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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.36 no.91 São Paulo July 2016

 

TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS

 

 

Leitura de palavras e compreensão de frases: estudo com alunos do 3º ano do ensino fundamental de três escolas da cidade de São Paulo

 

Word reading and comprehension of sentences: a study with students of the 3rd grade of three elementary schools in the city of São Paulo

 

Lectura de palabras y comprensión de frases: estudio con alumnos del 3er grado de primaria de tres escuelas de la ciudad de São Paulo

 

 

Flávia Renata Alves da Silva1; Daniel Colli2; Márcia Di Santo de Melo Machado3; Maria Regina Maluf4

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/São Paulo - SP/Brasil

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar as habilidades de reconhecimento de palavras e compreensão de frases em alunos do 3o ano do ensino fundamental, de escolas da rede pública e privada. Objetivou-se também analisar o impacto da escola na aprendizagem da leitura, considerando-se estes dois componentes: decodificação e compreensão. Participaram do estudo 250 crianças do 3o ano do ensino fundamental de três escolas da região metropolitana de São Paulo, com média de 8,1 anos de idade. Foram utilizados dois instrumentos de aplicação coletiva, em uma única sessão: uma tarefa de reconhecimento de palavras (TRP) contendo 90 itens e uma tarefa de compreensão da leitura de palavras (TCL) contendo 16 itens. Os resultados mostraram um desempenho abaixo do esperado para o 3º ano , e um efeito da escola sobre o desempenho infantil. As crianças da escola privada tiveram um resultado percentual melhor do que as crianças das escolas públicas para as duas habilidades avaliadas. Demonstrou-se também uma correlação positiva e moderada, de 0,64 entre essas habilidades. Os resultados contribuem para o entendimento dos processos que influenciam na aprendizagem da linguagem escrita nos primeiros anos do ensino fundamental.

Palavras-chave: Alfabetização; linguagem escrita; impacto escolar


ABSTRACT

The purpose of the present work was to check the performance of a group of third graders Elementary School in recognizing words and understanding sentences, as well as the correlation between word recognition and sentence understanding, also to raise hypotheses about the school impact on the acquisition of reading by considering two components: decoding and understanding. The study was developed in three schools in the city of São Paulo, two of them are state public schools and the other one is private. The participants were 250 third grade students, and their average age was 8.1. Two instruments of collective application were used: an exercise on word recognition (TRP) containing 90 items and one exercise on sentence reading comprehension (TCL) containing 16 items. The results showed different percentage of correct answers, and the school impact on learning showed better performance of the private school students in both word reading and sentence understanding. A correlation of 0.64 was also noticed between the exercises on word recognition and sentence reading and comprehension. The mistakes with phonological interference were more frequent than the mistakes with semantic interference, which suggests insufficient domain of phoneme-grapheme relations. Such results contribute to understand the processes that influence initial learning of written language, regarding the teaching methodologies of alphabetic writing system, in which children learn to read and write.

Keywords: literacy; Reading & writing; school impact.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fué evaluar las habilidades de reconocimiento de palabras y comprensión de frases en estudiantes de tercer año de primaria de las escuelas públicas y privadas. Se posibilitó también, a través de este artículo el análisis del impacto de la escuela en el aprendizaje de la lectura, teniendo en cuenta estos dos componentes: la decodificación y la comprensión. El estudio incluyó a 250 niños de tercer grado de primaria de tres escuelas en el área metropolitana de São Paulo, con una media de edad de 8,1 años. Se utilizaron dos instrumentos de aplicación colectiva en una sola sesión: el de Tarea de Reconocimiento de Palabras (TRP) que contiene 90 ítens y el otro de Tarea de Comprensión Lectora de palabras (TCL), compuesta por 16 ítens. Los resultados mostraron un desempeño por debajo de lo esperado para el 3er año de enseñanza y un efecto del tipo de escuela en el rendimiento de los niños. Por su parte los estudiantes de las escuelas privadas tuvieron un resultado mejor que el porcentaje de aquellos de las escuelas públicas, para las dos habilidades medidas. También se demostró una correlación positiva y moderada de 0,64 entre estas habilidades. Los resultados contribuyen a la comprensión de los procesos que influyen en el aprendizaje del lenguaje escrito en los primeros años de la escuela primaria.

Palabras clave: Alfabetización, lenguaje escrito, impacto escolar.


 

 

Introdução

Pesquisas recentes em psicologia cognitiva e neurociência (Dehaene, 2012; Morais, Pierre & Kolinsky, 2003), registram importantes avanços no conhecimento dos processos de aprendizagem dos sistemas alfabéticos de escrita e mostram como o aprendiz evolui, passando por etapas de aquisição de habilidades mais simples para as mais complexas, desde o conhecimento das letras e das relações entre grafemas e fonemas de um dado idioma, o reconhecimento de palavras e chegando à leitura precisa e fluente. Nessa perspectiva, ensina-se a ler e escrever alfabetizando, isto é, ensinando as relações grafema-fonema de nosso sistema alfabético.

Quando lemos no sistema alfabético de escrita do português brasileiro, nos deparamos com padrões visuais, que são as palavras. Uma palavra escrita corresponde a uma representação fonológica: ela tem uma pronúncia possível. Quando aprendemos a ler, aprendemos as letras do alfabeto em suas combinações com o som de nossa fala. Assim, uma boa medida do nível de leitura de um aprendiz consiste em avaliar "como ele lê palavras" (Ehri, 2013b; Morais, 2013).

As palavras são a unidade básica que os olhos dos leitores captam e processam para construir o significado do texto. Saber ler palavras é um passo essencial no desenvolvimento da leitura proficiente. Os leitores iniciantes devem aprender a ler palavras com rapidez e precisão. Linnea Ehri (2013a) identifica quatro diferentes modos de leitura de palavras que podem ser utilizados no decorrer da aquisição da linguagem escrita alfabética, designados como decodificação, analogia, predição e reconhecimento automatizado.

A estratégia de decodificação faz uso do conhecimento das relações grafema-fonema para identificar o som correspondente de cada letra nas palavras escritas, usando as regras de combinação do sistema de escrita no reconhecimento de sílabas, por exemplo. Outra forma de ler palavras é por analogia, uma estratégia que exige o conhecimento de partes de palavras já conhecidas para entender a palavra desconhecida. Essa estratégia só funciona quando os leitores já aprenderam algumas palavras com padrões ortográficos semelhantes. Quanto mais grafias o leitor aprende, maiores serão suas possibilidades de fazer uma leitura por analogia. A predição é a estratégia que demonstra a possibilidade de fazer a leitura de palavras, por meio de combinações de pistas dadas por letras parciais na grafia e assim antecipar o significado dapalavra. É uma estratégia que ajuda a identificar palavras desconhecidas, mediante o reconhecimento do contexto em que elas são lidas.

O aprendiz de leitura que avançou na aquisição do sistema alfabético, fazendo uso dessas diferentes estratégias de leitura, já leu e armazenou na memória várias palavras. Nessa etapa, a visão de uma palavra escrita ativa na memória a pronúncia e o significado da mesma. Ehri (2013b) designa esse processo como sendo de leitura automatizada de palavras (sight word reading), isto é, de leitura que ocorre rapidamente e sem a necessidade dos passos intermediários, que seriam as estratégias de decodificação, de analogia e de predição. A leitura de palavras agora pode ocorrer de imediato, com a palavra sendo percebida como uma unidade inteira. O reconhecimento automatizado de palavras é visto como sendo a maneira mais eficiente, que exige conexões entre grafemas e fonemas, reconhecimento da grafia das palavras ligadas às suas pronúncias e significados na memória.

A aprendizagem da leitura de palavras por reconhecimento automatizado é rápida e duradoura; os leitores aprendem a processar grafias de palavras como mapas que envolvem conexões entre a formação de grafemas e fonemas por meio das grafias das palavras ligadas às suas pronúncias e significados na memória. Esse mapeamento acontece pelo conhecimento do sistema alfabético e pela consciência fonêmica, que é a habilidade de segmentação de fonemas, funcionando como um sistema mnemônico poderoso. O reconhecimento automatizado de palavras libera espaço na memória operacional, fazendo com que o leitor não precise se esforçar para recuperar os significados individuais das palavras e então possa se concentrar na compreensão de frases e textos.

A automatização desses processos é indispensável para permitir que o leitor dedique o máximo de recursos cognitivos aos processos de compreensão da leitura (Braibant, 1997). Como assinala Morais (2014b), a habilidade de reconhecimento da palavra escrita, o conhecimento linguístico, as habilidades cognitivas que incluem o vocabulário, os processos de análise sintática, de integração semântica, assim como a capacidade de realizar inferências, são obrigatórios para compreender o que se lê.

Em nosso País é possível perceber que escolas da rede privada têm organizado suas práticas pedagógicas para o ensino da leitura e escrita de maneira a priorizar o ensino explícito do princípio alfabético, proporcionando às crianças a possibilidade de aprenderem de maneira sistemática o funcionamento do sistema de escrita alfabético. Esse deve ser um objetivo fundamental do período da alfabetização (Morais, 2013). Por outro lado, o mesmo não parece estar acontecendo em grande parte das escolas da rede pública, que seguem orientações estabelecidas por políticas públicas de alfabetização, em que ainda predominam crenças no método global como ideal para todas as crianças e na psicogênese, como explicação apropriada para a aprendizagem do sistema de escrita alfabética.

Avaliações da qualidade do ensino fundamental no Brasil demonstram que existe uma enorme diferença entre os resultados do ensino público e o privado, conforme foi demonstrado, por exemplo, na Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB, 2015), que analisou de maneira amostral alunos das redes públicas e privadas do País. Seu objetivo foi verificar a qualidade, a equidade e a eficiência da educação, e os resultados dessa avaliação compõem o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). O IDEB (2015) do Ensino Fundamental, do 1º ao 5º ano da rede pública de ensino foi de 5,2 pontos, enquanto que o índice da rede privada foi de 6,7 pontos. Resultados como esses permitem afirmar que, se o ensino mostra resultados precários de modo geral, esses resultados são ainda mais precários na rede pública de ensino, que sendo gratuita acolhe o mais alto percentual de crianças brasileiras. Essas são crianças em grande parte provenientes de famílias de baixo nível socioeconômico, e em situação de vulnerabilidade social, cujos familiares muitas vezes não concluíram sequer o ensino fundamental. Os alunos provenientes dessas famílias são os mais atingidos, pelo assim chamado fracasso escolar.

No processo de alfabetização, espera-se que as crianças do 3º ano do Ensino Fundamental tenham adquirido a habilidade de ler palavras e tenham bom desempenho na leitura e compreensão de frases, o que é fundamental e indispensável para que possam continuar seu aprendizado e se tornarem leitores e escritores hábeis.

A presente pesquisa teve como objetivo avaliar o reconhecimento de palavras e a compreensão de frases na leitura de um grupo de alunos do 3º ano do Ensino Fundamental de três escolas, e testar a hipótese da influência da escola nessa aprendizagem inicial. Pergunta-se:

• Qual é o desempenho dos alunos do 3º ano, na leitura e reconhecimento de palavras? Em que medida eles reconhecem erros de tipo fonológico (relação entre fonema e grafema) e de tipo semântico (a escrita não representa semanticamente o seu objeto)?

• Qual é o desempenho dos alunos na compreensão de leitura de frases? Quais as características das frases em que apresentaram maior dificuldade de compreensão?

• Que relação se percebe entre as habilidades de ler palavras e de compreender frases?

• O melhor desempenho na leitura está associado à escola dos alunos?

 

Método

Participantes

A pesquisa foi realizada em três escolas de Ensino Fundamental da região metropolitana da cidade de São Paulo, sendo duas escolas da rede pública estadual de ensino, e uma escola da rede privada.

As duas escolas da rede pública atendem sobretudo crianças provenientes de famílias de nível socioeconômico médio baixo. Uma delas (Escola 1) oferece o Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano) em dois períodos, manhã ou tarde. A outra (Escola 2) oferece o Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano), no modelo de tempo integral. Em 2015 a Escola 1 alcançou um IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 6.9 e a Escola 2 apresentou um índice de 7.3 pontos. A Escola 3 faz parte da rede privada de ensino, atende crianças de nível socioeconômico alto, e não participou das avaliações externas realizadas pela gestão pública, que geram o IDEB.

Participaram da pesquisa 250 alunos do 3º ano do Ensino Fundamental, com média de idade de 8,1 anos, sendo 164 meninas e 86 meninos, assim distribuídos: 94 alunos da Escola 1 da rede pública; 69 alunos da Escola 2 da rede pública; 87 alunos da Escola 3, da rede privada.

Foi obtido o consentimento livre e esclarecido dos responsáveis pelas escolas, e também foi tomado o cuidado de manter o anonimato das crianças e das escolas.

Instrumentos e procedimentos

Foram aplicados dois instrumentos de avaliação: a tarefa de reconhecimento de palavras (TRP), e a tarefa de leitura e compreensão de frases (TLF). Ambos foram adaptados por Zanella (2007), a aplicação dos instrumentos foi feita pelo pesquisador, de forma coletiva, na sala de aula das crianças e com a presença da professora regente da classe.

Avaliação da leitura e reconhecimento de palavras (TRP)

A Tarefa de Reconhecimento de Palavras (TRP) tem como objetivo avaliar a habilidade de reconhecer palavras que expressam corretamente as relações entre fonemas e grafemas (relações fonológicas), e as relações entre a grafia e a figura que representa o significado da palavra (relações semânticas). O instrumento contém itens corretos, itens com erro semântico (as palavras estão grafadas corretamente porém não representam a figura correspondente a elas), e itens com erro fonológico (as palavras representam corretamente a figura desenhada, porém contêm erros de grafia).

São 90 itens divididos em três grupos:

1. No primeiro grupo constam 30 itens corretos, isto é, existe adequação entre a imagem e a palavra escrita:

 

 

2. No segundo grupo constam 30 itens em que as palavras estão escritas corretamente, mas não correspondem semanticamente às imagens (erros semânticos):

 

 

3. No terceiro grupo constam 30 itens em que a palavra escrita representa a imagem, mas contem erros de grafia (erros fonológicos).

 

 

A aplicação foi coletiva. Os alunos foram orientados a observar e fazer a leitura das palavras, circular as palavras que julgassem corretas, e riscar com um X as que considerassem incorretas e a trabalhar o mais rápido possível. A realização da atividade foi precedida de 5 itens de treino, para garantir que os alunos compreendessem as instruções. Foi dado o sinal de início e após dez minutos de execução, foi interrompida.

A análise dos dados foi feita atribuindo-se 1 ponto para cada acerto nos 90 itens distribuídos em três categorias: 30 itens de palavras corretas, semântica e fonologicamente; 30 itens com erro de tipo semântico; 30 itens com erro de tipo fonológico.

Avaliação da Compreensão de Leitura de Frases

A aplicação da Tarefa de Compreensão de Leitura de Frases (TCL) foi feita logo após a de reconhecimento de palavras. O objetivo dessa atividade foi avaliar a compreensão de frases contextualizadas por imagens. O instrumento continha 16 itens, cada um deles com 4 imagens e uma única frase escrita abaixo. O aluno deveria ler a frase, analisar as 4 imagens e circular aquela que melhor representasse a frase lida. A aplicação foi precedida de 2 itens de treino, para garantir a compreensão da atividade. Os alunos foram orientados a trabalhar o mais rapidamente possível.

Exemplos de itens:

 

 

As frases contextualizadas que compõem essa atividade têm diferentes graus de dificuldade. Para alguns itens a resposta correta é mais simples porque só depende da construção de uma representação da imagem a partir do enunciado; para outros, a resposta correta depende de uma inferência, necessária para o aluno operar com deduções. Os itens 4, 9, 11, 13 e 15 contêm frases com estrutura passiva. Os itens 2, 5, 6, 7 e 14 requerem certo grau de inferência para apontar a resposta correta. Nos itens 1, 3, 8, 10, 12 e 16, o tempo verbal utilizado não é frequente nas conversações cotidianas (Zanella, 2007, p. 70).

Para análise dos dados foi atribuído 1 ponto para cada acerto, com um total máximo de 16 pontos. Foram consideradas quatro faixas de pontuação: de 0 a 4 acertos; de 5 a 8 acertos; de 9 a 12 acertos; de 13 a 16 acertos. Além disso, foi realizada uma análise de correlação de Pearson, com o objetivo de verificar se existia associação entre as habilidades de reconhecimento de palavras e a compreensão de frases.

 

Resultados

A Tabela 1 apresenta os resultados dos alunos das três escolas, considerando o percentual de acertos no reconhecimento das palavras corretas, das palavras com erros de tipo semântico, e das palavras com erros de tipo fonológico.

Como se pode ver, os alunos da Escola 3 da rede privada mostraram melhor desempenho nos três tipos de resposta (no total 85% de acertos). Os alunos das escolas da rede pública mostraram maior dificuldade tanto no reconhecimento dos itens corretos, quanto no reconhecimento de erros fonológicos e semânticos, sendo que os da Escola 2 parecem encontrar maior dificuldade (no total 71% de acertos).

No reconhecimento das palavras corretas tanto no aspecto fonológico quanto no semântico, o melhor resultado é dos alunos da Escola 3, rede privada. Contudo, existe também uma diferença entre as duas escolas da rede pública, sendo que os alunos da Escola 1 tiveram desempenho superior aos da Escola 2.

Esses resultados sugerem que os alunos da Escola 3 estão tendo um desempenho melhor do que os das Escolas 1 e 2, e nesse sentido pode-se dizer que se percebe um efeito escola na aprendizagem inicial da leitura de palavras e na compreensão de frases. Uma vez que essas habilidades iniciais dependem sobretudo do ensino, pode-se admitir a existência de diferenças importantes no tipo de ensino da linguagem escrita que está sendo oferecido nas três escolas deste estudo.

A diferença entre as escolas parece estar também na aprendizagem das relações fonema-grafema e da ortografia, uma vez que a identificação de erros fonológicos é mais frequente nos alunos da Escola 3 (71% de acertos). Os alunos da Escola 2 são os que ainda encontram maior dificuldade (57% de acertos). A identificação de erros semânticos é mais fácil se comparada à de erros fonológicos, e nesse aspecto são também os alunos da Escola 2 que encontram maior dificuldade (79% de acertos).

Alguns erros de tipo fonológico foram mais difíceis de serem identificados pelos alunos, o que sugere necessidade de práticas de ensino voltadas para sua superação. As palavras com erros fonológicos e de ortografia que os alunos falharam mais em reconhecer, pois todas obtiveram menos de 55% de acertos, foram palavras com fonemas representados por duas letras (nh), como por exemplo: cestihna, camihnão, montahnas; ou palavras com letras mais sensíveis à discriminação como m n r, como por exemplo telephome, cenouna, ávrore.

Na Tabela 2 estão os resultados dos alunos das três escolas na avaliação da compreensão de leitura de frases, distribuídos em quatro faixas de acerto.

Como se pode ver na Tabela 2, os resultados dos alunos que frequentam a Escola 3 estão situados na sua quase totalidade nas duas faixas superiores de desempenho, mostrando que 96% dos alunos mostraram boa compreensão na leitura de frases, nenhum aluno na faixa inferior e 4% na faixa seguinte.

Nas duas escolas da rede pública há alunos com muito baixo desempenho em leitura e compreensão de frases (6% e 12% só compreenderam de zero a 4 frases lidas). Ademais, 14% e 16% desses alunos só compreenderam 5 a 8 frases lidas, portanto, compreenderam no máximo a metade das frases propostas.

Note-se também que, considerando as duas faixas mais altas de desempenho (9 - 12; 13 - 16 frases compreendidas), os acertos dos alunos das duas escolas da rede pública concentraram-se na faixa de 9 a 12, enquanto que os alunos da escola da rede privada concentraram-se na faixa de 13 a 16 acertos. Esse resultado sugere maior domínio destes últimos na leitura e compreensão, o que permite esperar que alunos que ingressam nessa Escola 3 têm maior probabilidade de aprender a ler e escrever mais cedo e com maior eficiência.

Na Tabela 3 é apresentada a porcentagem de acerto na compreensão de frases segundo os três tipos de itens: frases com verbos passivos, frases que exigem inferência, frases com tempo verbal pouco utilizado na conversação cotidiana.

Como se pode ver, as frases que apresentaram maior dificuldade de compreensão foram as escritas com tempo verbal pouco frequente em conversações (itens 1, 3, 8, 10, 12 e 16), que obtiveram um percentual de acertos de apenas 54%. O item 12, por exemplo, foi aquele em que as crianças apresentaram maior dificuldade de compreensão, pois apenas 44 dos 250 alunos mostraram entender a expressão no tempo futuro "os meninos apanharão".

As frases que exigiam inferências para serem compreendidas foram as de número 2, 5, 6, 7 e 14. Nestas os alunos apresentaram um índice de apenas 69% de acertos. O item com menor número de acertos foi o de número 2, em que era preciso supor a existência de um sofá e a ausência do coelhinho, para compreender a frase: " Mas, onde está o coelhinho que eu deixei no sofá ?".

As outras cinco frases (4, 9, 11, 13, 15) parecem ter sido mais facilmente compreendidas e receberam 79% de acertos. A dificuldade maior foi encontrada na frase de número 15, com estrutura passiva: "O anjinho será acordado pelo coelhinho".

Considera-se que os resultados obtidos na leitura e compreensão de frases estão abaixo das expectativas para alunos que estão no terceiro ano de escola, dos quais se poderia esperar que lessem e compreendessem frases relativamente simples como as que foram propostas. A compreensão da escrita passa pela oralidade, pois é preciso preencher os requisitos de compreensão da linguagem oral, como por exemplo os tempos verbais, o vocabulário e operações de inferência, para que a compreensão que depende da decodificação se torne possível.

Leitura de palavras e compreensão de frases

Os resultados obtidos permitiram também confrontar o desempenho na leitura de palavras com a compreensão de frases. Foi realizada uma análise de correlação de Pearson com o objetivo de verificar se as tarefas de reconhecimento de palavras e de compreensão de leitura de frases estavam associadas. O coeficiente de correlação obtido foi de 0,64, indicando uma relação moderada positiva entre as duas variáveis.

Pode-se dizer com base nesse resultado que o bom desempenho no reconhecimento de palavras contribui positivamente, mas de forma moderada, para a compreensão de leitura de frases.

 

Conclusões

Nesta pesquisa o objetivo maior foi de verificar os resultados da alfabetização das crianças no 3º ano do ensino fundamental. Para isso foram analisados dados que mostram como as crianças de três escolas de ensino fundamental, na cidade de São Paulo, estão compreendendo palavras e frases. Os instrumentos utilizados são consistentes com o enfoque da psicologia cognitiva da leitura, que prevê que o ensino bem sucedido comece pelo conhecimento do sistema alfabético, conduzindo ao reconhecimento de palavras e daí à compreensão de frases, necessários e indispensáveis para a formação do leitor hábil, que demonstra precisão, rapidez, fluência e compreensão na leitura de textos escritos no idioma que ele fala e no qual foi alfabetizado.

Os resultados obtidos sugerem que no 3º ano do ensino fundamental, nas escolas avaliadas, as crianças ainda apresentam dificuldades para ler e compreender palavras e para compreender frases escritas. Dados de avaliação internacional de diferentes países e idiomas (Pisa, 2012) sugerem que, após dois anos de ensino, pode-se esperar melhores resultados do que os obtidos neste estudo, sobretudo se confrontarmos com os de países cujo idioma tem escrita muito mais opaca e difícil de ser ensinada. A escrita do português brasileiro é considerada como sendo relativamente transparente, com a maior parte das palavras combinando a vogal com não mais de uma, duas ou até três consoantes. A constatação de que as crianças da pesquisa tiveram maior número de acertos na identificação de erros semânticos nas palavras lidas (87% de acertos), do que na identificação de erros fonológicos (65% de acertos), sugere que ainda não dominam suficientemente o processo básico da leitura, que consiste em relacionar os grafemas e fonemas nas palavras. Por outro lado, ter três quartos das crianças compreendendo não mais do que 12 das 16 frases propostas é um indicador bem abaixo do que se poderia esperar no 3º ano do ensino fundamental.

A escola frequentada pelas crianças tem influência na aprendizagem inicial da linguagem escrita, conforme é universalmente aceito. Considerando-se os alunos das três escolas pesquisadas, os da escola particular (Escola 3) foram os que mostraram melhor desempenho. Comparando-se o desempenho dos alunos das duas escolas da rede pública, os da escola com tempo integral (Escola 2) tenderam a apresentar pior desempenho, sugerindo que o aumento do tempo de permanência na escola não produziu suficiente impacto na melhora da aprendizagem. Por outro lado estes últimos resultados não se comportaram de acordo com o esperado segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB 2015), um dos critérios que diferenciam as duas escolas da rede pública, uma vez que na Escola 2, cujo IDEB foi de 7,3 pontos, os alunos tiveram menor desempenho nas provas de leitura do que os alunos da Escola 1, cujo índice no IDEB foi de 6,9 pontos.

Sugere-se que futuras pesquisas acompanhem o desempenho das crianças ao longo dos três primeiros anos de alfabetização, para melhor entender como aprendem, que procedimentos de ensino evidenciam bons resultados, onde se situam as dificuldades e como a escola pode orientar práticas mais eficazes.

Mais uma vez reforça-se aqui a necessidade de rever políticas públicas brasileiras sobre a alfabetização, a conveniência de sustentá-las em evidências de pesquisa e de acompanhar o avanço dos conhecimentos da ciência da leitura a respeito de como se aprende a ler, particularmente em sistemas alfabéticos de escrita, como é o caso do português brasileiro.

 

Referências

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Recebido: 03/10/2016 / Corrigido: 06/10/2016 / Aceito: 06/10/2016.

 

 

1 Doutoranda no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação na PUC-SP. Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Email: flaviarenataas@gmail.com.br
2 Mestre em Educação: Psicologia da Educação na PUC-SP. E-mail: dancolli@hotmail.com
3 Mestre em Educação: Psicologia da Educação na PUC-SP. Coordenadora Pedagógica. Email: marcia.mach8@gmail.com
4 Prof.ª Dr.ª no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação na PUC-SP. Endereço: Rua Ministro Godói, 969, 4º andar sala 4E-07, São Paulo, Brasil, 05015-000. E-mail: marmaluf@gmail.com

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