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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.35 no.88 São Paulo jan. 2015

 

RESENHAS DE LIVROS

 

 

Angelini, A. L. (2014). Memória da Psicologia: textos produzidos na segunda metade do século XX. São Paulo: Vetor Editora.

 

 

José Fernando Bitencourt Lomônaco (Cad.26)1

Instituto de Psicologia da USP (IPUSP)

 

 

O Professor Doutor Arrigo Leonardo Angelini é, sem dúvida, um dos construtores da Psicologia no Brasil, mercê de seu profícuo trabalho ao longo de mais de cinquenta anos dedicados ao ensino, à pesquisa e à atuação profissional. Graduado em Pedagogia pela Universidade de São Paulo, em 1944, obtém posteriormente os títulos de Doutor, Livre-Docente e, finalmente, Catedrático da antiga Cadeira de Psicologia Educacional da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Teve intensa participação na campanha pela regulamentação da profissão de psicólogo, tendo sido o primeiro Presidente do Conselho Federal de Psicologia. Na reforma da USP, ocorrida em 1970, propôs a criação do Instituto de Psicologia e foi seu diretor durante três mandatos. Presidiu várias associações científicas e foi um dos fundadores da Academia Paulista de Psicologia onde ocupa a Cadeira nº.4 "Almeida Junior". Durante sua vida acadêmica foi Professor Visitante de universidades estrangeiras e é autor de mais de 95 trabalhos científicos entre livros e artigos em periódicos especializados. E é um pouco desta vasta experiência que o Prof. Arrigo relata nestas memórias da psicologia.

Os textos estão agrupados em seis áreas: História da Psicologia; Psicologia Educacional; Psicologia da Aprendizagem; Motivação Humana; Psicologia Intercultural; Orientação Educacional e Profissional.

A Parte I, referente à história da Psicologia, inicia-se pelo relato ou impressões de viagens feitas pelo Dr. Arrigo a universidades norte-americanas, em 1952. Tal relato é seguido por artigos que tratam de aspectos da profissão de psicólogo no Brasil e em 21 outros países. Também são consideradas, em dois trabalhos, tendências e evoluções da psicologia no Brasil no final do século XX. Esta parte do livro finalizada com a história da criação do Instituto de Psicologia da USP. Este conjunto de escritos revela a preocupação e a atuação do Dr. Arrigo no sentido de explicitar à comunidade acadêmica e aos demais interessados o significado da profissão de psicólogo, num momento em que tal atividade, ou não tinha reconhecimento legal, ou era ainda muito recente tal reconhecimento pelo poder público. Questões que, atualmente, nos parecem corriqueiras, certamente eram levantadas em relação a este novo profissional no mercado pelo público em geral: "O que é um psicólogo?"; "Qual o seu campo de atuação?" "O que ele pode e não pode fazer"; "Como ele se diferencia de um psiquiatra ou de um psicanalista"? Neste sentido, os textos do autor podem ter ajudado a diferenciar o profissional de Psicologia de outros profissionais afins nesses inícios da criação de um curso voltado exclusivamente para a formação do psicólogo. Um pouco desta luta pelo reconhecimento do papel e da importância da Psicologia no cenário brasileiro está descrita no último artigo desta parte, no qual o Dr. Arrigo relata as dificuldades encontradas no ambiente universitário para a criação do Instituto de Psicologia nesta universidade, resultado, a meu ver, das incompreensões e/ou da falta de conhecimento sobre a relevância da ciência psicológica na sociedade moderna.

As Partes II e III agrupam dez trabalhos referentes à Psicologia Educacional e Psicologia da Aprendizagem, respectivamente. Os três textos que compõem a Parte II dizem respeito ao sentido atual da Psicologia Educacional na década de 60 do século passado, à utilização da televisão educativa, então dando seus primeiros passos em nosso meio e às características do professor eficiente, assunto até hoje não esgotado na pesquisa educacional. Temas díspares enfeixados por uma preocupação comum com o processo ensino-aprendizagem, na linha da tradição de pesquisa da antiga Cadeira de Psicologia Educacional da então Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da USP, da qual o Dr. Arrigo foi catedrático até a criação do Instituto de Psicologia da mesma universidade.

Dos sete textos que compõem a Parte III, em cinco deles a aprendizagem verbal constituí a área de interesse. Na tradição dos estudos sobre retenção e esquecimento, originados do trabalho pioneiro do psicólogo alemão Hermann Ebbinghaus, realizados no século XIX, Dr. Arrigo concebe um conjunto de pesquisas destinadas a estudar a influência das variáveis, posição serial e similaridade, entre os itens sobre a aprendizagem verbal. São, sem dúvida, estudos pioneiros que antecipam a explosão de trabalhos das décadas seguintes, mormente na área do condicionamento verbal. Um curioso trabalho de pesquisa denominado Poderá o ácido glutâmico favorecer a aprendizagem da leitura e da escrita?, datado de 1955, encerra esta parte do livro e nos faz lembrar que, apesar de decorridos mais de 50 anos desta pesquisa pioneira, o assunto continua a ser objeto de interesse de pesquisadores contemporâneos.

Na Parte IV estão reunidos artigos sobre motivação humana. Este conjunto de trabalhos, não obstante o tempo em que foram escritos, não perderam a atualidade e ainda podem ser lidos com real proveito por todos aqueles interessados em aprofundar-se no estudo da motivação humana. Nos dois primeiros artigos o Dr. Arrigo preocupa-se em conceituar motivação e discutir a possibilidade de medila. Nos demais são abordadas questões relativas ao denominado motivo de realização, objeto de estudos e pesquisas do autor durante grande parte de sua vida acadêmica. Dr. Arrigo foi o responsável pela tradução e adaptação para o nosso meio de um procedimento para avaliar este motivo, proposto pelo psicólogo norte-americano David McClelland, na década de 40 do século passado, com o nome de need for achievement, e que pode ser definido como o motivo que leva o indivíduo à competição com um padrão de excelência. Em três artigos este motivo é conceituado e descrito o procedimento para avaliá-lo. O último trabalho desta parte é uma interessante pesquisa que investiga a relação entre o motivo de realização e o desenvolvimento econômico. Ainda que este método para avaliar a motivação humana, ou mais especificamente o motivo de realização, tenha sido desenvolvido na década de 50 do século passado, não há razões para afirmar que o método esteja superado e/ou que não possa ser ainda empregado em nossos dias. Na verdade, num mundo como o atual, caracterizado por intensa competitividade, a avaliação do motivo de realização pode ser um campo de estudos muito interessante e pertinente.

Na Parte V estão enfeixados cinco trabalhos sobre Psicologia Intercultural. Nas palavras do autor: "Com a pesquisa intercultural, a Psicologia adquire uma nova dimensão e suas conquistas devem ampliar o entendimento do comportamento humano. Como se sabe, o grupo social tem muita influência sobre o indivíduo, mudando até certo ponto, ou determinando seu comportamento. Sob a perspectiva de que o comportamento humano deve ser estudado e entendido à luz da comunidade em que o indivíduo está inserido, pode-se afirmar que os conceitos resultantes de pesquisas uniculturais nem sempre são universalmente válidos. Essa afirmação é aplicável particularmente aos aspectos do comportamento estudados pela Psicologia Social" (p.281). Esta é uma área de conhecimento e de pesquisa particularmente familiar ao Dr. Arrigo, visto ter ele participado durante muitos anos, como pesquisador responsável no Brasil, de uma pesquisa intercultural sobre "coping" em crianças e adolescentes, realizada, simultaneamente, em oito países, na segunda metade da década de 60 do século passado. É uma leitura profícua para todos aqueles que procuram adentrar esta área de pesquisa, pois, muito embora os textos procurem conceituar o que é uma pesquisa intercultural e apresentem as perspectivas e problemas metodológicos vigorantes nas décadas de 60 e 70 do século XX, certamente muitas de suas conceituações e caracterizações ainda constituem um conhecimento útil para os interessados na área.

Finalmente, na Parte VI são apresentados seis artigos referentes à Orientação Educacional e Orientação Profissional. Também nesta área o autor se mostra bastante familiarizado com os temas tratados, vez que foi o responsável pela adaptação e tradução para o português do Interest Schedule, de Thurstone. Tratase de um inventário destinado a avaliar os interesses profissionais em dez campos distintos que veio a ser publicado e distribuído pelo Centro de Psicologia Aplicada (CEPA). Nestes artigos Dr. Arrigo discute questões referentes à orientação educacional e profissional, assim como aos interesses e aptidões artísticos. Da mesma forma que no tocante a outros trabalhos realizados pelo autor, cabe perguntar pela atualidade desta contribuição: seria ela ainda válida para identificar os interesses profissionais em nossos dias? Na verdade, tal pergunta somente poderia ser respondida por um trabalho de pesquisa, mas o conhecimento da escala pelos estudiosos da área, sem dúvida poderia contribuir para sua eventual atualização e/ou reformulação.

Em suma, Memória da Psicologia não é uma obra direcionada apenas aos leitores interessados no desenvolvimento da psicologia no Brasil a partir da segunda metade do século passado, que certamente muito se beneficiarão de sua leitura, mas também, como salientado ao longo desta resenha, uma fonte de sugestões para futuros trabalhos. Cabe salientar que a leitura do texto é enormemente facilitada pela escrita precisa e bem cuidada do autor, refletindo a clareza de suas ideias. Vale a pena conhecê-las!

 

 

1 Professor Associado (Livre-Docente) do IPUSP. Contato: R. Matheus Grow 79, Pinheiros, CEP: 234 05415-050, S.P, Brasil email: jfblusp@usp.br

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