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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.39 no.96 São Paulo Jan./June 2019

 

TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO

 

Análise bioecológica do sobrepeso e da obesidade em rodas de conversa

 

Bioecological analysis of overweight and obesity in conversation circles

 

Análisis bioecológico del sobrepeso y de la obesidad en ruedas de conversa

 

 

Ana Tereza Lopes Pecora1; Ana Claudia Nunes de Souza Wanderbroocke2; Maria Cristina Antunes3

Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba-PR, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar os fatores envolvidos no sobrepeso e obesidade a partir de relatos de participantes de rodas de conversa realizadas em uma comunidade religiosa na cidade de Curitiba-PR a partir do Modelo Bioecológico. Participaram oito mulheres entre 25 e 74 anos, de dez encontros semanais que foram transcritos e submetidos à análise de conteúdo. As categorias de análise seguiram os quatro ambientes ecológicos propostos por Bronfenbrenner: micro, meso, exo e macrossistemas. As subcategorias emergiram dos discursos das participantes. Pode-se constatar a interdependência dos processos proximais e dos sistemas que compõe o ambiente ecológico. Aspectos psicossociais, experiências de maus-tratos na infância, relações familiares conflituosas, falta de incentivo, de credibilidade e preconceito nas relações familiares e sociais devido aos fracassos nas tentativas de emagrecer foram citados. O modelo de análise proporcionou a oportunidade de discutir as influências das políticas públicas, de saúde e de segurança. Além disso, as crenças religiosas, as influências da mídia, da sociedade de consumo e dos ideais de beleza e estilo de vida também foram aspectos salientados. Discute-se a importância de um olhar integrador para os diversos fatores presentes na questão, bem como da importância de se mobilizar a sociedade e buscar espaços alternativos para orientar e apoiar a população em relação a esta problemática.

Palavras-chave: Obesidade, Modelo Bioecológico, Comunidade, Rodas de Conversa.


ABSTRACT

This article aims to analyze factors involved in overweight and obesity, from reports of conversation circles conducted in a religious community in the city of Curitiba-PR, based on the Bioecological Model. Eight women between 25 and 74 years of age took part on ten weekly meetings, which were transcribed and subjected to content analysis. The categories of analysis followed four ecological environments proposed by Bronfenbrenner: micro, meso, exo and macrosystems. The subcategories emerged from the speeches of the participants. The interdependence of proximal processes and systems that make up the ecological environment was noticed. Psychosocial aspects of abuse experiences in childhood, conflictual family relationships, lack of incentives, credibility and prejudice in family and social relationships due to failures in attempts to lose weight were cited. The model of analysis provided the opportunity to discuss the influences of public policies of health and security. Moreover, religious beliefs, media influences, the consumer society and the ideals of beauty and lifestyle were also highlighted aspects. The importance of an integrative look at the various factors in question is discussed, as well as the importance of mobilizing society and seeking alternative spaces to guide and support the population in relation to this issue.

Keywords: Obesity, Bioecological Model, Community, Conversation Circles.


RESUMEN

El presente artículo tiene como objetivo analizar los factores involucrados en el sobrepeso y la obesidad a partir de relatos de participantes de ruedas de conversa realizadas en una comunidad religiosa en la ciudad de Curitiba-PR a partir del Modelo Bioecológico. Participaron ocho mujeres entre 25 y 74 años, se realizaron diez encuentros semanales que fueron transcritos y sometidos al análisis de contenido. Las categorías de análisis siguieron los cuatro ambientes ecológicos propuestos por Bronfenbrenner: micro, meso, exo y macrosistemas. Las sub categorías surgieron de los discursos de las participantes. Se puede constatar la interdependencia de los procesos proximales y de los sistemas que componen el ambiente ecológico. Los aspectos psicosociales, experiencias de maltrato en la infancia, relaciones familiares conflictivas, falta de incentivo, credibilidad y prejuicio en las relaciones familiares y sociales debido a los fracasos en los intentos de adelgazamiento fueron citados. El modelo de análisis proporcionó la oportunidad de discutir las influencias de las políticas públicas, de salud y de seguridad. Las creencias religiosas, las influencias de los medios, la sociedad de consumo y los patroes de belleza y estilo de vida también fueron aspectos destacados. Se discute la importancia de una mirada integradora para los diversos factores presentes en la cuestión, así como de la importancia de movilizar la sociedad y buscar espacios alternativos para orientar y apoyar a la población en relación a esta problemática.

Palabras clave: Obesidad, Modelo Bioecológico, Comunidad, Ruedas de Conversa


 

 

Introdução

O sobrepeso e a obesidade são preocupações mundiais existentes há décadas, visto que estes problemas assolam os países considerados desenvolvidos, bem como vêm crescendo consideravelmente nos países em desenvolvimento. No Brasil, esta questão é discutida desde os anos 50, mas foi somente nas duas últimas décadas que começou a se mobilizar para lidar com os fatores envolvidos nesta problemática. A World Health Organization (WHO, 2000), define obesidade como um acúmulo de gordura no organismo e a considera uma doença multifatorial causada pela interação de fatores genéticos, metabólicos, endócrinos, nutricionais, psicossociais e culturais. Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira (Brasil, 2008) a obesidade e o sobrepeso são mensurados pelo Índice de Massa Corpórea (IMC) que é calculado pela fórmula: IMC = peso/altura2.

A WHO (2000) alerta que a obesidade é o principal risco para o aparecimento de outras doenças, como o diabetes e a hipertensão arterial, sendo que 50% da população brasileira está com excesso de peso. Dados da pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) indicam que o excesso de peso dos brasileiros tem aumentado muito nos últimos anos. Entre os homens saltou de 18,5% para 50,1% e entre as mulheres de 28,7% para 48%. Isto significa que metade dos homens brasileiros está acima do peso. De acordo com o estudo, as classes populacionais com nível de escolaridade e social mais baixos, em torno de 40% da população brasileira, são as mais suscetíveis à problemática devido à qualidade da alimentação.O governo brasileiro lançou mecanismos de prevenção e de orientação acerca do sobrepeso e obesidade da população (Brasil, 2008). Porém, a preocupação com estes problemas não deve se restringir à esfera governamental, sendo que a sociedade civil também precisa se envolver na busca de soluções para a questão. Nesse sentido, as entidades de classe, associações, Organizações Não Governamentais (ONGs) e a mídia se destacam ao promover meios para orientar a população sobre os riscos à saúde envolvidos no ganho de peso, assim como oferecem diferentes formas de suporte às pessoas que estão acima do peso ou são obesas. Para que se possa oferecer apoio e orientação à população em relação ao sobrepeso e à obesidade, é fundamental que se busque aportes teóricos capazes de dar conta da multifatorialidade que envolve a problemática em questão e de abarcar as múltiplas relações entre os diferentes fatores envolvidos no processo de ganho e manutenção de peso. Neste sentido, a presente pesquisa toma como base o modelo bioecológico, fundamentado na teoria de Urie Bronfenbrenner (1994), que analisa o processo de desenvolvimento individual como interdependente de uma relação complexa de sistemas ao abordar as relações homem/meio (Sarriera & Saforcada, 2014), pois considera-se que por meio deste modelo pode-se identificar tanto os fatores de ordem social quanto emocional envolvidos.

Para Sarriera e Saforcada (2014), o modelo bioecológico tem como princípio fundamental o da interação contínua do homem com os diversos sistemas sociais com os quais se relaciona direta e indiretamente ao longo de seu processo de desenvolvimento. Este modelo opõe-se, portanto, à visão da psicologia tradicional influenciada pelo positivismo. Segundo o mesmo autor, o modelo postula que o homem está em constante mudança, evolução e otimização dos seus recursos pessoais e do meio ambiente, ou ao contrário, de sua deterioração. O contexto que possibilita estas mudanças pode ser compreendido a partir das estruturas físicas e dos aspectos históricos, sociais e psicológicos que caracterizam a relação da pessoa com seu meio ambiente.

O modelo bioecológico tem sido vastamente utilizado para a compreensão de diversos fenômenos complexos da saúde e do desenvolvimento humano (Gaspar, Santos & Alcofarado, 2015; Luz, Silva & Demontigny, 2015; Costa, Nobre, Nobre & Valentini, 2014; Feijó, Schwartz, Muniz, Santos, Viegas & Lima, 2012; Krebs, Ramalho, Santos, Nazario, Nobre & Almeida, 2011). Porém, ainda permanece pouco utilizado para a compreensão do sobrepeso e da obesidade (Moraes & Dias, 2015; Barclay, 2010). O modelo é composto pela inter-relação de quatro núcleos: Processo; Pessoa; Contexto e Tempo. O contexto, por sua vez, é composto por quatro níveis: microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema, que representam o ambiente ecológico. Para Urie Bronfenbrenner (1996), o ambiente ecológico é concebido como uma série de estruturas uma dentro da outra, como o conjunto de bonecas russas, com isto podemos compreender que eles são interdependentes e que se comunicam entre si, dependendo do contexto e tempo em que determinada situação é vivenciada. O autor define os sistemas que compõe o ambiente ecológico em quatro níveis:

  1. Microssistema: que é um complexo de inter-relações dentro do ambiente imediato, onde ocorrem as interações face a face. Trata-se do contexto vital no qual a pessoa está inserida, como família, igreja, escola, trabalho, posto de saúde, entre outros. O microssistema é um padrão de atividades, papéis e relações interpessoais vividos pela pessoa em um dado ambiente com características físicas e materiais específicos.
  2. Mesossistema: é aquele que compreende a análise das inter-relações entre dois ou mais ambientes dos quais o sujeito participa. O mesossistema é uma série de inter-relações entre dois ou mais sistemas em que a pessoa desenvolvente se torna participante ativa. Existem, porém quatro tipos de relações dentro do mesossistema:
    • A participação multiambiente que é a forma mais básica de interconexão entre os sistemas e ocorre quando a mesma pessoa participa de atividades em mais de um ambiente;
    • A ligação indireta que ocorre quando a pessoa não participa ativamente dos ambientes, mas a conexão é realizada através de uma terceira pessoa;
    • A comunicação interambiente que são mensagens transmitidas de um ambiente para o outro, podendo ser face a face, mensagens escritas, telefone, anúncios ou indiretamente como por redes sociais; e
  3. O conhecimento interambiente que se refere à informação ou experiência que existe em um ambiente a respeito do outro. Estas interações podem ser feitas através da comunicação interambiente ou fontes externas como livros e internet.
  4. Exossistema: é aquele que consiste em um ou mais ambientes que não envolvem a pessoa em desenvolvimento como um participante ativo, como o trabalho do pai ou marido, desempenho do filho na escola, administração municipal de saúde.
  5. Macrossistema: é aquele que interliga e perpassa os sistemas de menor ordem (micro, meso e exo). Esse sistema refere-se às correspondências de conteúdo, culturas e subculturas, sistemas de crença e ideologias que sustentam as ligações entre os subsistemas como as políticas públicas de saúde, educação, economia, tradições e representações sociais.

Para Bhering e Sarkis (2009), o desenvolvimento humano ocorre mediante processos gradativamente mais complexos de interação entre um sujeito ativo e as pessoas, ambientes e símbolos do ambiente imediato, denominados processos proximais. Para o desenvolvimento ter efeito deve ocorrer de forma regular durante um período de tempo. Assim sendo, o desenvolvimento é o resultado entre um processo proximal, as características de uma pessoa, o contexto imediato no qual ela vive, a quantidade e a frequência de tempo na qual ela está exposta a um processo proximal específico e ao ambiente. O importante deste modelo é que ele analisa todos os aspectos e dimensões individuais da pessoa, ambientes em que está inserida, além daqueles que ela não frequenta, mas que podem lhe afetar. Com base no exposto, esta pesquisa tem como objetivo analisar os fatores envolvidos no sobrepeso e na obesidade a partir de relatos de participantes de rodas de conversa realizadas em uma comunidade religiosa na cidade de Curitiba-PR à luz do modelo bioecológico.

Parte-se do pressuposto de que as comunidades religiosas, paralelamente ao sistema de saúde e outras instituições, também podem ser consideradas como um recurso, compondo a rede comunitária, capaz de oferecer espaço para a discussão e reflexão sobre temas relacionados à promoção de saúde, apesar de se entender que a maioria ainda não explora este potencial. Além disso, uma vez que oferecem apoio social, podem possibilitar uma maior adesão aos programas de saúde (Lotufo, Lotufo e Martins 2009). Os dados apresentados neste estudo fazem parte de uma pesquisa mais ampla que buscou analisar os benefícios e limitações do uso de rodas de conversa para mulheres com sobrepeso e obesidade de uma comunidade religiosa do município de Curitiba.

 

Método

Delineamento

Optou-se pela utilização de metodologia participativa, uma vez que permite a associação entre investigação e intervenção. De acordo com Brandão e Borges (2007), esta metodologia é utilizada quando se pretende conhecer uma realidade social na perspectiva de seus integrantes. A relação entre investigador e os participantes deve ser progressivamente convertida em uma relação horizontal, uma vez que se compreende que todas as culturas são fontes de saber. Desta forma, o conhecimento científico e o popular articulam-se criticamente e se tornam um conhecimento novo e transformador, uma vez que se parte do pressuposto de que o processo e os resultados da pesquisa interferem nas práticas sociais, podendo gerar transformações. Para fins de coleta de dados foi utilizado rodas de conversa que, segundo Afonso e Abade (2008), são metodologias participativas e seu fundamento metodológico se alicerça nas oficinas de intervenção psicossocial e têm por objetivo a constituição de um espaço onde seus participantes refletem acerca do cotidiano, ou seja, de sua relação com o mundo, com o trabalho e com o projeto de vida.

Participantes e local

O estudo foi realizado em uma comunidade religiosa em Curitiba-PR, no qual oito mulheres com idade entre 25 e 74 anos, participaram de 10 encontros semanais, desenvolvidos no formato de rodas de conversa versando sobre os temas sobrepeso e obesidade. Quanto ao peso, uma participante apresentava IMC normal, cinco apresentavam sobrepeso, uma obesidade I e uma obesidade severa. A participante com IMC normal já apresentara sobrepeso e no momento da pesquisa enfrentava dificuldades com a alimentação das filhas e do marido. Apenas uma das participantes era solteira e tinham tinha renda média familiar de cinco mil reais.

Procedimentos

Inicialmente a proposta foi apresentada à pastora titular e em seguida, divulgada entre os membros da comunidade durante as seções informativas nos cultos religiosos, a fim de encontrar membros interessados na participação voluntária. Não foi estipulado nenhum critério de seleção para a participação nas rodas, seguindo a tradição da comunidade religiosa em questão, onde os grupos são sempre abertos a todas as pessoas que tenham interesse. Os encontros ocorreram às quartas-feiras à tarde, no período de outubro a dezembro de 2014. No primeiro encontro foi exposto às participantes os objetivos da pesquisa e obtida a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em seguida responderam um questionário com questões sociodemográficas. E, ainda, neste primeiro momento, as participantes receberam informações sobre o funcionamento dos encontros seguintes. No início dos demais encontros a pesquisadora realizava uma pequena introdução ou dinâmica envolvendo diferentes aspectos contextuais, pessoais e relacionais como subsídios para a discussão subsequente dos fatores envolvendo o sobrepeso e a obesidade. Vale ressaltar que esta introdução tinha a finalidade de aquecer o grupo para a participação, mas o direcionamento da discussão era dado pelas integrantes. A duração média das rodas de conversa foi de uma hora e quinze minutos e a média de participação foi de cinco integrantes. Os encontros foram gravados em áudio e posteriormente transcritos.

A pesquisa seguiu as recomendações éticas contidas da Resolução n. 466 (Brasil, 2012) tendo o projeto sido aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa, sob parecer número 21908713.7.0000.0103. Os nomes das participantes apresentados neste estudo são fictícios, a fim de assegurar o anonimato das mesmas

Análise dos dados

O teor das narrativas foi submetido à análise de conteúdo, seguindo as três etapas propostas por Bardin (2011). Na etapa pré-analítica foi determinada a forma de categorização, na qual os quatro sistemas integrantes do ambiente ecológico (microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema) foram tomados como categorias de análise. Na etapa de exploração do material, realizou-se a transformação dos dados brutos no intuito de organizá-los em torno das categorias elencadas a priori, a fim de favorecer a compreensão dos dados. A terceira etapa consistiu no tratamento dos resultados obtidos e sua interpretação, de forma a dialogar com a literatura da área da saúde, dando base à discussão dos mesmos.

A partir das categorias de análise propostas a priori, e seguindo os sistemas integrantes do ambiente ecológico, foram elencadas as subcategorias provenientes das narrativas das participantes, como segue:

  1. Microssistema: emoções associadas à comida, falta de apoio familiar, restrição alimentar na infância e relações abusivas de familiares na infância.
  2. Mesossistema: vida social, julgamento da sociedade relacionado à obesidade, religiosidade, contribuições da comunidade para o enfrentamento da obesidade.
  3. Exossistema: sistema de saúde, políticas locais de segurança pública, políticas locais de alimentação saudável.
  4. Macrossistema: mídia, fastfoods, crenças e valores.

 

Resultados e Discussão

Microssistema

Trata-se do ambiente mais imediato, onde as relações interpessoais são vivenciadas face a face. Durante os encontros as participantes fizeram menção a emoções resultantes de interações com pessoas significativas que as fizeram recorrer ao consumo de alimentos para tentar aliviar ou modificar aquelas consideradas negativas. De acordo com o modelo bioecológico a qualidade dos processos proximais influencia as emoções e sentimentos percebidos na relação. Bronfenbrenner (1994), em estudo realizado com crianças, coloca que as pessoas se desenvolvem por meio de processos progressivamente mais complexos envolvendo aspectos biopsicológicos em relação ao ambiente imediato.

A fala da participante Ester ilustra o exposto:

comendo assim a gente não precisa confrontar a verdade, externar. Eu acho que é em relação a isso, a depressão, a frustrações, contrariedades, ansiedades, o próprio nervosismo .... é tanta coisa pra você resolver, como hoje aqui no culto que a pessoa teve que sair por causa de uma conta, fica mais fácil você engolir tudo. Fica mais fácil comer um chocolate do que engolir o sapo.

Pesquisas da área da saúde confirmam o exposto, como Barclay (2010) em pesquisa realizada com pessoas que sofrem de distúrbios alimentares, utilizando a teoria de Bronfenbrenner (1996), diz que durante o desenvolvimento as pessoas adotam algumas atitudes com relação à comida e como esta pode ser usada para que as mesmas se sintam melhor emocionalmente. Da mesma forma, Ferreira e Magalhães (2006), em estudo realizado sobre a obesidade com moradoras de uma favela no Brasil, apontam que o alimento serve de conforto para alívio dos dilemas diários, angústias, perdas, tensões, responsabilidade com a casa e filhos. A pressão exercida por familiares para que as participantes iniciassem uma dieta ou, por outro lado, a descrença dos mesmos na capacidade destas mulheres iniciarem o tratamento, devido aos fracassos anteriores, foi tema de relatos de frustração. Desta maneira, a atitude dos familiares foi compreendida como falta de compreensão e apoio, levando-as a aumentar a ingestão de alimentos. Sarriera e Saforcada (2014), com base no modelo bioecológico, avaliam a importância tanto do sujeito como protagonista da mudança no ambiente, como o sujeito sendo transformado através do tempo e do ambiente, sendo ambos ativos e interdependentes. "Além de tudo tem a questão do meu marido e filhos que estão sempre me cobrando, sabe" (Gisele).

Outra participante também se manifestou a respeito:

Lá em casa quando começa a história, não vou comer desse pão, daí os homens, "o que, tá de dieta? Quero ver até quando que você vai conseguir? " Gente, pronto acabou, não é? Acabou ... daí até uma vez eu falei pro meu marido porque daí nem era eu, era as meninas que estavam fazendo, eu falei 'não fale isso pra elas porque você desmotiva completamente' (Ester).

As queixas apresentadas pelas participantes costumam ser discutidas por profissionais como Rodrigues e Boog (2006), que indicam que a dinâmica familiar assume papel considerável na mudança das práticas alimentares, para o controle ou tratamento da obesidade. Quando se tem um membro da família com problema de peso, a família toda precisa aderir a uma alimentação mais balanceada para incentivar a pessoa a alcançar o seu objetivo, pois do contrário aumentam os riscos de insucesso. Quando as relações familiares passadas foram discutidas nas rodas de conversa, uma das questões que ficaram salientes foi justamente a experiência de privação alimentar. "Não é que a gente não tinha o que comer, mas era tudo fracionado, às vezes a gente queria iogurte, essas coisas de criança e não tinha (Ester)" ou ainda: "A gente não tinha o que comer. Não, não é que a gente não tinha, a gente até tinha, só que o meu pai bebia muito e daí ele chegava em casa e jogava tudo no chão, era horrível (Marta)". Para Sobal e Stunkard (1989), há uma relação inversa entre a obesidade e o nível socioeconômico em mulheres, sendo que diversas variáveis podem medir a influência das atitudes que resultam na obesidade, como restrição dietética. Em estudo realizado em favelas no Brasil encontrou-se relação direta entre a obesidade e o baixo nível socioeconômico, vivenciados pelos grupos com maior vulnerabilidade social (Ferreira & Magalhães, 2006). A privação alimentar presente na lembrança de três das participantes esteve, em alguns casos, associada com a vivência de abusos e maus-tratos na infância. O relato de Talita ilustra este dado:

Assim, eu também cresci sob muita pressão sabe, então assim, até me contam que quando [pausa] tá até relacionada com a comida, você vê que coisa, né? Então assim, eu era pequena minha mãe me penteava, me arrumava, me botava vestido, me botava no sofá com um pano na perna, disse que eu era um toco, minhas tias contam assim, e disse que minha tia chegava a chorar, porque disse que eu comia assim tremendo pra não derrubar, porque minha mãe tava com o chinelão do lado já, porque se derrubasse, né... Então assim apanhei muito, cresci muito assim na pressão mesmo sabe.

Em outras situações, três participantes trouxeram lembranças de viverem em lares violentos. Mesmo não sendo a vítima direta dos maus tratos, o relato de Gisele ilustra o quanto foi afetada por presenciar cenas de violência doméstica.

eu vim de um lar destruído, porque meu pai e minha mãe se agrediam o tempo todo, meu pai batia demais nela, meu pai era alcóolatra... meu pai judiou muito da minha mãe, muito muito mas não judiou da gente. Então eu amo muito o meu pai mas não consigo amar a minha mãe da mesma forma sabe, e isso às vezes me incomoda um pouco porque eu sinto assim que ela é culpada. Outra coisa que me incomoda demais, ela fazia sexo com ele depois de apanhar muito, sabe, eu ia pra escola, ela ficava sangrando ali, daí quando eu voltava eles estavam ali fazendo sexo, sabe eu tenho nojo daquilo, de me lembrar daquilo.

Polonia, Dessen e Silva (2005) descrevem a partir do modelo bioecológico, a relação de interdependência entre os membros de uma família, e ao discorrerem sobre os efeitos de segunda ordem, explicam como uma terceira pessoa exerce influência sobre uma díade. Na situação relatada pela participante acima, observa-se o quanto a relação da filha com a mãe foi afetada em função da relação parental. Autores da área da saúde têm indicado a relação entre obesidade e violência familiar, como o estudo realizado sobre a influência dos antecedentes familiares em pessoas com compulsão alimentar (Pike, Wilfley, Hilbert, Fairburn, Dohm, & StriegeL-Moore, 2006). Os autores dizem que as relações familiares são de grande importância para o desencadeamento de problemas alimentares e que o risco aumenta quando essas relações são de agressão, experiências com abusos de um dos pais com problemas de alcoolismo e drogas. Felitti, Anda, Nordenberg, Williamson, Spitz, Edwards, Marks (1998), da mesma forma, afirmam que adultos que vieram de lares disfuncionais, sofreram abusos, problemas com álcool e drogas de um dos pais, possuem maior risco para apresentarem doenças, entre as quais: problemas cardíacos, uso de álcool e drogas, tabagismo, depressão, inatividade física e obesidade.

Mesossistema

mesossistema, enquanto conjunto de microssistemas nos quais a pessoa participa diretamente, constitui a comunidade e suas mútuas influências como: grupo de amigos, escola, igreja, entre outros. Desta forma, o padrão de alimentação de uma pessoa e de uma família também pode ser influenciado pelos padrões da comunidade em que se inserem. Em um dos encontros, as participantes discorreram sobre o fim de semana e evidenciaram que a vida social foi um desencadeante para a ingesta excessiva de comida, como revela a fala de Isabel: "domingo por questão de felicidade, emoção, alegria, nós estávamos com nossos amigos, num aniversário abusei tudo que podia."; e de Gisele: "fui num aniversário domingo e me acabei, enfiei o pé na jaca, comi muito salgadinho, muito docinho, refrigerante."

Este dado está em consonância com Barclay (2010) que aponta que a comida está associada a formas de interação social entre culturas e relacionamentos, sendo que o ambiente social colabora para o desenvolvimento da obesidade. No mesmo sentido, em um estudo com pacientes em um ambulatório de nutrição, Costa, Gabriel, Costa, Gonçalves, Oliveira, Asciutti (2012) descrevem que os aspectos sociais possuem um papel importante tanto na incidência da obesidade como também no seu tratamento, estimulando o indivíduo a hábitos errôneos como alimentação hipercalórica e de fácil acesso.

Neste mesmo sentido, Kremers, Bruijn, Visscher, Mechelen, Vries & Brug (2006), em estudo realizado sobre ambientes que influenciam a obesidade, apontam que existem ambientes obesogênicos, os quais podem influenciar direta ou indiretamente o comportamento da dieta. A inter-relação entre os diferentes contextos nos quais as pessoas participam, além de influenciar no padrão alimentar, pode também ser notado por meio do julgamento de si e do outro, presentes nas relações sociais. A participante Talita comentou que um dos seus grandes problemas é a relação que as pessoas fazem do sobrepeso do filho com o seu. Acredita que as pessoas pensam que os filhos estão fora do peso porque ela também está, o que a incomoda: "Pra mim a questão assim de associarem o meu filho à minha imagem sabe? O fato de eu estar fora do peso, então ele também, né? E na escola também, ele acaba sofrendo bastante as consequências na escola".

O comentário de Talita teve ressonância em Ester que, por sua vez, complementou:

essa coisa tipo assim do sucesso dos meus filhos estão intimamente relacionados com a minha identidade como mãe. Tipo você é uma mãe que não cuida, uma mãe que é desleixada, é relaxada, você entende? Por isso que eu estou te perguntando isso.

Ester pergunta à Talita se ela acha que o sucesso dos filhos está relacionado com a identidade dela enquanto mãe:

Porque eu tive uma dificuldade com os meus filhos, ah não vou estudar, a (um dos filhos de Ester) reprovei, ah meu Deus eu sou a pior mãe do mundo, eu que não cuido eu que não cobro a lição, eu que não faço.

O mal-estar presente nas narrativas de Talita e Ester evidencia o quanto as mulheres ainda são mais responsabilizadas pelos problemas de saúde na família. Campos e Teixeira (2010) argumentam que apesar da variedade de experiências familiares, continua de responsabilidade da mulher a educação e criação dos filhos. Pode-se ver pela narrativa de Ester e Talita que elas se sentem como as únicas responsáveis pela educação e saúde dos filhos. No relato destas participantes também se relaciona o que Bronfenbrenner (1996) denominou relações mesossistêmicas indiretas, ou seja, mesmo não participando ativamente do microssistema representado pela escola dos filhos, acabam sendo influenciadas por ele. Desta forma, se percebe que é no contexto mesossistêmico que as pessoas estão mais propensas a sofrer com discriminações e preconceitos sociais. As relações entre os ambientes não só desenvolvem vulnerabilidades, mas podem ser facilitadoras e fortalecedoras para aqueles que as vivenciam. Bronfenbrenner (1996) coloca que um ambiente favorece o desenvolvimento e o fortalecimento individual quanto mais vínculos apoiadores for capaz de gerar, possibilitando a formação e manutenção de díades que se envolvem em atividades conjuntas. A participante Ester considerou que a igreja, ao abrir espaço para as rodas de conversa, oferece incentivo para lidar com a questão do sobrepeso e obesidade, ao proporcionar um ambiente que acolhe e discute problemas de saúde:

"Eu acho que a igreja já está sendo colocada assim de uma forma ao contrário (ao contrário dos outros ambientes), ela é uma incentivadora, tanto do sentido pessoal, motivacional".

De acordo com Dalgalarrondo (2008), existe entre as ciências sociais, filosofia e psicologia social, um consenso sobre que a religião é um importante fator de significância e ordenação da vida, sendo os problemas de saúde que mais aproximam a pessoa da religião. Dessa forma os líderes de comunidades religiosas precisam estar atentos para o papel que estes espaços podem desempenhar na saúde de seus membros e buscar maneira de potencializá-los. Outra vantagem das relações mesossistêmicas foi que a participação nas rodas de conversa proporcionou às participantes comunicações interambientes, ou seja, uma participante pode informar a outra sobre atividades desenvolvidas em outro contexto, garantindo a quem recebeu a informação conhecimento interambiente (Bronfenbrenner, 1996). Na seguinte narrativa, Maria, a única que fazia atividade física, comenta sobre sua participação em grupos da terceira idade oferecidos pelo seu plano de saúde: "Lá é muito bom mesmo, eles dão camiseta, agasalho, hoje foi o último dia, então a gente almoçou uma comida bem leve e pagamos o almoço do professor, foi muito bom mesmo". Neste caso, Maria oferece uma opção de enfrentamento para as outras participantes.

Faz-se interessante notar que Bronfenbrenner (1996) diz que as formas de vinculação e comunicação e disponibilidade de conhecimentos são o que "definem as propriedades ótimas de um mesossistema da perspectiva do desenvolvimento humano, constituem também as condições ótimas para os exossistemas" (p. 184), aspecto que será abordado na categoria a seguir.

Exossistema

Para Bronfenbrenner (1996) o exossitema consiste na relação entre um ambiente no qual a pessoa não é participante ativa, porém neste ambiente ocorrem eventos que a afetarão.

As consultas médicas do marido de Talita exemplificam:

Meu marido foi ao médico, ele está acima do peso, e o médico disse: 'tenho certeza que toda a tua família está fora do peso, pois se o pai que é o exemplo e o líder da família está fora do peso, toda a família está também.' Isso mexeu muito comigo.

De acordo ao modelo ecológico-contextual, percebe- se que a relação é caracterizada por uma sequência causal, a ida do marido ao médico. Esta sequência causal envolve duas etapas: a primeira conectando eventos no ambiente externo aos processos que estão ocorrendo em um microssistema e a segunda, as mudanças numa pessoa dentro daquele ambiente. Outro aspecto do exossistema identificado nas narrativas das participantes estava relacionado às políticas de segurança da cidade, pois o medo de sair para fazer caminhadas em parques ou praças próximos a residência, foi apontado como motivo para deixar de fazer exercícios físicos, como dito por Ester:

"Eu gosto bastante de caminhar, mas aqui pelo bairro não dá para fazer muito cedo porque tenho medo, se o meu marido fosse junto até daria, mas não é sempre que ele pode".

Sarriera & Saforcada (2014) esclarecem que nem sempre as pessoas participam das instituições políticas, mas sofrem indiretamente a sua influência. Além disto, quando as pessoas não participam dos ambientes de poder, diminuem as chances de influenciar na destinação de recursos e nas tomadas de decisões relacionadas às necessidades do mesossistema em que está inserida.

Neste mesmo sentido, foi interessante notar que em nenhum momento as participantes fizeram menção a programas voltados para incentivar a alimentação saudável e/ou controle do sobrepeso e obesidade. Sabe-se que desenvolver programas de promoção e prevenção à saúde nem sempre é o interesse principal das empresas privadas e por outro lado, podese supor que pelo fato de as participantes pertencerem à classe social média ou média alta, não faziam uso das unidades públicas de saúde. Desta forma, também não se beneficiavam das iniciativas governamentais hoje existentes nas unidades básicas de saúde vinculadas à Política Nacional de Alimentação e Nutrição (Brasil, 2004).

Macrossistema

O macrossistema engloba os sistemas institucionais, envolvidos em valores, crenças e conhecimento produzidos, recursos materiais existentes, costumes e estilo de vida de uma determinada sociedade. Manifestam-se concretamente por meio dos demais sistemas (micro, meso, exo) e de acordo com Polonia e Senna (2005) estão carregados de informação e ideologias que implícita ou explicitamente, atribuem significado e geram motivação a determinadas agências e redes sociais, determinando papéis e atividades. Conteúdos relacionados à crença religiosa das participantes e de como esta direciona sentimentos e condutas em relação ao sobrepeso e obesidade, foram manifestados durante as rodas de conversa. Marta citou que se sentia traindo a Deus quando abria a geladeira para comer algo que não lhe faria bem. "Sabe o que eu fiz quando eu ia comer alguma coisa assim, que eu olhava na geladeira e que eu não podia comer, 'meu Deus' eu pensava assim, 'eu vou trair o Senhor, eu não quero' eu me sentia constrangida."

De acordo com a crença cristã, Deus pode ser visto como um ser onipresente, capaz de tudo ver e saber e, portanto, de estar olhando para as suas fraquezas, como a de não conseguir controlar a vontade de comer.

Ainda relacionado à crença religiosa, uma das participantes descreve a sua mudança de compreensão em relação a sua incapacidade de se controlar diante da comida e a sua religiosidade. Mesmo desejando conseguir desenvolver o autocontrole, uma das participantes relatou que antes associava o seu problema a uma fraqueza pessoal, algo de um ser pequeno e que, portanto, não deveria recorrer a seu Deus como uma forma de enfrentamento. Gisele: "Eu acho que agora eu consigo ver que Deus não opera só em coisas enormes, não é por aí, age nas pequeninhas também".

Neste sentido, Vasconcelos (2009) reflete que a crise existencial trazida pela doença leva a pessoa e seu grupo social ao questionamento de suas vidas, questionamentos cheios de emoções em que elementos da subjetividade participam intensamente, podendo resultar em grandes transformações positivas ou em grandes catástrofes pessoais e familiares. A presença da dimensão espiritual nas práticas educativas em saúde pode contribuir para lidar com as questões existenciais emergentes. Segundo Vasconcelos (2009) em artigo sobre religiosidade diz que as pessoas com maior vivência espiritual/religiosa têm maior capacidade em lidar com o estresse e normalmente cooperam mais com o tratamento. Outro aspecto macrossistêmico presente nas rodas de conversa foi a influência da mídia, uma vez que as veiculações transmitem conteúdos ideológicos e de valor quanto ao que se considera estilo de vida saudável e hábitos socialmente aprovados. Foram citados vários programas de grandes redes de televisão sobre dietas, emagrecimento, importância da atividade física, entre outros. Porém o que se pode constatar por meio das narrativas das participantes foi que estes programas proporcionaram menos incentivos e mais frustração, pois as informações e recursos destinados ao emagrecimento nem sempre eram acessíveis. Entende- se que os programas destinados ao público em geral desconsideram as particularidades do cotidiano das pessoas, como ocupação com os filhos, trabalho, casa, entre outros, colocando a culpa do 'ser gordo' somente na pessoa, desconsiderando o ambiente no qual está inserida. Algumas falas ilustram o exposto: "Que nem nós comentamos lá, o negócio do programa de emagrecimento dos famosos na televisão, né, tipo, com 'aquele personal trainer' do teu lado até eu. (risos)" (Ester). Ou ainda: "Vá ter um personal, vá compra tudo light, nutricionista, cozinheira, né" (Gisele).

Vasconcelos, Suodo e Suodo (2004), ao analisarem a mídia impressa, descrevem que, se encontra no sujeito que apresenta um corpo denominado de gordo, a questão do mal-estar subjetivo. Esse corpo está associado a um imaginário social próprio que ao ser divulgado pela mídia, faz entrever um corpo impregnado de preconceitos, discriminações e estigmas, por representar, na sociedade contemporânea, tanto um caráter pejorativo de uma falência moral quanto um corpo com falta de saúde. O gordo ao violar a norma social vigente, torna-se um paradigma estético negativo.

Da mesma forma, Bourdieu (1998) analisa que a mídia televisiva é um espaço social estruturado, um campo de forças onde há dominados e dominantes, em relação de desigualdade, onde os acontecimentos são relacionados a partir do sensacional. A TV, para o autor, põe em cena as imagens e exagera a importância do fato, adquirindo um sentido que nem sempre corresponde ao da realidade vivida pelo telespectador.

A influência por um estilo de vida saudável associado à prática de exercícios físicos também se fez presente nas narrativas das participantes: "Agora todo mundo corre. Tá na moda. Eu ainda não corro" (Talita) e Gisele: "Eu conheço uma pessoa que tá magérrima, só correndo".

Concomitante ao ideal de magreza e estilo de vida saudável, a sociedade na atualidade coloca um paradoxo ao esperar de seus integrantes um ritmo cada vez maior de produção e consumo. Desta forma, os fast foods também são oferecidos como opção de agilidade, economia de tempo e envoltos em propagandas atrativas. De acordo com Barclay (2010) a indústria alimentícia manipula seus ingredientes e investe no marketing de alimentação saudável para obterem mais lucros e passar para a população a imagem de saúde e bem-estar. Costa et al. (2012) também aponta para o fato de que o desenvolvimento industrial influenciou no ganho de peso da população, por oferecer refeições rápidas e altamente calóricas, geralmente associadas ao entretenimento passivo.

Ontem foi bem legal uma coisa que aconteceu, quer dizer bem horrível, uma coisa que aconteceu, eu não almocei, sabe. Daí eu tinha que ir pro shopping de noite comprar um presente e nove e meia da noite a gente chegou na praça de alimentação, a coisa meio que fechando, sabe, fim de feira. Cheguei e falei assim, 'vou pegar uma fatia de pizza', meu filho mais novo disse: 'mãe eu quero comer frango frito e batatinha', pensei: 'ele não vai comer inteira, eu como com ele'. Cheguei no lugar assim aquela coisa horrorosa, fim de noite, aquela praça meio que fechando, aquele cheiro de gordura que começaram a limpar o negócio. A gente voltou pra casa assim, eu voltei muito ruim sabe, gente parece assim que é pra mostrar o tanto que você faz mal pro teu corpo, pra tua vida, a casa inteira passando mal de comer frango frito de final de shopping, dez horas da noite" (Talita).

 

Considerações Finais

O presente artigo visou analisar os fatores psicossociais envolvidos no sobrepeso e na obesidade a partir da narrativa de mulheres que se propuseram a participar de rodas de conversa sobre esta temática em uma comunidade religiosa na cidade de Curitiba- PR. O modelo bioecológico, baseado na teoria de Bronfrenbrenner, utilizado como guia para a análise dos dados, possibilitou um olhar integrador para os diversos fatores psicossociais presentes na questão. Pelo relato das participantes, pode-se constatar a interdependência dos processos proximais e dos sistemas que compõe o ambiente ecológico das participantes. Nesse sentido, os aspectos psicossociais, experiências de maus-tratos na infância, relações familiares conflituosas, falta de incentivo, de credibilidade e preconceito nas relações familiares e sociais devido aos fracassos nas tentativas de emagrecer foram citados. O modelo de análise proporcionou a oportunidade de discutir as influências das políticas públicas, de saúde e de segurança. Além disso, as crenças religiosas, as influências da mídia, da sociedade de consumo e dos ideais de beleza e estilo de vida também foram aspectos salientados.

A análise através do modelo ecológico-contextual possibilitou compreender melhor o problema do sobrepeso e obesidade por nos trazer as informações das principais influências sofridas por este grupo para o desenvolvimento desta doença tão presente na vida atual.

Com isto, pretende-se chamar a atenção para a complexidade da problemática envolvendo o sobrepeso e a obesidade e apontar para a necessidade de ações que atendam a diversidade de aspectos envolvidos e não apenas culpem a pessoa quando não consegue dar conta de se manter no peso ideal. Apesar de a obesidade ser discutida principalmente como problema de saúde, pois se materializa no corpo obeso, os dados aqui discutidos apontam para a necessidade de envolvimento de toda a sociedade no enfrentamento da situação.

Outro aspecto psicossocial que se considera importante ressaltar é a importância das comunidades religiosas proporcionarem abertura para a discussão de temas relacionados à saúde, pois como foi colocado anteriormente, faz-se necessário que os esforços sejam somados quando se lida com questões tão complexas como o sobrepeso e a obesidade.

Este debate sobre o sobrepeso e obesidade pode ser feito em qualquer espaço comunitário como locais de trabalho, nas salas de espera das unidades de saúde e hospitais, ambulatórios, sedes de associações de bairros, entre outros. As discussões sobre o assunto são infinitas, sendo que todos os profissionais de saúde podem ser envolvidos, pois quanto mais informação, mais esclarecimentos e mais interação entre as pessoas de uma mesma comunidade mais fácil a conscientização sobre o assunto. A opção pelas rodas de conversa mostrou-se adequada na medida em que proporcionou condições de diálogo e de proximidade entre as participantes, facilitando a expressão de sentimentos e momentos de reflexão sobre a experiência de si e do outro. Entende-se que a presente pesquisa não esgota o tema em estudo e que se limitou a uma comunidade. Sendo assim, sugere-se que pesquisadores possam dar continuar à busca de novas metodologias de pesquisa participativa que contribuam para o aprofundamento da compreensão da problemática e que possibilitem ações transformadoras para os participantes.

 

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Recebido: 13/08/2018
Corrigido: 22/01/2019
Aprovado: 28/03/2019

 

 

1 Ana Tereza Lopes Pecora, ORCID 0000-0003-1310-1970, Enfermeira. Mestre em Psicologia, Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), Curitiba-PR, Rua Sydnei Antônio Rangel Santos, 238 - Santo Inácio, CEP: 82010-330, Curitiba, Paraná/Brasil. Email: anatereza@gmail.com
2 Ana Claudia Nunes de Souza Wanderbroocke, ORCID 0000-0002-2876-5326, Psicóloga. Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UTP. Rua Sydnei Antônio Rangel Santos, 238 - Santo Inácio, CEP: 82010-330, Curitiba, Paraná/Brasil Email: ana.wanderbroocke@utp.br
3 Maria Cristina Antunes, ORCID 0000-0002-6767-518X, Docente do Mestrado em Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e pesquisadora NEPAIDS da Universidade de São Paulo (USP), e-mail: mcrisantunes@uol.com.br, Endereço: Rua Sydnei Antônio Rangel Santos, 238 - Santo Inácio, CEP: 82010-330, Curitiba, Paraná/Brasil

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