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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.37 no.92 São Paulo jan. 2017

 

RESENHAS DE LIVROS

 

 

NASCIMENTO, Jarbas Vargas (org.) Misericórdia e Vida Acadêmica. São Paulo: EDUC, 2016, 153p.

 

 

Sergio Lucas Camara1

 

 

Essa obra é composta da reflexão de vários docentes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo que articulam o tema da misericórdia com conhecimentos específicos em diversas áreas como a Psicologia, Ciências Sociais, Letras, Matemática, Direito, Direito Canônico, Teologia, Educação e Ciências da Comunicação. Na perspectiva dialogal entre fé e ciência, os docentes expõem várias possibilidades que articulam o conhecimento científico com o tema da misericórdia. Ela, a misericórdia, é o fio condutor de toda a obra, é o ponto de partida para diferentes reflexões, desde a exploração conceitual. No entanto, a misericórdia não é apenas um conceito abstrato, mas algo que se traduz em práticas que se tornam ainda mais necessárias quando olhamos para a realidade atual, na qual os poderes dominantes subjugam os valores humanos e discutem problemas por eles mesmos criados. Nesse contexto, a misericórdia passa a ser vivida por uma pequena porção de cidadãos que acreditam na reversão das ações desastrosas que afetam o ser humano e o planeta. As reflexões nos impulsionam a pensar no que pode ser feito no âmbito pessoal em relação aos mais necessitados, cujo número cresce assustadoramente em todo o mundo, mas também ampliar o agir para o âmbito coletivo e social, de modo que associações e outras organizações, inclusive as estatais possam se envolver na questão. Os autores mostram que a misericórdia não está limitada ao campo da religião e, mesmo sendo o Estado Brasileiro laico, de acordo com o artigo 5º da nossa Constituição que possibilita e permite a liberdade religiosa, encontramos relação entre os direitos humanos e as obras de misericórdia. Além disso, é necessário considerar que, na área jurídica, a aplicação do Direito sem a caridade, sem socialização dos bens, dos meios e das possibilidades, não se pode praticar a justiça.

Em outra perspectiva, uma das partes da obra apresenta uma pesquisa com análise qualitativa sobre a vivência da misericórdia por alunos universitários e aponta o avanço da tecnologia, como um serviço da humanidade para a potencialização do bem, inclusive nas redes sociais.

No que se refere à pessoa com deficiência, a misericórdia pode ser regedora da regra inclusiva, quando conduz a uma participação ativa dessa pessoa na sociedade. Outro grupo contemplado na obra é o da população idosa. O envelhecimento é visto no panorama brasileiro com seus desajustes econômicos, que se refletem nas carências sofridas por essa população, quanto à saúde, moradia, educação, trabalho e outros aspectos, evidenciando que os cuidados necessários a uma velhice digna deveriam estar entrelaçados com a misericórdia. É preciso considerar também que as mudanças físicas e sociais e as perdas sofridas no processo de envelhecimento geram dúvidas, angústias e até mesmo a busca pelo sentido da própria existência. Sobre essa questão, a obra lembra de pesquisas relacionadas a espiritualidade e religiosidade, cuja observação clínica verifica resultados concretos na promoção e melhoria da saúde.

O livro oferece também uma reflexão sobre a manifestação da misericórdia pela palavra, a partir do entendimento de que esta pode ser uma ferramenta capaz de mobilizar sentimentos e transformar atitudes. Além disso, deve-se perceber que a verbalização da palavra pode intervir diretamente na saúde e no bem-estar das pessoas, constituindo-se uma modalidade terapêutica. Nesse sentido, pensamos na relação entre as palavras amor e misericórdia. No campo da psicologia, podemos, portanto, falar de misericórdia e amor de formas variadas, como na psicossíntese, uma abordagem psicológica integrativa que atua em estreita ligação com os processos de cura e de crescimento que fazem parte do indivíduo e da humanidade. A estrutura da personalidade, apresentada pelo criador dessa abordagem, compõe-se, entre outras, do "Inconsciente Superior" que diz respeito aos estados de contemplação, iluminação e êxtase, e do "Eu Superior", também chamado de "Eu Espiritual". Diante da violência, egoísmo, intolerância e outras mazelas sociais que imperam na atualidade, é preciso que nos voltemos ao nosso Inconsciente Superior, onde estão nossas qualidade positivas e descobrirmos que a misericórdia está em nós, só precisa ser acessada. No que se refere à Teologia, é oferecida uma reflexão sobre as obras de misericórdia temporal na relação entre a tradição judaica e a tradição cristã, mostrando uma importante aproximação entre essas duas religiões. O texto apresenta a fundamentação da prática das obras de misericórdia na Torah e faz uma comparação com o Evangelho de Mateus, mostrando que essas obras são um patrimônio comum entre judeus e cristãos. A inspiração para esse livro foi o Ano Extraordinário da Misericórdia, anunciado pelo Papa Francisco e vivido intensamente pelos católicos em todo o mundo, no período de 8 de dezembro de 2015 a 20 de novembro de 2016. Nesse ano, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo comemorou 7 décadas de dedicação ao ensino superior. Sendo a universidade uma fonte para o conhecimento e a produção do saber, a universidade católica dirige um olhar atento às palavras do Papa Francisco que tem se empenhado na tarefa de estabelecer e fortalecer a ponte entre Igreja e sociedade. O Pontífice adota uma postura de alguém próximo e acolhedor, utiliza uma linguagem direta e se torna uma presença cativante. Com o Ano Jubilar Extraordinário da Misericórdia, o Papa evidencia e amplia a necessidade de atenção para com aqueles que estão nas periferias do mundo, não apenas no sentido geográfico, mas principalmente refere-se àqueles que se encontram nas periferias existenciais, que sofrem na solidão, àqueles que estão envoltos nas mágoas e ressentimentos e que necessitam do gesto concreto das pessoas, das organizações, associações, instituições e do empenho das investigações acadêmicas na criação de formas eficazes para combater as desigualdades e injustiças.

 

 

1 Psicólogo, Mestre em Teologia Pastoral, Mestrando em Psicologia Clínica pela PUC-SP, Pároco da Paróquia Santa Rosa de Lima - Perdizes (São Paulo). E-mail: sergiolucas40@hotmail.com.

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