the right coping strategies to face the daily job situations, for these stressors cannot be changed.

Keywords: stress, driver, public transportation.


RESUMEN

En la actualidad, el mercado de trabajo está más preocupado con la productividad y la búsqueda de la satisfacción de los clientes, dejando a veces por fuera la salud mental del trabajador. Junto con esto, el estrés está presente. Y es el resultado de la interacción entre el sujeto y el medio ambiente, y los efectos negativos surgen cuando el sujeto no tiene más recursos de adaptación. El desgaste crea malestar, cansancio, disminución del ritmo de vida y de la capacidad para mantener el equilibrio en las actividades diarias, puede causar problemas de salud y en las relaciones personales. Así, la satisfacción laboral ha despertado interés en el campo de la investigación debido a las consecuencias organizacionales con respecto a la conducta del sujeto en el trabajo, su rendimiento, permisos médicos y el estrés laboral. Este artículo tiene como objetivo evaluar el nivel de estrés e identificar los principales estresores presentes en los conductores de transporte público. Participaron en el estudio 80 conductores de una empresa ubicada en la zona metropolitana de la capital de un estado del sur de Brasil. Para recoger los datos es aplicada la Escala de los Principales Estresores y el Inventario de Síntomas de Estrés para Adultos de Lipp. En este estudio, encontramos un bajo nivel de estrés en comparación con otros centros de investigación, se identificó apenas en el 27,5% de los conductores. Se encontró que la mayor parte de la muestra está en fase de resistencia y con una permanencia de los síntomas psicológicos. En esta población, los estresores están relacionados a la profesión, las condiciones y la organización del trabajo. Dependiendo de estresores no cambian, pudiendose pensar que estos profesionales que muestran síntomas de estrés, tal vez no están utilizando las estrategias de coping adecuadas para hacer frente a situaciones de trabajo en el día a día.

Palabras-clave: estrés, conductor, transporte público.


 

 

Introdução

Atualmente, o mercado de trabalho está com os olhos mais voltados na produtividade e na busca da satisfação do cliente, deixando algumas vezes, de preocupar-se com a saúde mental do trabalhador. Neste contexto, o estresse encontra-se presente e está relacionado às mudanças e à capacidade adaptativa da pessoa, através do modo de lidar e significar às vivências e estímulos que geram estresse (Faro & Pereira, 2013).

Desta forma, deve-se buscar compreender os aspectos do trabalho e do processo de adoecimento psíquico do trabalhador, considerando a história pessoal e profissional e, sua situação atual, avaliar o histórico da pessoa para dimensionar o sofrimento (Borsoi, 2007). Ainda, nos últimos anos, com o aumento significativo do número de veículos em circulação, a atividade dos motoristas profissionais de dirigir, todo o dia se torna desgastante. Além das condições do trânsito e das vias, eles estão expostos a outras variáveis possíveis desencadeadoras do estresse, como: normas de fiscalização da empresa, condições do veículo, insegurança, entre outras.

 

Saúde Mental e Satisfação no Trabalho

Formalmente, a relação entre trabalho e saúde teve início na Europa no século XIX quando foi criada a Medicina do Trabalho, com a implantação dos serviços médicos nas empresas, objetivando o bom andamento do processo de trabalho. Nas décadas de 1990 e 2000, as repercussões psíquicas do trabalho, que até então não eram consideradas, ganham espaço (Seligman-Silva, Bernardo, Maeno & Kato, 2010).

A satisfação no trabalho se dá através da avaliação do sujeito sobre a sua atividade laboral ou das experiências de uma profissão, na qual considera suas expectativas e a atual situação no que refere a esta função. Esta temática tem despertado interesse no campo da pesquisa devido às consequências organizacionais, no que se refere ao comportamento do sujeito no trabalho, seu desempenho, afastamentos e estresse ocupacional (Guedes, 2009).

 

Estresse

O estresse é uma reação de fuga ou enfrentamento do organismo que visa sua proteção, com isso ocorrem alterações na freqüência cardíaca e respiratória, concentração de glicose no sangue e quantidade de energia armazenada, que devem voltar ao equilíbrio após desaparecer os estímulos. No trabalho, o estresse pode ocasionar doenças cardiovasculares, além de depressão e o absenteísmo (Macedo, Chor, Faerstein, Werneck, & Lopes, 2007).

O estudo realizado por Macedo e outros (2007) verificou que homens em atividades que demandam alta exigência, apresentam duas vezes maior prevalência da interrupção das suas atividades quando comparados aos que exercem funções com baixas exigências. Já na pesquisa de Sadir e Lipp (2009) verificaram que o alto nível de estresse pode ser explicado pela constante necessidade de adaptação a mudanças e ao ritmo de vida, e que as relações interpessoais são grande fonte de estresse no ambiente de trabalho, sendo que ele não afeta somente o corpo e a saúde mental, mas também a qualidade de vida tendo as suas consequências no trabalho, percebidas pela falta de produtividade, absenteísmo, dependência de fármacos e também a depressão (Sadir e outros, 2010).

 

O transporte coletivo e a realidade do trânsito

De acordo com uma pesquisa de análise do trânsito do ano de 2010, realizada com 2.068 motoristas de todas as categorias de habilitação, foi verificado que os entrevistados cometem pequenas imprudências no dia-a-dia e que se envolveram em acidentes por falta de atenção e sono. Em relação aos fatores que mais dificultam o trânsito, foi constatado: o congestionamento, a falta de educação, a imprudência do motorista, a falta de sinalização e fiscalização, o desrespeito à sinalização, a conservação das vias, a má formação do condutor, a falta de atenção do pedestre e as obras nas vias. Ainda foi verificado que a imprudência mais cometida é o uso do celular enquanto dirigem e o maior motivo de multas é o excesso de velocidade (Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul [Detran-RS], 2010).

A atividade do motorista de ônibus pode ser considerada desgastante, e o bom desempenho da função está relacionado aos fatores ambientais do local de trabalho e como enfrentam estes fatores. Estes profissionais possuem um ambiente público de trabalho, o que lhes deixam expostos a fatores climáticos, condições do trânsito e vias. Possuem um macro local de trabalho: o trânsito e o micro: o ônibus. Estão submetidos às normas da empresa com fiscalizações no que diz respeito ao cumprimento de horários, cuidados com o veículo, relacionamento com passageiros e responsabilidade sobre a vida de quem transporta. É uma profissão onde não se compartilham as decisões a tomar para executar o trabalho com segurança (Battiston, Cruz, & Hoffmann, 2006).

No estudo de Oliveira e Pinheiro (2007) participaram 457 motoristas do transporte coletivo de uma capital de um estado do nordeste brasileiro, e apontou que as situações indicadas como preocupantes pelos motoristas e que também podem estar associadas ao envolvimento com acidentes de trânsito são: dirigir atrasado; preocupações com sono que podem estar associadas a horas extras e problemas familiares, como brigas, dívidas, perdas materiais e morte. Já na revisão de literatura realizada por Oliveira e Vieira (2010) destaca que em diversas conferências mundiais foi constatado que os acidentes de trânsito estão diretamente ligados ao comportamento dos motoristas, tendo em vista o aumento do número de veículos e a forma como o motorista lida com isso, podem resultar comportamentos inadequados no trânsito e apontam como estressores: as exigências dos passageiros, o trânsito, as condições das vias, os acidentes, o número de paradas de desembarque de passageiros, as condições do veículo, a temperatura e a insegurança do motorista

A presente pesquisa teve como objetivo verificar o nível de estresse e os principais estressores do motorista de transporte coletivo, além de identificar os principais estressores e levantar os sintomas apresentados pelo motorista de transporte coletivo. Através deste conhecimento, possibilitará um melhor atendimento psicológico e promoção da qualidade de vida destes colaboradores (Oliveira & Pinheiro, 2007).

 

Método

Trata-se de um estudo quantitativo, de delineamento do tipo transversal. A pesquisa objetiva traduzir, em números, opiniões e informações para classificação e análise de dados coletados, e utiliza recursos e técnicas estatísticas (Silva & Menezes, 2001). A amostra foi de 80 motoristas de transporte coletivo de uma empresa localizada na região metropolitana da capital de um estado do Sul do país, que foram escolhidos por conveniência e aceitaram participar da pesquisa. Os instrumentos utilizados para coleta de dados foram:

a) Questionário sociodemográfico: para caracterização da amostra.

b) Escala dos Principais Estressores: escala em formato Likert onde as respostas recebem um valor numérico para que os participantes indiquem o grau de concordância ou discordância em relação ao critério avaliado (Baker, 2005 citado por Brandalise, 2005). O objetivo da escala é de identificar situações potencialmente estressantes enquanto se dirige o coletivo. As questões foram elaboradas a partir de entrevistas exploratórias com gerentes, psicólogos e motoristas de empresas de transporte público da capital de um Estado do Nordeste brasileiro, além de registros feitos durante a experiência da autora no setor e literatura da área (Oliveira & Pinheiro, 2007).

c) Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL): validado em 1994 por Lipp e Guevara, permite verificar se a pessoa manifesta estresse; em qual fase se encontra: alerta, resistência, quase-exaustão ou exaustão; com a prevalência de sintomas físicos ou psicológicos. O ISSL possui 37 itens de natureza somática e 19 de natureza psicológica, totalizando 53 sintomas divididos em três partes referentes às fases do estresse. Em cada uma das partes, o indivíduo deve assinalar os sintomas físicos ou psicológicos das últimas 24 horas, da última semana e do último mês (Lipp, 2005).

Nos procedimentos de coleta de dados, após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos e Animais da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, foram explicados aos participantes os objetivos da pesquisa e as garantias previstas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A aplicação dos questionários foi realizada em um encontro previamente agendado que ocorreu em uma sala reservada nas dependências da empresa com ambiente adequado para coleta de dados. O tempo médio utilizado para preenchimento dos instrumentos foi de 40 minutos.

Para a análise de dados, foi considerada diferença estatisticamente significativa quando p<0,05. Utilizou-se análise descritiva com frequência e percentual. Para a associação entre as características sociodemográficas e o stress foi utilizado o teste Qui-quadrado. Para a descrição dos estressores, optouse por um agrupamento das opções de resposta da Escala Likert dos Principais Estressores em duas categorias: 1) não preocupa e dificilmente preocupa e 2) algumas vezes preocupa e preocupa muito.

 

Resultados

Todos os participantes foram do sexo masculino, com idade média de 43 anos (DP=9), estando na faixa etária entre 25 e 35 anos (23,8%), 36 e 45 anos (36,2%) e com 46 anos ou mais (40%). Quanto ao estado civil, afirmam ser casados ou viver em união estável 83,8% e solteiros ou divorciados 16,2%. Em relação à escolaridade, possuem ensino fundamental 36,25%, ensino médio 61,25% e ensino superior 2,5%. No que refere ao tempo de exercício da profissão, exercem a atividade no período entre 0 e 5 anos (28,75%), 6 e 15 anos (37,5%) e há 16 anos ou mais (33,75%). Quanto ao tempo que trabalha na empresa atual, entre 0 e 5 anos (33,75%), 6 e 15 anos (42,5%) e há 16 anos ou mais (23,75%).

Os dados obtidos através do ISSL apontaram que a maior parte da amostra não manifestam sintomas de estresse, 72,5%. O estresse foi identificado em 27,5% da amostra, estando na fase de resistência 23,75% e na fase de exaustão 3,75% (Tabela 1).

 

 

Dentre os sujeitos com sintomas, prevalecem a os sintomas psicológicos em 18,75% e sintomas físicos em 8,75% Quanto aos sintomas apresentados por estes participantes, a partir dos dados levantados pelo ISSL, nas últimas 24 horas o sintoma com maior percentual foi tensão muscular (72,7%); para sintomas da última semana: sensação de desgaste físico constante (81,8%), cansaço constante (68,2%), irritabilidade excessiva (59,1%); e problemas com a memória e mal-estar generalizado sem causa específica (54,5%); como sintomas do último mês: perda do senso de humor (54,5%) e cansaço excessivo (50,0%).

Observa-se que o maior percentual de sintomatologia das últimas 24 horas e da última semana apresenta-se o mesmo tanto em sujeitos com e sem sintomas de estresse, que são: tensão muscular e sensação de desgaste físico constante. No que referente aos sintomas do último mês, também se encontram semelhanças: cansaço excessivo e perda do senso de humor estão entre os maiores índices, mas com a diferença de que sujeitos sem sintomas de estresse apresentam com maior índice de insônia (19,0%), o que não é observado como mais prevalente em sujeitos que possuem sintomas de estresse.

De acordo com a Escala dos Principais Estressores, dentre os 30 indicadores, as situações consideradas mais estressantes pelos motoristas que possuem sintomas de estresse foram: a segurança dos passageiros e motoqueiros (100%); motoristas de carros de passeio (95,5%); ciclistas (90,9%); congestionamento, assaltos, preocupação com a saúde e risco de acidentes (86,4%); embarque e desembarque de passageiros, cumprir horários e táxi-lotação (81,8%); faixa de pedestres (77,3%); idosos e defeitos no veículo que dirige (72,7%); van escolar, deficientes físicos, contas a pagar, sono e medo de cometer infrações (63,6%); medo de morrer durante a jornada de trabalho e problemas familiares (59,1%); medo de perder o emprego (54,5%). Ao comparar as pessoas que possuem sintomas de estresse aos que não possuem esta sintomatologia, percebe-se que os três fatores mais estressantes são os mesmos: a segurança dos passageiros, motoqueiros e motoristas de carros de passeio. Demonstram como menores estressores: preocupação com os fiscais da empresa, motoristas de ônibus concorrentes, problemas com chefia, motoristas da mesma empresa de trabalho, cobrador, reclamação de passageiros e "pardais". Percebe-se como diferença que motoristas com sintomas de estresse, apresentam como fator estressante o medo de perder o emprego, medo de morrer durante a jornada de trabalho e sono, fatores que não estão entre os índices mais elevados em motoristas que não possuem esta sintomatologia (Tabela 2).

 

 

Ao correlacionar os estressores dos motoristas, com estresse e com quem não possui este sintomas, observa-se diferença estatística, que nos mostra que quem não tem estresse dificilmente se preocupa com o cobrador, mas se preocupam muito com deficientes físicos (Tabela 3).

 

 

Não foi observada nenhuma significância estatística ao correlacionar os dados sociodemográficos. Quando observado o tempo de exercício de profissão, foi encontrado tendência estatística na categoria de 0 à 5 anos de profissão, ou seja, os sujeitos com menos tempo de profissão tem uma tendência a não apresentar estresse em comparação com aqueles que apresentam este sintomas (Tabela 4).

 

 

Discussão dos Resultados

Nesta pesquisa, o estresse foi identificado em 27,5% da amostra, sendo o menor índice dentre os de outros estudos pesquisados. Almeida (2010) avaliou 20 motoristas particulares, 20 taxistas e 20 motoristas de ônibus de Recife, e verificou que o maior índice de estresse da sua amostra estava entre os motoristas de ônibus, 36,9%. Já no estudo de Tavares (2010), onde participaram 136 motoristas do transporte coletivo de Uberlândia, Estado de Minas Gerais, apresentaram sintomatologia de estresse 34,3%. Já Matos (2010) com a amostra de 124 motoristas de ônibus do transporte coletivo da cidade Belo Horizonte e encontrou quadro de estresse 54,8% dos sujeitos.

Verificou-se no presente estudo que a maior parte da amostra encontra-se na fase de resistência, como também visto no trabalho de Tavares (2010) que utilizou o mesmo instrumento. Houve prevalência de sintomas psicológicos, como no estudo de Tavares (2010), segundo Aronsson e outros (citado por Tavares, 2010), isto pode estar associado à alta demanda psicológica deste profissional, que lhe exige muita atenção, interação social e pressão para cumprir horários. Já no estudo de Matos (2010) a maior parte da amostra apresentou tanto sintomas físicos quanto psicológicos e também encontraram na fase de resistência.

Para Edward e Cooper (1990) a função, responsabilidade, carreira são agentes que podem ser estressores no meio profissional. Sabe-se que o motorista de ônibus é aquele que conduz o veículo transportando os passageiros e os conduzindo no itinerário estabelecido, trabalha segundo as regras de trânsito, deve zelar pelo bom andamento da viagem, adotando medidas de prevenção ou solução de qualquer problema, garantindo a segurança dos passageiros, pedestres e outros veículos (CBO, 2002), o que os autores relatam sobre os principais estressores se confirmam nesta pesquisa, já que estes estão relacionados ao exercício da profissão, e às condições e organização do trabalho. Estando relacionado à profissão: a preocupação em manter a segurança dos passageiros, e deficientes físicos, o embarque e desembarque de passageiros e, cumprimento de horários. Para assegurar a segurança de quem transporta e dos demais pedestres e condutores, o motorista de transporte coletivo deve estar atento ao ambiente, o que envolve: os motoqueiros, motoristas de carros de passeio, ciclistas, o congestionamento, van escolar, táxi-lotação e faixa de pedestres. E às condições e organização do trabalho: sono, saúde, medo de perder o emprego, assaltos, o risco de acidentes, problemas com o veículo, medo de cometer infrações e morrer durante a jornada de trabalho. Além de fatores pessoais como: preocupação com contas a pagar e problemas familiares.

A preocupação com a saúde, o medo de cometer infrações e de perder o emprego foram verificadas como fatores estressantes nesta pesquisa, mas não foi observado em outro estudo dentre os pesquisados. Outros estudos confirmam os achados desta pesquisa como: a preocupação com o cumprir horários (Battiston e outros, 2006; Matos, 2010); a condição do veículo que dirige, o risco de acidentes, embarque e desembarque de passageiros e insegurança por risco de assaltos (Battiston e outros, 2006; Oliveira & Vieira, 2010); preocupações com o sono, problemas familiares, contas a pagar e o medo de morrer durante a jornada de trabalho (Oliveira & Pinheiro, 2007).

Entre os maiores estressores está o congestionamento, o que também foi encontrado como fator estressante em pesquisas de Battiston e outros (2006), Zanelato e Oliveira (2008), Oliveira e Vieira (2010), Matos (2010) e Tavares (2010). O congestionamento também foi verificado como sendo o fator que mais dificulta o trânsito conforme constatado na pesquisa de análise do trânsito do ano de 2010 (Detran-RS, 2010).

Como visto neste estudo, os principais estressores estão relacionados com a execução da função, no que refere ao relacionamento com chefias, fiscais, colegas da mesma empresa e de empresas de ônibus concorrentes, estes fatores obtiveram os menores índices na escala aplicada, isto verificado tanto nos profissionais com sintomas de estresse, quanto naqueles que não possuem esta sintomatologia, fator que não confere com outros estudos, como o de Sadir e Lipp (2009) e de Battiston e outros (2006) que perceberam que o alto nível de estresse pode ser explicado pelas necessidades de adaptações a mudanças e ao ritmo de vida, e que as relações interpessoais são grande fonte de estresse no trabalho.

Foi encontrada diferença estatística ao correlacionar os estressores entre quem tem estresse com quem não possui, que demonstra que quem não apresenta este sintoma, dificilmente se preocupam com o cobrador, mas se preocupam muito com deficientes físicos, fatores que não foram apontados em outros estudos dentre os pesquisados. Um fator que dividiu a opinião entre todos os sujeitos, com e sem sintomas de estresse, sendo tanto fator que preocupa, quanto como não preocupa, foi o dirigir atrasado. Este foi apontado como estressor em estudo de Oliveira e Pinheiro (2007). Sadir e Lipp (2009) constataram em seu estudo que sujeitos com nível de escolaridade menor apresentam maiores fontes de estresse, o que não foi percebido neste estudo, pois não foi encontrada significância estatística ao correlacionar a escolaridade dos sujeitos com sintomatologia de estresse.

Observa-se nesta pesquisa, que ao comparar os motoristas que possuem sintomatologia de estresse aos que não possuem, os fatores mais estressantes mostram serem os mesmos. Mesmo que a ocorrência de estresse não dependa somente do estressor, e sim de como o sujeito interpreta tal situação, além disto, é importante considerar as estratégias de coping, uma ação intencional, física ou mental frente ao evento estressor, dirigida por circunstâncias externas ou pelo estado interno (Tavares, 2010).

Assim, constata-se que os estressores destes profissionais são os mesmos, mas o fato de desencadear o quadro de estresse provavelmente está relacionado às estratégias de coping utilizadas pelos motoristas do transporte coletivo, ou seja, como estes reagem e administram estas situações.

Um fator importante a observar é a possível associação entre o tempo de exercício da profissão e os sintomas de estresse que neste estudo mostrou tendência estatística, o que nos leva a pensar que quanto maior o tempo de profissão, maior a probabilidade de desencadear o estresse. Matos (2010), em sua pesquisa com 124 motoristas de ônibus de transporte coletivo de Belo Horizonte, verificou que há mais sujeitos sem sintomas de estresse entre aqueles com até 15 meses de trabalho na função.

Em relação aos sintomas levantados partir do ISSL, foi apontado como principais sintomas entre os motoristas com e sem sintomas de estresse: tensão muscular e sensação de desgaste físico constante, os mesmos sintomas foram encontrados no estudo de Matos (2010) e Tavares (2010). Isto ocorre devido aos motoristas fazerem movimentos repetitivos de troca de marchas, com braços esticados e sem apoio, em posição desconfortável, possibilitando lesões musculares, o que muitas vezes implica em uso regular de medicação para musculatura em geral, Battiston e outros (2006). Em relação aos motoristas com sintomas de estresse, foi encontrado índice elevado para cansaço constante, como também visto no estudo de Tavares (2010). Além desses sintomas, neste estudo também foi verificado alto índice para: irritabilidade excessiva, problemas com a memória e mal-estar generalizado sem causa específica, perda do senso de humor e cansaço excessivo, que não foram citados em outros estudos dentre os pesquisados. Motoristas sem sintomatologia de estresse apresentaram alto índice para insônia, o que não foi observado entre os sujeitos com estresse, este sintoma foi prevalente no estudo de Tavares (2010) entre todos os sujeitos da pesquisa, independente desta sintomatologia.

 

Conclusão

O estresse tem despertado interesse em diversas áreas de estudo devido as consequências que este quadro ocasiona tanto na vida dos sujeitos quanto nas organizações e na sociedade em geral. Neste estudo foi encontrado um baixo índice de estresse quando comparado a outras pesquisas. Nesta população, os estressores estão relacionados ao exercício da profissão e às condições e organização do trabalho, sabendo que estes estressores não podem ser alterados, pode-se pensar que estes profissionais talvez não estejam utilizando as estratégias de coping adequadas para enfrentar estas situações do dia-a-dia de trabalho. Dentro disso, as estratégias de coping utilizadas pelos motoristas do transporte coletivo e a possível relação entre o tempo de exercício da profissão com sintomas de estresse devem ser melhores investigados em outros estudos.

Algumas limitações podem ser mencionadas nesta pesquisa, como: a amostra foi restrita a uma empresa e a um número reduzido de profissionais e, a carência de estudos a serem comparados no que refere ao índice de estresse do motorista do transporte coletivo. Além disso, a escala utilizada para verificar os principais estressores, por ser adaptada na região nordeste do Brasil, talvez não tenha abrangido todos os possíveis estressores que foram indicados em outros estudos, tais como: condições das vias, condições climáticas, exposição à ruídos e poluição, entre outros.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 24/07/2014 / Corrigido: 30/09/2014 / Aceito: 10/10/2014,

 

 

1 Psicóloga (ULBRA). Contato: Av. Ipiranga, 6681 – Porto Alegre/RS – Brasil CEP: 90619-900. Email: franciele.fmartins@gmail.com
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Psicóloga (PUCRS), Doutoranda em Psicologia (PUCRS). Contato: Av. Ipiranga, 6681 – Porto Alegre/RS – Brasil CEP: 90619-900. E-mail: regina@nucleomedicopsicologico.com.br
³ Psicóloga (PUCRS), Pós-Graduação em Terapia Sistêmica (INFAPA), Mestranda em Psicologia (PUCRS), Bolsista CNPq. Contato: Av. Ipiranga, 6681 – Porto Alegre/RS – Brasil CEP: 90619- 900. E-mail: mariannefarina@yahoo.com.br

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