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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.36 no.91 São Paulo jul. 2016

 

TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS

 

 

Curso Psicologia da Morte. Educação para a morte em ação

 

Psychology of Death Course. Death Education in action

 

Curso de Psicología de la Muerte. Educación para la muerte en acción

 

 

Maria Julia Kovács1

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo apresentar e tecer reflexão crítica sobre o desenvolvimento da Tanatologia no mundo e no Brasil, a criação de cursos para o progresso da área com destaque à disciplina Psicologia da Morte, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, criada em 1986. São apresentados os estudos clássicos e atuais sobre luto, suicídio, aproximação da morte, cuidados a pacientes no fim da vida e formação de profissionais de saúde e educação em relação ao tema da morte, cursos sobre morte e morrer no mundo e no Brasil. Na segunda parte do artigo apresenta-se o histórico da disciplina Psicologia da Morte, sua programação, avaliação da disciplina desde o seu início até a presente data num total de 30 anos de atividades considerando questões essenciais no seu desenvolvimento. Discute-se uma proposta de educação para a morte para formação dos psicólogos, extensiva para profissionais de saúde e educação.

Palavras Chaves: Educação em relação à morte; formação dos profissionais de saúde; educadores.


ABSTRACT

This article proposes to present a critical reflection about the development of Thanatology in the world and in Brazil, the creation of courses concerning the progress of the area, with emphasis on the course Psychology of Death created in 1986 at the Psychology Institute, University of São Paulo, Brazil. Studies about bereavement, suicide, end of life care, formation of health and education professionals concerning the theme of death and courses about death in the world and Brazil are presented. In the second part of the article the history of the course Psychology of Death is presented, the program, evaluation and after 30 years what remains as essential aspects in the course. A proposal of death education concerning the formation of the psychologist to be extended to professionals of health and education is presented and discussed.

Keywords: Death education; health professional education; educators.


RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo presentar y tejer una reflexión crítica sobre el desarrollo de la Tanatología en el mundo y en Brasil, la creación de cursos para el progreso en el área, destacándose la disciplina Psicología de la muerte, del Instituto de Psicología de la USP, creada en 1986. Este trabajo presenta los estudios clásicos y actuales sobre el duelo, el suicidio, la muerte inminente, el cuidado de los pacientes al final de la vida y la formación de profesionales de la salud y la educación sobre la muerte, cursos sobre la muerte, el morir en el mundo y en Brasil. En un segundo momento de este artículo se presenta parte de la historia de la Psicología de la muerte, su programación, evaluación del curso desde sus inicios hasta la actualidad, acumulando un total de 30 años de actividades, considerando las cuestiones clave en su desarrollo. Se discute también la educación para la muerte en la formación de los psicólogos, extendiéndose para los profesionales de salud y la educación.

Palabras clave: Educación sobre la muerte; formación de los profesionales de la salud; educadores.


 

 

I. Áreas de estudo e pesquisa em Tanatologia

Observa-se grande desenvolvimento dos estudos sobre a morte após as guerras mundiais, no século XX. Hermann Feifel, no seu livro "The meaning of death" (1959) propõe a conscientização da importância da discussão sobre a morte. O livro inclui textos sobre filosofia, arte, religião, sociologia e psicologia. Ariès (1977) aponta que houve mudança significativa nas atitudes frente à morte, passando da morte domada, familiar pública e social para uma interdição no século XX, tornando-se tema tabu.

Na década de 1960 houve mudanças significativas a partir dos trabalhos de Kübler-Ross e Saunders, revolucionando os cuidados a pacientes com doença avançada, buscando comunicação e alivio de sintomas incapacitantes, como apontam Ariès (1977) e Kovács (2003). A obra "Sobre a morte e o morrer" de Kübler-Ross (1969) é referencia na área, propondo o aperfeiçoamento da comunicação e experiência clínica com pacientes próximos à morte. No Brasil, a pioneira da área foi Wilma Tôrres, que em 1980 criou o programa "Estudos e Pesquisas em Tanatologia" no Isop/Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro. A sua área de pesquisa foi o desenvolvimento cognitivo do conceito de morte em crianças e adolescentes, tendo publicado vários artigos no periódico "Arquivos Brasileiros de Psicologia". Foi responsável também pelo primeiro arquivo de artigos e livros sobre a morte e o morrer tendo fundado o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Tanatologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2004.

Atualmente há núcleos de estudos e pesquisas em várias universidades do país que conduzem pesquisas e estudos sobre vários temas relacionados com a morte. Citamos alguns: Laboratório de Estudos sobre o Luto (LELU) na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo www.pucsp.br/lelu, coordenado por Maria Helena Franco; Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM), no Instituto de Psicologia da USP www.lemipusp.com.br coordenado por Maria Julia Kovács; Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas em Perdas e Luto (NIPPEL), na Escola de Enfermagem da USP www.usp.br/ee/nippel, coordenado por Regina Szylit; Laboratório de Estudos do Luto e Saúde (LAELS), na Universidade Federal do Pará www.ufpa.br/laels, coordenado por Airle Miranda de Souza; Laboratório de Tanatologia e Psiquiatria, Universidade Federal do Rio de Janeiro www.ufrj.br/laboratoriodetanatologiapsiquiatria, Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria e Saúde Mental, coordenado por Adriana Cardoso de Oliveira e Silva; Núcleo de Estudos e Pesquisas em Tanatologia (NEPT), na Universidade Federal no Rio de Janeiro www.ufrj.br/nept, coordenado atualmente por Rodrigo Lustosa; Laboratório de Estudos em Tanatologia e Humanização das Praticas em Saúde (LETHS), na Universidade Federal do Rio Grande do Norte www.ufrn.br/leths coordenado por Geórgia Sibele Nogueira da Silva. A consulta a estes núcleos aponta o quanto o tema da morte está presente nas universidades brasileiras e os professores e profissionais que oferecem cursos, estágios e pesquisas apontando para o desenvolvimento dos estudos sobre a morte e o morrer em nosso país.

Citamos a seguir duas publicações especializadas em Tanatologia. Omega Journal of Death and Dying, tem como editor Kenneth Doka. Objetiva refletir sobre o processo de morrer, luto, rituais funerários e suicídio. O periódico inclui artigos nos campos da Psicologia, Sociologia, Medicina, Antropologia, Direito, Educação, História e Literatura. Sua leitura é referência para reflexão e debate e é destinada a profissionais de saúde nos seguintes temas: doença terminal, acidentes, catástrofes, suicídio e luto, publicado pela Baywood Publishing Company, EUA. O periódico Death Studies, publicação da Taylor & Frances, Philadelphia, tem como objetivo publicar artigos de pesquisa e atendimento nas áreas de luto, terapia, atitudes diante da morte, suicídio e educação para a morte. Trata-se de fórum interdisciplinar para compreender o encontro humano com a morte e para profissionais que atendem pessoas no final de vida e seus familiares.

As áreas de estudo em Tanatologia são: luto; doença avançada; morte com dignidade, questões bioéticas; suicídio e comportamentos autodestrutivos; aproximação da morte e formação de profissionais de saúde e educação. A seguir serão apresentados estudos e pesquisas para cada uma dessas áreas de estudos.

I.1. Luto

As pesquisas sobre luto verificam como perdas afetam estruturas de significado na vida, em situação de transição existencial. Dados epidemiológicos apontam que ocorrem mortes após viuvez por supressão do sistema imunológico, como aponta Parkes (1998). Distúrbios psíquicos podem se manifestar como sintomas físicos e médicos são procurados por pessoas enlutadas com vários sintomas incluindo: depressão, insônia, anorexia, aumento no uso de álcool e drogas. Estes sintomas são relacionados ao processo de luto e não vistos como doença, como atestam os estudos do autor, que aponta singularidades no processo de luto, enfatizando o importante papel de aspectos culturais, fases do desenvolvimento e fatores de risco para o luto complicado. Atualmente, a preocupação é com o luto de idosos, pela perda de pessoas de referencia, problemas financeiros, solidão e doenças graves. Idosos estão enterrando filhos adultos, vivendo, por vezes sozinhos esta perda tão difícil. O luto parental é tema atual em virtude do aumento da violência nas grandes cidades, como aponta Rangel (2005).

O luto complicado, anteriormente considerado como patológico, suscita controvérsias. Segundo Franco (2010), é preciso cuidado para não classificar lutos como disfuncionais. É fundamental que sejam identificados fatores de risco; tendências sócio-culturais e observar o que é necessário ser cuidado em pessoas enlutadas. Suicídios e acidentes trazem sofrimento, envolvendo violência e culpa, por outro lado, doenças prolongadas com sofrimento são desgastantes, dificultando o luto. É fundamental considerar a relação anterior com o falecido, ambivalência, dependência, problemas mentais anteriores e a percepção da falta de apoio familiar. Mudanças sociais são responsáveis por dificuldades de elaboração do luto. O rápido índice de industrialização e avanço da medicina é associado à desvalorização de ritos funerários, fazendo com que ao viverem o luto, pessoas se sintam sozinhas, sem saber o que fazer como aponta Ariès (1977). Nas grandes metrópoles brasileiras houve aumento da violência, acidentes e abuso de drogas, resultando em mortes traumáticas com risco para luto complicado. A morte escancarada não permite preparo por ser inesperada e agrega fatores, que aumentam o sofrimento como perdas múltiplas e invertidas, corpos mutilados, ausentes e alto índice de violência. O desenvolvimento de pesquisas sobre luto em situação de desastre e emergência é fundamental e atual como aponta Franco, (2010). Mortes lentas resultantes de doenças degenerativas causam dor, sofrimento físico e psíquico nos cuidadores, complicando o processo do luto posterior, como apontam Hennezel (2004), Scoz (2012), Fujisaka (2014).

O luto não autorizado é área importante de estudo, refere Casellato (2015). A sua autorização e reconhecimento da perda são fundamentais para elaboração do luto. O aborto é perda não reconhecida, já que a morte ocorre antes da vida social estar estabelecida, supondo-se que não há estabelecimento de vínculo. É grave equívoco, pois há investimento amoroso na gravidez com a expectativa do filho, como aponta a autora. Adolescentes não têm o luto reconhecido, dando a falsa idéia de que não estão sofrendo pela perda vivida, muitas vezes não expressando seus sentimentos. Há aumento do risco de adoecimento, pois o sofrimento não é percebido, tornando-os enlutados anônimos. (Kovács 2012).

Maria Helena Franco especialista brasileira em luto e membro do International Work Group on Death, Dying and Bereavement apresenta as questões pesquisadas sobre o tema no mundo e no Brasil. Em obra coordenada por ela (Franco, 2010) indica que o luto é processo normal de elaboração de perdas, como doença aparece versão atual do DSM V. Nesta obra, luto, que se estende por mais de duas semanas, é considerado como depressão, necessitando atendimento profissional, uma forma de medicalização de um processo natural da existência, como forma de elaboração de perdas. A autora enfatiza a polêmica da questão ao diferenciar o pesar suscitado pela perda de pessoas significativas e a depressão. Teorias mais recentes buscam compreender as singularidades do processo de luto, a história pessoal e a construção de significados a partir da elaboração da perda. Há a compreensão de que vínculos são contínuos e não se encerram com a morte. A compreensão do processo dual do luto, citado por Mazzorra (2009), considera o sofrimento pela perda concomitante com a tentativa de reorganização da vida. Pessoas enlutadas oscilam entre as duas funções na readaptação da vida sem o morto.

O estudo do luto antecipatório começou com as mulheres, que choravam a suposta perda dos maridos na guerra, como estudado por Lindemann (1944), citado por Franco (2010). Em programas de cuidados paliativos trabalha-se a elaboração de perdas relacionadas ao agravamento da doença e a possibilidade da morte para pacientes e familiares, como apontam Fonseca (2004); Fujisaka (2014).

Fukumitsu (2013) aborda o luto de filhos cujos pais cometeram suicídio. Este evento impacta ao menos seis sobreviventes entre familiares, amigos, colegas de trabalho e pessoas que tem contato com o evento. O suicídio, principalmente para aqueles mais proximamente envolvidos, pode levar a um questionamento da sua própria vida, eventual responsabilidade com a situação e compreensão das motivações para o ato, acrescidos de sentimentos de solidão e vergonha. Os enlutados por suicídio podem não ter privacidade para elaboração do luto. Ocorrem sentimentos ambivalentes de alívio e culpa, arrependimento, choque, auto-acusação, raiva, busca de boas lembranças, vergonha, estigma, isolamento, rejeição, falta, abandono e busca de sentido. Acreditam que poderiam salvar o familiar e sentem a impotência por não terem antecipado a morte. O silencio esconde acusações e auto-acusações.

I.2. Suicídio

O suicídio é tema complexo e explicações rápidas e simplistas levam a intervenções sem reflexão, podendo causar sofrimento. Botega (2015) afirma que suicídio é problema de saúde pública, apontando a necessidade de políticas nacionais de prevenção e cuidados a pessoas com ideação ou tentativa de suicídio. Sentimentos de não ter raízes, de não pertencer e de insegurança podem explicar o aumento de suicídios. Segundo Cassorla (2004), a intencionalidade do ato deve ser considerada, observando-se ambivalência entre desejo de morrer e viver. Fatores associados ao suicídio envolvem transtorno mental, questões existenciais, solidão, desamparo, impotência, conflitos familiares, não escuta, solidão, invasão de privacidade, traição, questões financeiras, tédio, vazio existencial, sofrimento e desejo de morrer. É uma ampla gama de fatores que precisam ser considerados e necessitam de avaliação cuidadosa na busca de cuidados integrais com enfoque multidisciplinar. Jovens podem se matar como forma de buscar uma nova vida, um pedido de ajuda, comunicando que não estão bem, sem ter outra via de expressão de seu sofrimento.

Idosos constituem o grupo com o maior índice de suicídios, como aponta Botega (2015). Esta pode ser uma forma de encerrar a vida, que é percebida como indigna, percepção agravada por doença avançada, dependência e solidão. Minayo e Cavalcante (2010) realizaram revisão da literatura nacional e estrangeira sobre os principais fatores associados à ideação, tentativas e suicídios de pessoas idosas. As autoras analisaram 52 referencias sobre o tema, apontando a interação entre fatores físicos, mentais, neurobiológicos e sociais. Há relação significativa entre tentativa e suicídio, depressão, dependências múltiplas, institucionalização e agravamento de problemas sensoriais, dificultando a relação com a família e sociedade. Enfermidades físicas, crônicas e degenerativas, perdas de pessoas significativas com quem compartilharam anos de suas vidas, podem ser motivações para o suicídio. Côrte, Khoury & Mussi (2014) discutem como a mídia aborda o suicídio de idosos. As autoras analisaram matérias jornalísticas sobre suicídio de 2010 a 2013. O suicídio apareceu no título das notícias relacionado a perdas econômicas, vida sem dignidade, com dependência e sobrecarga para os familiares.

O governo brasileiro criou o Programa Nacional de Prevenção do Suicídio, em 2005, para diminuir suicídios e cuidar do impacto em familiares e amigos. Em 2006 foi implantada a Estratégia Nacional de Prevenção de Suicídio coordenada pelo Ministério da Saúde com objetivo de diminuir o tabu em relação ao suicídio, potencializar recursos na atenção primária em saúde mental, criar serviços de urgência e emergência, educação, apoio, proteção social e segurança pública. Os grupos de risco incluem, pessoas que tentam suicídio, com depressão, uso abusivo de álcool e drogas, jovens vulneráveis, idosos e indígenas, cada grupo destes com necessidades específicas, o que torna o atendimento muito complexo. Profissionais de saúde mental de CAPS, unidades do SUS estão sendo capacitados. Pessoas que cometeram suicídio procuraram ajuda, encontraram empatia e suporte, mas também julgamento, críticas e desprezo. Cassorla (2004) refere que profissionais podem sentir o suicídio como agressão, despertando reações contratransferenciais de raiva.

Estudar as tentativas de suicídio ajuda a explicar as suas possíveis motivações. O fator agressivo se manifesta pelo uso de facas, armas e espadas, o fator punitivo pode atingir familiares, figuras amorosas, amigos ou a si próprio, por transgressão ou sentimento de menos valia. Há pessoas, que buscam sofrimento físico, pela ingestão de soda cáustica, chumbinho ou outros agentes tóxicos, nem sempre eficientes, para causar a morte. A dimensão erótica do suicídio se faz presente na preparação do ato (Kovács, 2013).

Fukumitsu (2013) aponta que é preciso cuidar da família na compreensão do suicídio. O contrato terapêutico envolvendo pessoas com ideação ou tentativa de suicídio deve se pautar na confiança. Para Camargo (2007) psiquiatras têm a obrigação de intervir, prevenir e interromper atos, que possam colocar a vida em risco. Entrevistas clínicas e monitoramento contínuo são ferramentas importantes para prevenir o suicídio. A internação compulsória pode impedir o suicídio, mas nem sempre cuida do sofrimento. O temor de processos legais leva o profissional a agir defensivamente, propondo internações ou medicação contra psicose, para não ser acusado de omissão de socorro. O sigilo protege o cliente, mas pode ser rompido em situação de risco de vida, sempre com autorização do mesmo. Há dilemas sobre o que registrar em prontuários, que poderão ser lidos por vários profissionais. A pessoa que tenta suicídio pode estar em sofrimento, necessitando compreensão e não condenação. Hillman (1993) aponta que, como analista, o psicólogo deve estar aberto à escuta de pessoas com ideação ou tentativa de suicídio, deixando em suspenso crenças e pontos de vista, que podem levar a erros de conduta. O autor propõe que se proceda à escuta do desejo de morrer. É difícil avaliar a intensidade de sofrimento sem ter como referencia o próprio sujeito.

I.3. Aproximação da morte

Na obra "Sobre a morte e o morrer", Kübler-Ross¨(1969) destaca a importância da escuta às necessidades e sofrimento de pacientes gravemente enfermos. Estes apresentam diferentes níveis de consciência sobre a doença, gravidade e aproximação da morte. Na consciência fechada, o paciente não quer saber e o profissional não fala, configurando a conspiração de silencio. Consciência aberta implica que o paciente tem o desejo de saber sobre sua situação e há profissionais dispostos a conversar com ele (Kovács, 2014).

O crescente desenvolvimento da medicina provocou a transferência do lugar da morte para hospitais. Questão difícil para médicos, uma vez que, implica na decisão sobre que tratamentos oferecem qualidade de vida e os que só visam evitar a morte. Discussões atuais envolvem a ortotanásia, definida como a morte que ocorre no momento certo, sem apressamento ou prolongamento, buscandose a qualidade de vida e o questionamento da distanásia, entendida como o prolongamento do processo de morrer com intenso sofrimento, segundo Floriani (2013).

Pessini (2004), ao estudar distanásia, menciona o estudo SUPPORT (Study to understand prognosis and preferences for outcomes and risk of treatment), cujo objetivo foi colher informações sobre pacientes com doença avançada. Este estudo teve quatro anos de duração envolvendo 9000 pacientes de cinco hospitais nos Estados Unidos, pesquisando-se causas de seu sofrimento. Os pesquisadores observaram que pacientes internados em UTIs, conscientes nos três dias que antecederam a morte, apresentavam dores, fadiga extrema, desconforto, com sede, sono e ansiedade. Este estudo provocou reflexões e discussões sobre atendimentos a pacientes gravemente enfermos em Unidades de Terapia Intensiva. Cuidados a pacientes no fim da vida são essenciais em hospitais, unidades de cuidados paliativos e programas domiciliares para um número crescente de idosos doentes e pacientes em estágio avançado da doença. É fundamental cuidar da dor, fadiga, fraqueza, demência, confusão mental e delírio. As pesquisas nesta área envolvem agravamento da doença, sintomas múltiplos e incapacitantes, transmissão de más notícias, a proximidade da morte, processo do luto antecipatório e o luto dos familiares (Kovács, 2013). Em 2002, a OMS traçou as diretrizes para programas de cuidados paliativos propondo: alternativas de tratamento menos agressivas, melhor controle de sintomas, manutenção da família mais próxima do paciente e custos menores.

I.4. Formação de profissionais de saúde e educação

A formação de profissionais de saúde em Tanatologia é importante, como apontam Silva & Ayres (2010) e Flauzino (2012). É prioridade a proposição de cursos, que promovam o autoconhecimento e a capacitação para lidar com pacientes próximos à morte. Estes devem oferecer além de conhecimentos técnicos, a possibilidade de entrar em contato com valores e sentimentos. Estes cursos podem ser propostos a educadores com os seguintes temas: luto, comportamentos autodestrutivos e formas de acolhimento para crianças e adolescentes vivendo processos de luto. A empatia do educador pode favorecer a mediação de conversas com os alunos sobre morte. Educadores referem não ter preparo para lidar com a morte, como observamos em pesquisa realizada com este grupo de profissionais (Kovács, 2012). Preparo é compreendido como possibilidade de questionamento, autoconhecimento, sensibilização e abertura pessoal e não como oferta de receitas padronizadas para lidar com estas situações. Educadores acreditam que não seja sua função abordar o tema da morte. Não há consenso entre a proposta de inclusão da questão da morte no programa didático ou como espaço de acolhimento, discussão e reflexão quando da sua ocorrência na escola com alunos e funcionários. Educadores são cuidadores na escola, e podem ajudar quando pais estão abalados pelas perdas vividas e não conseguem cuidar dos filhos. Pela convivência diária com seus estudantes, professores têm conhecimento de suas reações e atitudes e podem ser referencia para eles.

Ao entrar com os termos "Cursos sobre morte e morrer", em bases de dados, foram arrolados os seguintes estudos, apresentados a seguir. Bandeira & Bisogno (2011) revelam como a temática da morte é abordada na graduação em enfermagem no Rio Grande do Sul, verificando sua importância na formação do enfermeiro, quando iniciam as práticas nos hospitais com pacientes próximos à morte. As autoras observaram que há maior ênfase nos aspectos técnicos científicos da enfermagem e apontam a insegurança dos docentes ao abordar a dimensão humana da morte. O estudo de Salles et al. (2013) buscou desvelar o significado da morte e morrer para estudantes de enfermagem numa abordagem fenomenológica. As seguintes temáticas foram reveladas: dificuldade de compreender a morte, morte como passagem, a dimensão da temporalidade e historicidade do ser e sua influencia no desenvolvimento de cuidados mais humanizados aos pacientes. Oliveira, Quintana et al. (2012) observaram os significados da morte dos alunos de enfermagem em Santa Maria, analisando encontros de ação e reflexão com os seguintes temas: alívio para a alma, inexorabilidade da morte, medo do desconhecido, degradação do corpo, experiência da morte do outro, lembranças, naturalidade da morte, designação da morte como nefasta. Nessa multiplicidade de significados, abarcando a dimensão biológica, social, psicológica, cultural, os acadêmicos tiveram a oportunidade de construir seu conhecimento acerca da morte. Ribeiro & Fortes (2012) analisaram o conhecimento de estudantes de enfermagem sobre a morte, que ainda é vista como tabu. Alunos estão conscientes desta deficiência, querem participar de cursos sobre o tema, envolvendo cuidados a pacientes e questões pessoais. Ao analisar as principais conclusões sobre os artigos, pode-se ver que são coincidentes na questão das dificuldades a respeito da abordagem pessoal da morte e cuidados a pacientes gravemente enfermos.

 

Disciplina Psicologia da Morte - Implantação e Avaliação

Em 1986 criamos a disciplina optativa livre Psicologia da Morte, no Instituto de Psicologia da USP com o objetivo de sensibilizar os estudantes para reflexões pessoais, envolvendo aspectos cognitivos e afetivos sobre os temas abordados em relação à morte, na busca da construção do conhecimento a partir de sua experiência. A proposta pedagógica da disciplina está ligada aos princípios da aprendizagem significativa, como aponta Rogers (1973) ao estimular sensibilização, questionamento, reflexão, confronto de idéias e valores. Buscamos criar condições facilitadoras para que estudantes possam falar sobre suas descobertas, compartilhar com o grupo e também ouvir os colegas. O profissional é seu próprio instrumento de trabalho daí a importância da reflexão consciente sobre sua prática e o desenvolvimento da empatia.

O programa da disciplina apresenta um panorama sobre vários temas relacionados à morte, que poderão ser aprofundados de acordo com o desejo do aluno. Essa estratégia está relacionada com a diversidade e o olhar para várias perspectivas, com objetivo de ampliação de idéias. O curso é organizado em encontros, que contam com a exposição inicial do docente, questões para reflexão e elaboração dos alunos.

Apresentamos o programa e os temas abordados na disciplina: 1. Retratos da morte no Ocidente: a morte domada, invertida, rehumanizada e escancarada. 2. A visão oriental da morte; 3. Morte e desenvolvimento humano, o conceito de morte em crianças, adolescentes, adultos e idosos; 4. Perdas e luto, cuidados a pessoas enlutadas, fatores de risco e proteção na elaboração do luto; 5. Comportamentos autodestrutivos e suicídio, programas de prevenção, cuidados psicológicos a pessoas com ideação e/ou tentativa de suicídio e seus familiares; 6. Pacientes gravemente enfermos, cuidados no fim da vida, programas de cuidados paliativos, aproximação da morte; 7. Bioética: eutanásia, distanásia, suicídio assistido, ortotanásia, morte com dignidade. 8. A questão da morte nas instituições de saúde e educação.

Tecemos a seguir algumas reflexões a partir da experiência de 30 anos de existência da disciplina, considerando as avaliações feitas pelos alunos por escrito em seus trabalhos de conclusão de curso e das avaliações feitas em sala de aula. Apresentamos uma compilação das principais reflexões trazidas pelos estudantes nesses anos em que ministramos a disciplina. Freqüentaram o curso estudantes de vários cursos da USP (Psicologia, Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Escola de Comunicações e Artes, Escola Politécnica, Geologia entre outros). A idade variou entre 20 e 70 anos, com concentração entre 20-28 anos.

No início da disciplina perguntamos aos estudantes o que a morte representa para eles. Entre as respostas observamos: morte como passagem, morte como fim, perda irrecuperável, ausência eterna, separação sem retorno, inevitabilidade, condição da vida, experiência marcante, término do sofrimento, universalidade, questão difícil, precisa ser evitada, desejável, nada, descanso, tristeza e vazio. Observamos uma ampla gama de respostas, que possivelmente tem relação com a história de vida do estudante. O objetivo da disciplina não é alterar sua representação de morte, e sim que há várias atribuições de sentido à morte e que podem influenciar na forma de enfrentamento das situações de perda e morte e também nas expectativas em relação à disciplina.

Entre os motivos de escolha da disciplina os estudantes apontaram os seguintes: formação profissional para cuidar de pacientes terminais, pessoas enlutadas e idosas; aprofundamento pessoal e profissional; subsídios para enfrentar a morte; conhecimentos; interesse; não ter discutido o tema na graduação; iniciação científica; curiosidade; combater a negação; compartilhamento de experiências de perda; temas da disciplina. Verificamos que há motivos de ordem pessoal e que envolvem compreensão, interesse, curiosidade e formas de enfrentamento da morte, portanto buscas de ordem cognitiva e racional. Outras respostas se relacionam à formação e atuação de profissionais para cuidados a pessoas enlutadas, envolvendo a busca de conhecimento sobre práticas psicológicas. Alunos procuram também o curso para compreender situações pessoais envolvendo perdas e tendências autodestrutivas.

As expectativas em relação ao curso foram conhecer formas de enfrentamento de perdas e morte; trabalho com pacientes "terminais" e familiares; o psicólogo e a morte em hospitais, escolas, abrigos, asilos; compreender o sofrimento frente à morte; ampliação de perspectivas; entrar em contato com a morte do ponto de vista pessoal; conhecer especialistas sobre o tema; indicação da disciplina; tornar a morte um tema mais leve; ir além do senso comum; discutir questões sociais e antropológicas sobre a morte. Observamos que as expectativas se concentram na atuação do psicólogo e no aprofundamento teórico. A disciplina busca mesclar teoria e reflexão sobre práticas psicológicas. Oferecemos referências bibliográficas em várias abordagens teóricas. O nosso objetivo é abrir espaço para a diversidade de sentimentos e significados da morte e não propor respostas prontas.

Os estudantes apontaram em suas respostas: a importância do trabalho do psicólogo e sua relação com cuidado a pessoas em luto e sofrimento promovendo a escuta; possibilidade de aprender a lidar com doenças e finitude; é tema recorrente na prática do psicólogo; a morte faz parte da vida; importância da compreensão do desenvolvimento humano e sua relação com a morte (principalmente de crianças); a morte como ponto de partida para outros problemas. Os estudantes apontaram que sensibilidade e firmeza são atributos fundamentais para o profissional, que vai lidar com pessoas em situações de morte. O psicólogo pode ser o primeiro profissional a atender pessoas à morte em casos de suicídios, mortes violentas e aborto. Estudantes apontam a importância de desenvolver a escuta, empatia e sensibilidade. Procuramos discutir e estimular essas atitudes terapêuticas por meio da exibição de filmes, recursos audiovisuais e discussão de casos de pessoas em luto, com ideação suicida ou doença avançada.

A maioria dos alunos apontou que a disciplina sobre a morte atendeu às expectativas. Os motivos apontados foram: ver abordagens psicológicas sobre a morte, discussão de temas relacionados, adquirir novos conhecimentos, reflexão e aprofundamento, ver a morte no ciclo vital, refletir sobre tema tabu, oferecer espaço para perguntas, não ter o tema na graduação, visão atual da morte e despertar atenção para os problemas internos. Analisando as respostas, observamos que foi considerada fundamental a instrumentalização para a prática profissional e reflexão e debates sobre os temas propostos. Foram destacados como aspectos positivos: conhecimento de novas abordagens, contato com a diversidade e complexidade do tema. As discussões em grupo, compartilhamento de experiências e reflexões em aula permitiram a construção do conhecimento sobre a morte. Consideramos que a complexidade do tema da morte, a sua compreensão não devem ser vinculadas a uma abordagem teórica única, e sim a ensaios e reflexões sobre determinadas temáticas, tendo como referencia autores de várias linhas teóricas. A perspectiva que pretendemos passar é de abertura, questionamento e não de respostas convergentes. Para alguns estudantes relatos pessoais são difíceis, referem temor ao expressar reflexões ou sentimentos com medo da crítica dos colegas. Relatos de experiências pessoais favorecem contato com sentimentos, ampliando o autoconhecimento. É fundamental contrabalançar espaços de sensibilização com reflexões teóricas. A discussão de situações clínicas e filmes também ajudam nestas reflexões. Assim o cinema se apresenta como modalidade didática interessante para atingir os objetivos do curso.

A disciplina Psicologia da Morte é teórica e não oferece estágio ou parte prática. Mas, sabemos que questões discutidas são retomadas nas atividades de estágio regulamentar no Centro Escola do Instituto de Psicologia e também em hospitais, escolas e instituições (funerárias, presídios, instituições para crianças em conflito com a lei, entre outros). Alunos têm participado de projetos de iniciação científica envolvendo questões abordadas no curso: a questão da morte em escolas, instituições de longa permanência para idosos e análise de sites sobre suicídio, para citar alguns exemplos.

Procuramos saber como alunos vêem a influência do curso na sua forma de lidar com a morte. Eles relatam que houve maior compreensão e possibilidade de falar sobre o tema, com bases para reflexão sobre os vários temas discutidos e a necessidade de compartilhar experiências e pontos de vista com família e amigos. Não sugerimos maneiras padronizadas de lidar com pessoas enlutadas, com ideação suicida ou em estágio final da vida. Participantes da terceira idade manifestaram o desejo de aprender a lidar com a perda de pessoas significativas, mais particularmente cônjuges. Relataram que conseguiram falar sobre a morte com menos constrangimento e que são vistos como "especialistas" no assunto pelos familiares.

O tema mais significativo na opinião dos estudantes foi o suicídio. É sem dúvida tema complexo e que mereceria um semestre inteiro para abordá-lo com profundidade. Em referência ao tema, os alunos apontaram os seguintes aspectos: a difícil delimitação entre suicídio, comportamentos autodestrutivos e acidentes; análise das motivações possíveis para a tentativa ou ato suicida, aspectos conscientes e inconscientes do suicídio; a busca de morte ou vida; questões culturais, a imitação e contágio do ato suicida e as modalidades de cuidados. Discussões sobre suicídio não devem jamais conduzir a respostas e conclusões simplistas, que conduzem a equívocos. Os encontros sobre o tema abordam conteúdos profundos, sem pretensão de esgotar o assunto. Estudantes se mostram sensíveis à temática e têm interesse em encontrar explicações, ampliar conhecimento, buscar compreensão de casos, alguns próximos deles, por serem colegas da USP. Outros temas também foram destacados como luto e o trabalho psicológico com pessoas que viveram perdas, a aproximação da morte e pacientes gravemente enfermos, questões bioéticas referentes ao final da vida e a questão da morte para crianças e adolescentes.

A realização do trabalho final envolve escolha de um filme, relacionado com os temas discutidos, a elaboração de um ensaio a partir das discussões nas aulas, e é visto como atividade integrante e significativa do curso. Oferecemos uma ampla bibliografia para os alunos. Observamos que há aqueles que gostariam de apresentar um trabalho mais aprofundado, solicitando mais tempo para sua realização. Procuramos apontar a impossibilidade de esgotar tema tão complexo. A realização do trabalho não tem como objetivo a nota, e sim a re-afirmação da responsabilidade dos alunos com a disciplina. Nos últimos anos percebemos que os estudantes se dedicam a ele no decorrer da disciplina.

Consideramos que a auto-avaliação é fundamental num processo de aprendizagem significativa e a promovemos de forma coletiva no último encontro do curso. A maioria dos alunos considerou sua participação boa, enfatizando a atenção nas aulas e o envolvimento nas discussões, embora alguns destaquem que gostariam de se dedicar mais a esta disciplina.

Neste período de 30 anos ocorreram modificações na estrutura inicial do curso. Os alunos da terceira idade imprimiram perspectiva diferente na disciplina, a partir de relatos pessoais, que servem de ilustração para o tema em discussão. Alguns referiram não ter certeza se teriam condições emocionais para frequentar o curso. Propusemos que o iniciassem e que pudessem deixar de frequentá-lo, se assim o desejassem. A maioria dos idosos permanece na disciplina e é interessante a sua relação com alunos de graduação. Essas reflexões mostram como é importante criar espaços para a discussão sobre o tema da morte para pessoas mais velhas, contradizendo a perspectiva de que não querem discutir o assunto. Percebe-se a riqueza da experiência vivida, pois jovens, adultos e idosos a compartilham na disciplina, numa discussão entre várias gerações.

Nos últimos anos temos dado ênfase à área de cuidados paliativos abordando os seguintes temas: pacientes gravemente enfermos, cuidados no fim da vida, programas de cuidados paliativos e aproximação da morte e a inserção do psicólogo nesta área. Procuramos retomar a compreensão de "paciente terminal", com o qual se estigmatiza pacientes com doença grave, implicando numa atitude de abandono dos cuidados, a partir da compreensão que nada há mais a oferecer a eles e seus familiares. Alunos referiram que não tinham conhecimento do que são programas de cuidados paliativos e sua importância no cuidado a pacientes gravemente enfermos, à semelhança da população em geral. Questões bioéticas têm destaque em nossos estudos, envolvendo morte com dignidade, prolongamento da vida, distanásia e ortotanásia. (Kovács, 2013).

Oferecemos bibliografia que contempla os diversos temas relacionados à morte. Agregamos novos textos à bibliografia oferecida aos alunos no início do curso, que conta atualmente com 281 referências agrupadas nos seguintes temas: atitudes frentes à morte, bioética, cuidados paliativos, dor, envelhecimento, espiritualidade, luto, desenvolvimento humano, morte na escola, morte e literatura, morte no hospital, pacientes gravemente enfermos e cuidados paliativos, psicooncologia, profissionais de saúde e morte, suicídio. Incluímos na bibliografia livros não didáticos, boa literatura, citando como exemplo o livro Paula de Isabel Allende, sobre a perda da filha. Compilamos também as dissertações e teses, que estão à disposição para empréstimo no Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM).

O projeto "Falando de morte" é um conjunto de filmes didáticos sobre a questão da morte nas fases do desenvolvimento, elaborado pela equipe do LEM (www.lemipusp.com.br) com objetivo de ser elemento facilitador da comunicação e educação para a morte. Compõe-se de cinco filmes: Falando de morte: Com a criança (1997), Falando de morte com o adolescente (1999). Falando de morte com o idoso (2001), Falando de morte com os profissionais de saúde (2004). Falando de morte na escola (2013). Cada filme aprofunda questões referentes às fases do desenvolvimento. O filme sobre crianças enfoca perdas, adoecimento e o processo de luto, as emoções e comunicação. São destacados o sentimento de culpa e o pensamento mágico onipotente, que interferem na forma como a criança compreende a morte e uma reflexão sobre como responder a questões envolvendo o medo da morte, apresentando os atributos da irreversibilidade e universalidade da morte. São incluídos depoimentos de familiares, profissionais de saúde e educação. O filme dirigido aos adolescentes ressalta os comportamentos autodestrutivos. Nesta faixa etária ocorrem situações de violência e acidentes e o aumento de suicídios. Embora haja aumento de mortes pelos fatores mencionados e não há comunicação sobre o tema. Consideramos o fato de que jovens não encontram escuta para que possam falar sobre a questão da morte com seus familiares e na escola. Este filme pode ser utilizado com eles para fomentar discussões sobre altos índices de morte nesta faixa etária e se constituir como elemento facilitador de sensibilização para educadores e familiares.

O filme sobre a morte com idosos apresenta o processo de envelhecimento, as perdas físicas, sensoriais e cognitivas decorrentes desta fase. Elaborado a partir do depoimento de um idoso, inclui questões sobre adoecimento, morte de pessoas significativas, finalização da existência e o desejo de morrer. Pode ser elemento facilitador de discussão entre idosos, seus familiares e profissionais, que trabalham em Instituições de Longa Permanência para Idosos. O filme para profissionais de saúde oferece texto e depoimentos sobre temas como: morte e desenvolvimento humano, luto, comportamentos autodestrutivos e suicídio, aproximação da morte, morte com dignidade e a questão da morte para profissionais, podendo ser utilizado como instrumento de formação continuada para profissionais de saúde. O filme Falando de Morte na Escola apresenta cenas com crianças vivendo processos de perda e luto na escola e tem como ênfase recomendações para educadores. Outros filmes foram desenvolvidos pelo LEM: Cuidados paliativos (2004) e Morte com Dignidade (2015). Todos os filmes são utilizados na disciplina constituindo-se como elementos facilitadores da discussão sobre questões abordadas nos filmes.

 

Considerações finais

Nas palavras finais deste artigo trazemos a questão: quais são as melhores possibilidades de educação para morte? Disciplinas de graduação, pósgraduação ou aperfeiçoamento podem ser elementos facilitadores? Em nossa perspectiva sim, pois a abertura para reflexão e debate sobre temas fundamentais da existência humana são formas de educação para a morte. Apresentamos neste artigo as áreas de estudo atuais da Tanatologia, a criação e atualização da disciplina Psicologia da Morte na graduação em psicologia na USP, de 1986 a 2016.

Educação para a morte é abertura para sentimentos em relação ao tema e disponibilidade para ouvir a experiência de familiares, pacientes e amigos. Cursos, palestras e atividades, que permitam esta abertura, são formas de preparo, favorecendo a reflexão sobre atitudes frente à morte, no âmbito pessoal ou profissional. Também podem levar à diminuição do temor frente à morte e permitir que alunos e profissionais se sintam instrumentalizados para enfrentar situações vinculadas à morte.

Uma questão se faz sempre presente, falar sobre suicídio pode induzir à sua consumação? Referimos ao impacto desse tema para os estudantes e a necessidade de aprofundar a discussão sobre vários aspectos relacionados. Defendemos que para jovens que não têm ideação suicida, a discussão da temática pode trazer ampliação da compreensão sobre comportamentos autodestrutivos e motivos, que podem levar pessoas a atentarem contra a própria vida. Para aqueles que têm ideação suicida, o curso permite confrontar sentimentos, favorecendo o compartilhamento com colegas e conosco, o que pode ser bom para eles. Para os que estão em crise, pode ser difícil freqüentar as aulas, não porque elas induzem ao suicídio, e sim porque a elaboração de questões pessoais durante o curso pode ser dolorosa. Nesta situação a indicação é o encaminhamento para cuidados psicológicos.

Relatamos neste artigo o desenvolvimento da área de estudos sobre a morte na formação de psicólogos no IP-USP, uma trajetória em constante evolução. Outros temas poderão surgir nos próximos anos a partir da experiência da articulista ou dos docentes, que continuarão a desenvolver esta proposta. Um deles que já se apresenta é a influencia da Internet e das redes sociais envolvendo novas formas de expressão do luto ou indução do suicídio, só para citar temas atuais.

Conversamos com os alunos, que ninguém poderá morrer antes de ler todas as referencias bibliográficas sobre o tema e a cada ano, novas obras são acrescentadas. É uma forma de garantir a "imortalidade" do tema, vasto, complexo e fascinante. Outros cursos, como o aqui proposto, poderão ser criados na graduação e formação de profissionais da área da saúde e educação, e para tal disponibilizamos bibliografia e orientação aos que nos pedem.

 

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Recebido: 19/09/2016 / Corrigido: 20/09/2016 / Aceito: 24/09/2016.

 

 

1 Membro da Academia Paulista - cadeira 24 - Professora Livre Docente do Instituto de Psicologia da USP, Coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte, Avenida Mello Moraes, 1721 - São Paulo - CEP. 05508-900 - e-mail: mjkoarag@usp.br, telefone (11) 3091400 4185.

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