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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.37 no.92 São Paulo jan. 2017

 

TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS

 

 

A luz e o insight - sobre percepção visual e ensino na comunicação

 

Light and insight - about visual perception and communication's teaching

 

La luz y el insight - sobre la percepción visual y la enseñanza en la comunicación

 

 

Cleusa Kazue SakamotoI,1; Lazaro LucioII,2

IFapcom
IIImpacta

 

 


RESUMO

O artigo discute algumas ideias preliminares sobre percepção da luz e insight, que esboçam uma teoria sobre a percepção, comunicação visual e seus processos subjetivos. Apresenta-se como uma espécie de ensaio cuja elaboração de conceitos são decorrentes da prática em sala de aula, mobilizada por um desejo de identificarmos fatores úteis ao aprimoramento do ensino em Comunicação. O ponto de partida do estudo é a luz como fator físico significativo que contribui na captura de informações em nossa troca com o ambiente, que inclusive pode gerar não apenas novas percepções, mas despertar a criatividade. Os efeitos da luz influenciam o cérebro e estimulam percepções relativas a antigas memórias cujas conexões mentais podem favorecer interpretações criativas, quer dizer, conteúdos com significados novos em uma configuração original, antes inexistente. O cotidiano do ensino em Comunicação nos remete a perguntas sobre as fronteiras de nossa troca com o mundo, com o outro, com o que valorizamos e nos surpreendemos. Comunicação que é uma experiência coletiva, põe em destaque a relação humana e permite olhar quão importante é o encontro humano e a sua maior capacidade, a de criar.

Palavras-chave: Percepção visual; Estudo da Luz; Criatividade; Insight; Comunicação.


ABSTRACT

The article discusses some preliminary ideas about perception of light and insight, which outline a theory about perception, visual communication and its subjective processes. It is presented as a kind of essay which concepts are derived from classroom practice, mobilized by a desire to identify factors useful to improve communication teaching. The starting point of the study is light as a significant physical factor that contributes to the capture of information in our exchange with the environment, which can generate not only new perceptions but awaken creativity. The effects of light influence the brain and stimulate perceptions of old memories which mental connections may favor creative interpretations, that is, content with new meanings in an original, non-existent configuration. The everyday of teaching in Communication leads us to questions about the frontiers of our exchange with the world, with the other, with which we value and are surprised. Communication that is a collective experience, highlights the human relationship and allows us to see how important the human encounter is, and its greater capacity to create.

Keywords: Visual perception; Study of light; Creativity; Insight; Communication.


RESUMEN

El artículo discute algunas ideas preliminares sobre la percepción de la luz y el insight, que esbozan una teoría sobre la percepción, la comunicación visual y sus procesos subjetivos. Se presenta como una especie de ensayo cuya elaboración de conceptos se derivan de la práctica en el aula, movilizada por un deseo de identificar factores útiles al perfeccionamiento de la enseñanza en Comunicación. El punto de partida del estudio es la luz como factor físico significativo que contribuye a la captura de informaciones en nuestro intercambio con el ambiente, que incluso puede generar no sólo nuevas percepciones, sino despertar la creatividad. Los efectos de la luz influencian el cerebro y estimulan percepciones relativas a viejas memorias cuyas conexiones mentales pueden favorecer interpretaciones creativas, es decir, contenidos con significados nuevos en una configuración original, antes inexistente. El cotidiano de la enseñanza en Comunicación nos remite a preguntas sobre las fronteras de nuestro intercambio con el mundo, con el otro, con lo que valoramos y nos sorprendimos. La comunicación que es una experiencia colectiva, pone de relieve la relación humana y permite ver cuán importante es el encuentro humano y su mayor capacidad, la de crear.

Palabras clave: Percepción visual; Estudio de la Luz; Creatividad; Insight; Comunicación.


 

 

Introdução

A experiência de ensinar jovens na preparação profissional é para o professor também uma oportunidade de inusitado aprendizado, na medida em que há uma urgência em saber por parte do estudante que impulsiona a busca de aprender, que mobiliza o docente, cujo papel é colaborar com a busca de alcançar o genuíno poder do conhecimento.

Nossa trajetória como professores na capacitação profissional de jovens nos descortina aquisições em vários campos, como o da didática, o do manejo de questões de relacionamento interpessoal, mas acima de tudo, a do ganho diferenciado em relação ao conteúdo que temos a responsabilidade de compartilhar. Ensinar é uma ação que implica primeiramente, aprender. Para Paulo Freire (2002, p. 25), "Quem ensina aprende ao ensinar. E quem aprende ensina ao aprender." Sem dúvida, é preciso que o professor tenha suficiente domínio do conteúdo para então socializá-lo junto ao grupo de alunos. O professor necessita estudar o conteúdo antes de abordá-lo no ensino, o que é sem dúvida, uma 'lição de casa' que sem ela não há possibilidade de boas aulas, tampouco de bons alunos, uma vez que no par professor e aluno, ambos são interdependentes. Em geral, podemos afirmar que alunos produtivos existem em grande parte em decorrência da prática de professores dedicados e capazes.

Em nossa trajetória como preparadores de novos profissionais para o mercado de trabalho em Comunicação, o conhecimento sobre percepção e o processo comunicacional, se mostrou um campo fértil de reflexões e pesquisa.

Com a constatação de que no processo de aprendizado acadêmico é recorrente a dificuldade dos alunos em realizarem conexões entre teoria e prática, nos ocorreu investigarmos em que medida a auto-observação sobre o processo de estudo da Comunicação está na base do entendimento pelo estudante da elaboração de mensagens comunicacionais efetivas; a autoconsciência pode auxiliar o comunicador a ter uma percepção acerca de como seus receptores podem compreender melhor as mensagens a eles dirigidas.

Esta peculiar situação em que compreender a própria percepção pode favorecer o entendimento da percepção do receptor é um elemento que integra a empatia - elemento essencial da relação comunicacional. Empatia ou em grego "empatheia" é um vocábulo, que segundo Simone (2010, p. 11) "provém de emphates-em [colocar dentro, em] + pathos [paixão]" e "veicula a ideia geral de sofrer, sentir, suportar e padecer", que em nosso entendimento pode ser traduzida pela expressão - estar dentro do sentimento. A empatia é um fator que constitui um canal de identificação entre emissor e receptor, o que permite a eficácia de uma troca humana. Empatia é uma capacidade afetiva que é desenvolvida a partir de experiências de relacionamento interpessoal em períodos iniciais do desenvolvimento humano; quando desde bebê, o indivíduo vivencia um intercâmbio com o ambiente permeado de afetos positivos e negativos, mas assegurado por um vínculo de segurança e proteção, suas experiências lhe permitirão estruturar uma compreensão da dimensão afetiva e social de sua natureza humana (Winnicott, 1993). A base de construção da afetividade humana, segundo o mesmo autor, determina as futuras relações interpessoais de um indivíduo, influenciando-o em suas possibilidades de troca de conteúdos subjetivos emocionalmente significativos e no estabelecimento de vínculos afetivos. Empatia, em síntese, é a capacidade afetiva de se colocar no lugar do outro (Goleman, 1995), o que garante um esforço de ajuste das individualidades para alcançarem um intercâmbio afetivo e intelectual; ela é um dos elementos fundamentais da comunicação.

O debate proposto no presente artigo diz respeito aos benefícios da análise do comunicador sobre seu próprio processo de aprendizagem para identificar pontos chave da situação de seu relacionamento com o conteúdo estudado, buscando compreender como se dá a comunicação que chega até ele. A ideia de pesquisarmos a autopercepção dos alunos iniciou uma reflexão teórica sobre a ocorrência do insight como fenômeno mental organizador, que veicula a compreensão do que é percebido, em paralelo à importância da luz enquanto elemento físico influente na percepção visual. A perspectiva delineada de análise, nesta perspectiva, propõe estudar a luz e sua influência no ambiente para o processo de percepção visual e seu contraponto, o insight, como fator interno que integra os elementos envolvidos na experiência perceptiva.

Apresentaremos no artigo, algumas das ideias preliminares sobre percepção da luz e insight, que esboça uma teoria sobre a percepção visual e seus processos subjetivos. O artigo pode ser compreendido como uma espécie de ensaio que apresenta uma elaboração de conceitos ainda especulativos, oriundos de uma observação da prática em sala de aula, mobilizados por um desejo de identificarmos fatores úteis ao aprimoramento do ensino em Comunicação.

 

Percepção e Comunicação

Observar o mundo a nosso redor, seus objetos e detalhes, é espontâneo e inevitável, porém, quando se trata de pensarmos sobre nossas percepções visuais é fundamental e desafiador discutir a função da luz, seu papel no processo perceptivo. "A luz não é a portadora da revelação - ela é a revelação." - afirma James Turrell (s.d. apud Gomes, 2013). Essa afirmação do renomado artista americano que "escolheu a luz como a sua matéria-prima, forjando um tipo de arte imaterial que pretende ser uma experiência sensorial e pôr em causa a nossa percepção da realidade" (Gomes, 2013, s.p.), mostra que vemos a luz e não simplesmente o que a luz revela; portanto, quando estamos abordando a comunicação visual, há que se estudar a luz, talvez o elemento concreto mais importante do processo no plano físico.

Ao questionarmos se conhecermos adequada ou suficientemente a luz, em seu comportamento e composição, nos deparamos com uma observação importante sobre suas consequências, a de não conseguirmos desenvolver um trabalho eficiente, ou mesmo, não obtermos um resultado surpreendente na comunicação das formas e das cores, para um observador. Uma composição visual pode transmitir inúmeras sensações ao observador, a luz poderá despertar inúmeras delas, que influenciarão a percepção das cores e das linhas; pela luz e em função de suas qualidades físicas, o percebido poderá ainda, ser nomeado de inúmeras perspectivas. Korfmann (2010) apresenta exemplos didáticos acerca do uso da luz em cenários teatrais em que ilustra percepções singulares da luz na criação de ambientes. Em suas palavras, afirma: a "realidade teatral por volta de 1800 ilustra claramente como a iluminação do palco bem como seu papel evoluiu de um precário elemento de apoio para um elemento constitutivo da encenação" e ainda, menciona que por volta de 1920 com a luz elétrica, "a exibição aberta da iluminação - e não seu efeito ilusório - revela ao espectador o caráter artificial do teatro, destruindo [...] sua ilusão de se assistir a uma ação momentânea, espontânea, não ensaiada e real" (Korfmann, 2010, s.p.).

A Gestalt ou Psicologia da Forma, teoria proposta por Wertheimer, Köhler e Koffka, em 1912 (Hothersall, 2006) e que representou importante abordagem no início do século XX, propõe que o processo de perceber envolve dois planos de experiência para o sujeito - o primeiro é físico, porque a percepção envolve os órgãos sensoriais e deles dependem a captação de estímulos materiais (forma, cor enquanto comprimento de onda, qualidades de odor, de sabor, textura etc.), - o segundo é subjetivo, porque toda estimulação sensorial é acompanhada de interpretação e esta decodificação está sujeita à influência de fatores individuais, sociais e culturais.

Perceber implica interagir com fatores que geram reações emocionais e repercussões afetivas vinculadas aos objetos e eventos [...] que são revestidos de significados segundo a singularidade pessoal e os parâmetros sociais daquele que percebe e, neste sentido, deflagram os processos comunicacionais. [...] A afetividade humana participa da função discriminatória da percepção do ser humano, pois ela investe de significado a situação que a desperta. (Sakamoto & Zerbinatti, 2015, p. 156)

O estudo da percepção por meio da Teoria da Gestalt não é único neste campo de investigação. Atualmente, a Neurociência Cognitiva vem se ocupando de pesquisas e trazendo conhecimentos novos (Schiffman, 2005). Por se tratar de uma abordagem interdisciplinar que reúne psicologia experimental, psicologia cognitiva, neurociência e ciência da computação, esta abordagem abre um debate bastante amplo que possibilita discutir, por exemplo, que pistas visuais de leitura labial podem estimular centros auditivos, que são naturalmente ativados na percepção da fala audível (Calvert et. al., 1997 apud Schiffman, 2005). Isto é, hoje, podemos compreender algumas modalidades perceptivas a partir de fontes que aparentemente não teriam vínculos com os habituais sentidos envolvidos no processo. Esta observação permite pensar que o entendimento do ser humano a partir da visão compartimentalizada de especializações cada vez mais restritas na organização da ciência, necessita de um contraponto, ou uma visão interdisciplinar integradora de estudos, uma vez que em certa medida somos muito mais intimamente articulados do que consideramos.

A interdisciplinaridade emerge na contemporaneidade da necessidade epistemológica, metodológica e ontológica de responder com competência aos novos desafios, cada vez mais complexos. A multidimensionalidade dos fenômenos sociais, políticos, econômicos, culturais, históricos implica em religar saberes e fazer dialogar os diversos campos para o avanço do próprio conhecimento, que ultrapassa os limites disciplinares. (Petraglia, 2014, p.17)

No campo de estudos da percepção, a Neurociência em sua investigação realizada por meio da Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) torna possível verificarmos a grande orquestra que é o processo perceptivo, composta por processos cerebrais, suas nuances e as relações com o funcionamento mental (Schiffman, 2005).

É interessante considerar, em outro ângulo de análise, que estudar os processos da percepção em sua perspectiva básica, é adentrar o campo da Psicofísica, que tem raízes no início da história da Psicologia científica e implica abordar temas filosóficos centrais, como a natureza humana, o "significado da experiência consciente" e o "enigma sempre presente da relação entre o corpo e a mente" (Schiffman, 2005, p. 17). Estudar a percepção é também buscar compreender a luz simbolizada no ato integrador do insight - momento em que a mente estrutura parâmetros de interpretação capazes de traduzir informações diversas em significados múltiplos.

É extraordinária a maneira com que dependemos da luz para obtermos dados significativos do ambiente e capturarmos detalhes de nossa troca com o mundo, que inclusive podem gerar não apenas novas percepções, mas podem despertar a criatividade. Os efeitos da luz poderão influenciar o cérebro e estimular percepções relativas a antigas memórias guardadas em camadas profundas da consciência. As conexões mentais estabelecidas pela lembrança podem favorecer interpretações criativas, quer dizer, conteúdos com significados novos em uma configuração original, isto é, antes inexistente.

A luz - que gera a percepção de profundidade, volume, distância, espaço, transparência, calor, frio, movimento, altura, profundidade, tempo etc., que são características do mundo físico, que interpretamos afetivamente como: agradável, desagradável, ameno, ameaçador, intimidador, relaxante, tenso, opressor, estimulante, acalentador etc. - é um agente transformador da realidade porque altera a situação com os significados que produz.

Neste cenário de entendimento, é interessante considerarmos a percepção subliminar, que segundo Schiffman (2005, p. 26) decorre de "condições marginais de estimulação [...] nas quais os estímulos aparentemente não provocam nenhuma resposta de detecção", mas provocam "efeitos indiretos [...] sobre o comportamento humano". Percepções subliminares podem aguçar o debate do assunto, na medida em que supõe que há muitos elementos na cena percebida do que consideramos existir, elementos que são capazes de desencadear conexões mentais e provocar reações emocionais e comportamentais, previamente planejadas em uma mensagem dirigida mas com elementos desconhecidos pelo observador.

Contemplar a luz é ver a vida e participar dela, é ter a sensação de estar vivo - obviamente para aqueles que não estão privados deste sentido; para os cegos que não percebem a luz como cor, mas como ondas de calor, eles a interpretam com outros recursos perceptivos que são aqueles de maior sensibilidade para suas características - o tato, a audição e o olfato.

A contemplação enquanto observação detalhada e demorada no decurso do tempo é uma experiência perceptiva em que a luz parece introduzir novas possibilidades. A observação de uma cena ou objeto, que se detém no tempo e que é decorrente da ação da luz refletida de um objeto, pode dar a conhecer uma percepção do ambiente ou as relações do objeto com o ambiente que são interpretadas de modo imutável como se o objeto pudesse ali permanecer e transcender o tempo. Experiências no campo da Filosofia poderiam ampliar esta discussão na medida em que a contemplação sob a ótica filosófica pode se associar a ideias particularmente férteis, como por exemplo, a definição de Tomás de Aquino (Barros, s.d.), como ato da inteligência que assemelha o homem a Deus, ou ainda, como experiência estética sob a ótica de Kant em que o belo incorpora a universalidade do bem, desinteressado e alheio a julgamentos de utilidade e moralidade (Santos, 2010).

Compreender significados intrínsecos à realidade dada que estão associados à esfera da interpretação do real, não estão associados apenas a parâmetros do aqui agora e derivados da influência da história cultural, remetem a reflexões complexas sobre a percepção e sua essência, que transcendem a dimensão concreta da observação. Neste prisma, parece-nos interessante distinguir percepção e contemplação, quando a primeira é interpretação motivada por coordenadas advindas do indivíduo e do coletivo e a última, é experiência expressa em um juízo estético que traduz o sentimento desinteressado e prazeroso, dissociado de funcionalidade objetiva.

A contemplação enquanto atitude ou predisposição psicológica desprovida de determinismo pode ser compreendida como um modo de estar no mundo (ainda que momentâneo), que abre portas à experiência criativa - aquela que flui, na visão de Csikszentmihalyi (1998), ou que expressa um gesto espontâneo representativo de um Self Verdadeiro, segundo Winnicott (1975).

Os dois estudiosos mencionados "abordam a Criatividade como elemento emergente de uma situação de relacionamento entre o 'ser' e o 'mundo'. (Sakamoto, 2012, p. 26) destacando que a experiência criativa sofre uma influência marcante dos fatores do ambiente.

Ao considerarmos a criatividade como uma experiência em que novas integrações ou interpretações surgem do encontro do ser humano e o ambiente, qualquer que seja o possível produto derivado, também se mostra importante dar destaque ao sentimento de contentamento, o que coincide com a experiência da contemplação, visto que a criatividade "ancora o processo de constituição do sentimento de "valor do viver" - o sentimento pessoal de que a vida é significativa e vale a pena ser vivida" (Winnicott, 1975 apud Sakamoto, 1999, p. 33).

Sobre a experiência da percepção, encontramos ainda, a ilusão de ótica, que é um curioso fenômeno em que a percepção é resultante de elementos ausentes no plano real, isto é, que não possuem existência material, embora tenham existência no mundo mental; a ilusão de ótica é uma experiência em que a subjetividade sobrepõe-se à condição física, determinando ao observador o que ele percebe. Exemplos clássicos conhecidos são: a ilusão de que a paisagem se desloca na estrada quando somos nós que nos locomovemos em um veículo, ou a ilusão de ótica do movimento em figuras estáticas cujos elementos são dispostos de forma estratégica em que a capacidade mnêmica da retina e os processos neurológicos conduzem a mente a uma organização do conjunto percebido como um todo ordenado em movimentação como é o cinema (Hothersall, 2006).

Nesta linha de pensamento em que diferentes estímulos transmitidos pela luz nos conduzem a interpretações muito além do aparente visível, somos levados a destacar que esta ligação luz e observador depende de estruturas mentais constituídas pela bagagem de experiências, que estão apoiadas em esquemas cognitivos complexos de conhecimento acumulado de modo criativo pelo intérprete observador.

O fenômeno da ilusão de ótica na atualidade apresenta alguns exemplos de grande impacto quando consideramos o ambiente virtual; a luz exerce sobre o cérebro, impulsionando inúmeros processos que explicam comportamentos humanos gerados nas últimas décadas que ampliaram os hábitos cotidianos. No meio digital, uma pessoa pode reagir de forma contrária à realidade externa, em função de uma total influência de mensagens virtuais, respondendo de modo independente sem levar em consideração a fidelidade real da situação.

O meio digital é uma situação às vezes estranha para observação de quem está fora do contexto, comparada por outro lado com a percepção de quem se encontra na situação e pode estar confundida com o real a ponto de substituí-lo imaginariamente; para quem está olhando o cenário através de um visor ou tela, a tela de um computador é como um simulacro de uma janela da realidade, produzida por milhares de pontos luminosos e que descortina uma dimensão que ora é complementar ao real, ora é uma dimensão dissociada e com novos parâmetros, porque não é concreta mas virtual.

As informações trazidas ao cérebro por meio das telas de acesso dos dispositivos eletrônicos, mesmo quando sabemos não serem reais no sentido de serem concretas, como fatos imaginários, metáforas visuais, representações alegóricas de ideias, filmes de ação etc., estimulam reações concretas (riso, pesar, ansiedade etc.) de acordo com a força da percepção que provocam. Este campo de estudo como uma área de interesse para pesquisas sobre o cérebro humano e sua participação na construção de interpretações em que a mente esteja submissa ao poder da manipulação da luz em contexto virtual já se esboça na área de marketing e e-commerce.

Na realidade concreta, um simples traço, uma cor, uma forma, um movimento, a partir de cada raio de luz refletido sobre eles poderão trazer uma vasta quantidade de informações sensoriais que resultarão em diferentes percepções que podem causar as mais diversas reações do indivíduo. O uso da luz nas formas de comunicação pode ser o diferencial no processo do despertar das sensações e percepções no observador. A luz é a fonte da percepção criativa e também da originalidade de ideias, isto é, a luz não apenas ilumina o real mas o produz.

A ideia de que, portanto, se o que é percebido é a luz, podemos criar um novo entendimento sobre as formas mais efetivas na comunicação visual para traduzirmos as mensagens desejadas. Nesta perspectiva, devemos nos ocupar em identificarmos características dos materiais em que o comunicador deverá escolher para sua mensagem, para que tenham a qualidade sensível de despertar a contemplação do observador. A eficácia da comunicação visual dependerá do estudo sobre a multiforme variação das fontes de luz no ambiente, mediante os objetivos determinados na mensagem, isto é, se desejamos dar a impressão de transparência na percepção visual ou se buscarmos estimular a sensação de constrição e necessidade de alívio, devemos identificar o potencial da luz existente ou das formas em que podemos introduzi-la. O próprio comunicador tem a si mesmo como um observador, para ter ao menos uma base da experiência para contemplar a luz no ambiente por meio dos diversos cenários existentes a seu redor: na paisagem de sua janela, na rua de sua moradia ou do caminho de seu trabalho, na atenção a uma flor em uma vitrine, uma fruta em um anúncio de propaganda, um gato em meio a calçada etc., que estruturam sua bagagem de experiências e referências em sua interpretação frente o ambiente e a comunicação.

O conhecimento acerca dos processos perceptivos amplia o entendimento de aspectos da vida humana e da comunicação e criatividade. Ao assistirmos um filme, não poderemos reagir ao que vemos na tela se não contemplarmos as cenas até que estejamos totalmente imersos na realidade dos personagens e enredo, ao ponto de fazermos parte do contexto ficcional; a realidade virtual aumenta inúmeras vezes esta sensação vivencial que a luz nos induz, ela nos transporta a experiências emocionais e oportunidades intelectuais inquestionáveis.

O potencial da comunicação humana amplia-se imensuravelmente, com a experiência do observador Interessado em explorar a condição de que a luz é uma fonte transformadora, não somente de comprimentos de onda e impulsos elétricos, mas de dimensões metafísicas da mensagem.

As infinitas possibilidades combinadas a partir da luz e da experiência do observador só poderão ser idealizadas, imaginadas e percebidas, pela própria observação do construtor da obra, na elaboração de sua mensagem. A percepção da luz refletida exige tempo de observação, muito estudo da forma e da própria luz, mas também exige um 'esvaziamento conceitual' do que já foi visto em sua disposição mental no momento da interpretação; para termos novas percepções, obtermos ângulos variados do observado e novas significações, é necessário abandonarmos definições prévias que permitirão um olhar receptivo a mudanças interpretadas pela mente, que irão imprimir novas concepções, mesmo inexplicáveis inicialmente.

Quanto mais informações forem reunidas por meio de ricas exposições dos mais diversos contextos disponíveis a serem percebidos e, quanto mais explorarmos meios sensíveis de comunicação, maiores serão as possibilidades de conhecermos novidades; a base desta possibilidade é o autoconhecimento, fonte permanente de luz interior.

Perceber é permitir que a luz que ilumina o mundo se faça percebida sem barreiras pelo observador, ou que o que é percebido seja recebido por uma captação sensorial que esteja isenta previamente da atribuição imediata de códigos, com suspensão de julgamentos convencionados, para que as informações possam transitar nas conexões mentais buscando significados genuínos, inovadores. A lâmpada acesa, imagem representativa frequentemente utilizada como símbolo de entendimento dado pelo insight, é uma imagem muito apropriada para configurar a percepção criativa, na medida em que ela é a própria luz interna - 'sinal interior', ou insight - que por sua natureza criadora concebe novas realidades.

 

Considerações Finais

Luz é elemento auxiliar, essência e conhecimento diante do descortinar da realidade. Luz como fator material ou físico e luz como elemento subjetivo, integrador, têm nos estimulado a refletir sobre a fértil compreensão da percepção e da comunicação, bem como sobre o ensino na área.

Se o ensino é para o docente uma prática profissional de pesquisa, ou uma espécie de laboratório, no sentido de possibilitar descobertas na experiência acadêmica cotidiana de auxílio ao aprendizado dos alunos, o exercício docente consiste em uma prática de observação e busca de provas de hipóteses que tendem a nos oferecer novos caminhos ou novos modos de caminhar no território da didática.

Ensinar conteúdos em Comunicação deve ter em vista que ela (a Comunicação) é uma experiência coletiva que põe em destaque a relação humana e com isso, permite olhar quão importante é o encontro humano e a sua maior capacidade, a de criar.

Parece muito apropriado no ensino em Comunicação, perguntarmos sobre as fronteiras de nossa troca com o mundo e com o outro, com o que valorizamos e nos surpreendemos, já que o debate na sala de aula parece ser governado por uma potencialidade criativa de peculiar alcance, quando encontramos alunos motivados e professores preparados a buscarem respostas para infinitas questões sobre existir, viver e compartilhar experiências, comunicando-se.

Os gestaltistas estudaram princípios organizadores das formas perceptivas, como uma espécie de forças que primam pela simplicidade, unificação e segregação, reforçando a compreensão de que o conhecimento do mundo nos chega pelos sentidos e que o processo de decodificação é posterior a esta base sensorial, primordial. Kandel (2014, p. 423) endossa esta afirmação, mencionando que:

A percepção inicia em células receptoras, sensíveis a um ou a outro tipo de energia de estímulo. A maioria das sensações é identificada com determinado tipo de estímulo. Assim, uma luz de comprimentos de onda curtos atingindo os olhos parece azul e o açúcar na língua tem sabor doce.

Complementa o autor, em suas definições que "aquilo que é visto com o "olho da mente" vai muito além daquilo que está presente nos sinais de entrada" e que "A percepção visual é uma criação do encéfalo" (Kandel, 2014, p. 424).

Debruçarmos sobre este horizonte complexo que é o estudo da percepção, certamente nos permitirá encontrarmos material para a descoberta de novos caminhos, criando expressões novas para a comunicação. A vida e suas nuances pertencentes ao mundo, em sua vastidão, podem ser explicadas muitas vezes em suas entrelinhas. A captação intuitiva e as inferências espontâneas da percepção podem abrir caminhos a saberes que expandem a compreensão de nossas próprias capacidades. O insight como entendimento imediato traduzido muitas vezes como "percepção" é o conhecimento que nos chega do mundo externo e do mundo interno simultaneamente e que, em seu processo, reúne o contato com informações da realidade objetiva e da realidade subjetiva, integrando a dimensão corpo e mente, afetividade e razão, ação e pensamento.

Na tentativa de finalizar nossa análise preliminar sobre a luz e o insight, ocorre-nos destacar que o elemento físico e a disposição psíquica, associados, parecem explicar fenômenos em interação de natureza intrincada que relacionam os pressupostos sobre o processo criativo. Se tivermos em mente que "Criar é o verbo por excelência do existir humano" (Sakamoto, 1999, p. 26), poderíamos considerar que - perceber e contemplar o percebido - são atos que parecem constituir pontos de partida para uma interação criativa do observador em seu relacionamento com o mundo.

Mencionando por hora, o que poderia ser nosso esforço preliminar de entendimento do assunto, concluímos a presente exposição com a pergunta de pesquisa, que permanece em aberto, qual seja: "Será a luz, potência física fundante que nos desperta o olhar e ilumina até mesmo o dado imaterial na cena, aquela que determina a percepção, ou desperta a contemplação criativa, mas sobretudo, dá base ao insight que é o fenômeno capaz do fluir a vida de modo incessante, para o observador?"

 

Referências Bibliográficas

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Recebido: 17/05/2017 / Corrigido: 01/06/2017 / Aceito: 02/06/2017.

 

 

1 Psicóloga formada pela Universidade de São Paulo, professora na Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação - FAPCOM, autora de inúmeros artigos e capítulos de livros. Contato: Av. Brig. Faria Lima, 1616 / 804 Tel.: 3815-8234. E-mail: cleusa.sakamoto@geniocriador.com.br
2 Publicitário, designer, professor da União Educacional e Tecnológica Impacta. Contato: Av. Antonio Buono, 180 Tel.: 99296-6758. <https://www.behance.net/lazarolucio>. E-mail: lazarolucio@gmail.com.

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