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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.36 no.90 São Paulo Jan. 2016

 

RESENHAS DE LIVROS

 

 

MORAIS, J. (2013). Criar leitores - Para professores e educadores. Barueri, SP: Manole, 154 p. ISBN: 978-85-7868-077-0

 

 

Renan de Almeida Sargiani1

 

 

No livro "Criar Leitores - para professores e educadores", José Morais, baseando-se em estudos científicos, oferece orientações sobre como as pessoas aprendem a ler e a escrever de modo claro e acessível para professores, pais, e profissionais da saúde (psicólogos, fonoaudiólogos e médicos). Neste livro, o autor discute sobre o que acontece no cérebro das crianças quando elas aprendem a ler e a escrever, considerando as bases neurais e os processos cognitivos que possibilitam essa aprendizagem, bem como os efeitos de diferentes práticas de ensino; sugerindo formas de intervenção e estratégias para evitar ou superar as dificuldades que podem surgir no processo de alfabetização.

José Morais é professor emérito na Université Libre de Bruxelles na Bélgica, e tem vasta experiência nos campos da Psicologia Cognitiva e das Neurociências e em especial no que se refere ao tema da aprendizagem da linguagem escrita. Além de ser pesquisador e professor universitário Morais tem participado do planejamento de políticas públicas de alfabetização em países como França e Portugal. Ele tem ampla experiência em dialogar com professores alfabetizadores e pessoas não especialistas, o que faz com que neste livro apresente evidências científicas em uma linguagem clara e de forma didática.

Para facilitar a compreensão sobre as diferentes etapas da aprendizagem da linguagem escrita, Morais propõe uma aproximação metafórica desta com a aprendizagem da habilidade de andar. Assim, primeiramente é necessário aprender a dar os primeiros passos (aprender que letras representam sons) para só depois andar (ler) cada vez com mais precisão e adquirir maestria para começar a correr (ler com fluência e conseguir compreender textos).

Segundo Morais a aprendizagem da leitura não se inicia exclusivamente quando se ingressa no processo de escolarização formal como é a ideia mais comumente disseminada em nossas culturas. As crianças desde muito pequenas se aproximam da leitura, principalmente, pelo interesse por livros demonstrado por seus pais, beneficiando-se assim de atividades de leitura compartilhada. Essas experiências com leitura, anteriores ao período de alfabetização, são muito importantes e facilitadoras da aprendizagem posterior no período de alfabetização.

A habilidade de leitura implica em adquirir um sistema mental de processamento da informação escrita, que possibilitar fazer com que a informação visual que é recebida (as palavras escritas) seja convertida - por meio de um processamento incrivelmente rápido - em representações da pronúncia e do significado das palavras. Esse sistema é adquirido progressivamente e a partir da instrução específica, é um processo longo e difícil que exige o ensino explícito, ao contrário do processo de aquisição da língua oral que é longo, mas fácil, sem a necessidade de instruções explícitas.

No caso dos sistemas alfabéticos de escrita as palavras são representadas no nível de fonemas usando-se grafemas. Assim, para aprender a ler é preciso, antes de tudo, compreender o princípio alfabético, isto é, o sistema de correspondências entre os fonemas e os grafemas. Uma habilidade que contribui para essa aprendizagem é a consciência fonêmica que se refere ao conhecimento consciente, explícito, das menores unidades fonológicas da fala, i.e., os fonemas.

Quando as crianças aprendem o princípio alfabético elas conseguem decodificar as palavras escritas. Com o aumento na experiência em leitura as crianças passam cada vez mais a utilizar a habilidade de decodificação e ler com autonomia. Entretanto, Morais argumenta, que este ainda não é o momento para se requisitar a compreensão em leitura, o aluno precisa consolidar cada vez mais a habilidade de decodificação para então ser requisitado a compreender. A principal razão para isto é porque essas duas habilidades (decodificação e compreensão) exigem que a criança preste atenção simultaneamente a duas atividades diferentes e que implicam no uso de recursos cognitivos distintos, o que é difícil de coordenar para leitores iniciantes. Como quando as crianças estão aprendendo a andar, é preciso que elas adquiram maestria na habilidade de coordenar os passos para que possam correr sem cair.

Aos poucos, com o progresso na experiência em leitura as crianças armazenam na memória representações ortográficas lexicais que possibilitam que elas identifiquem automaticamente as palavras sem a necessidade de decodificação. Quanto mais as crianças leem e conhecem palavras novas mais representações ortográficas lexicais são armazenadas na memória. Assim, quando um leitor hábil vê uma palavra já conhecida, ele não precisa decodificar cada letra, pois já tem uma representação mental desta palavra. Isto libera recursos cognitivos para que o leitor possa inter-relacionar os significados das palavras vistas e então compreender o significado das frases. Por outro lado, escrever depende da recuperação das representações ortográficas lexicais adquiridas durante a leitura, assim quanto mais as crianças leem, melhor também irão escrever.

José Morais discute também que compreender um texto é um processo de elaboração progressiva de uma representação mental integrada das informações apresentadas sucessivamente nos textos. A unidade básica de leitura são as palavras e não os textos inteiros, assim, a identificação de palavras é uma condição sine qua non para a compreensão de leitura. Por isso é necessário antes de compreender conseguir decodificar e depois criar representações lexicais ortográficas das palavras, o que permitirá identificar palavras com rapidez e pouco esforço cognitivo permitindo que o leitor se concentre nos significados das palavras e possa compreender a coarticulação desses significados.

Morais conclui discutindo que as diferenças na estimulação ambiental associada às diferenças do meio sociocultural têm importantes implicações na aprendizagem da leitura e da escrita. Embora essas diferenças possam ser obstáculos iniciais da aprendizagem da linguagem escrita, o autor enfatiza que não existe um período crítico para ser alfabetizado, o que ressalta o importante papel das escolas que devem fornecer os estímulos e o ensino apropriado à aprendizagem da leitura e da escrita. As escolas podem contribuir para o reestabelecimento da igualdade de oportunidades, assegurando um ensino adequado de leitura.

No final do livro Morais apresenta, além do glossário, uma lista de indicações bibliográficas em língua portuguesa com comentários, que são importantes contribuições para que os leitores possam encontrar mais recursos para sua (in)formação. Nesse sentido, essa obra se caracteriza como pequena em tamanho (apenas 154 páginas), porém grande no sentido da contribuição que faz ao democratizar de forma sintetizada, cientificamente rigorosa e linguagem mais acessível as mais relevantes contribuições científicas sobre como se aprende a ler e a escrever para professores alfabetizadores, pais, psicólogos, fonoaudiólogos e demais interessados no tema da alfabetização. Por esta razão, este livro contribui não só para professores, como também para a formação de psicólogos (clínicos e/ou escolares) que irão lidar com casos de dificuldades de aprendizagem (sobretudo relacionadas à leitura e escrita), mas que nem sempre encontram subsídios tão específicos, atuais e claros nos cursos de formação de psicólogos.

 

 

1 Doutorando em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano na Universidade de São Paulo (USP), bolsista FAPESP (13/12602-5) e Mestre em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Contato: Rua Itamogi, 120, Pirituba - São Paulo/SP, CEP: 05170-060. Tel.: (11) 98412-1553. Email: sargiani@gmail.com

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