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vol.36 issue90MORAIS, J. (2013). Criar leitores - Para professores e educadores. Barueri, SP: Manole, 154 p. ISBN: 978-85-7868-077-0Norberto Abreu e Silva Neto (1944-2015) author indexsubject indexarticles search
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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.36 no.90 São Paulo Jan. 2016

 

RESENHAS DE LIVROS

 

 

GIORA, Regina Célia Amaro Faria (ccord.). Diversidade cultural e criatividade. Taubaté: Editora e Livraria Cabral Universitária, 2015.

 

 

Gustavo Rick Amaral1

 

 

Diversidade cultural é um tema que marcou presença constante no pano de fundo contra o qual se desenrolou a história do século XX. Nesses primeiros anos do novo século, o tema tem ganhado proeminência, pois se, por um lado, as forças homogeneizadoras da globalização têm se mostrado incapazes de dissolver completamente as manifestações culturais locais, por outro lado, a diversidade cultural tem se apresentado como um forte ponto de tensão nos campos político e econômico. Da crise dos refugiados na Europa (cujas economias nacionais definitivamente não foram feitas para terem, de fato, as fronteiras abertas) às estapafúrdias propostas segregacionistas de candidatos à Casa Branca (que são incapazes de ver que seus posicionamentos radicais servem de combustível para aqueles que prometem combater), podemos notar que estamos voltando a viver numa era de extremos, num tabuleiro de polarizações, um tempo e um espaço pouco afeitos à diversidade, de qualquer tipo, em especial, à diversidade cultural. Quando a diversidade cultural padece, empobrece-se, então, a força criadora do homem. Seca-se a fonte ou, ao menos, uma das fontes da criatividade humana. Não é por outro motivo que se pode com facilidade constatar que o livro "Diversidade cultural e Criatividade" chegou em boa hora. O Zeitgeist já vem há algum tempo nos cobrando debates e pesquisas que relacionem criatividade à diversidade cultural. De certa forma, este livro, resultado de uma abordagem multidisciplinar do Grupo de Pesquisa em Criatividade e Inovação na Arte, na Ciência e no Cotidiano, é a resposta de pesquisadores brasileiros (quase todos vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie) às exigências do "Espírito dos Tempos".

Podemos começar pela seguinte consideração: o livro deixa uma impressão geral de que o caminho do meio, aquele que evita os extremos, aquele que escapa ao torvelinho do jogo das polarizações, é capaz de estabelecer não apenas um ambiente onde se respeita formal e concretamente a diversidade cultural, mas um ambiente onde a criatividade ajuda a manter a diversidade cultural. Em linhas gerais, os pesquisadores responsáveis pelos artigos que compõem o livro apresentam a tese de que a convivência dentro da diversidade favorece a criatividade. Se, por um lado, os meios para se viver pacífica e harmoniosamente com outras culturas aumentam a capacidade criativa dos indivíduos que são agraciados e beneficiados por esse tipo de convivência, por outro lado, tal ampliação da capacidade criativa aumenta a probabilidade de se resolverem conflitos e se encontrarem novos meios para continuar a se viver pacífica e harmoniosamente com outras culturas. É um ciclo virtuoso. A diversidade cultural alimenta a criatividade humana, que, por retroalimentação, passa a nutrir a diversidade cultural ao criar e manter as condições para que esta continue existindo.

De forma conjunta, orquestrada pela organizadora, a pesquisadora Regina Giora, os autores testam variadas teses a respeito de diversidade cultural e criatividade naquele centro urbano que pode ser considerado um dos maiores "caldeirões culturais" da história das sociedades modernas: a cidade de São Paulo. Por este motivo, vários capítulos do livro tratam direta ou indiretamente desta cidade que é um privilegiado laboratório de diversidade cultural.

O capítulo inicial do livro intitulado "Diversidade cultural, direito e criatividade nos documentos oficiais da Unesco" , é de autoria de Regina Giora e Milena Giora. Nesta abertura, as autoras contextualizam historicamente a Declaração Universal da Diversidade Cultural e apresentam de forma panorâmica os quatros pilares deste documento: 1) Identidade, diversidade e pluralismo; 2) Diversidade cultural e direitos humanos; 3) Diversidade cultural e criatividade; 4) Diversidade Cultural e solidariedade internacional. Após tal contextualização, Regina Giora e Milena Giora passam a focar no cenário brasileiro e sua relação com o tema do livro: diversidade cultural e criatividade. Para as autoras "a desigualdade social e econômica vivida no país obrigou a população a ser naturalmente mais criativa" engendrando aos poucos uma "pedagogia da sensibilidade", que é fundamental no processo de criação (p. 33).

Já no capítulo 2, "O meio ambiente pelas lentes de Sebastião Salgado: um olhar sobre o projeto Gênesis", os pesquisadores Estela Maria Oliveira Bonci, Petra Sanchez e Norberto Stori focalizam nas potencialidades do uso do trabalho do fotógrafo Sebastião Salgado, especificamente o Projeto Gênesis. A proposta é trabalhar a interdisciplinaridade como estratégia pedagógica para educação ambiental e inserir material fotográfico do "Gênesis" num projeto de ação nos moldes de uma "aprendizagem por projetos". De acordo com os autores, as obras de Sebastião Salgado despertam uma nova forma para "discutir questões importantes e conscientizar pela emoção todos aqueles que vivem mergulhados numa sociedade de consumo" (p. 47).

No capítulo 3 "A diversidade cultural da cidade de São Paulo e suas potencialidades na arte", as pesquisadoras Hânia Cecília Pilan e Fernanda Nardy Bellicieri tratam da grande variabilidade cultural em São Paulo e como isso poderia ter reflexos positivos no cotidiano dos paulistanos. As pesquisadoras afirmam que a inserção da arte, disponibilizada de modo gratuito, no cotidiano das pessoas podem vir a ser "um momento de exercício de liberdade, de ampliação da consciência-autoconsciência e de intenso prazer sensório-intelectual" (p. 59). Ao final do capítulo, são apresentados artistas "formados" nas ruas de São Paulo: Marthia (poetisa de Santa Cecília), o "homem do Livro" (morador da calçada da Rua Pedroso de Moraes) e Magrão (pintor de pipas). O primeiro capítulo apresentado pelas autoras no livro, continuam a ser tratadas no capítulo seguinte: "Os frutos da diversidade cultural da cidade de São Paulo e os moradores de calçadas". Neste capítulo 4, Hânia Cecília Pilan e Fernanda Nardy Bellicieri exploram questões referentes ao processo criativo de moradores das calçadas de São Paulo que produzem a partir de dejetos culturais.

No capítulo seguinte, de número 5: "Criar na terceira idade: universidades livres e o pleno exercício da criatividade", a pesquisadora Margarete de Moraes trata do mito de que a capacidade criativa dos indivíduos está presente apenas na juventude e relata iniciativas de criação de universidades livres para a terceira idade. De acordo com Moraes para um país que envelhece, deve-se perceber que a contribuição para a construção do futuro também virá de "pessoas mais velhas, ricas em conhecimento e história, gente que é ativa intelectual, financeira e culturalmente, acima de tudo, criativa" (p. 101).

A pesquisadora Cláudia Coelho Hardagh explora no capitulo 6: "Escola expandida: aprendendo fora da caixa", as potencialidades das novas estéticas, novos espaços e novas temporalidades para as práticas educacionais na contemporaneidade. Para autora (p. 110), sair da sala de aula, olhar para a cidade, para a diversidade cultural, nos faz questionar o currículo e tudo que nos força a exercer as mesmas formas de educar e formatar alunos. "É preciso criar espaços de aprendizagem e ofertar diálogo e pesquisa para compartilhar informação, e o pensar interdisciplinar e ecologizante, para valorizar a diversidade e hibridismo da sociedade" (p.111).

No capítulo 7: "Diálogos sobre arte contemporânea e meio ambiente no museu Inhotim", Maria Lúcia Wochler Pelaes e Norberto Stori tratam da questão de como a arte contemporânea, pode ser compreendida, a partir da sua integração ao meio ambiente natural, enquanto fenômeno cultural. A conclusão apresentada pelos pesquisadores é que a integração entre arte e meio ambiente no Museu do Inhotim responde pela busca de um espaço de expressão da criatividade e de estímulo à sensibilidade estética, "onde possa haver a construção de conhecimento estético e liberdade de expressão, entendida como possibilidades de criação e desenvolvimento da imaginação" (p.130).

No capítulo 8: "Currículo e diversidade cultural", a pesquisadora Cláudia Cristina Haddad apresenta um histórico das concepções teóricas de currículo e traça a correlação entre tais concepções e a diversidade cultural. Para Haddad (p. 141), as escolas públicas, por exemplo, já exibem uma nova sensibilidade, "sobretudo para a diversidade e suas múltiplas dimensões na vida dos sujeitos". Sensibilidade que vem se traduzindo em ações pedagógicas de transformação do sistema educacional em um sistema inclusivo, democrático e aberto à diversidade".

A pesquisadora Maria Claudia Setti de Gouvea Franco apresenta, no capítulo 9: "Cultura, migração e hospitalidade", um detalhado estudo sobre o conceito de hospitalidade e promove uma reflexão sobre como uma prática social "fundadora de vínculos" (p.141) é reflexo da cultura e como ela pode ser vista como acolhimento, por exemplo, com relação aos imigrantes que chegam à cidade de São Paulo. Por este motivo, a pesquisadora termina o texto fazendo referência à capacidade de "transformar ações de acolhimento em momentos de criação, manutenção ou mesmo ruptura de vínculos" (p. 151).

No capítulo 10: "Criatividade e fruição artística", Carolina Vigna e Norberto Stori investigam se a criatividade é também necessária ao fruidor. A resposta que os pesquisadores encontraram é positiva, pois, se partirmos do pressuposto que o fruidor tem diante de si muitas possibilidades, então há um trabalho criativo de escolha na fruição (p. 157). Além de criatividade, a fruição (por ser uma ação leva) o fruidor a ser também agente da obra de arte, o que torna o ato da fruição ressiginificante, portanto, reafirmam os autores, também um ato criativo (p.157).

No capítulo 11: "Leis de incentivo em projeto socioeducativos" de Sérgio Andreucci apresenta reflexões sobre o atual modelo de incentivo à cultura cujo funcionamento se dá a partir de renúncia fiscal. O cerne da crítica de Andreucci é que o modelo não propicia a continuidade de processos socioeducativos.

A pesquisadora Lucia Velloso Verginelli trata no capítulo 12, "Gastronomia paulistana: o degustar de culturas", da diversidade da comida paulistana e de transformações mais recentes nos aspectos sociais, culturais e também econômicas com a chegada do fenômeno dos Food Trucks ("gastronomia sobre rodas").

No capítulo 13: "Os coletivos teatrais e a lei de fomento", Mateus Monteiro trata de Grupos de Teatros situados na cidade de São Paulo e sua relação com as leis de fomento. Na ausência ou mesmo na insuficiência de incentivo por parte do poder público, os coletivos são obrigados segundo Monteiro, a recorrer àquilo que eles têm de melhor: "a criatividade, para que ainda em meio a tantas diversidades, consigam produzir sua arte" (p. 202).

O pesquisador Rafael Malvar Ribas mostra, no capítulo 14: "Vila Pompeia - a Liverpool brasileira", a relação deste bairro paulistano com o Rock e com a contracultura. Mutantes, Tutti Frutti e Made in Brazil são algumas das bandas que surgiram ou ensaiavam na Pompeia. De acordo com Ribas, "o número de bandas de garagem que tinha na Pompeia parecia contagiar os garotos do bairro" (p. 216).

No capítulo 15: "(Educ)ação em sala de aula: o filme como recurso didático para o ensino de ciências e educação ambiental sobre a Amazônia", os pesquisadores Norberto Stori e Romero de Albuquerque Maranhão tratam o uso de filmes e documentários sobre a região amazônica como um recurso estratégico para sensibilizar o educando e também a comunidade para questões ambientais.

A pesquisadora Isabel Orestes Silveira trata, no capítulo 16: "Criatividade no Design Vernacular", a cidade não apenas como um lugar de tensionamentos e contradições, mas também um espaço que, justamente por permitir um encontro de histórias diversas, acaba por possibilitar que as pessoas sejam movidas por uma força criadora nascente da diversidade, heterogeneidade. Para a autora, a criatividade é um processo de auto-organização e a "cidade funciona como um espaço ativo e ativador desse processo" (p. 239).

O pesquisador Carlos Santos Leal defende a necessidade em se superar a polarização que a cultura ocidental estabeleceu entre os aspectos afetivos e cognitivos envolvidos na educação, no capítulo intitulado "Relação de ajuda e arte de educar".

Já no capítulo 18: "Inovação e conformidade da escrita nas redes sociais", Renato Bulcão de Moraes apresenta reflexões sobre comunicações mediadas por softwares. Para o pesquisador, a cognição é obrigada a se repetir dentro dos limites oferecidos na proposta inicial dos criadores do software, que se torna uma instância de poder caracterizada justamente pela capacidade de conformar "o que se escreve às interações previamente propostas" (p. 276).

O capítulo "Multiculturalismo de rua" (número 19), de Sandra Avella Ramirez, trata do uso de instrumentos legais e de formas alternativas de resolução de conflitos que permitem a realização de uma festa de rua. O texto apresenta os resultados de um estudo de caso a respeito de uma festa de rua realizada na cidade de São Paulo (no bairro do Brooklin).

No capítulo 20: "Criatividade e ciberespaço - hibridismo além dos muros em São Paulo", as pesquisadoras Janaina Quintas Antunes e Cleusa Kazue Sakamoto apresentam a criatividade como a característica humana que melhor define a vida neste início de século. Para as autoras, como o acesso a redes de comunicação virtuais possibilitou uma incrível expansão dos poderes criativos dos indivíduos, "o tema da criatividade emerge como interessante campo de questionamentos e insights acerca da complexa construção da realidade na contemporaneidade" (p. 312). São Paulo, mesmo antes da internet, já era uma cidade onde as o hibridismo, as múltiplas conexões e as possibilidades criativas criavam um pool de trocas inesgotáveis.

No capítulo 21: "Cotidiano, criação: medo e segurança", Paulo Roberto Monteiro Araujo analisa o medo como um sentimento que tem origem no processo de criação simbólica.

A pesquisadora Fabíola Tarapanoff apresenta, no capítulo 22: "Cinema independente em São Paulo", o cenário de produção cinematográfica independente na cidade para apontar como a criatividade sempre foi uma característica essencial diante das dificuldades, sobretudo, referentes a recursos financeiros. Para autora, tal cenário independente tem crescido devido a leis de incentivos e também ao crowdfunding (p. 335).

No último capítulo do livro: "Notas sobre mediação da arte: reflexões poéticas a partir de imagens de crianças e adolescentes em museus e exposições", as pesquisadoras Miriam Celeste Martins e Rita Demarchi constroem através de imagens uma interessante referência a um novo modo de pesquisar e pensar, que se nutre de metodologias artísticas de pesquisa.

Como já foi dito no início desta resenha, a presente obra trata, de forma ampla e interdisciplinar, de um tema que detém destacada relevância no cenário contemporâneo. A leitura de "Diversidade Cultural e Criatividade" é recomendável justamente por ser uma ótima fonte de consultas aos estudiosos do tema e devido à importância do debate que as questões e perspectivas apresentadas no livro ensejam.

 

 

1 Jornalista, é doutor pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (2014) da PUC/SP e mestre pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica (2009) também da PUC-SP. Atualmente é Coordenador do curso de Jornalismo da Faculdade PAULUS de Tecnologia e Comunicação (FAPCOM).É pesquisador do Centro Internacional de Estudos Peirceanos (CIEP/PUC-SP) e do grupo de pesquisa Transobjeto (dedicado ao estudo da relação entre o realismo especulativo e o realismo peirceano).

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