SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.39 issue96Analysis of brief group intervention among depressed women in a psychology school clinicConfirmatory analysis of the measure of organizational support in nurses of a public hospital in a capital city in the Brazilian Northeast author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.39 no.96 São Paulo Jan./June 2019

 

TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO

 

Panorama da saúde do homem preso: dificuldades de acesso ao atendimento de saúde

 

Prisoner's health overview: access difficulties to healthcare

 

Panorama de la salud del hombre preso: dificultades de acceso a la atención de salud

 

 

Jakson Luis Galdino Dourado1; Railda Sabino Fernandes Alves2

Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

 

 


RESUMO

O Brasil tem aproximadamente 700 mil presos cumprindo penas em estabelecimentos penais, número que coloca o país entre as três maiores populações carcerárias do mundo. Neste contexto, a assistência médica e da saúde do preso é uma das grandes problemáticas do sistema carcerário brasileiro. Tendo em vista essa realidade, o presente estudo teve como objetivo geral avaliar as dificuldades de acesso ao atendimento de saúde em uma penitenciária do município de Campina Grande/PB. Consiste em uma pesquisa descritiva, de caráter exploratório e tem a abordagem qualitativa como principal referência. Participaram do estudo, 35 homens presos, com idades entre 25 e 59 anos. Foram utilizados como instrumentos de coleta de dados: um questionário sociodemográfico, uma entrevista semiestruturada e um diário de campo. A análise dos dados foi realizada com o auxílio da técnica da análise da enunciação. Os resultados mostraram que a saúde no presídio estudado está longe de atender às prerrogativas quanto ao direito, a saúde estabelecidos na Constituição Federal de 1988, e na Política Nacional de Atenção Integral a Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional. Mostraram também que a saúde dentro do presídio é precária, pois faltam assistências dignas. A estrutura física é ruim, existe superlotação das celas, a água e a alimentação são de má qualidade, o que favorece a proliferação de doenças infecciosas.

Palavras-chave: Saúde; Homens Presos; Sistema Prisional Brasileiro.


ABSTRACT

Brazil has approximately 700 thousand prisoners in penal establishments, which places the country among the three largest prison populations in the world. In this context, the prisoner's medical and health care is one of the Brazilian prison system's biggest problems. Based on this reality, the present study aimed to evaluate the access difficulties to healthcare in a penitentiary in the city of Campina Grande – Paraíba. It is a descriptive and exploratory research and it has the qualitative approach as a main reference. Thirty-five arrested men, aged 25-59, participated in the study. Data collection instruments used were: a sociodemographic questionnaire, a semi-structured interview and a field diary. Data analysis was performed using the enunciation analysis technique. The results showed that health in the prison studied is far from attending prerogatives regarding the right to health established in the Federal Constitution of 1988, and the National Policy for Integral Attention to the Health of People Deprived of Liberty in the Prison System. The results also showed that health within the prison is precarious, as there is lack of decent assistance. The physical structure is poor, there are overcrowding jail cells, and water and food have poor quality, which favors the proliferation of infectious diseases.

Keywords: Health; Arrested Men; Brazilian Prison System.


RESUMEN

Brasil tiene aproximadamente 700 mil presos cumpliendo penas en establecimientos penales, número que coloca al país entre las tres mayores poblaciones carcelarias del mundo. En este contexto, la asistencia médica y de la salud del preso es una de las grandes problemáticas del sistema carcelario brasileño. En vista de esta realidad, el presente estudio tuvo como objetivo general evaluar las dificultades de acceso a la atención de salud en una penitenciaría del municipio de Campina Grande/PB. Consiste en una investigación descriptiva, de carácter exploratorio y con abordaje cualitativo como principal referencia. Participaron del estudio, 35 hombres presos, con edades entre 25 y 59 años. Se utilizaron como instrumentos de recolección de datos: un cuestionario socio demográfico, una entrevista semi-estructurada y un diario de campo. El análisis de los datos se realizó con la ayuda de la técnica de análisis de la enunciación. Los resultados mostraron que la salud en la prisión estudiada está lejos de atender a las necesidades en cuanto al derecho a la salud, establecidos en la Constitución Federal de 1988, y en la Política Nacional de Atención Integral a la Salud de las Personas Privadas de Libertad en el Sistema Carcelario. También mostraron que la salud dentro del presidio es precaria, pues falta un sistema de atención digno. La estructura física es limitada, hay superpoblación de las celdas, el agua y la alimentación son de mala calidad, lo que favorece la proliferación de enfermedades infecciosas.

Palabras clave: Salud; Hombres presos; Sistema Prisionero Brasileño.


 

 

Introdução

O sistema prisional brasileiro vem se desgastando em um cenário de sucateamento. Paralelamente, observamos o crescimento da população carcerária em nível nacional, contados a partir de 1990 (Sánchez & Larouzé, 2016). Em um último censo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi identificado que, em termos internacionais, o Brasil é o terceiro país no mundo com maior número de pessoas presas, com uma estimativa de 726.712 mil presos. Tendo um menor número de presos que os Estados Unidos com (2.145.100 presos) e a China com (1.649.804 presos) (Brasil, 2017). O crescimento dos números que fazem referência ao encarceramento na esfera brasileira é seguido por uma estrutura precária das prisões. Massaro e Camilo (2017) destacam que o rápido e exponencial crescimento do encarceramento não vem sendo acompanhado pela expansão da estrutura dos sistemas prisionais nos estados brasileiros, pois muitas das prisões se revelam como lugares impróprios para a convivência entre seres humanos. Souza (2016) reitera que as condições prisionais são extremamente desumanizadas e que devido a tal fator, as prisões não cumprem o seu papel de ressocializar, ocasionando cenários de constantes rebeliões, revolta, violência e mortes. O ideal é que a prisão se apresentasse como um importante dispositivo de inclusão social, mas o que ocorre é o contrário. Soares Filho e Bueno (2016) informam que o ambiente prisional, na sua grande maioria, se revela como um espaço de precariedade e insalubridade. Os aspectos precários do sistema prisional brasileiro são desoladores devido à presença de condições sanitárias rudimentares, ausência de assistência médica, jurídica, educacional e de formação profissional (Martins, Silveira & Melo, 2014). Fernandes et al., (2014) afirmam que a sociedade e os governos estão cientes dos problemas nas instituições carcerárias, mas os entraves para as soluções são grandiosos e os presos acabam ficando sem a devida assistência do Estado. Muitos agravos na saúde dos presos são consequências de problemas nas instalações físicas, como: a superlotação e a falta de capacitação e disponibilidade de equipes multiprofissionais. Os fatores estruturais aliam-se à má alimentação dos presos, ao sedentarismo, ao uso de drogas e a todas as outras particularidades das prisões (Oliveira & Damas, 2016). Além disso, a falta de higiene e o elevado número de detentos por cela acarretam em um ambiente periculoso para manifestações de doenças (Oliveira, Ferreira & Rosa, 2016). Na contra mão desta realidade, as Leis brasileiras expressam a garantia de que o apenado não deve perder sua condição de humano, de detentor dos direitos, incluído aquele à saúde (Favilli & Amarante, 2018). E para garantir as condições de cidadãos das pessoas encarceradas, sujeitos de direito em pleno título, existem legislações que amparam o direito à saúde do preso, como os pressupostos da Lei 7.210/84, sobre a execução penal no Brasil. Nela constam as garantias legais das pessoas privadas de liberdade (Brasil, 1984). Ainda neste entendimento, a Constituição Federal de 1988 garante um leque de direitos fundamentais a todos os brasileiros, não deixando de lado as pessoas em privação de liberdade (Brasil, 1988). Contudo, o que se observa é a não garantia do direito à saúde do preso por parte do Estado, fator que potencializa a vulnerabilidade e a segregação das pessoas presas.

Em 2003 foi criado o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP) estabelecido por meio da portaria interministerial nº 1.777MS/MJ e mais recentemente a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), a qual tem como um dos principais objetivos o acesso ao cuidado integral em saúde (Brasil, 2014). A criação de políticas públicas reforça a ideia de que os presos estão privados de liberdade e não dos direitos humanos inerentes à sua cidadania. De acordo com a PNAISP, é preciso reforçar a premissa de que as pessoas presas, qualquer que seja a natureza de sua transgressão, mantêm todos os direitos fundamentais a que têm direito todas as pessoas humanas, e principalmente o direito a gozar dos mais elevados padrões de saúde física e mental (Brasil, 2014). Com o interesse em contribuir para a formalização de conhecimento em relação a essa temática, este estudo se propôs a ouvir homens privados de liberdade, na faixa etária entre 25 e 59 anos, encarcerados em um presídio masculino de segurança máxima da cidade de Campina Grande - PB, com o objetivo de avaliar as dificuldades de acesso ao atendimento de saúde dentro do presídio.

 

Método

Este estudo, de natureza qualitativa e descritiva (Gil, 2010), foi realizado numa penitenciária masculina situada na cidade de Campina Grande/PB. Participaram 35 homens, com idades entre 25 e 59 anos. O tamanho da amostra foi delimitado pelo critério de ponto de saturação, que define o encerramento da coleta de dados quando começa a haver a repetição dos conteúdos (Vinuto, 2014). Os critérios de inclusão foram: homens condenados a regime fechado que aceitaram participar de forma voluntária da pesquisa; estar a mais de seis meses cumprindo pena na unidade; ter idade entre 25 e 59 anos. Foram excluídos do estudo: os homens recém-chegados à penitenciária; ter idade diferente da faixa etária estabelecida e se negarem a participar da pesquisa.

Os instrumentos de coleta de dados foram um questionário sociodemográfico (Costa & Costa, 2014), para caracterização da amostra; uma entrevista semiestruturada (Gray, 2012), que incluiu questionamentos referentes ao acesso ao serviço de saúde, os motivos da procura pelo serviço e a percepção sobre o funcionamento dos serviços de saúde dentro da penitenciária; e um diário de campo (Sampaio, 1998). A coleta de dados foi realizada na unidade básica de saúde do presídio, em encontros individuais com os presos, nos intervalos das consultas médicas e odontológicas. As entrevistas foram gravadas em um programa de voz instalando em um notebook, cuja utilização foi devidamente autorizada pela direção do presídio. Posteriormente todas as gravações foram transcritas na íntegra. A análise do material obtido nas entrevistas se fez à luz da técnica da análise da enunciação, proposta por Bardin (1979). Para dar visibilidade aos discursos, utilizamos as árvores de associação de sentidos (Spink & Lima, 2013).

Este estudo seguiu os procedimentos éticos referentes a investigações envolvendo seres humanos, em atendimento à Resolução nº. 466, de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2012). Primeiramente o projeto foi apresentado e autorizado pela Vara da Execução Penal da Comarca de Campina Grande/PB, conforme processo 1028/ VEP/2017, e, posteriormente, teve o parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual, sob Nº do CAAE 62982716.6.0000.5187.

 

Resultados e Discussões

Caracterização da amostra

A amostra se caracteriza pela prevalência de jovens com idades entre 25 a 30 anos (42,86%), resultado que corrobora o estudo proposto por Carvalho, Mello, Rabello e Lima (2016), em que a grande parte da amostra foi composta por adultos jovens. Tal achado revela o quão cedo a juventude se dispõe a cometer crimes, passando a compor as estatísticas crescentes de pessoas presas no Brasil.

Quanto à raça/etnia, a maioria se declarou negra (51,43%), corroborando os resultados do estudo de Minayo e Ribeiro (2016). Sobre a presença de uma maioria de negros nos presídios brasileiros, Oliveira e Damas (2016) destacam que fatores de natureza econômica, privação de oportunidades, desigualdade social e marginalização podem levar indivíduos a cometer crimes. Tais situações de exclusão podem ser constatadas na história dos negros do nosso país.

Quanto ao estado civil houve uma predominância dos solteiros (42,86%), confirmando dados da pesquisa de Minayo e Constantino (2015). De acordo com os dados verificados no diário de campo, muitos dos presos verbalizaram que após o encarceramento, tiveram seus vínculos familiares rompidos, devido ao pedido de separação por decisão das suas companheiras.

 

 

A escolaridade da amostra é baixa com predominância para o ensino fundamental incompleto (48,57%). Dados do Relatório Brasil (2017) dão conta de que no universo brasileiro, a maior parcela dos presos possui um baixo nível de escolaridade, não chegando a completar o ensino fundamental. De acordo com Zanin e Oliveira (2006), a educação, a qualificação e o trabalho são os pilares da recuperação. É preciso elevar a escolaridade dos presos para que tenham uma visão de mundo diferente, além do conhecimento escolar. Paralelo a isso, trabalhar a qualificação profissional para que possam ser inseridos no mercado de trabalho quando do cumprimento de sua pena.

Os dados referentes à profissionalização demonstraram que a maioria dos presos teve pouco acesso à educação e à formação profissional, isto porque grande parte das atividades laborais indicadas foram exercidas dentro da informalidade e em carreiras pouco estáveis. Na visão de Marchi, Granza Filho e Dellecave (2018), os sujeitos privados de liberdade muitas vezes cometem crimes por não verem outra possibilidade de conseguir o seu sustento e de sua família, ingressando no mundo do crime, onde enxergam uma solução rápida para o problema.

 

Análises dos discursos coletados nas entrevistas

Dificuldades de acesso ao atendimento de saúde

Esta categoria responde ao objetivo principal deste estudo: conhecer as dificuldades de acesso aos cuidados de saúde dentro do presídio. Foi possível perceber uma predominância de dificuldades que acarretam na inviabilidade de um acesso adequado aos serviços de saúde dentro e fora do presídio. Cabe destacar que em alguns momentos os presos precisam ser encaminhados para serviços externos, principalmente aos serviços de média e alta complexidade, a exemplo de procedimentos mais graves que demandam à ida a hospitais.

 


Clique aqui para ampliar.

 

Os resultados demonstrados na figura 1 são explicitados em quatro linhas narrativas. A primeira linha evidencia a falta de suporte para as suas demandas, principalmente relacionadas à ausência de profissionais nas rotinas das unidades de saúde; à insuficiência de medicamentos e materiais necessários à realização de exames e procedimentos médicos. Tais fatores, na visão dos presos, dificultam o acesso aos serviços dentro do presídio, como podemos verificar nas falas dos sujeitos apresentadas a seguir:

Muito complicado o sistema aqui. Para você ir num médico, não tem, dentista não tem. Um dia não tem luva ou então não tem anestesia, nunca tem nada. Eles complicam demais, você passa a noite com dor, você morre, infelizmente, até eles entrarem e tirar você. Nosso sistema infelizmente, a gente tem que admitir, é falido (S20).

Estava fazendo meus curativos, mas como ele não veio (profissional), estou aqui sem ser atendido. Mas eu acho que faltam só os antibióticos para desinflamar, né? Já pedi o antibiótico, mas não tem (S21).

É a maior burocracia, o cabra chega aqui eles diz: num tem remédio, num tem nada, o cabra volta sem nada de novo, melhor nem vim. Minha mulher traz de casa e eu fico tomando (S25).

Muitas vezes as pessoas que cometeram algum crime são penalizadas não apenas pelo sistema judicial, mas também pelas condições degradantes dentro dos presídios (Freitas et al., 2016), como a falta de profissionais e materiais básicos necessários aos cuidados em saúde. Nos discursos dos presos é notório que há uma desconsideração, por parte da equipe de saúde, das suas queixas de saúde-doença, o que expõe o descumprimento de uma assistência integral de qualidade. Numa linha de confirmação de nossos resultados, Arruda et al. (2013) destacaram que o acesso à saúde da população privada de liberdade, é deficitário, o que evidencia a inadimplência do Estado de seu dever. Referente aos aspectos que dificultam o acesso do preso à saúde dentro dos presídios, Souza (2016) enfatiza que faltam colchões, remédios, lençóis, roupas e outras necessidades materiais que deveriam ser providas pelo Estado. Em vez disso, esse material é doado pelas famílias dos presos ou instituições religiosas diversas. Além disso, há brutal falta de recursos humanos, visto que a prisão, vista como uma instituição de custodia e segurança, nega a importância e a necessidade de médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos e etc. O Estado, nesses termos, é o principal violador da lei que criou.

A Resolução Nº 07, de 14 de abril de 2003 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), estabelece que a assistência à saúde do preso, de caráter preventivo e curativo, deve compreender atendimento médico, psicológico, odontológico e farmacêutico, devendo este profissional ser responsável pela aquisição e dispensação de medicamentos nos presídios (Brasil, 2003). Carvalho et al. (2016) destacam a necessidade de os profissionais de saúde serem críticos e reflexivos em relação aos problemas de saúde-doenças prevalentes no público encarcerado, para que possam promover práticas de promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamento e reabilitação das pessoas privadas de liberdade.

A segunda linha narrativa enfatiza o tempo de espera como uma barreira para o acesso ao atendimento em saúde. Os presos alegaram a longa demora para conseguirem marcar exames. Muitos destacaram que apresentam problemas graves de saúde, porém não conseguem ter acesso à realização de exames específicos, vejamos os exemplos:

É muito difícil o acesso para ir no médico, tudo aqui. Como eu que estou com um problema na garganta desde que eu cheguei aqui, três anos, até hoje está para marcar exames e eu só esperando (S3).

Totalmente ruim o acesso. Se o cara tiver com uma doença grave, antes de encaminhar para o hospital já está morto. Quando ele conseguir já é tarde, né? (S33).

O preso, apesar de sua condição, continua sendo um sujeito de direitos, na forma da lei, sendo importante lembrar que a pessoa presa está condenada por um crime cometido, mas isso não retira seus direitos de cidadão no que diz respeito ao acesso à saúde plena: médica, farmacêutica, odontológica e cuidados de enfermagem. O direito à saúde realizado na perspectiva dos direitos humanos, no que condiz com o exercício da cidadania é garantido constitucionalmente mediante o SUS (Oliveira, Ferreira & Rosa, 2016).

Na terceira linha narrativa estão destacadas as relações interpessoais e a comunicação, principalmente entre o preso e o agente penitenciário. Segundo os presos, a limitação das vagas diárias para atendimento e a ineficiência das orientações prestadas pelos agentes, são fatores que dificultam o acesso à saúde, e denunciam a falta de assistência de qualidade:

Para conseguir atendimento aqui é difícil. Eu tive que moer ali na frente, falar com o agente ali. Eu dei meu nome de manhã, mas não me chamaram não. Aí, fui moer para ver se eles me chamavam, aí foi que me botaram para subir pro posto (S12).

Oxe! A pessoa tem que gritar muito para ser atendido. Tem uns que adoece lá e eles nem ligam (S32).

Muitas vezes o acesso ao atendimento é balizado pelo comportamento apresentado pelo preso. Aqueles que não seguem as normativas do presídio e apresentam um histórico relacionado a conflitos e transgressões, são negligenciados e ficam sem o devido acesso à saúde. Nesse ambiente, os agentes penitenciários terminam por exercer um papel de reguladores do acesso à saúde. São eles que julgam a necessidade de atendimento a partir do pedido do preso e atuam facilitando ou dificultando este acesso (Reis & Bernardes, 2011).

Tem muito preso querendo chegar até aqui (Unidade de Saúde). É muito difícil para chegar até aqui. Tem que ter bom comportamento também, e por isso muita gente fica na espera (S26).

Sobre esse assunto, Diuana et al. (2008) destacam que no ambiente prisional, o que se pode observar é que a oferta de saúde parece estar pautada por uma relação de dívida e gratidão, dependente do mérito, da disciplina e da adesão aos valores hierarquizantes e às negociações que são feitas. No presídio estudado, ficou evidente o descumprimento dos direitos do preso à saúde, já que o que prevalece para receber a assistência de saúde é uma relação de troca. Esta situação é gravíssima e denuncia a negligência e a falta de ações igualitárias para todos em termos de promoção, proteção e assistência à saúde, ações que poderiam servir como um propulsor para a reintegração do preso à sociedade.

Na quarta linha narrativa foi destacado o acesso dos presos aos serviços de saúde fora do ambiente prisional. Segundo nossos interlocutores, são muitos os casos que demandam o encaminhamento para hospitais e serviços especializados, porém o encaminhamento somente é realizado em casos de extrema gravidade:

Quando a pessoa vem pra cá pra enfermaria eles não encaminham pro hospital. Estou até com uma bala aqui, quase saindo, a ponta chega dá para fora, o cabra pede pra ir pro hospital e eles não querem levar, num encaminha, muito ruim mesmo aqui (S10).

Às vezes a gente pede pra vim e é uma burocracia pra subir aqui. Aí eu não gosto de está pedindo não e os cabra lá em baixo também pensa que o cabra vai fazer outras coisas, pensa que vai fugir (S25).

Realmente têm pessoas que sobem aqui muito doentes, tem mais de mil presos aqui, então realmente não tem como cuidar aqui porque esse posto só funciona até meio dia diariamente, passou disso, à tarde tem que ser hospital (S24).

Nesse contexto de privação da assistência de saúde, é importante reafirmar que o preso, independentemente de sua condição, mantem o direito de gozar dos mais elevados padrões de assistência à saúde, de modo que os direitos humanos inerentes à sua cidadania sejam garantidos. É imprescindível transformar valores e fazer valer o direito fundamental à saúde de modo incondicional e universal. Para tanto, é necessário questionar os diferentes sistemas simbólicos que sustentam a segregação, negação de direitos e restrição da autonomia das pessoas privadas de liberdade (Coelho & Carvalho Filho, 2012). A saúde não deve ser considerada como um privilégio, mas, como um direito. Como exemplo do impacto positivo de uma abordagem mais humanizada e participativa no âmbito da saúde no contexto penitenciário (Freitas et al., 2016). Apesar de o acesso à saúde para o preso estar previsto nos Programas do Ministério da Saúde (Brasil, 2008; Brasil, 2014), o que observamos em nosso estudo foi uma desconsideração desse acesso. Soares Filho e Bueno (2016), confirmando nossos achados, destacaram que esta população é timidamente visualizada pelas políticas públicas de saúde, de tal forma que os órgãos responsáveis pela execução das ações nos estados, ofertam os serviços de saúde desvinculados da sistemática preconizada pelas diretrizes atuais.

Os resultados mostrados nesta categoria levamnos a concluir que o sistema penitenciário é incapaz de ofertar o acesso à saúde de maneira adequada e com qualidade. A forma como o adoecer está sendo tratado dentro da penitenciária é indigna e o modo como esses presos estão sendo (des)assistidos pelo sistema poderá repercutir negativamente nas suas decisões futuras, comprometendo o principal objetivo do encarceramento: a ressocialização.

Motivo da procura pelos serviços de saúde no presídio

Nesta categoria os discursos revelam pouco esclarecimento sobre os diagnósticos e muitos sintomas sem receber o devido tratamento. A primeira linha narrativa da figura 2 refere-se a um dos motivos que levam os presos a procurarem os serviços de saúde. O cuidado com a saúde bucal:

Só dentista mesmo, fazer uma limpeza (S6).

Estou com muita dor, doido para arrancar esse dente, o cara não dorme direito, nem cochila nem nada. Aí quando vem ela diz que num arranca, que o dente é complicado, que o dente é difícil (S28).

Conforme Walsh (2008) as dificuldades nas assistências odontológicas dos presidiários, são graves, pois os ingressos já apresentam precárias condições de saúde bucal, decorrentes das necessidades dentais não suprimidas anteriormente à prisão, sobrecarregando a assistência do sistema penitenciário. Além disso, tal assistência é agravada pelo elevado número de presos, por dificuldades estruturais e falta de profissionais (Harvey et al., 2005).

A segunda linha narrativa diz respeito à motivação da procura por consequência de sintomas aparentemente graves e contagiosos, como por exemplo furúnculos, dermatoses, tuberculose, os quais podem indicar processos bacteriológicos graves:

Estou com umas infecções, umas cabeças de prego que estão saindo. Fica supurando direto, sai e volta de novo (S25).

Fico tossindo direto ... Aqui tem muita tuberculose (S18).

Dor de ouvido, pode ser infecção. Foi luta para conseguir a consulta (S12). Rapaz é muita bactéria, umas coceiras, o pessoal chama de bit-bit. Tá muito empestada de coceira (S31).

 

Clique aqui para ampliar

 

Para Oliveira e Damas (2016) as doenças infectocongagiosas são comuns nos presídios brasileiros. Entre as mais encontradas estão as pneumonias, tuberculose, hepatites e doenças sexualmente transmissíveis, inclusive o HIV. Há também muitos indivíduos com distúrbios mentais, cancêr e hanseníase.

A população privada de liberdade representa um sério problema para o controle de doenças, principalmente as infectocontagiosas. Mesmo nas prisões, estes indivíduos não estão totalmente isolados pelos muros que os cercam, pois existem epidemias causadas pelo contato dentro das áreas de confinamento com outros detentos saudáveis, ou por meio de visitas e funcionários do sistema prisional (Ferreira, Oliveira & Marin-Leon, 2013). Sobre isto, Barros et al. (2018) encontraram uma alta incidência e prevalência da tuberculose no sistema prisional, concluindo que este constitui um problema de saúde nas prisões. Barbosa et al. (2014) informam que o controle dessas patologias se faz com ações de promoção em saúde, conforme preconizam as políticas públicas penitenciárias.

A terceira linha narrativa refere-se à busca de serviços em virtude de sintomas relativos a transtornos mentais:

Tem hora que me dá depressão, mas até agora graças a Deus não chegou a eu decidir minha vida e fazer uma atitude maior, sabe como é? Porque eu tenho Deus, sabe?! (S8).

Estava vendo coisa demais homem, muita coisa feia demais, vendo onça, todo tipo de animal eu via de noite quando tomava o remédio, aí trocou por esse aqui pronto, tudo normal (S9).

Em pesquisa recente no sistema prisional do Rio de Janeiro (Minayo, 2014), foram encontradas muitas queixas de problemas mentais e muitas dificuldades para a assistência à saúde dos presos. Para Diuana et al. (2008) a presença de transtornos mentais no ambiente prisional pode estar associada ao aumento da população carcerária, sem a correspondente adequação das condições físicas e de pessoal administrativo.

A não adaptação às normas legais que disciplinam o cotidiano prisional e os códigos e regras de convivência da cultura institucional também pode colaborar para o surgimento de um transtorno mental (Souza, 2004). Autores como Oliveira e Damas (2016) e Santos et al. (2017) afirmam que o número de detentos com problemas de ordem psiquiátrica é elevado e a situação de reclusão é ela própria geradora de descompensações. O preso tem o mesmo direito de assistência psiquiátrica que o restante da população, contudo poucos pacientes recebem assistência psiquiátrica de maneira adequada (Freire, Pondé & Mendoça, 2012).

A quarta linha narrativa da figura 2, destaca a busca pela medicação como motivo para os presos frequentarem os serviços de saúde no presídio:

Peguei esse problema (HIV) num baque aqui na veia sabe, injetando cocaína. Subo aqui sempre e pego meus medicamentos (S9).

Aqui têm meus remédios, eu tomo esse remédio para controlar, pra eu poder dormir, poder me acalmar (S13).

A maior preocupação dos presos, além do tempo de detenção, é o adoecimento e o acesso ao tratamento e cura, já que as condições de confinamento demonstram ser ineficazes para o controle das doenças. Intervenções institucionais relacionadas ao estímulo do próprio cuidado e à proteção da saúde precisam ser implementadas, pois, evitar o surgimento de morbidades relacionadas ao período de encarceramento pode ser um ponto decisivo para o retorno dos presos ao mercado de trabalho e à vida cotidiana. Santos et al. (2017) destacam que com concepções ampliadas de saúde é possível contribuir para a operacionalização de ações relacionadas à prevenção de agravos e à promoção de saúde de modo integral.

Avaliação dos presos sobre a penitenciária

A figura 3 mostra duas linhas narrativas principais classificadas como: negativa e positiva. A 'avaliação negativa' destaca a falta de ações voltadas à promoção da saúde; alimentação de qualidade ruim; ausência de investimentos em projetos, sobretudo na área de educação; precariedade da estrutura física, em que ficou presente a indignação dos presos quanto à superlotação; descumprimento das funções do estado, incluindo aqui a ressocialização, e por fim as dificuldades enfrentadas com relação ao convívio entre eles, como as desavenças relacionadas a facções dentro do presídio.

Para os presos os serviços prestados são ruins, pois faltam ações de promoção de saúde e as ações que regem o cotidiano do presídio são indignas e desumanizadas, principalmente o tratamento prestado pelos profissionais.

A realidade carcerária denuncia a negligência estatal, sobretudo quando o assunto é a saúde. Algumas condições de saúde, como educação e saneamento básico, entre outras, são determinantes para o precário quadro sanitário no sistema prisional brasileiro (Gomes et al., 2015).

Relacionado à alimentação, predominaram as falas que indicaram o descaso com a nutrição, a má qualidade das comidas e do preparo dos alimentos:

A alimentação daqui não é boa. É feijão com pedra, frango com pena, cabeça de frango, nunca vi a pessoa comer a cabeça de um galeto. Aqui come com bico e tudo. Pé com unha, tudo isso aí: só Jesus homem! (S3).

A realidade do dia-a-dia é feijão azedo e arroz bebido e pronto. Quem tem umas condiçãozinha, prepara um feijãozin e um arroizin, é melhor, evita até adoecer, pegar uma infecção, uma doença do intestino, um negócio assim. Eu acho que se botar um comer desse aqui da cadeia para um cachorro, eu acho que ele levanta a patinha assim, faz o serviço dele lá e sai, não come não. Eu acho que nem cachorro come (S28).

Clique aqui para ampliar

 

Thomé et al. (2016) destacam a importância da alimentação para o desenvolvimento físico, emocional ou intelectual das pessoas e afirmam que a comida de qualidade e em quantidade suficiente minimizam muitos problemas que podem ocorrer nas penitenciárias, tendo em vista as condições em que vivem os detentos.

Além da alimentação com má qualidade, tiveram presos que mostraram indignação quanto à água sem tratamento dentro do presídio:

Não queira nem saber homem, água com casca de barata, água com tudo homem, você enche umas garrafas com pedaço de caranguejeira e tudo isso é as águas que nós bebemos, é desses tanques velhos sujos aí, por isso que é muita infecção. Eu, pronto, faz doze dias que eu não se alimento direito estava pesando oitenta quilos e agora estou pesando sessenta e pouco, infecção que eu tive (S6).

Cabe destacar que o saneamento básico precário ou inexistente em inúmeros presídios eleva a incidência de doenças infecciosas. Freitas et al. (2016) elencam alguns agravos que são mais propícios nesses ambientes: tuberculose, pneumonia, hepatite, doenças sexualmente transmissíveis. Assim, as condições precárias de confinamento se tornam obstáculos para garantia dos direitos dos indivíduos, bem como a manutenção da sua saúde.

Os presos reclamaram do ócio e da ausência de projetos que antes eram ofertados dentro da penitenciária. Avaliando negativamente a direção do presídio quanto a não continuidade de convênios antes existentes na penitenciária, importantes para a ressocialização deles:

Era legal demais há alguns meses, tinha cursos de pedreiro, eu fiz um curso aqui de serigrafia. Então era bom pra nós se ressocializar, a gente já saía com um curso, já saía com um objetivo, com um trabalho (S10).

O SENAI deveria voltar a ter né? É isso aí que eu achava viável pra nós, que estamos precisando se ressocializar, né? A gente assiste a televisão e vê que outros presídios que tão aderindo a oficinas, os presos estão se ressocializando, né? Até o modo de se expressar muda completamente, não tem mais gíria (S11).

Os exemplos apontam a falta de projetos, serviços e oportunidades que ajudassem na preparação do preso para o retorno à sociedade, ao mercado de trabalho e ao convívio social. De acordo com Santos et al. (2017), o ambiente institucionalizado da prisão configura-se como um espaço ocioso que também contribui para interferir na noção temporal. Inferese que o tempo institucionalizado pode caracterizar- se pela predominância de desocupação. Assim, a ociosidade é outro fator que interfere nas condições de saúde de pessoas encarceradas.

Identificamos muita indignação entre os presos pela falta de assistência que se estende por toda estrutura física da penitenciária, principalmente pela presença constante de insetos e animais estranhos. Além disso, tem a superlotação que submete os presos a ambientes insalubres, em espaços limitados, sem espaços para dormirem e sem condições de uma convivência digna. Dados que revelam a situação de calamidade do sistema carcerário no Estado da Paraíba.

Todos os rebocos das paredes caindo aos pedaços, aparece direto caranguejeira e escorpião. Essa semana o meu parceiro, que foi preso comigo, foi mordido pelo escorpião...Aí botaram lá umas cabeças de alho pra tirar o veneno e tal. Ele num quis nem subir, vai subir pra que? Pra ficar olhando pra cara dos agentes? (S2).

A superlotação aí é demais, fizesse mais pavilhão aqui pra desafogar. Não é brincadeira não, num lado do pavilhão tem 20 camas, tem 60, 70 presos, diga aí, o tanto que não tem no chão?! Tem gente dormindo até nos banheiros (S22).

Além da precariedade referente à superlotação os presos afirmaram que o convívio entre eles é um dos pontos negativos na avaliação da prisão. Há uma constante luta pela sobrevivência, pois a violência entre eles é recorrente:

E esse lugar aqui é imprevisível, hoje você está vivo, hoje você está respirando, amanhã não tá mais. É muita guerra aí dentro. Por isso que quem vence esse lugar é um guerreiro (S11).

Eu fui espancado no reconhecimento (pelos presos), fui parar no trauma. O maxilar quebrado, aí precisou cirurgia, aí mandaram eu voltar de novo. Fiquei a cabeça toda quadrada, inchada demais. Cheio de sangue por todo corpo e minhas unhas estão todas roxas, bateram muito nelas com o cabo de vassoura (S32).

Bitencourt (2004) denuncia a superlotação das carceragens, o elevado índice de reincidência; ociosidade ou inatividade forçada; condições de vida precárias produzidas pela prisão. Assis (2007) aponta que tal população está sujeita a ambientes altamente precários e insalubres, celas superlotadas, condições que são propícias à proliferação de epidemias e desenvolvimento de patologias.

Em face de tamanha falta de estrutura não há como exigir recuperação de um indivíduo, pois o que está sendo feito é retirá-lo do convívio social sem proverlhe das condições mínimas para sua recuperação. Além de não ressocializar tal situação pode gerar consequências principalmente psicológicas, como o desejo de vingar- se contra o sistema, que evidentemente é falho.

A penitenciária deve ser afirmada como um espaço humano, que recupere de fato o preso, para que dessa forma a sociedade não sofra as consequências da revolta gerada pela degradação humana do preso como vem ocorrendo. A prisão deve realmente deixar de ter o caráter meramente punitivo e assumir sua função educativa e ressocializadora. Embora, a realidade mostre que os presos das prisões brasileiras, saem sem perspectiva, sem aprendizado para reintegrar- se dignamente (Bocaleti & Oliveira, 2017). Na última linha narrativa da figura 3 estão as poucas referências feitas à penitenciária de forma positiva. Observamos que tais discursos 'bom atendimento', 'acesso' e 'agilidade' negam os demais discursos resumidos nesta categoria. Esta contradição pode ser explicada pela negação da realidade, pelo temor de uma retaliação, ou a perda de algum benefício pretendido pelo preso, ainda se tratar de casos isolados.

 

Considerações Finais

O sistema prisional para cumprir o seu principal papel de ressocialização, precisaria ser 'reinventado'. Deixar de ser um depósito de pessoas com problemas de adaptação social, oriundos de várias ordens, para se tornar um lugar em que essas pessoas possam ser tratadas dignamente e, assim, reaprender a conviver no meio de outras pessoas, redirecionando seus conflitos com mais sabedoria e inteligência emocional, sem ter que reincidir em novos crimes.

Os participantes deste estudo são jovens, negros e pardos, com defasagem na escolaridade e de baixa renda. O que demonstra um grave problema a ser resolvido pelo Estado, sobretudo no que se refere à promoção de políticas públicas capazes de reinventar o cenário hora posto. Isto aponta que o combate à criminalidade perpassa, sobretudo, por combater a pobreza, bem como oferecer melhores condições sociais, educacionais e dignidade a todas as pessoas, facilitando- lhes o acesso a melhores condições de vida. Diante dos dados encontrados, que comprovaram que homens negros e pardos estão entre as maiores parcelas das populações carcerárias, evidencia-se a pertinência de investigações sobre a problemática racial nos espaços de privação de liberdade. É de grande valia debater os aspectos relacionados às questões raciais e os seus vínculos com a criminalidade.

As falhas no sistema prisional também indicam que ele não tem sido capaz de coibir as chamadas 'guerras de facções' existentes dentro do presídio. O que leva à reprodução das organizações criminosas dentro da instituição. Cabe destacar o descaso encontrado quanto ao desrespeito à dignidade humana, não diferentemente de outros espaços prisionais, o presídio estudado se configura como uma instituição que abarca presos além da sua capacidade, evidenciando ambientes de convívio superlotados, com estrutura precária e insalubre, fatores que certamente contribuem para agravos relacionados à saúde. Ainda sobre a dignidade humana, destacamos a violência e os maus-tratos, sobretudo partindo dos agentes penitenciários.

Dentro desse contexto, é necessário repensar as práticas que estão postas, para fazer valer o direito fundamental à saúde. Para tanto, é importante questionar a eficácia dos diferentes sistemas e políticas vinculadas à saúde do preso, pois, na prática, não estão cumprindo com um dos seus principais objetivos: a superação das dificuldades impostas pela própria condição de confinamento, que dificulta o acesso às ações e serviços de saúde de forma integral e efetiva (Brasil, 2014).

O nosso desejo é que o presente estudo sirva de estímulo para criação de estratégias para um melhor cuidado para com a saúde do homem preso, sobretudo com ofertas regulares de ações de promoção à saúde, de prevenção de doenças, agravos e de tratamento de saúde, já que tais ações podem colaborar para a prevenção da criminalidade e para a reintegração social do preso. Assim, ter uma equipe completa de saúde, sem medicamentos; ou ter acesso a exames e não ter higiene no ambiente ou água de qualidade, são exemplos do que é preciso fazer para o que aqui chamamos de necessidade de reinventar o presídio para que ele alcance seu objetivo de ressocialização do preso.

Diante desse contexto, faz-se necessário multiplicar espaços de discussão, tendo em vista que ações diversas podem ser pensadas para a melhoria da precariedade do sistema prisional. Inclusive contribuindo para as transformações sociais e para a minimização dos estigmas direcionados ao homem preso.

 

REFERÊNCIAS

Arruda, A. J. C. G. (2013). Saúde dos presidiários e direito social: um estudo de caso Prisional de João Pessoa – Paraíba (Tese de Doutorado). Fiocruz, João Pessoa, Paraíba, Brasil.         [ Links ]

Assis, R. D. (2007). A realidade atual do sistema penitenciário brasileiro. Revista CEJ., Brasília, 11(39), 74-78.         [ Links ]

Barbosa, M. L., Celino, S. D. M., Oliveira, L. V., Pedraza, D. F., & Costa G. M. C. (2014). Atenção básica à saúde de apenados no sistema penitenciário: subsídios para a atuação da enfermagem. Esc Anna Nery, 18(4), 586-592         [ Links ]

Bardin, L. (1979). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70.         [ Links ]

Barros, A. K. R., Neto, J. A. N., Rodrigues, I. L. A., Nogueira, L. M. V, & Távora, M. M. (2018). Monitoramento das ações de controle da tuberculose no Sistema Prisional. Revista Eletrônica Gestão & Saúde, 9(2), 192-207.         [ Links ]

Bitencourt, C. R. (2004). Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 3. São Paulo: Saraiva.         [ Links ]

Bocaleti, J. M. R. & Oliveira, D. G. P. (2017). Superlotação e o sistema penitenciário: é possível ressocializar? Actio Revista de Estudos Jurídicos, 27(1), 205-217.         [ Links ]

Brasil (2003). Pobreza e Mercados no Brasil: urna análise de iniciativas de políticas públicas. Brasília: CEPAL.         [ Links ]

Brasil (2014). Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional. Brasília, 2014c.         [ Links ]

Brasil. Conselho Nacional de Saúde. (2012). Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.         [ Links ]

Carvalho, M. S., Mello, A. C., Rabello, R. S., & Lima, C. R. A. (2016); Inquérito de saúde na esfera local: colocando em prática. Rio de Janeiro: Fiocruz.         [ Links ]

Carvalho, M. S.; Mello, A. C.; Rabello, R. S.; & Lima, C. R. A. (2016). Inquérito de saúde na esfera local: colocando em prática. Rio de Janeiro: Fiocruz.         [ Links ]

Coelho, M. T. A. D., & Carvalho Filho, M. J. (2012). Prisões numa abordagem interdisciplinar. Salvador: Edufba.         [ Links ]

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (2001). São Paulo: Saraiva.         [ Links ]

Costa, M. A. F., & Costa, M. F. B. (2014). Projeto de pesquisa: entenda e faça. Rio de Janeiro: Vozes.         [ Links ]

Diuana, V., Lhuilier, D., Sanchez, A. R., Gilles, A., Araújo, L., & Duarte, A. M, et al. (2008). Saúde em prisões: representações e práticas dos agentes de segurança penitenciária no Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de saúde pública, 24(8), 1887-1896.         [ Links ]

Favilli, F.; & Amarante, P. (2018). Direitos humanos e saúde mental nas instituições totais punitivas: um estado da arte Itália-Brasil sobre a determinação de mecanismos alternativos à prisão decorrentes às situações de doença mental ou enfermidade. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, 10(25), 141-183.         [ Links ]

Fernandes, L. H.; Alvarenga, C. W.; Santos, L. L.; & Pazim Filho, A (2014). Necessidade de aprimoramento do atendimento à saúde no sistema carcerário. Revista de Saúde Pública, 48(2), 575-283.         [ Links ]

Ferreira, S. J., Oliveira, B. H., & Marin-León. L. (2013). Conhecimento, atitudes e práticas sobre tuberculose em prisões e no serviço público de saúde. Revista Brasileira de Epidemiologia, 16(1), 100-13.         [ Links ]

Freire, A. C. C., Pondé, M. P., & Mendonça, M. S. S. (2012). Saúde mental entre presidiários na cidade do Salvador, Bahia, Brasil. In M. T. D, & M. J. C. Filho (orgs) Prisões numa abordagem multidisciplinar (pp. 121-129). Salvador: EDUFBA.         [ Links ]

Freitas, F. S., Zermiani, T. C., Nievola, N. T. S., Nasser, J. N., & Ditterich, R. G. (2016). Política nacional de atenção integral à saúde das pessoas privadas de liberdade no sistema prisional: uma análise do seu processo de formulação e implantação. R. Pol. Públ., 20(1), 171-184.         [ Links ]

Gil, A. C. (2010). Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas.         [ Links ]

Gomes, N. S., Kölling, G., & Balbinot, R. A. A. (2015). Violação de direitos humanos no presídio do Roger, no estado da Paraíba. Rev. Dir. sanit., 16(1), 39-58.         [ Links ]

Gray, D. E. (2012). Pesquisa no mundo real. Porto Alegre: Penso.         [ Links ]

Harvey, S. (2005). Reforming prision dental services. Health Edu J., 64(4), 1-39.         [ Links ]

Lei de Execução Penal nº 7.210 de 11 de julho de 1984. (1984). Institui a Lei de Execução Penal. Recuperado de: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm         [ Links ]

Marchi, C. R., Granza Filho, L., & Dellecave, M. R. (2018). O processo de reinserção do egresso do sistema prisional no mercado de trabalho. Revista Psicologia, Diversidade e Saúde, 7(3), 1-11.         [ Links ]

Martins, E. L. C.; Martins, L. G.; Silveira, A. M.; & Melo, E. M. (2014). O contraditório direito à saúde de pessoas em privação de liberdade: o caso de uma unidade prisional de Minas Gerais. Saúde e Sociedade, 23(4), 1222-1234.         [ Links ]

Massaro, C. M.; & Camilo, M. V. R. F. (2017). Sistema prisional, direitos humanos e sociedade: relato de experiência das faculdades de ciências sociais e serviço social da Puc-Campinas. In Anais do encontro internacional e nacional de política social. Vitória, ES, Brasil.         [ Links ]

Minayo, M. C. S. (2014). Estudo das condições de saúde e qualidade de vida dos presos e das condições ambientais do sistema prisional do Rio de Janeiro. (Relatório de Pesquisa). Rio de Janeiro: Claves.         [ Links ]

Minayo, M. C. S.; & Constantino, P. (2015). Deserdados sociais: condições de vida e saúde dos presos do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fiocruz.         [ Links ]

Minayo, M. C.; & Ribeiro, A. P. (2016). Condições de saúde dos presos do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 21(7), 2031–2040.         [ Links ]

Ministério da Justiça. (2017). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN, dezembro de 2017. Brasília: Autor.         [ Links ]

Oliveira, F. W., & Damas, F. B. (2016). Saúde e atenção psicossocial nas prisões. São Paulo: Hucitec.         [ Links ]

Oliveira, T. F. F.; Ferreira, P. J. O. & Rosa, R. K. G. (2016). Perfil de saúde no sistema penitenciário brasileiro: uma revisão integrativa da literatura brasileira. Revista Expressão Católica Saúde, 1(1), 121-125.         [ Links ]

Reis, C. B., & Bernardes, E. B. (2011). O que acontece atrás das grades: estratégias de prevenção desenvolvidas nas delegacias civis contra HIV/AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis. Ciênc. saúde coletiva, 16(7), 3331-3338.         [ Links ]

Sampaio, J. J. C. (1998). Epidemiologia da imprecisão: processo saúde/doença mental como objeto da epidemiologia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ.         [ Links ]

Sánchez, A.; & Larouzé, B. (2016). Controle da tuberculose nas prisões, da pesquisa à ação: a experiência do Rio de Janeiro, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 21(7), 2071-2080.         [ Links ]

Santos, M. V., Alves, V. H., Pereira, A. V., Rodrigues, D. P., Marchiori, G. R. S., & Guerra, J. V. V. (2017). A saúde física de mulheres privadas de liberdade em uma penitenciária do estado do Rio de Janeiro. Escola Anna Nery, 21(2),         [ Links ] e20170033.

Soares Filho, M, M., & Bueno, P. M. M. G. (2016). Demografia, vulnerabilidades e direito à saúde da população prisional brasileira. Ciênc Saúde Coletiva, 21(7), 1999-2010.         [ Links ]

Souza, C. A. C. (2004). Doentes mentais em prisões e em casas de custódia e tratamento: um grande e permanente desafio à psiquiatria e à lei. Psychiatry on line Brasil, 9(12). 1-10.         [ Links ]

Souza, R. C. M. (2016). A ressocialização nos espaços prisionais: possibilidade e limites na contemporaneidade. Revista Interdisciplinar do Pensamento Científico, 2(2), 88-98.         [ Links ]

Spink, M. J. P., & Lima, H. (2013). Rigor e visibilidade: a explicitação dos passos da interpretação. In Spink, M. J. P. (Org.), Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações e metodologias. (pp. 93-122). São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Thomé, B., Viana, C. E., Fabiene, K. C., Cozer, M., Vieira, A. P., & Follador, A. P. V. C. (2016). Qualidade da alimentação fornecida em uma unidade do sistema penitenciário do Estado do Paraná. Biosaúde, 18(2), 75-81.         [ Links ]

Vinuto, J. (2014). A amostragem de bola de neve em pesquisa qualitativa: um debate aberto. Temáticas, 22(44), 203-220.         [ Links ]

Walsh, T. (2008). An investigation of the nature of researsh into dental health in prisions: a sistematic review. British Dental Journal, 204(12). 683-689.         [ Links ]

Zanin, E. J., & Oliveira, R. S. (2006). Penitenciárias privatizadas: educação e ressocialização. Práxis Educativa, 1(2), 39-48.         [ Links ]

 

Recebido: 28/06/2018
Revisado: 05/09/2018
Aprovado: 12/09/2018

 

 

1 Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) – Especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). End.: Rua Severino Pimentel, 895, Liberdade, Campina Grande/PB, CEP: 58.414-150 – Telefone: + 55 (83) 99685-6436 – E-mail: jaksonpsi@gmail.com, ORCID 0000-0002-2677-734X.
2 Doutora em Antropologia da Saúde pela Universidad de Granada – Espanha, Docente da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde (UEPB) – End.: Av. Mar da Sibéria, 117, apto 902 - Intermares – Cabedelo-PB – CEP: 58102-071 - Telefone: + 55 (83) 98714-1430 – E-mail: raildafernandesalves@gmail.com, ORCID 0000-0001-5093-1952.

Creative Commons License