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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.38 no.94 São Paulo jan./jun. 2018

 

TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS

 

 

A permanência de mulheres em relacionamentos abusivos à luz da teoria da ação planejada

 

The permanence of women is abusive relationships in the light of the theory of planned action

 

La permanencia de mujeres en relaciones abusivos a la luz de la teoría de la acción planeada

 

 

Ingridd Raphaelle Rolim Gomes1; Sheyla C. S. Fernandes2

Universidade Federal de Alagoas - Maceió

 

 


RESUMO

Com os índices de violência contra a mulher, em suas mais variadas tipificações, maximizando-se assustadoramente, torna-se crescente os estudos que objetivam compreender os aspectos que envolvem a permanência de mulheres em relacionamentos abusivos. A literatura tem indicado diversos fatores que contribuem para a permanência de mulheres em relacionamentos abusivos, tais como: dependência financeira, dependência psicológica, medo de morrer, esperança de mudança do companheiro, sentimentos de desvalorização, inferioridade e culpa, entre outros. O presente estudo objetiva identificar, na produção científica, os estudos que investiguem a permanência de mulheres em relacionamentos abusivos, a partir da Teoria da Ação Planejada e/ou da Teoria da Ação Racional. Para tanto, foram utilizados descritores em português, inglês e espanhol em seis bases de dados. Os resultados evidenciam que, apesar do grande número de estudos identificados, apenas três utilizaram a Teoria da Ação Planejada/Teoria da Ação Racional para explicar este comportamento, dois deles eram artigos teóricos e um artigo experimental. Todos os estudos referem a validade nomológica deste modelo teórico. Além disso, os resultados permitem sugerir estudos empíricos que considerem mulheres de diferentes faixas etárias, etnias, escolaridade e classe social, para ampliar as considerações feitas acerca da permanência de mulheres em relacionamentos abusivos.

Palavras-chave: Mulheres; relacionamento abusivo; Teoria da Ação Planejada.


ABSTRACT

Based on the numbers of violence against women, in its most varied ways, frighteningly maximizing it, there is a growing number of studies that aim to understand the aspects that involves the permanence of women in abusive relationships. The literature has indicated several factors that contribute to the permanence of women in abusive relationships, such as: financial dependence, psychological dependence, fear of dying, hope of changing the partner, feelings of devaluation, inferiority and guilt, among others. The present study aims to identify, in scientific production, studies that investigate the permanence of women in abusive relationships, based on the Theory of Planned Action and / or Rational Action Theory. For that, descriptors were used in Portuguese, English and Spanish in six databases. The results show that, despite the large number of studies identified, only three used the Planned Action Theory / Rational Action Theory to explain such behavior, two of them were theoretical articles and one was an empirical article. All studies refer to the nomological validity of this theoretical model. In addition, the results allow us to suggest empirical studies that consider women of different age groups, ethnic groups, scholarity and social class, to expand the considerations made about the permanence of women in abusive relationships.

Keywords: Women; abusive relationship; Theory of Planned Action.


RESUMEN

Con los índices de violencia contra la mujer en sus más variadas tipificaciones, maximizándose terriblemente, cada vez mas aumentan los estudios que objetivan comprender los aspectos que involucran la permanencia de mujeres en relaciones abusivas. La literatura ha indicado diversos factores que contribuyen a este fenomeno tales como: dependencia financiera, dependencia psicológica, miedo a morir, esperanza de cambio del compañero, sentimientos de desvalorización, inferioridad y culpa, entre otros. El presente estudio objetiva identificar, en la producción científica, los estudios que investiguen la permanencia de mujeres en relaciones abusivas, a partir de la Teoría de la Acción Planeada y / o de la Teoría de la Acción Racional. Por lo tanto, las palabras claves se utilizaron tres idiomas: Portugués, Inglés y Español en seis bases de datos. Los resultados evidencian que, a pesar del gran número de estudios identificados, sólo tres utilizaron la Teoría de la Acción Planeada / Teoría de la Acción Racional para explicar este comportamiento, dos de ellos eran artículos teóricos y un artículo experimental. Todos los estudios refieren la validez nominal de este modelo teórico. Los resultados obtenidos permiten sugerir estudios empíricos que consideren mujeres de diferentes grupos de edad, etnias, escolaridad y clase social, para ampliar las consideraciones hechas acerca de la permanencia de mujeres en relaciones abusivas.

Palabras clave: Mujeres; relaciones abusivas; Teoría de la Acción planeada.


 

 

Introdução

Segundo a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2011), homens e mulheres sofrem violência de forma diferenciada, ao passo que homens tendem a ser vítimas nos espaços públicos, as mulheres são atingidas cotidianamente dentro de seus próprios lares, geralmente, por seus companheiros e familiares, como mostram estudos populacionais e em serviços de saúde (SCHRAIBER ET AL, 2002; DESLANDES, GOMES E SILVA, 2000). A violência contra a mulher, de acordo com as Nações Unidas (1993), consiste em quaisquer atos violentos que se baseiem no gênero, que provoque ou tenha probabilidade de provocar, danos físicos, sexuais e/ ou psicológicos, incluindo a ameaça para a prática dos referidos atos, a coerção ou privação arbitrária da liberdade em ambiente privado ou público.

Este fenômeno alcança mulheres em diferentes classes sociais, origens, regiões, estados civis, escolaridades, raças, orientações sexuais e idades (BRASIL, 2011). No Brasil, a violência contra a mulher, se apresenta com prevalência elevada e, portanto, esta problemática institui-se como um dos problemas prioritários a ser enfrentado pela saúde pública (SILVA, FALBO, CABRAL, 2009; RAFAEL, MOURA, 2013) e pelos direitos humanos (MOURA ET AL., 2011). Em pesquisa encomendada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, em 2013, relevou-se que 54% dos entrevistados afirmaram conhecer ao menos uma mulher que havia sido agredida por seu parceiro e, 56% declararam conhecer ao menos um homem que havia agredido sua parceira. Além disso, a pesquisa do Instituto Avon e do Data Popular, evidenciou que 56% dos homens reconheceram que já haviam cometido algum ato considerado como violência contra a mulher, a exemplo de empurrar, ameaçar e/ou humilhar em público (DATA POPULAR, 2013; INSTITUTO AVON, 2013).

De acordo com o Mapa da Violência (2015), o Brasil apresenta taxa de 4,8 homicídios para cada 100 mil mulheres, ocupando a 5ª posição num grupo de 83 países. Apenas El Salvador, Colômbia, Guatemala e a Federação Russa evidenciam taxas superiores às taxas brasileiras. De acordo com a Secretaria de Políticas para as Mulheres, através do Balanço dos atendimentos registrados pelo Ligue 180, entre janeiro e outubro de 2015, das 63.090 denúncias de violência contra a mulher, 49.82% referiam-se à violência física, 30.40% à violência psicológica, 7.33% à violência moral, 4.86% à violência sexual, 2.19% à violência patrimonial, 1.76% à cárcere privado e 0.53% à violência envolvendo tráfico. Esses atendimentos também revelaram que 77,83% das vítimas possuem filhos/as e que 80,42% desses/as filhos/as presenciaram ou sofreram a violência.

Além de destruir milhares de vidas, a violência contra as mulheres provoca danos físicos, depressão e comportamentos suicidas (BALONE, ORTOLANI IV, 2003). Segundo Pedrosa (2009) os danos da violência sobre a saúde da mulher podem assumir caráter de cronicidade, de modo que exigirá apoio adequado, tanto de profissionais quanto de familiares e amigos. Os dados obtidos no estudo conduzido pela Organização Mundial de Saúde, em 2005, em 10 países, revelaram que os danos à saúde mental foram os mais enfatizados. De acordo com Adeodato et. al. (2005) as mulheres, vítimas de violência, apresentam sentimentos de solidão, desamparo, irritação e tristeza crônica, além de ansiedade, insônia e distúrbios sociais.

De acordo com Marques (2005) normalmente, diante de uma ameaça, a reação de um indivíduo deveria ser a evitação, contudo, no contexto conjugal observa-se a repetição cíclica de ocorrências de violência contra a mulher. Conforme Hirigoyen (2006), ocasionalmente, diferentes situações impedem que as mulheres encontrem alternativas para sair de seus relacionamentos violentos. A violência se inicia com microviolências, que podem ser morais e verbais e, em seguida, evoluem para agressões físicas, de forma que a violência tende a ser naturalizada (HIRI-GOYEN, 2006). De acordo com Edwards (2011) entre 31% e 85% das relações abusivas continuam por algum tempo depois do incidente inicial de abuso. Sem ajuda externa, dificilmente a mulher rompe os vínculos com o companheiro violentador (SAFFIO-TI, 2004). Segundo Soares (1999) o rompimento do ciclo de violência é um processo demorado e, naturalmente, hesitante. Conjecturar que a denúncia às autoridades competentes revela a definição absoluta de todo o processo é desconhecer este ciclo e desprezar a dinâmica destas relações (MARQUES, 2005). Os estudos de Lima e Werlang (2011) e de Miranda, Paula e Bordin (2010) mostram que, apesar do registro de mais de uma queixa, as mulheres permanecem com os agressores por, pelo menos, três anos. E, portanto, como enfatizado por Gomes et. al. (2013), quando inseridas nesse contexto, as mulheres tendem ao isolamento, cada vez mais acentuado, e a perda, gradativa, de sua rede de apoio, de forma que as torna ainda mais vulneráveis.

Bell e Naugle (2005) afirmam que muitas teorias têm sido desenvolvidas com o objetivo de explicar os fatores que influenciam a decisão de mulheres, em situação de violência, a permanecerem ou afastarem-se de um relacionamento abusivo. Segundo Soares (2005) o rompimento de uma relação violenta pode durar anos, considerando que muitas mulheres podem continuar com seus companheiros devido à dependência financeira, ao medo de morrer, já que sofrem ameaças, à espera pela mudança do comportamento do companheiro, à vergonha de assumir o fracasso do relacionamento ou à dependência emocional. Kim e Gray (2008) referem a falta de recursos materiais e fatores psicológicos como fatores associados a permanência nesses relacionamentos. Deeke e colaboradores (2009) também encontram resultados semelhantes, revelando que a maioria das mulheres do referido estudo expressavam sentimentos de desvalorização e inferioridade. Na inexistência de fatores econômicos, aspectos como a intimidade e a centralidade da relação, segundo Giordano e colaboradores (2010), podem funcionar como restrições para o término do relacionamento. Já segundo Pazo e Aguiar (2012), muitas mulheres deixam de denunciar por apresentarem a percepção de que a autonomia sobre sua vida não lhes pertence, além disso, algumas acreditam serem culpadas pela violência sofrida e outras sequer percebem-se em situação de violência.

Para além dos fatores supracitados, relacionados às mais diversas perspectivas teóricas, com este trabalho, buscaremos maximizar a compreensão acerca da permanência de mulheres em relacionamentos abusivos à luz da Teoria da Ação Planejada. Portanto, esta pesquisa objetivou realizar uma revisão de literatura acerca da permanência de mulheres em relacionamentos abusivos a partir da Teoria da Ação Planejada e, além disso, objetivou identificar quais os principais fatores apontados pela literatura para a permanência de mulheres em relacionamentos abusivos.

 

Método

Realizou-se uma busca em 6 bases de dadoser: Scielo, Pubmed, PsycInfo, PsycArticle, Lilacs e Index Psi. Os descritores utilizados foram Teoria da Ação Planejada ou Teoria do Comportamento Planejado, combinados através das conjunções e/ou com violência contra mulher ou relacionamento abusivo. Além dos termos em língua portuguesa, foram buscados também em língua inglesa e espanhola. Optou-se por não especificar o período de publicação, considerando que este estudo objetiva compreender, a partir dos artigos científicos já publicados, como a Teoria da Ação Planejada e/ou a Teoria da Ação Racional tem sido utilizada para explicar a permanência de mulheres em relacionamentos abusivos. Desta forma, para que não fossem excluídos estudos importantes em decorrência de sua data de publicação, foram incluídos trabalhos publicados até o mês de março de 2017, quando finalizou-se a busca. Os critérios de inclusão foram: tratar-se de artigo científico e conter os descritores no título. Foram excluídos os artigos que, após leitura do título, identificou-se incoerência com a temática proposta por esta pesquisa. Os artigos selecionados através da leitura dos títulos, foram submetidos, posteriormente, a leitura dos resumos e, a partir da segunda seleção, foram submetidos a análise na íntegra.

 

Resultados e discussão

A busca inicial nas bases de dados gerou um total de 4.599 documentos (TABELA 1). Na base de dados SciELO foram encontrados 1455 artigos. Destes, 230 foram encontrados a partir dos descritores em português; 1.105 foram encontrados a partir dos descritores em inglês; e, por fim, 120 a partir dos descritores em espanhol. Dos 1.455 artigos encontrados nesta base de dados, apenas 01, encontrado a partir dos descritores em inglês, foi selecionado após a leitura dos títulos. Os demais estudos foram excluídos por: 1) não tratarem da temática a partir da teoria desejada; 2) tratarem da teoria desejada, mas não abordarem o comportamento de interesse deste estudo; além disso, foram excluídos os artigos repetidos que apareciam vinculados a diferentes descritores. Por meio da leitura dos títulos foi possível identificar que os estudos excluídos tratavam, essencialmente, sobre a prevalência da violência, as consequências da violência, a perspectiva da violência por diferentes autores sociais, em especial, dos profissionais de saúde.

 

 

Na base de dados PubMed foram encontrados 2.784 documentos. Destes, 2.782 foram encontrados a partir dos descritores em inglês e 02 a partir dos descritores em espanhol, não sendo encontrado nenhum documento a partir dos descritores em português. Dos 2.782 artigos encontrados, apenas 41 foram selecionados a partir da leitura dos títulos. E assim como na base de dados supracitada, os demais estudos foram excluídos por: 1) não tratarem da temática a partir da teoria desejada; 2) tratarem da teoria desejada, mas não tratarem do comportamento de interesse deste estudo; além disso, muitos apareceram repetidos em diferentes descritores.

Na base de dados PsycArticles foram encontrados 120 documentos. O total deste adveio da busca com os descritores em inglês, não sendo localizados documentos na busca com os descritores em português e espanhol. Dos 120 artigos encontrados, apenas 02 foram selecionados para este estudo após a leitura dos títulos. Alguns foram excluídos por estarem duplicados entre as bases e entre os descritores.

Na base de dados Lilacs foram encontrados 10 artigos, todos eles a partir da busca com os descritores em inglês. Não foram encontrados resultados a partir das buscas com outros descritores. Destes, 06 foram selecionados após a leitura dos títulos. Já na base de dados Index Psi foram encontrados 230 documentos, destes, 114 estudos foram encontrados a partir dos descritores em português; 114 a partir dos descritores em inglês; e apenas 02 a partir dos descritores em espanhol. Destes, 04 foram selecionados para análise posterior, após leitura dos títulos.

A partir desses primeiros resultados, observase que a base de dados que se destaca com a maior quantidade de documentos encontrados é a PubMed (2.784); seguida da Scielo (1.455); Index Psi (230), PsyArticles (120) e Lilacs, que não contou com resultados expressivos, apenas 10.

Unindo todos os documentos (TABELA 2), obteve-se um total de 54 estudos selecionados, a partir da leitura dos seus respectivos títulos em todas as bases de dados, para a análise dos resumos.

 

 

Dos 31 resumos analisados, dezesseis (16) trata-de tomar medidas de proteção contra o assédio e o vam sobre a permanência de mulheres em relaciona-abuso de pares e, o segundo, examinava a capacidade mentos abusivos ou sobre fatores que influenciam a da Teoria da Ação Planejada explicar a cessação dos saída destes relacionamentos, entretanto, não utili-comportamentos violentos dos homens. Desta mazavam o referencial teórico da Teoria da Ação Plane-neira, após a leitura dos resumos dos 31 estudos disjada (01, 05, 06, 07, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 18, postos na Tabela 3, foram selecionados para a leitura 19, 20 e 21); dez (10) referiam, em geral, informa-na íntegra, 03 artigos que tratam da permanência de ções sobre violência contra a mulher (03, 04, 23, 24, mulheres em relacionamentos abusivos a partir da 25, 26, 27, 28, 29 e 31); e dois (02) tratavam sobre Teoria da Ação Planejada e/ou Teoria da Ação Raciocomportamentos violentos e a Teoria da Ação Pla-nal, e que compõem a amostra final deste estudo e nejada (15 e 30), o primeiro analisava as intenções podem ser visualizados na Tabela 4.

1. The decision to leave an abusive relationship: empirical evidence and theoretical issues

Este estudo foi conduzido por Michael Strube, em 1988, e tinha o objetivo de revisar criticamente pesquisas empíricas disponíveis que tratassem sobre a decisão de deixar uma relação abusiva e, além disso, analisar diferentes modelos teóricos que pudessem ser úteis na compreensão deste processo decisório.

Strube (1988) aponta que a revisão de pesquisas anteriores sugeria emprego, duração da relação, presença de abuso na infância e quantidade de separações anteriores como fatores que influenciam a decisão de deixar uma relação abusiva. No entanto, o autor aponta amostras não aleatórias, desenhos retrospectivos e excesso de dependência como limitações destes estudos. E propõe quatro modelos para auxiliar na compreensão deste processo: 1) Aprisionamento Psicológico; 2) Desamparo Aprendido; 3) Análise de Custo/Benefício; e 4) Ação Racional.

De acordo com Strube (1988), nenhum dos estudos analisados utilizou amostragem aleatória, de forma que a representatividade das amostras é desconhecida. Além disso, a maioria dos estudos analisados teve como participantes mulheres que procuravam ajuda em abrigos e, não há evidências de que essas mulheres diferem de mulheres que nunca procuraram abrigos, que possuem condições sóciodemográficas distintas ou que vivem outros perfis de violência. De fato, é possível que uma população inteiramente diferente de mulheres ainda não tenha sido estudada, pois não buscaram intervenção em abrigos. Strube (1988) aponta ainda que outro problema da pesquisa nesta área é a natureza retrospectiva dos estudos, referindo que os antecedentes da decisão de sair de um relacionamento abusivo identificam-se apenas em desenhos de pesquisa baseados no tempo. Por fim, os estudos revisados diferem quanto ao número e ao tipo de variáveis que foram mensuradas e relacionadas à decisão de deixar um relacionamento abusivo. Devido às complexas inter -relações entre estas variáveis e a ausência de uniformidade, há dificuldade para interpretar e comparar os resultados.

Concluída a análise das pesquisas empíricas disponíveis sobre a temática, Strube passa a tratar dos quatro modelos teóricos sugeridos. Inicialmente, descreve acerca da Teoria do Aprisionamento Psicológico como um processo de decisão no qual os indivíduos intensificam seu compromisso com uma ação previamente escolhida, apesar de notadamente enfraquecida, a fim de justificar ou "compensar" os investimentos prévios. Em outras palavras, os indivíduos aprisionados agem como se tivessem "investido demais para desistir" (STRUBE, 1988). Ainda segundo o autor, o aprisionamento psicológico baseia-se na noção de que os indivíduos se sentem compelidos a justificar o tempo, o esforço, o dinheiro ou outros recursos que gastaram na busca de alguma meta, neste caso, para o sucesso do relacionamento amoroso. Já o Desamparo aprendido, normalmente, é presumido como a presença de três déficits: 1) déficit motivacional, caracterizado pela incapacidade de iniciar respostas capazes de remover a situação ameaçadora; 2) déficit cognitivo, caraterizado pela incapacidade de aprender uma nova contingência; e 3) déficit afetivo, caracterizado pela depressão. Em conjunto, esses três déficits criam um ciclo de desamparo, considerando que a crença de que as respostas não provocam impacto nos resultados reduz a probabilidade de novas respostas serem iniciadas. O terceiro modelo, o da Análise de Custo-Benefício, é baseado na premissa de que as decisões sobre relacionamento resultam de uma análise dos custos e dos benefícios das relações atuais comparadas com as de relacionamentos alternativos. De acordo com este modelo teórico, podemos pensar em quatro situações: a) resposta auto-punitiva, quando os custos econômicos, sociais e psicológicos são maiores que as recompensas nas relações atuais e alternativas; b) resposta agressiva, quando recompensas excedem os custos na relação atual, mas os custos excedem as recompensas em relacionamentos alternativos; c) resposta de desengajamento precoce, quando os custos excedem as recompensas no relacionamento abusivo; d) resposta relutante de desengajamento, quando as recompensas excedem os custos no relacionamento abusivo. E, finalmente, o autor passa a descrever a Teoria da Ação Racional como um modelo atraente por estar bem desenvolvido metodologicamente, por ser conceitualmente sólido, com riqueza de verificação empírica, por tratar-se de um modelo geral e por ser capaz de abranger todos os modelos supracitados.

Strube (1988) defende que as quatro abordagens teóricas apontadas em seu estudo podem ser úteis para maximizar a compreensão acerca da decisão de deixar um relacionamento abusivo. Entretanto, a aplicação destes modelos baseia-se no pressuposto de que este processo decisório é uma decisão racional. Na medida em que a dinâmica desta decisão é patológica, os modelos descritos neste estudo tornam-se inapropriados. Além disso, apesar da descrição dos modelos tenha se realizado separadamente, é improvável que apenas um deles forneça uma descrição completa da decisão de deixar um relacionamento abusivo, cada modelo é capaz de fornecer uma perspectiva diferente. O autor sugere ainda que pesquisas futuras possam integrar modelos teóricos para maximizar o poder explicativo e preditivo.

2. A critical review of theories to explain violent relationship termination: implications for research and intervention

Este artigo é uma extensão do trabalho de Strube (1988), que avaliou pesquisas empíricas e potenciais teorias para explicar a decisão de mulheres deixarem relacionamentos abusivos. Entretanto, este trabalho propõe-se a apresentar informações sobre a relevância e as formas pelas quais uma teoria deve ser avaliada, além de determinar quais abordagens teóricas, com base nas evidências, podem ser mais produtivas para explicar este comportamento. Rhatigan et al (2006) referem que, infelizmente, desde então, poucas pesquisas teóricas sobre as decisões de deixar um relacionamento abusivo foram produzidas, apesar do interesse contínuo nessa temática.

Rhatigan et al. (2006) pontuam que encorajar o término do relacionamento erroneamente acaba culpabilizando as vítimas e que as primeiras pesquisas sobre a saída de relacionamentos abusivos objetivavam examinar supostas tendências masoquistas das mulheres. Estudos mais recentes evitam a culpabilização, reformulando a questão norteadora de "Por que as mulheres permanecem?" para "Como algumas mulheres são capazes de deixar esses relacionamentos?". Além disso, parte significativa dos dados mais atualizados sobre as decisões de deixar um relacionamento abusivo contribuiu para o incentivo de uma postura mais compassiva em relação às mulheres e às dificuldades que enfrentam para terminar seus relacionamentos abusivos. Rhatigan et al (2006) apontam que pesquisas têm evidenciado que a violência do parceiro pode aumentar após a separação, considerando que as ordens de restrição, geralmente, não protegem adequadamente as mulheres e questões como a custódia dos filhos dificultam a separação e aumentam a probabilidade de vitimização contínua.

No artigo base para o desenvolvimento do estudo de Rhatigan e colaboradores (2006), foram revisados quatro modelos teóricos, entretanto, neste estudo, outros modelos foram adicionados, pontuando as potencialidades e limitações de cada um deles e apontando evidências empíricas para examiná-las. Rhatigan e colaboradores (2006) pontuam a Teoria do Desamparo Aprendido como uma das teorias psicossociais mais influentes e, frequentemente, discutida no estudo da depressão. Entretanto apontam o trabalho "The Battered Woman", de Lenore Walker (1979), como um trabalho inovador em relação à aplicação dos princípios básicos desta teoria para explicar comportamentos, geralmente, visualizados em mulheres maltratadas. No referido trabalho postulava-se que esta teoria poderia ajudar na compreensão do comportamento de passividade e dependência frente aos seus relacionamentos e, posteriormente, aos eventos abusivos. De acordo com Rhatigan et al (2006), a teoria do desamparo aprendido é uma das teorias mais citadas para explicar as reações psicológicas femininas frente à violência por parceiros íntimos. Apesar disto, segundo Rhatigan e colaboradores (2006), a Teoria do Desamparo Aprendido pode não explicar adequadamente "de que maneira" algumas mulheres vitimadas conseguem sair destes relacionamentos, considerando que fornecem explicação para as barreiras internas que impedem o término do relacionamento, a exemplo de déficits de motivação, afeto ou cognição, entretanto não reconhecem as barreiras externas, que exercem influência, a exemplo da falta de recursos.

Já a Teoria da Ligação Traumática, de Dutton e Painter (1981), tenta explicar o processo psicossocial em que mulheres e outras pessoas maltratadas desenvolvem apegos ou laços emocionais fortes com aqueles que as abusam fisicamente. Esta perspectiva defende que esse apego forma-se em decorrência de um desequilíbrio de poder entre o perpetrador e a vítima (RHATIGAN ET AL, 2006). Para Rhatigan et al. (2006), esta teoria explica apenas uma parcela das relações violentas, considerando que existe outra parcela de mulheres que não sofrem violência física, de forma que a teoria não apresenta explicações para a população em geral.

Considerando a Teoria da Ação Racional e a Teoria do Comportamento Planejando, Rhatigan e colaboradores (2006) apontam a previsão e explicação exitosa de uma variedade de comportamentos decisórios, a exemplo do uso de preservativos e para de fumar, entretanto, foram minimamente aplicadas no estudo do abuso de parceiros. Quando aplicada a mulheres vítimas de violência, permanecer ou sair de um relacionamento abusivo, depende, essencialmente, de suas expectativas em relação às consequências e das normas sociais. Mulheres que referem que os custos do término, como por exemplo risco de violência e menor capacidade de apoio financeiro, podem indicar que permaneceriam envolvidas com o parceiro abusivo. Da mesma forma, mulheres cujas redes sociais influentes encorajam a reconciliação, poderiam indicar a permanências neste relacionamento (RHATIGAN ET AL, 2006). Rhatigan et al. (2006) afirmam que esta teoria assume que a decisão sobre a permanência ou saída de um relacionamento abusivo é baseada em muitas fontes de informação e recursos disponíveis para as mulheres. Além disso, pontuam que a teoria reconhece o impacto que as redes sociais das mulheres podem exercer na tomada de decisão, fator que, segundo os autores, não havia sido reconhecido em outros modelos explicativos. Entretanto, como trata-se de uma teoria geral de tomada de decisão, é necessário obter informações convincentes sobre a dinâmica das relações interpessoais.

Para o Modelo do Investimento, de Rusbult (1980), as mulheres vítimas, assim como todos os indivíduos, comprometem-se com as relações, na medida em que necessidades importantes, como segurança financeira e intimidade, não podem ser atendidas completamente na ausência desta relação. Defende-se que os sentimentos de compromisso desenvolvem-se em decorrência de outros três fatores, a saber: satisfação com o relacionamento, alternativas de qualidade e investimentos. Satisfação com o relacionamento refere-se às relações de custo-benefício da relação atual. Alternativas de qualidade referem-se à relação custo-benefício das relações alternativas, ou seja, com parceiro alternativo, amigos e família. Já investimentos dizem respeito à magnitude e importância referente aos recursos psicológicos e materiais vinculados às relações atuais que poderiam ser perdidos em caso de término destes (RHATIGAN ET AL, 2006). Para Rhatigan e colaboradores (2006) esta teoria utiliza-se de construções específicas de relacionamento para determinar a decisão de permanência ou saída. Diferentemente de outros modelos teóricos, o Modelo de Investimento afirma que os processos dinâmicos e interativos influenciam, de forma mais significativa, a tomada de decisão de mulheres, do que as diferenças individuais. Entretanto, esta teoria não dá conta de explicar os indicadores ideográficos das decisões, de forma que pode não representar a abordagem mais abrangente.

Já a Teoria do Aprisionamento Psicológico, de Brockner e Rubin (1985), sugere que as mulheres intensifiquem seu compromisso com os relacionamentos abusivos com o intuito de justificar tentativas anteriores de fazer o relacionamento funcionar. Esta teoria fornece entendimento, baseado em dissonância cognitiva, pois pensa-se que as mulheres experimentam tensão e conflito em decorrência da falta de consistência entre seus pensamentos (RHATIGAN et al, 2006). Para Rhatigan e colaboradores (2006) as evidências sugerem que as mulheres, provavelmente, usam uma abordagem mais custo-benefício, em oposição às dissonantes, considerando que os estudos têm demonstrado, repetidamente, que as mulheres vítimas de violência não minimizam a violência que experimentam.

Por fim, os autores referem acerca do Modelo de Tomada de Decisão em duas partes, de Choice e Lamke (1997), representa uma tentativa de integrar as teorias levantadas por Strube (1988) - Desamparo Aprendido; Aprisionamento Psicológico; Teoria da Ação Racional e Modelo de Investimento. Para tanto identifica aspectos que se sobrepõem nas teorias e componentes exclusivos de cada uma. Esta tentativa acrescenta à literatura teórica, reconhecendo a relevância de diferentes fatores na decisão de deixar um relacionamento abusivo, além disso, resume uma literatura teórica vasta e complicada. Contudo, ao fazê-la, algumas partes das teorias são perdidas e pressupõem o impacto de todas as teorias identificadas por Strube, apenas de algumas delas apresentarem pouca evidência empírica (RHATIGAN et al, 2006).

Para Rhatigan e colaboradores (2006), em termos de evidência empírica geral, testabilidade e generalizabilidade, a Teoria do Comportamento Planejado e o Modelo de Investimento, parecem demonstrar maior previsibilidade nas decisões de sair de um relacionamento abusivo. Estes dois modelos ainda empregam construções teóricas bem operacionalizadas e medições estabelecidas, maximizando o potencial sucesso de pesquisas futuras que as testem. Além disso, estes modelos mais gerais são aplicáveis a diferentes amostras de mulheres, em contraste com as teorias específicas da violência que, frequentemente, relaciona-se, quase que exclusivamente, com mulheres vítimas de violência física grave e frequentam instituições de acolhimento, não sendo capazes de generalizar para aquelas que experimentam níveis infrequentes de violência ou outros tipos que não a física. Desta forma, A Teoria do Comportamento Planejada e o Modelo de Investimento são modelos de tomada de decisão que se aplicam a todos os indivíduos, e não apenas aos envolvidos nestas relações abusivas e, sugerem que as mulheres vítimas levam em conta os mesmos aspectos na tomada desta decisão que as mulheres não-vitimizadas. Segundo Rhatigan e colaboradores (2006) a pesquisa teórica reduziria o número cada vez maior e, consequentemente, mais confuso, de variáveis postulados como importantes para a compreensão das decisões de mulheres de permanecerem em relacionamentos abusivos. Os autores também referem que as teorias gerais, ou seja, a Teoria do Comportamento Planejado e o Modelo do Investimento podem possivelmente, deixar de capturar as experiências únicas de mulheres e, pode ser este o motivo de a Teoria do Desamparo Aprendido atraiu mais atenção entre pesquisadores e clínicos.

3. leaving an Abusive dating Relationship: A Prospective Analysis of the investment model and theory of Planned Behavior

O objetivo deste estudo foi compreender os processos de saída, de mulheres jovens, de relacionamentos abusivos, usando um projeto prospectivo e testando dois modelos sociais psicológicos: 1) Modelo de Investimento e 2) Teoria do Comportamento Planejado. Os objetivos específicos deste estudo foram: 1) avaliar a adequação do Modelo de Investimento aos dados; 2) avaliar o ajuste da Teoria do Comportamento Planejado aos dados; 3) comparar os ajustes dos dois modelos para explicar o comportamento de saída de relacionamentos abusivos, de mulheres universitárias, ao longo de um período de 4 meses de seguimento. Para serem considerados participantes deste estudo era necessário ser do sexo feminino, com idade de 18 anos ou mais e, no momento, estar em uma relação de namoro. Os participantes foram informados que se tratava de um estudo para avaliar as relações de namoro, não havendo, portanto, menção a violência por parceiro íntimo para evitar viés de seleção. Posterior à assinatura do TCLE, os exames foram administrados, em grupo, por uma estudante de graduação ou pós-graduação. As mulheres que participaram da pesquisa foram compensadas com um crédito no curso. As mulheres que referiram experiências de violência em seu relacionamento atual e forneceram informações de contato para o possível seguimento da pesquisa, foram contatadas quatro meses após a participação inicial por telefone e/ou e-mail para participar de uma pesquisa de acompanhamento. Estas mulheres foram compensadas com U$ 20 por sua participação.

Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram: 1) a Escala de Táticas de Conflito - Revisada (CTS 2), que avalia as experiências dos participantes de violência psicológica, física ou sexual perpetrada por parceiro íntimo; 2) a Escala do Modelo de Investimento (IMS) para avaliar as variáveis do Modelo de Investimento (satisfação, qualidade das alternativas, investimento e compromisso); 3) o Questionário da Teoria do Comportamento Planejado (TPBQ), construído com base nas orientações dos autores da teoria, Ajzen e Fishbein (1980) e adaptadas do estudo de Byrne e Arias (2004), as escalas avaliavam atitudes, normas subjetivas e controle comportamental. O último questionário foi construído para o presente estudo, realizando análise fatorial confirmatória.

Segundo os autores, para o Modelo de Investimento, a continuidade em um relacionamento é predita pelo comprometimento, que está em função do investimento, da satisfação e de alternativas de baixa qualidade. Para os autores, a Teoria do Comportamento Planejado refere que o comportamento é predito pela intenção para fazê-lo, que está em função das atitudes em relação ao comportamento, das normas subjetivas e do controle comportamental percebido. A amostra deste estudo foi de 169 mulheres universitárias, em relacionamentos abusivos. Edwards et al (2014) referem que grande parte das pesquisas feitas para compreender o processo de saída de relacionamentos abusivos tem sido ateórica, ou seja, não baseiam-se em nenhum modelo teórico e são específicas da violência, que se concentram nos déficits na autopercepção, julgamento e racionalidade das mulheres abusadas. Além disso, os autores pontuam que as teorias gerais da literatura psicológica social foram adequadas a esta temática. Edwards e colaboradores (2014) afirmam que os artigos de revisão teórica (Rhatigan et al, 2006 e Strube, 1988) declararam que o Modelo de Investimento e Teoria do Comportamento Planejado são os mais promissores na compreensão da permanência/saída de relacionamentos abusivos. No entanto, apenas o estudo de Byrne e Arias (2004) testou a Teoria do Comportamento Planejado para avaliar as intenções de permanência/saída de relacionamentos abusivos.

Segundo os resultados desta pesquisa, acerca da Teoria do Comportamento Planejado, atitudes mais favoráveis em relação a saída do relacionamento abusivo e maior pressão social percebida estavam relacionadas à intenção de deixar o parceiro. O controle comportamental não estava relacionado com as intenções de saída. Já considerando o Modelo de Investimento, maiores níveis de satisfação e investimento no relacionamento, menor qualidade de alternativas percebidas e maiores níveis de comprometimento no relacionamento previu prospectivamente as decisões de permanência/saída de relacionamentos abusivos (EDWARDS et al, 2014).

Finalmente, segundo Edwards e colaboradores (2014), tanto o Modelo de Investimento quanto a Teoria do Comportamento Planejado foram adequados aos dados, contudo, a Teoria do Comportamento Planejado apresentou melhor ajuste aos dados.

Os resultados deste estudo evidenciam que, apesar de os descritores utilizados permitirem o acesso a um grande número de publicações científicas sobre a permanência de mulheres em relacionamentos abusivos, uma quantidade inexpressiva destes, tratam da temática aliada a Teoria da Ação Planejada. Dentre os três artigos que utilizaram a Teoria da Ação Planejada para compreender o comportamento supracitado, apenas um deles o fez em caráter empírico. Corroborando a carência de estudos, em especial empíricos, que investiguem o comportamento de mulheres de permanecer em um relacionamento abusivo a partir deste modelo teórico.

A análise dos resumos permitiu identificar que apesar de os autores dos diferentes trabalhos concordarem acerca da relevância da teoria para uma explicação mais eficaz acerca da permanência de mulheres em relacionamentos abusivos, poucos artigos têm sido publicados a esse respeito (RHATIGAN ET AL, 2006). Ainda de acordo com as autoras, a Teoria da Ação Planejada diferentemente de outros modelos teóricos, que consideravam apenas os aspectos internos, tem evidenciado que as mulheres encontram barreiras internas e/ou externas que as impedem de deixar um relacionamento abusivo. Desta forma, afirmam que o ato de deixar um relacionamento abusivo pode não estar inteiramente relacionado com a capacidade de controle das mulheres. Por exemplo, mulheres que sofrem violência, podem não possuir moradia alternativa, fonte financeira e/ ou não possuírem as condições de financiar creche e/ou atender as necessidades básicas de seus filhos e, consequentemente, elas permanecem "presas" aos relacionamentos violentos, apesar de possuírem atitudes positivas em relação ao término e poder contar com uma rede de apoio que as incentive ao término (RHATIGAN ET AL., 2006).

A similaridade dos três estudos concerne a ratificação de que os aspectos teóricos e metodológicos da Teoria da Ação Planejada estão bem sustentados. Como apontado por Strube (1998), a TAP é um modelo teórico atraente por estar bem desenvolvido metodologicamente e por ser um modelo conceitualmente sólido, com uma riqueza de verificação empírica.

Com a análise dos dados foi possível notar referência a um estudo, não localizado nesta pesquisa, de Byrne e Arias (2004). De acordo com Edwards et al (2014), surpreendentemente, apenas um estudo publicado (Byrne e Arias, 2004), testou a Teoria da Ação Planejada para avaliar a intenção de mulheres de permanecer ou sair de um relacionamento abusivo. Segundo as autoras, Byrne e Arias (2004) documentaram que as atitudes favoráveis em relação ao abandono e controle comportamental sobre a saída estavam relacionadas a intenções de saída, mas as normas subjetivas para a saída não estavam relacionadas.

Outro aspecto a ser considerado a partir dos resultados alcançados diz respeito a população estudada, que majoritariamente é de mulheres que buscaram auxílio em abrigos ou outras instituições de acolhimento, além de terem sido vítimas de violência física, essencialmente. De forma que, exclui da margem explicativa aquelas mulheres que não buscam ajuda em instituições e que sofrem outros tipos de violência, como a psicológica, financeira, sexual e etc. De certa maneira, a partir dos estudos evidenciados, ao considerarmos a população e os tipos de violência elencados por estes estudos, é possível pontuar também a noção de que as mulheres mais favorecidas, educacional e financeiramente, não sofrem violência como as mulheres de classes mais baixas, considerando que os estudos supracitados priorizam as investigações com mulheres menos favorecidas, econômica, social e educacionalmente. Este fato é contradito em diversos estudos (Bascom, 2014; Barboza & Oliveira, 2016) que pontuam a violência contra a mulher como um fenômeno que atinge mulheres independente de sua faixa etária, escolaridade, etnia e classe social, por exemplo.

Desta maneira, torna-se notória a necessidade de desenvolver estudos que envolvam diferentes públicos femininos, com o objetivo de maximizar a compreensão acerca do comportamento de permanecer em um relacionamento abusivo.

 

Conclusões

O presente estudo objetivou identificar, na produção científica, os estudos que investigaram a permanência de mulheres em relacionamentos abusivos a partir do modelo teórico da Teoria da Ação Planejada ou da Teoria da Ação Racional. Os resultados revelaram que, apesar de os descritores utilizados permitirem o acesso a um grande número de publicações científicas sobre a permanência de mulheres em relacionamentos abusivos, uma quantidade inexpressiva destes, trataram da temática aliada a Teoria da Ação Planejada ou da Teoria da Ação Racional. Dentre os três artigos que utilizaram a Teoria da Ação Planejada para compreender o comportamento supracitado, apenas um deles o fez em caráter empírico. Corroborando a carência de estudos, em especial empíricos, que investiguem o comportamento de mulheres de permanecer em um relacionamento abusivo a partir deste modelo teórico. Entretanto, a revisão dos resumos permite referir a validade nomológica do mesmo.

A escassez de material, tanto nacional quanto internacional, sobre a permanência de mulheres em relacionamentos abusivos à luz da Teoria da Ação Planejada e/ou da Teoria da Ação Racional são consideradas limitações deste estudo. Além disso, a ênfase dada apenas à artigos científicos pode restringir os alcances desta pesquisa, considerando que trabalhos não publicados, a exemplo de Trabalho de Conclusão de Curso, dissertações e teses não foram contemplados. Portanto, é necessário o desenvolvimento de estudos que possam minimizar as referidas limitações e, consequentemente, ampliar as informações acerca desta temática. Sugere-se o desenvolvimento de pesquisas empíricas, fundamentadas na Teoria da Ação Planejada, acerca da permanência de mulheres em relacionamentos abusivos, especialmente, no contexto brasileiro e considerando todos os contextos de raça, classe social, etnia e gênero em que as mulheres podem estar inseridas, ou seja, é necessário considerar a amplitude e, portanto, os aspectos específicos e relevantes que deles podem advir.

Desta forma, o presente trabalho não se propôs a esgotar a temática da permanência de mulheres em relacionamentos à luz da Teoria da Ação Planejada e/ ou da Teoria da Ação Racional, mas pretende contribuir, enquanto subsídio teórico, para maximização da compreensão acerta deste fenômeno, fomentando novos questionamentos e estudos acerca da mesma.

Entretanto, identificou-se que dos 54 estudos, 23 deles apresentaram-se repetidamente, resultando, portanto, em um total final de 31 documentos (TABELA 3) para a análise de resumos.

 

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Recebido: 26/09/2017 / Corrigido: 24/02/2018 / Aprovado: 04/03/2018

 

 

1 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas. Psicóloga do Centro de Referência da Assistência Social de Campo Alegre - Alagoas. Avenida Prefeito Jorge Cavalcante Madeiro, n° 761, Centro, Campo Alegre - Alagoas - CEP: 57.250-000. e-mail: ingridd.gomes@ip.ufal.br.
2 Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Bahia. Professora Adjunta da Universidade Federal de Alagoas. Avenida Lourival de Melo Mota s/nº - Tabuleiro do Martins - Maceió - AL - CEP. 57072-900 - e-mail: sheyla.fernandes@ip.ufal.br

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