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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.38 no.94 São Paulo jan./jun. 2018

 

RESENHAS DE LIVROS

 

 

TRINCA,W. (2017) O filósofo ou a procura do encanto da vida. Appris Editora 2 ed. Curitiba

 

 

Aracê Maria Magenta Magalhães

 

 

Depois de viver a vida como um exuberante orgasmo, depois de um orgasmo de vida, qualquer um pode morrer. (Trinca p.18)

O autor desta obra, Walter Trinca, é escritor, poeta, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, da International Psychoanalytical Association e Titular da Academia Paulista de Psicologia, ocupando a Cadeira nº 40, "Walther Barioni". É graduado em Psicologia pela Universidade de São Paulo, onde foi docente, supervisor, orientador, coordenador do programa de pós-graduação em Psicologia Clínica e pesquisador: Mestre, Doutor, Professor Livre-docente e Professor Titular. Neste livro, o autor utiliza a leveza e o ritmo da poesia e do romance para trazer ao leitor as inquietações de Tomás Andreas, um livreiro que herdou o negócio do pai, casado com Jandra, mulher dedicada não só ao atendimento aos clientes da loja, como perspicaz às aflições que dominavam o marido. O autor constrói seu personagem principal como um homem comum, com um trabalho, uma esposa, um único filho Felipe e afetado diretamente pelas crises econômicas e financeiras do país onde necessita criar estratégias de enfrentamento para seu negócio sobreviver, embora diminuído e bem mais restrito que outros tempos. A genialidade do autor trouxe, para o protagonista, características do homem comum, que pode ser o autor, você, eu, enfim bastante propícias à empatia e à identificação do leitor com o personagem. A prosa leve, entremeada por pura poesia, já de início começa a traçar o perfil de insatisfação de Tomás com seu trabalho, com sua pintura em telas nas horas vagas, consigo mesmo e com sua vida como um todo. A angústia consumia seus dias e não deixava dúvidas de que algo não estava bem. Até as tarefas mais simples, como o levantar da cama, exigiam de Tomás a pesada obrigação do dever, onde não havia prazer, só obrigação.

Aí nasce o filósofo a procura de algo que lhe falta - o encanto da vida.Nesta trajetória, o protagonista volta-se para si mesmo numa tentativa de se resgatar e efetua reflxões sobre o seu sofrimento, desespero, desalento e como até então tentava tamponá -los na maior parte das vezes com compras inúteis de produtos novos, uma vez que estes só o tiravam momentaneamente, da realidade interna oprimida. Tomás faz um diário de seus pensamentos e vai construindo uma compreensão do que lhe causa dor, afetos positivos, alegria, contentamento. Tantas indagações o colocam em contato com um universo sensorial que abarcava a sua capacidade de pensar e o transformava num "homem-coisa".Talvez como um filósofo, o protagonista identifica em si mesmo e no seu dia-a-dia como tudo se tornou compulsório, automatizado, pequeno e busca na vida que há dentro de si e em toda parte, a alternativa para mudar. O autor descreve como seu personagem Tomás vai procurar na natureza, a vida, a beleza, a verdade, o amor que lhe estavam suspensos, numa moratória de sonhos e vitalidade. Neste ponto começa a se descortinar um mundo novo, nunca visto em sua graça, encanto, perfume, cor, som, forma! O filósofo percebe a radiância do mundo. Assume a atitude contemplativa e permanece reflexivo sobre a imaterialidade e a sensorialidade da vida.O autor traz a realidade imaterial como fugidia em si mesma e na mente, mas que detém um profundo existir, decorrente de um espaço mental alargado, colorido e suavizado. Como fugidia, não há como permanecer ao protagonista ou a quem quer que seja, apenas na imaterialidade. Oscila-se entre esta realidade e a sensorialidade. Em contrapartida à imaterialidade, a realidade sensorial é percebida pelo autor como aquela que traz a concretude, a abolição dos sonhos, sucumbida e entregue às tristezas, ao desencantamento da vida, às angustiantes inquietações e ao emurchecer da vitalidade. Como o filósofo que se isola dos demais para efetuar sua busca interior, o personagem também busca o isolamento para efetuar as reflexões de que necessita sua alma, sua "limpeza de chaminé", como alude o autor à fala de Anna Ó, paciente de Sigmund Freud, ao se referir à catarse de seus conteúdos internos. Não há como separar o martelo da bigorna e nesse ponto, o autor psicanalista, coloca seu personagem como tendo efetuado um caminho nesta teória, mais precisamente, em análise, a que reconhecia que o ajudara e fortalecera, mas interrompido antes de finalizado. O caminho efetuado pelo personagem, para dentro de si, continua nas muitas páginas do livro, adentrando à experiência do amor a si mesmo, ao outro, às dificuldades do amor singular e entre o casal, a entrega ou a dificuldade da entrega, a irrealização no amor e os desafios recíprocos de duas pessoas que escolheram, numa determinada época, caminhar juntos. A trajetória da leitura coloca o leitor a efetuar junto com o personagem, o caminho de ida para algum lugar isolado, em busca de algo que falta e grita para ser ouvido. Essa é a angústia, o afeto que não engana que algo vai mal e precisa de atenção.

Podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que o tema é muito atual numa sociedade adoecida pela angústia, depressão, sensorialidade e medicalização do sofrimento. O leitor que nunca teve contato com a obra do autor e sua teoria compreensiva, poderá se beneficiar, passo a passo, com a construção e apreensão do conhecimento, de forma clara, aplicada e cuidadosa, além da poesia e prosa que nem todos os leitores de Trinca tiveram o prazer de conhecer mas que nesta obra também se beneficiam. A linguagem adotada pelo autor é agradável, fluida e lembra o prazer de ler as obras dos grandes mestres da literatura. Ao leitor afoito para saber o final da trajetória do protagonista, convidamos à leitura calma e sossegada desta obra que embora extensa, convida a penetrar no mundo da imaterialidade, delicadeza, afetividade e beleza.

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