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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.38 no.95 São Paulo jul./dez. 2018

 

TEORIAS, PESQUISA E ESTUDOS DE CASO

 

Treinamento parental de ensino de comportamento verbal para crianças usuárias de implante coclear: uma intervenção com mães

 

Parental training of teaching verbal behavior for children using cochlear implants: an intervention with mothers

 

Entrenamiento parental para la enseñanza del comportamiento verbal para niños usuarios de implante coclear: una intervención con las madres

 

 

Maísa Kich Grecco1,I Ana Claudia M. Almeida-Verdu2,I; Maria José Monteiro Benjamin Buffa3,II

IUniversidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) - Campus Bauru
II
Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP)

 

 


RESUMO

A deficiência auditiva pode dificultar a aquisição do comportamento verbal e o implante coclear é uma alternativa para a reabilitação auditiva. Entretanto apenas a inserção do dispositivo não é suficiente para garantir a aquisição do comportamento verbal. É necessário imersão na comunidade verbal e interação com um ouvinte bem treinado de acordo com as convenções dessa comunidade. Este estudo teve como objetivo ampliar o repertório comportamental de ensino de comportamento verbal de mães de crianças usuárias de implante coclear por um programa instrucional e verificar seu efeito nos operantes verbais de ecoico, tato, mando e intraverbal das crianças considerando a qualidade da produção oral. Participaram dessa pesquisa duas crianças usuárias de implante coclear de idades de cinco e de sete anos e suas mães. Um questionário sondou os comportamentos de ensino com função de antecedente e consequente emitidos pelas mães para os operantes verbais de ecoico, tato, mando e intraverbal, antes e depois da intervenção. As crianças foram avaliadas nos mesmos operantes em tentativas discretas. O programa instruiu as mães a identificar respostas, fornecer antecedentes e consequentes para operantes de ecoico, tato, mando e intraverbal dos filhos. Como resultado, foi observado aumento no relato de comportamentos de ensino das duas mães após intervenção para a maioria dos operantes verbais. Nas produções orais das crianças, observou-se uma fala mais precisa logo após a intervenção. Conclui-se que mães podem ser agentes de ensino de comportamento verbal, quando bem treinadas para esse fim..

Palavras-chave: Leitura, Escrita, Implante Coclear, Reabilitação, Programa Instrucional.


ABSTRACT

Hearing impairment may hinder the acquisition of verbal behavior and the cochlear implant is an alternative to hearing rehabilitation. However, the insertion of this device alone is not sufficient to guarantee the verbal behavior acquisition. An immersion is necessary in the verbal community, and interactions with a well-trained listenerin accordance with the conventions of that community. This study aimed to expand the behavioral repertoire on teaching verbal behaviors to mothers of cochlear implanted children through an instructional program and to verify its effect on echo, touch, command and intraverbal verbal operants of children, considering the quality of the oral production. Two cochlear implanted children, five and seven years old, and their mothers participated in this study. A questionnaire probed the teaching behaviors with antecedent and consequent function emitted by the mothers for the verbal operants of echo, touch, command and intraverbal, before and after the intervention. The children were evaluated with the same operants in discrete attempts. The program instructed mothers to identify responses, provide antecedents and consequents for operants of echo, touch, command and intraverbal of the children. As a result, there was an increase in the report of teaching behaviors of the two mothers after intervention for most verbal operants. In the oral productions of the children, a more precise speech was observed just after the intervention. We conclude that mothers can be agents of verbal behavior teaching, when duly trained for such purpose.

Keywords: Reading; Writing; Cochlear Implant; Rehabilitation; Instructional Program.


RESUMEN

La deficiencia auditiva puede dificultar la adquisición del comportamiento verbal y el implante coclear es una alternativa para la rehabilitación auditiva. Sin embargo, sólo la inserción del dispositivo no es suficiente para garantizar la adquisición del comportamiento verbal. Es necesario envolverlo en la comunidad verbal y en la interacción con un oyente bien entrenado de acuerdo con las convenciones de esa comunidad. Este estudio tuvo como objetivo ampliar el repertorio conductual de enseñanza de comportamiento verbal de madres de niños usuarios de implante coclear a través de un programa de instrucciones y verificar su efecto en los operantes verbales de ecoico, tacto, mando e intraverbal de los niños considerando la calidad de la producción oral. Participaron en esta investigación dos niños usuarios de implante coclear con edades de cinco y de siete años y sus madres. Un cuestionario sondó los comportamientos de enseñanza con la función de antecedente y consecuente emitidos por las madres para los operantes verbales de ecoico, tacto, mando e intraverbal, antes y después de la intervención. Los niños fueron evaluados en los mismos operantes en intentos discretos. El programa instruyó a las madres a identificar las respuestas, proporcionar antecedentes y consecuentes para operantes de ecoico, tacto, mando e intraverbal de los hijos. Como resultado, se observó un aumento en el relato de comportamientos de enseñanza de las dos madres tras la intervención para la mayoría de los operantes verbales. En las producciones orales de los niños, se observó un habla más precisa poco después de la intervención. Se concluye que las madres pueden ser agentes de enseñanza de comportamiento verbal, cuando están bien entrenadas para ese fin.

Palabras clave: Lectura, Escritura, Implante Coclear, Rehabilitación, Programa de Instrucciones.


 

 

Introdução

Skinner (1953, 1957) definiu o comportamento verbal como qualquer resposta emitida por uma pessoa que, independente da topografia, gera estímulos que afetam e alteram o comportamento de outra. O comportamento verbal engloba várias categorias que foram classificadas de acordo com suas variáveis controladoras. Essas categorias foram denominadas de operantes verbais, sendo mando, tato, ecoico, intraverbal, transcrição e textual considerados como elementares (Skinner, 1957). Este artigo dará destaque para os operantes verbais mando, tato, ecoico e intraverbal, por serem abordados e trabalhados no estudo.

O mando é um operante verbal controlado por operações estabelecedoras como privação e saciação, denominadas também de variáveis motivacionais. Por exemplo, se uma criança que está privada de alimento emite o mando ("Mãe, quero uma maçã") essa resposta é reforçada quando sua mãe a entrega uma maçã. O ecoico é um operante que está sob controle do estímulo verbal anterior e consiste em uma resposta com o padrão sonoro semelhante a esse estímulo. Por exemplo, a mãe fala para a criança "Repete: 'maçã'" e a criança diz "Maçã", essa resposta pode ser reforçada por elogios da mãe. Já o intraverbal é um operante cujo produto da resposta não possui necessariamente correspondência ponto a ponto com o estímulo antecedente, que pode ser tanto estímulos visuais quanto vocais. Por exemplo, a mãe pergunta para a criança "Quantas maçãs você tem na cesta?" e a criança responde "Cinco", sendo essa resposta reforçada por elogios da mãe. O tato é evocado pela presença de um objeto ou por um acontecimento em particular que aumenta a probabilidade de sua ocorrência, sendo reforçado de forma generalizada pela comunidade verbal. Por exemplo, diante da fruta correspondente à maçã, a criança diz "Maçã".

O comportamento verbal é aprendido por meio da interação entre o falante, a pessoa que o emite, e o ouvinte, o integrante da comunidade verbal que fornece consequências que selecionam e mantém o comportamento do falante. Nessa interação, que é denominada de episódio verbal, o ouvinte fornece estímulos que funcionarão tanto como discriminativos (antecedentes) ao comportamento verbal do falante quanto como reforçadores (consequentes). Portanto, um ouvinte bem treinado pode servir como um ambiente de ensino de comportamento verbal (Skinner, 1957).

Entretanto, um ouvinte pode emitir determinados comportamentos que provoquem a supressão do comportamento verbal do falante. Drash e Tudor (1993) descreveram seis paradigmas de reforçamento que especificam certos comportamentos do ouvinte que podem gerar falhas na aquisição de comportamento verbal de crianças se comparadas aos pares de sua idade. Podem ocorrer separadamente ou simultaneamente e provocar supressão ou baixa frequência na emissão do comportamento verbal desejado/esperado.

Os paradigmas consistem em: (1) reforçamento de submissão, baseado na fuga e reforçamento de comportamentos inadequados emitidos pela criança (como chorar e gritar) que adquirem função de mando à medida que são reforçados positivamente pelos pais; (2) reforçamento de formas não vocais do comportamento verbal e não convencionados pela comunidade verbal que adquirem função de mando, pois os pais aprendem a "decifrá-los"; (3) extinção do comportamento verbal quando crianças permanecem sozinhas durante longos períodos, resultando no decréscimo de emissão de comportamentos vocais por ausência de reforçamento; (4) supressão de comportamento verbal por punição, suprimindo sua ocorrência; (5) ausência ou ineficiência de um paradigma de reforçamento, no caso de cuidadores não possuem habilidades ou tempo disponível para reforçar adequadamente os comportamentos verbais; e (6) interação entre fatores orgânicos e fatores comportamentais, no caso de deficiências reais ou supostas que possam inibir diretamente o estabelecimento do comportamento verbal. Neste último paradigma, destaca-se a forma como os pais se comportam em relação à criança com deficiência, podendo reforçar comportamentos inadequados da criança por terem medo de causar mais sofrimento a ela durante o processo de ensino de comportamento verbal adequado (Drash & Tudor, 1993; Vilas Boas & Banaco, 2009).

Drash e Tudor (1993) consideraram a ocorrência desses paradigmas devido à maioria dos pais não receberem instruções sobre como estimular o comportamento verbal dos filhos. Entretanto, ao manipular as variáveis que antecedem e sucedem respostas verbais, a supressão e a baixa frequência podem ser revertidas. E, de acordo com a análise da obra skineriana realizada por Mesquita (2015), essa é uma das evidências da evolução ontogenética do comportamento verbal.

Considerando a possibilidade de reverter a supressão do comportamento verbal a partir de manipulação de variáveis, Vilas Boas e Banaco (2009) realizaram um estudo com o objetivo de verificar se mudanças nas interações familiares provocariam modificações na frequência de respostas verbais e comportamentos inadequados de uma criança de cinco anos de desenvolvimento típico com atraso de linguagem. Primeiramente, os autores identificaram, por meio de observações e de entrevista inicial com a mãe, contingências que resultavam na supressão do comportamento verbal na interação entre a família e a criança. A partir dessa primeira investigação, foi elaborada uma intervenção que consistiu em nove procedimentos de instruções específicas baseadas nos paradigmas de supressão de Drash e Tudor (1993), como, por exemplo, os pais foram instruídos a reforçar mandos vocais da criança, a consequenciar a emissão de comportamento verbal da criança e aumentar as verbalizações descritivas e encorajadoras dentro da residência.

Para avaliar as respostas verbais da criança, foram realizados testes de nomeação (apresentação de figuras projetadas na tela de um microcomputador e o pedido subsequente da pesquisadora para que a criança nomeasse cada uma das figuras) antes e após a intervenção dos pais. Para avaliar a interação entre os membros da família e a criança, foram realizadas observações semanais. Na análise dessas observações, foi realizada quantificação de frases emitidas por todos os membros da família em direção à criança. Como resultados, foi observado aumento na porcentagem de respostas consideradas corretas ou próximas às corretas e redução das nomeações incorretas nos testes de nomeação; aumento gradativo da quantidade de frases emitidas pela criança durante o período de observação, concomitantemente ao aumento observado das frases emitidas pelos pais e pelo irmão em direção à criança. Os autores consideraram que os resultados apresentaram mudanças positivas na interação dos membros da família, sendo possível desenvolver o comportamento verbal de crianças instrumentalizando os pais com algumas técnicas de reforçamento.

Diante do estudo de Vilas Boas e Banaco (2009), pode-se considerar que programas instrucionais para pais com o objetivo de instrumentaliza-los sobre como se comportar para estimular o comportamento verbal de crianças, isto é, fornecer antecedentes e consequentes, poderiam ser efetivos.

Ao investigar o que poderia causar falha ou dificuldade na aquisição e no estabelecimento do comportamento verbal de uma criança, também é importante considerar os fatores orgânicos como, por exemplo, a deficiência auditiva. O implante coclear é uma importante alternativa para a reabilitação de pessoas com deficiência auditiva neurossensorial, bilateral, de grau severo (nível de audição de 71 e 90 dB) e profundo ( nível de audição acima de 90 dB) e pré-lingual (Svisrky, 2017; Wander & Rao, 2014). Este dispositivo permite que as crianças voltem a detectar a estimulação sonora, possibilitando tanto o desenvolvimento da função da audição, quanto da linguagem oral permitindo sua interação com o meio social (Bevilacqua & Formigoni, 2005). Entretanto, ainda que o implante permita a detecção ou a amplificação sonora, interagir com sons produzidos por outras pessoas e compreender seus significados requer aprendizagem. Muitos programas com usuários de implante coclear oferecem, vinculado ao follow up da cirurgia do implante, programas de reabilitação auditiva (Moog & Stein, 2008; Yamada & Bevilacqua, 2005).

Uma análise do panorama mais recente das pesquisas com crianças com implante coclear revelam, por um lado, uma carência nas mesmas sobre intervenção (Neves, Almeida-Verdu, Moret, & Silva, 2013). Porém, nos últimos anos, alguns trabalhos de intervenção em repertórios linguísticos tem sido propostos por diferentes disciplinas como, por exemplo, Audiologia, Fonoaudiologia e Análise do Comportamento Aplicada e cujos objetivos têm sido identificar as condições sob as quais os repertórios condizentes com o ouvir podem ser adquiridos e expandidos e quais as relações estabelecidas entre o ouvir e o falar em crianças com implante coclear (Lucchesi & Almeida-Verdu, 2017). Enquanto alguns estudos verificam a eficácia de variáveis de procedimentos sobre a demonstração de repertórios de ouvinte e de falante (Almeida-Verdu, Silva, Golfeto, Bevilacqua, & de Souza, 2014; Almeida-Verdu, & Golfeto, 2016), outros verificam outras condições que devem estar presentes para a que linguagem seja estabelecida, tais como envolvimento parental ou programas de estimulação precoce dos componentes receptivos e expressivos da linguagem (Cruz, Quittner, Marker, & DesJaridn, 2013; Moog, & Stein, 2008). De acordo com Moog e Stein (2008), pais são considerados suporte crítico para o desenvolvimento da linguagem falada por crianças com implante coclear, pois identificam necessidades, ajustam rotinas e modelam vocabulário se constituindo em excelentes educadores.

De maneira complementar, de acordo com Drash e Tudor (1993) aquele que ensina a criança usuária, de implante coclear, deve tanto levar em consideração as peculiaridades dessa população quanto evitar os esquemas de reforçamento que suprimem a emissão do comportamento verbal. Desta maneira, seria interessante a elaboração de programas de ensino para instrumentalizar pais e cuidadores a estimular, selecionar e manter comportamento verbal de crianças com implante coclear potencializando o uso do dispositivo.

Levando em consideração literatura apresentada, este trabalho teve como objetivo ensinar mães de crianças com deficiência auditiva e usuárias de implante coclear, a identificar operantes verbais de ecoico, tato, mando e intraverbal em seus filhos, emitirem comportamentos que interferisse de duas formas sobre o comportamento verbal de seus filhos: demandasse a ocorrência desses (antecedentes) e aumentassem a probabilidade de ocorrência futura (consequentes), de modo que se tornassem um ambiente facilitador para a emissão de comportamento verbal. Também verificou se e de que maneira esse programa de ensino teve efeito sobre o comportamento verbal das crianças à partir a análise da precisão da produção oral.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo duas mães (Participante 1 e Participante 2) e seus respectivos filhos (Criança 1 e Criança 2). A Participante 1 tinha 32 anos de idade no início da pesquisa, era casada e seu estado de origem era Minais Gerais. Ela se mudou para Bauru (SP) para realizar a reabilitação auditiva da Criança 1. A Participante 2 tinha no inicio da pesquisa 40 anos de idade, era casada, e seu estado de origem era o Ceará. Assim como a Participante 2, se mudou para realizar a reabilitação do filho. Ambas participantes residiam apenas com as respectivas crianças.

A Criança 1 era menina, tinha 5a-1m (anos-meses), estava na pré-escola, tinha 3a-6m de experiência de uso do implante coclear e categoria de audição e de linguagem equivalente a 2. A Criança 2 era menino, tinha 6a-11m, estava no primeiro ano do ensino fundamental, tinha 4a-7m de experiência de implante coclear, categoria de audição 4 e categoria de linguagem 24. As crianças foram selecionadas a partir da indicação da instituição em que realizavam o acompanhamento do implante coclear por apresentarem baixa qualidade da produção oral e baixo reconhecimento auditivo. Todos os procedimentos éticos quanto à participação das díades foram tomados de acordo com o Processo 27264514.9.0000.5441 .

Local

Todas as fases do estudo foram realizadas na instituição em que as crianças realizavam a reabilitação auditiva e o acompanhamento do implante coclear, situada no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, no interior do estado de São Paulo.

Delineamento experimental

O presente estudo seguiu as características do delineamento de Linha de Base Múltipla entre participantes5 (Cozby, 2009), expondo cada mãe participante à intervenção em momentos distintos. A Participante 1 realizou a intervenção primeiro. Antes e após cada mãe realizar a intervenção, foram monitorados o repertório de ensino de operantes verbais das duas mães participantes e os operantes verbais nas das duas crianças, conforme descrito na Tabela 1 do Delineamento adotado no estudo que se encontra no final do artigo.

 

 

Instrumentos, materiais e estímulos

Para avaliar os comportamentos de ensino emitidos pelas participantes, foi utilizado o instrumento Roteiro Semiestruturado de Sondagem de Comportamento Verbal via Relato (Grecco, 2016). Este questionário investigou as respostas que mães emitiam no contexto familiar com função antecedente e consequente para ensinar para à criança os operantes tato, mando, intraverbal e ecoico. Durante a aplicação desse instrumento, foi utilizado um gravador de áudio.

Para avaliar os operantes verbais tato, mando, intraverbal e ecoico emitidos pelas crianças, foram realizadas Avaliações Diretas dos Operantes Verbais (Grecco, 2016). Nas avaliações dos operantes, foram apresentados como estímulos objetos de uso cotidiano e brinquedos (e.g. lego, cachorro de pelúcia, garrafa, avião de brinquedo, pote, estojo, colher, livro, lanterna, boneco, boneca).

Durante a intervenção com as participantes, foi utilizado o material "Condições de ensino da linguagem: dicas para pais e profissionais" (Almeida-Verdu, & Golfeto, 2012). Este material é um "livreto de bolso" cuja finalidade é apresentar para pais e profissionais que trabalham com reabilitação auditiva uma compreensão operacional de comportamento verbal a partir de uma descrição simples e ilustrações dos operantes verbais de tato, ecoico, mando e intraverbal. Neste material, também há dicas de como se comportar para estimular o comportamento verbal da criança nas interações do cotidiano (ou seja, descrevendo respostas que as mães podem emitir com função antecedente e consequente ao comportamento verbal dos filhos). Além do livreto, foram utilizados vídeos de acesso público, como exemplos de operantes verbais.

 

Procedimento de coleta de dados

Avaliação

O Roteiro Semiestruturado de Sondagem de Comportamento Verbal via Relato (Grecco, 2016) foi aplicado em forma de entrevista, ou seja, as perguntas foram lidas para as mães participantes e as suas respostas foram registradas em áudio para posterior transcrição e análise.

Na Avaliação de Operantes Verbais, para cada operante foram realizadas 10 tentativas discretas (uma para cada estímulo), as quais consistiam na apresentação de um estímulo discriminativo para emissão de operantes verbais. O tato foi avaliado com a apresentação dos objetos seguida da pergunta "O que é isso?" e era dado cinco segundos para emissão de uma resposta. Para avaliação de mando, um objeto era apresentado para a criança com manipulação estimulada por 5 segundos seguido pela sua retirada; em seguida era apresentada a pergunta "O que você quer?" e era dado 5 segundos para a emissão de uma resposta. Para avaliação do intraverbal, uma frase que demandava o nome de um objeto específico era falada de maneira incompleta, por exemplo, "Agora eu vou ler, e para isso vou pegar o meu...?" e era dado 5 segundos para criança completá-la com o nome do objeto específico (p. ex. livro). Para a avaliação do ecoico, foi solicitado que a criança repetisse as palavras ditadas pela pesquisadora, apresentadas uma a uma, e com tempo de 5 segundos para emissão de resposta pela criança.

Intervenção

A intervenção foi baseada no material "Condições de ensino da linguagem: dicas para pais e profissionais" (Almeida-Verdu, & Golfeto, 2012), sendo realizada em três encontros.

No primeiro encontro, foram apresentadas as descrições dos operantes verbais tato, mando, intraverbal e ecoico com exemplos cotidianos e exemplificadas com vídeos de acesso público retirados da internet. Em cada tema foram realizadas seguintes atividades: apresentação em slides; leitura do material; perguntas de compreensão para que as mães identificassem e descrevessem exemplos de operantes verbais emitidos pelas crianças. A partir da descrição e identificação de exemplos, os relatos das mães reforçados diferencialmente pela pesquisadora, ou seja, foram elogiados caso correspondessem com o tema e operante abordado e, caso não correspondessem, a informação correta era apresentada. Além dos operantes verbais, foram apresentados os paradigmas de Drash e Tudor (1993) por meio de vídeos de domínio público que continham exemplos de comportamentos que poderiam suprimir o comportamento verbal da criança.

No segundo encontro, foram apresentados exemplos sobre como a participante poderia se comportar diante do comportamento verbal da criança para que aumentasse a probabilidade desta emitir os operantes verbais condizentes com a comunidade verbal. Levando em conta que uma unidade de aprendizagem envolve o comportamento de quem ensina e de quem aprende (Kubo, & Botomé, 2001; Greer, & Ross, 2008), foram descritos os comportamentos da mãe de emitir respostas que favoreceriam a emissão dos operantes verbais (antecedentes), as possíveis respostas da criança condizentes com operantes, os quais deveriam ser percebidos e relatados pelas mães (resposta), e respostas da mãe que favorecessem a manutenção e o refinamento dos operantes (consequentes).

Em seguida, foi proposta uma atividade para que as mães realizassem em casa. A atividade consistia em ensinar três novas palavras para a criança e registrar os comportamentos que emitiram com função antecedente (instrução, dica) e consequente (elogios, acesso a objetos, interação positiva). Para tal, foram dadas algumas regras de como as mães poderiam se comportar diante de uma resposta verbal da criança. Foram então realizadas descrições verbais das respostas das crianças que as mães deveriam estar atentas (e. g., a resposta de apontar um objeto com função de mando da criança serviria como antecedente), das respostas que as mães poderiam emitir após esses comportamentos (e. g., perguntar para a criança "Você quer batata? Repete 'batata'") e de uma possível resposta da criança (e. g., a criança dizer "batata" serviria como consequente para a resposta da mãe).

No terceiro encontro, as mães entregaram os registros e relataram os comportamentos que emitiram para ensinar as novas palavras para as crianças. Durante o relato das mães foram fornecidas consequências diferenciais de acerto e erro sobre seus relatos, instruindo, se fosse o caso, a emissão de outros comportamentos citados no material de intervenção.

Procedimento de análise dos dados

Foram realizadas análises tanto dos comportamentos das mães quanto das produções orais emitidas pelas crianças.

Contingências que descrevem comportamentos das mães

Cada tipo de comportamento considerado como condição facilitadora de ensino de comportamento verbal relatado pelas mães na aplicação do Roteiro Semiestruturado foi contabilizado e classificado de acordo com a função. Os comportamentos das mães poderiam ter a função de antecedente da resposta verbal da criança (considerado no presente estudo como "Sd") ou de consequente da resposta verbal da criança (considerado como "Sr"). As respostas verbais emitidas pelas crianças e que foram identificadas e descritas pelas mães foram contabilizadas e classificadas como operante verbal alvo, e poderiam ser tato, mando, intraverbal e ecoico (considerado como "R").

Produções Orais das crianças usuárias de implante coclear

Foi adotada uma análise fonêmica na qual a transcrição das produções orais emitidas pelas crianças durante a Avaliação Direta dos Operantes Verbais foi comparada às palavras convencionadas pela comunidade verbal. A partir dessa comparação, foi calculada a porcentagem de acertos e dos tipos de erros nos diferentes operantes verbais emitidos pelas crianças. Um acerto era considerado quando o operante emitido tinha total correspondência ponto a ponto com as convenções da comunidade verbal. As categorias de erros adotada nessa análise foram baseadas em Souza, Almeida-Verdu e Bevilacqua (2013) e Lucchesi, Almeida-Verdu, Buffa e Bevilacqua (2015):

- Troca: troca entre fonemas surdos com surdos, ou entre fonemas sonoros com sonoros. Por exemplo, na avaliação do operante tato, a criança vocaliza "/p-o-p-e/" a presença do objeto "/p-o-t-e/". Neste caso, a criança trocou o fonema /t/ pelo /p/, sendo ambos surdos.

- Distorção: trocas entre fonemas surdos com sonoros, trocas entre fonemas orais com nasais, ou alterações dos sons de algum dos fonemas em nasalação ou em tonicidade. Por exemplo, na avaliação do operante verbal intraverbal, a criança completou a sentença com a emissão da palavra "/a-v-i-õ/" ou invés de "/a-v-i-ã-o/".

- Omissão: considerado quando a criança não emitia todos os fonemas correspondentes à palavra considerada como correta pela comunidade verbal. Por exemplo, no caso da avaliação do operante verbal mando, a criança vocalizava "/a-ch-o-rr-o/" ao invés de "/c-a-ch-o-rr-o/", omitindo, assim, o fonema /k/.

- Nenhuma resposta: considerado quando a criança não emitia nenhuma vocalização por aproximadamente cinco segundos após a apresentação do estimulo antecedente.

- Outra palavra: considerado quando a criança emitia outra palavra que não possuía nenhum fonema em comum com a palavra considerada como correta. Por exemplo, na avaliação do operante verbal mando, a criança emitiu a palavra "/p-e-d-e/" ao invés de "/l-i-v-r-o/"

- Acréscimo: considerado quando a criança emitia mais fonemas do que os fonemas da palavra considerada como correta. Por exemplo, na avaliação do operante verbal tato, a criança emite a palavra "/t-es- t-o-j-o/" na presença do objeto estojo. Neste caso, a criança acrescenta o fonema /t/.

Nesta pesquisa, os tipos de erros foram considerados como "múltiplos" quando as palavras emitidas mais se distanciavam das convencionadas pela comunidade verbal do que se aproximavam. Portanto, nenhuma resposta, outra palavra ou palavra desconhecida foram considerados múltiplos. Os erros considerados como "mínimos" corresponderam às palavras que mais se aproximavam das convencionadas pela comunidade; sendo este troca, distorção, acréscimo e omissão.

Não foi estabelecido um critério na análise dos operantes verbais para limitar um número de erros, devido à grande dificuldade de vocalização das crianças participantes. Assim, cada categoria de erro foi considerada. Por exemplo, no caso da avaliação do operante verbal ecoico, a criança emitiu "/ lidu/" após a pesquisadora emitir a palavra "/livro/". Na análise das categorias de erros dessa produção oral, foram consideradas uma omissão (referente ao fonema /r/) e duas trocas (troca /v/ por /d/, e troca de /o/ por /u/).

Para identificação dos tipos de erros, foi realizada uma concordância entre observadores. No total, havia seis avaliações registradas, três para cada criança participante. Inicialmente, um dos observadores transcreveu as produções orais e categorizou os erros apresentados. Após essa primeira análise, o segundo observador assistiu uma sessão de cada criança e conferiu as transições e categorizações realizadas pelo primeiro observador, assinalando quando discordava da transcrição. Para avaliar a porcentagem de concordância foi usado o modelo proposto por Kazdin (1982): número de concordância / número de concordância + discordância * 100. Houve uma concordância superior a 80% entre os observadores.

 

Resultados

Nos resultados, primeiramente, serão apresentados os comportamentos que as mães relataram emitir no contexto familiar seja de demanda por comportamento verbal (Sd), de identificação de comportamento verbal de seus filhos (R), seja de consequências para os comportamentos verbais de seus filhos (C). Em seguida, a precisão das produções orais das crianças usuárias de implante coclear.

Os relatos das mães obtidos por meio da aplicação Roteiro Semiestruturado de Sondagem de Comportamento Verbal (Grecco, 2016) constam na Figura 1. Os resultados foram organizados por participante e por operante verbal. A linha cheia que recorta a figura corresponde o momento da intervenção de acordo com o delineamento do estudo. No eixo Y, está o número de comportamentos que poderiam ser emitidos pelas mães enquanto ambiente de ensino. A linha pontilhada horizontal representa o número máximo de respostas de ensino considerados nesta pesquisa que poderiam ser relatados pelas mães. Por exemplo, o número máximo de tipos de respostas que poderiam ser relatados pelas mães com função antecedente ("Sd") para tato era sete. Cada tipo de comportamento de ensino relatado pela mãe foi contabilizado uma vez, e organizados no eixo X de acordo com sua função antecedente (Sd) e consequente (C) e identificação de comportamento verbal emitido pela criança (R).

De maneira geral, houve aumento do número de respostas de ensino relatados por ambas participantes, tanto para antecedentes (Sd) quanto consequentes (C), imediatamente após a intervenção, isto é, passaram a emitir mais comportamentos que demandassem e que reforçassem, respectivamente, por operantes verbais.

De acordo com a Figura 1, a Participante 1 aumentou os tipos de respostas relatadas com função antecedente (Sd) e consequente (C) para tato, mando e intraverbal, logo após a realização da intervenção (Pós-teste I). Já sobre as respostas emitidas pela criança ("R"), a participante não apresentou mudança na quantidade de identificação dos respectivos operantes ao longo do procedimento, mantendo o mesmo número. Apesar do aumento observado logo após a intervenção (Pós-teste I), a Participante 1 não manteve o número de relatos na medida de Follow up, ou seja, no Pós-teste II. Em relação a Participante 2, foram realizadas duas medidas de Pré-teste (Pré-teste I e Pré-teste II), nas quais foi possível observar uma estabilidade antes da intervenção para as respostas de ensino (Sd e C) e para a identificação de respostas emitidas pela criança condizentes com os operantes de mando, intraverbal e ecoico. Após realizar a intervenção (Pós-teste), a Participante 2 apresentou aumento dos tipos de respostas relatadas com função antecedente para mando, tato e ecoico, e com função consequente para todos os operantes verbais. Para a identificação das respostas emitidas pela criança ("R"), a participante manteve o número de respostas relatadas anteriormente à intervenção para todos os operantes.

Os resultados apresentados pelas crianças consistiram em uma análise de acertos e dos tipos de erros de suas produções orais, conforme consta na Figura 2. Esta, assim como na Figura 1, foi organizada por operante verbal. A linha cheia que recorta a figura corresponde o momento em que as respectivas mães passaram pela intervenção, de acordo com o delineamento. No eixo Y, estão as porcentagens dos tipos de erros apresentados pelas crianças. Já no eixo X, estão as categorias dos tipos de erros, ou seja, os acertos (A) e os tipos de erros considerados mínimos - troca (T), distorção (D), acréscimo (Ac) e omissão (O) - e os tipos de erros considerados múltiplos - nenhuma resposta (NR), outra resposta (OP) e palavra desconhecida (PD). A linha pontilhada separa os tipos de erros entre mínimos e múltiplos.

De maneira geral, de acordo com a Figura 2, as crianças aumentaram as porcentagens de acertos para a maior parte dos operantes. Ainda que não tenham deixado de errar mudaram o tipo de erro, deixando de emitir erros múltiplos (NR, OP, PD) e passando a emitir erros mínimos (T, D e O).

De acordo com a Figura 2, a Criança 1 apresentou aumento nas porcentagens acertos (A) e dos tipos de erros considerados "mínimos" (T e O) e redução para os considerados "múltiplos" (NR, OP e PD) para todos os operantes verbais após sua mãe realizar a intervenção (Pós-teste I). Entretanto, essa porcentagem não se manteve no Pós-teste II, apresentando redução das porcentagens dos erros mínimos e aumento nos erros múltiplos, principalmente para os operantes tato e intraverbal. No entanto, a redução na porcentagem de respostas orais desejadas não retornou aos níveis de linha de base, pois comparando as porcentagens apresentadas pelas crianças antes da intervenção (Pré-teste) e após aproximadamente dois meses sua mãe passar por intervenção (Pósteste II), a porcentagem de erros mínimos emitidos pela Criança 1 ainda era menor no Pré-teste para os operantes verbais tato e mando comparada ao Pós- Teste II.

A Criança 2 foi submetida a dois pré-testes antes da intervenção e apresentou antes da intervenção aumento das porcentagens de acertos (A) e tipos de erros mínimos (T, D e O) e redução das porcentagens dos tipos de erros múltiplos (NR, OP e PD) para os operantes tato e mando. Não houveram alteração relevantes nas porcentagens de acertos e tipos de erros para os outros operantes (ecoico e intraverbal). Após sua mãe realizar intervenção, houve aumento da porcentagem para acertos (A) e de erros mínimos (T, D e O) e redução da porcentagem de erros múltiplos (NR, OPE e PD) para os operantes tato e intraverbal, podendo destacar aumento das porcentagens de acerto e distorção no tato, acréscimo no intraverbal. No operante ecoico, a Criança 2 aumentou as porcentagens dos erros mínimos (T, D e O), e, após sua mãe realizar a intervenção, passou a apresentar acertos (A) nesse operante. Em relação ao operante verbal mando, houve aumento da porcentagem de erros mínimos e redução na porcentagem de erros múltiplos antes de sua mãe passar por intervenção e praticamente manteve a porcentagem após a realização da intervenção.

 


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Discussão e Considerações Finais

O presente estudo pretendeu ampliar o repertório de ensino de mães de crianças usuárias de implante coclear por meio de programa instrucional de tal modo que identificassem, demandassem mais e reforçassem os comportamentos verbais de seus filhos. Também verificou as mudanças na precisão de operantes verbais elementares tato, ecoico, mando e intraverbal das crianças.

Para isso, avaliou o número de comportamentos relatados pelas mães condizentes com as funções de antecedentes e consequentes para emissão dos respectivos operantes verbais antes e após a intervenção. Também avaliou a porcentagem de acertos e dos tipos de erros emitidos por seus filhos, em tarefas de tentativas discretas, antes e após a intervenção.

Os resultados demonstraram que o repertório comportamental das mães enquanto facilitador do ensino foi ampliado e pode estar diretamente relacionado com mudanças nos comportamentos de seus filhos. Mais especificamente, aumento da ocorrência de comportamentos facilitadores de antecedentes e consequentes de emissão de comportamento verbal de seus filhos interferiu melhorando a precisão desses, aumentando o número de acertos e mudando o tipo de erro.

No entanto, ainda que tenha havido ampliação de repertório na Participante 1, os comportamentos adquiridos não se mantiveram no Pós-teste II. Algumas hipóteses para esta redução levam em consideração tanto que a intervenção (variável independente) não estava mais presente no Pós-teste II, quanto o período entre o Pós-teste I e o Pós-teste II, que coincidiu com o período de recesso da instituição e de férias escolares. Nesse período entre o Pós-teste I e o Pós-teste II, as mães e as crianças retornaram para seu estado de origem e retomaram sua rotina com outros integrantes da família (cônjuges, outros filhos), o que poderia influenciar na interação com a criança usuária de implante coclear. A literatura tem demonstrado que a supervisão semanal de cuidadores pode garantir a manutenção de repertórios aprendidos e sustentar os efeitos da intervenção por um período maior de tempo (Borba, Monteiro, Barbosa, Trindade, & Barros, 2016). Uma sugestão que contorne esse limite seria a realização de mais encontros para aumentar a generalidade e manutenção dos comportamentos adquiridos durante o ensino e verificar sua manutenção após um e três meses de treino.

Há vários outros pontos a serem discutidos nesse resultado. Primeiramente, pode-se comparar a intervenção realizada nesta pesquisa com as realizadas em outros estudos que também partiram do pressuposto que pais podem se tornar agentes efetivos de mudanças comportamentais de seus filhos. Os estudos possuíam os mesmos objetivos, ou seja, instruir pais sobre como proporcionar um ambiente de ensino de comportamento verbal mais enriquecedor, seja para pré-escolares (Moura, Silvares Jacovozzi, Silva, & Casanova, 2007; Moura & Silvares, 2008), seja para criança com diagnóstico de transtorno do espectro autista (Barbosa, Silva, Barros, & Higbee, 2015). Foi possível observar que a maioria das intervenções realizava modelagem e videomodelação de comportamentos. A intervenção da presente pesquisa consistiu em três encontros, nos quais nos quais não foi realizada uma modelagem dos comportamentos das mães durante a interação com a criança e nem adotou-se o recurso da vídeo modelação. Ainda que tenha sido adotado somente o recurso instrucional, foi possível verificar mudança no comportamento das mães de cada díade e mudança na precisão do comportamento verbal das respectivas crianças, preponderantemente após a intervenção. No entanto, não usar procedimentos que otimizassem os comportamentos facilitadores das mães pode ser mais um limite desse estudo que pode ser contornado em estudos futuros pela inclusão de modelagem e/ou vídeo modelação como parte do programa de intervenção e verificar se houve mudanças em relação ao número de comportamentos relatados.

Considerando a porcentagem dos erros "mínimos" dos operantes verbais emitidos pelas crianças, foi possível observar que a Criança 1, logo após sua mãe realizar a intervenção (Pós-teste I), apresentou aumento dessas porcentagens para todos os operantes verbais; e a Criança 2 apresentou aumento das porcentagens dos erros "mínimos" antes (entre o Pré-teste I e Pré-teste II) e após (Pós-teste) sua mãe realizar a intervenção. Em relação à melhora apresentada pela Criança 2, pode se considerar a multideterminação do comportamento, o qual pode ser influenciado por muitas variáveis (Skinner, 1953). Duas importantes variáveis que podem ser destacadas são: a criança continuou a realizar a reabilitação auditiva entre o Pré-teste I e Pré-teste II, bem como e as suas características pessoais, ou seja, o tempo de audição pelo implante coclear e seus escores em categoria de audição serem maiores em relação à Criança 1.

Comparando o presente estudo com outros que trabalharam diretamente com crianças com implante coclear com objetivo de promover o ensino de operantes verbais (ou promover interdependência desses) pelo paradigma da equivalência que utilizaram método de ensino por tentativas discretas (Souza et al 2013; Lucchesi et al 2015), foi possível observar naqueles estudos uma redução mais expressiva nas porcentagens de erros considerados "múltiplos" (emissão de outra palavra, emissão de outra que não aquela exigida e nenhuma resposta) emitidos pelas crianças em relação aos acertos e erros considerados "míninos" (omissão, distorção ou troca de parte da palavra) se comparados com o presente estudo. Aqueles estudos adotaram método de tentativas discretas e apresentam algumas vantagens pela possibilidade de apresentar diferentes tentativas em apenas uma sessão, o que aumenta a exposição da tarefa para o participante, aumentando, assim, a probabilidade de aprendizagem por repetição. Além disso, as tentativas eram controladas por um experimentador, que manipulava variáveis e oferecia reforço contingente com o comportamento alvo do participante, algo que pode contribuir ainda mais para o engajamento nas atividades de ensino (Mosier, 2011). Em estudos com ensino mais naturalístico, não é sempre que o experimentador tem acesso à criança repetidas vezes e, no caso do presente estudo, o acesso foi apenas para avaliação, pois o ensino foi via treinamento das mães. Segundo alguns autores (Olgetree, & Oren, 1998; Stokes & Baer, 1977), uma das maneiras efetivas de facilitar a generalização de comportamentos é treinar diferentes audiências em diferentes cenários dentro dos ambientes cotidianos da criança. Assim, apesar das vantagens de o experimentador trabalhar diretamente com a criança, cabe ressaltar a importância de instrumentalizar pais e cuidadores para que as crianças também modifiquem seus comportamentos em outros contextos, algo que foi possível observar nesta pesquisa.

Relacionando agora os comportamentos relatados pelas mães (Figura 1) com os desempenhos de suas respectivas crianças (Figura 2), observa-se aumento no número de relato de comportamentos de ensino da Participante 1 após a intervenção (Pós-teste I), o que pode estar relacionado com aumento das porcentagens de erros positivos de produções orais apresentadas pela Criança 1. Assim como a Participante 1, a Criança 1 também apresentou redução em seu desempenho no Pós-teste II. Cabe também destacar aqui as mesmas hipóteses já apresentadas anteriormente, quais sejam a retirada da intervenção e o período de férias. Da mesma maneira, a Participante 2 também apresentou aumento no número de respostas consideradas de ensino apenas após realizar a intervenção, principalmente para as respostas com função consequente. Isso também pode estar relacionado com o aumento das porcentagens de erros positivos de produções para os operantes intraverbal e ecoico apresentadas pela Criança 2.

De maneira geral, considerando esses aspectos, futuras pesquisas podem investigar se o efeito da modelagem dos comportamentos no ambiente familiar e a instrução dos pais para conduzir ensino por tentativas discretas seriam condições mais facilitadoras para a ocorrência de comportamento verbal do que as apresentadas aqui. Além disso, as mães poderiam ser ensinadas a registrar as interações cotidianas, as quais também poderiam ser analisadas em sessão, servindo de videomodelação para comportamentos de ensino.

 

Referências

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Recebido: 10.01.18 / Corrigido: 10.03.18 / Aprovado: 22.03.18

 

 

1 Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pena UNESP – Campus Bauru. Endereço: Av. Engº Edmundo Carrijo Coube s/nº. CEP: 17033-360 - Bauru / SP - Brasil. Tel: (14) 98123-4600, e-mail: maisakg@bol.com.br.
2 Professora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) - Campus Bauru, pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento Cognição e Ensino (INCT-ECCE). Av. Engº Edmundo Carrijo Coube s/nº. CEP: 17033-360 - Bauru / SP - Brasil. Faculdade de Ciências - Departamento de Psicologia. Tel: (14) 3103-6087. E-mail: anaverdu@fc.unesp.br.
3 Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP). Endereço: R. Silvio Marchione, 3-20 - Vila Universitaria, Bauru - SP, 17012-900. Tel: (14) 3235-8000 Email: ueppublicacao@centrinho.usp.br.
4 A Categoria Audição e Categoria Linguagem se referem aos resultados extraídos por meio de aplicações das escalas Infant-Toddler Meaningful Auditory Integration Scale (IT-MAIS) e Meaningful Use of Speech Scale (MUSS), respectivamente. Esses dados foram obtidos dos prontuários dos participantes, seção de fonoaudiologia. O IT-MAIS e o MUSS são dados extraídos de entrevista estruturada realizada com os pais. Os escores do IT-MAIS variam de 1 a 6, sendo o 1 de menor grau de reconhecimento auditivo e o 6 de maior grau (Castiquini, & Bevilacqua, 2000). Os escores do MUSS variam de 1 a 5, sendo o 1 de menor nível de produção de fala e 5 de maior (Pinto, Lacerda, & Porto, 2008).
5 Para este tipo de delineamento, é recomendado pelo menos três participantes (Gast, & Ledford, 1982). Nesta pesquisa, foram convidadas três díades compostas por mãe e criança com deficiência auditiva e implante coclear, entretanto, houve uma desistência.

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