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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.40 no.98 São Paulo jan./jun. 2020

 

I. TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO

 

Sobre o bilinguismo em idosos por Ellen Bialystok: revisão dos artigos publicados entre 2012 e 2018

 

On bilingualism in elderly people by Ellen Bialystok: a review of the articles published between 2012-2018

 

Sobre el bilingüismo en ancianos por Ellen Bialystok: revisión de los artículos publicados entre los años 2012 y 2018

 

 

Gabriel Sousa AndradeI; Luana Breda CristianoII; Genner Mateus SeccoIII; Plínio Marco de ToniIV

IPsicólogo graduado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste; membro do Laboratório de Psicologia do Bilinguismo (LabLingue) - Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro Paraná) - Rua Professora Maria Roza Zanon de Almeida, s/n, bairro Engenheiro Gutierrez, Irati, Paraná, CEP:84505-677, e- mail: gabrielsousaandrade94@gmail.com. ORCID:orcid.org/0000-0003-0090-6593
IINeuropsicóloga e mestre em Desenvolvimento Comunitário pela Unicentro; membro Laboratório de Psicologia  do Bilinguismo (LabLingue); e- mail: luanabreda@gmail.com. ORCID:orcid.org/0000-0002-9550-3860
IIIPsicólogo graduado pela Unicentro; membro do Laboratório de Psicologia do Bilinguismo (LabLingue); e mail: gennersecco@gmail.com. ORCID:orcid.org/0000-0002-3643-4383
IVDocente do departamento de Psicologia da Unicentro, doutor em Psicologia do Desenvolvimento pela USP; coordenador do Laboratório de Psicologia do Bilinguismo (LabLingue) da Unicentro; e-mail: pliniomarco@yahoo.com.br, ORCID:orcid.org/0000-0002-8052-380X

 

 


RESUMO

A relação entre o bilinguismo e a cognição em idosos é algo muito importante de ser estudado, pois a hipótese da reserva cognitiva oriunda do bilinguismo possui implicações para a saúde de idosos saudáveis, idosos com demência e para a saúde pública. A Dra. Ellen Bialystok, principal investigadora do laboratório Lifespan, Cognition and Development (Universidade de York, Canadá) é uma das principais pesquisadoras nesse campo e, por sua importância na área, esta pesquisa revisa todos os artigos com coleta de dados em amostras de idosos publicados por ela e sua equipe entre 2012 e 2018, localizados no website de seu laboratório. Foram encontradas 13 publicações com coleta de dados em revistas científicas sobre a população idosa neste período, considerando aspectos cognitivos e neurofisiológicos. As pesquisas demonstraram que há diferenças neurofisiológicas significativas entre bilíngues e monolíngues, sendo também reforçada a hipótese de reserva cognitiva nesta população. Em relação à memória de trabalho, foi encontrada uma tendência a uma vantagem monolíngue em estudos com testes verbais, e uma vantagem bilíngue em estudos com testes não-verbais.

Palavras chaves: bilinguismo; cognição; demência; reserva cognitiva; psicologia do desenvolvimento.


ABSTRACT

It is important to study the relation between bilingualism and cognition in elderly people because the cognitive reserve hypothesis has implications for the health of healthy elderly people, the ones with dementia and public health. Dr. Ellen Bialystok, main investigator of Lifespan, Cognition and Development Lab (York University, Canada) is one of the main researchers in this field and, because of her importance in the field, this research intended to review every data collection article related to the elderly that was published in a scientific journal by her in the years between 2012 and 2018, located in her lab's website. 13 articles that met the inclusion criteria were found, being them on different cognitive and neurophysiological aspects. The studies indicated significant neurophysiological differences between bilinguals and monolinguals and that there is evidence in favor of the cognitive reserve hypothesis in bilingual populations. Regarding working memory, a pattern was observed in which monolinguals showed advantage in verbal test based studies, while in non-verbal test based studies the bilinguals showed an advantage.

Keywords: bilingualism; cognition; dementia; cognitive reserve; developmental psychology.


RESUMEN

La relación entre el bilingüismo y la cognición en ancianos es algo muy importante a ser estudiado, pues la hipótesis de la reserva cognitiva oriunda del bilingüismo tiene consecuencias para la salud de acianos saludables, ancianos con demencia y para la salud pública. La Dra. Ellen Bialystok, principal investigadora del laboratorio Lifespan, Cognition and Development (Universidad de York, Canadá) es una de las principales investigadoras em ese campo y, por su importancia en el área, este estudio revisa todos los artículos con colecta de datos en muestras con ancianos publicados por ella y su equipo entre 2012 y 2018, encontrados en el website de su laboratorio. Fueron encontradas 13 publicaciones con colecta de datos en revistas científicas sobre la población anciana en este periodo, considerando aspectos cognitivos y neurofisiológicos. Las investigaciones demostraron que hay diferencias neurofisiológicas significativas entre bilingües y monolingües, siendo también reforzada la hipótesis de reserva cognitiva en esta población. En relación a la memoria de trabajo, fue encontrada una tendencia a una ventaja monolingüe en estudios con pruebas verbales, y una ventaja bilingüe en estudios con pruebas no verbales.

Palabras clave: bilingüismo; cognición; demencia; reserva cognitiva; sicología del desarrollo.


 

 

Introdução

"Os processos linguísticos e cognitivos envolvidos na aquisição e no uso de duas línguas são sistematicamente diferentes dos processos engajados no uso da linguagem monolíngue, levando a detectáveis diferenças na linguagem e na cognição para bilíngues." (Bialystok, 2010, tradução própria). Há uma quantidade considerável de pesquisas científicas que indicam haver diferença no cérebro da população bilíngue – indivíduos falantes de duas línguas. Em Garbin et al. (2010), por exemplo, foi encontrado que o grupo de bilíngues falantes de Espanhol-Catalão gastou menos tempo para realizar um teste de controle executivo, quando comparados com monolíngues, tendo as medidas de ressonância magnética funcional apontado também para um maior consumo de oxigênio no grupo de monolíngues, indicando maior esforço por parte do grupo de monolíngues para realizar a mesma tarefa que o grupo dos bilíngues. Funções executivas envolvem a execução de comportamentos intencionais, incluindo habilidades de planejamento, iniciação e monitoramento do comportamento direcionado a uma meta. Também englobam a atenção, concentração, seleção de estímulos, capacidade de abstração, flexibilidade, controle mental, metacognição e memória operacional. Para coordenar os processos implicados para a realização das FE, o controle executivo atua ativamente (Strauss, Sherman & Spreen, 2006). Segundo Bialystok (2010), as conexões responsáveis pela resolução de conflitos, inibição e flexibilidade, componentes das funções executivas que são relacionadas aos lobos frontais, são fortalecidas com a experiência do bilinguismo e expandidas para demais atividades da vida cotidiana. Também é observável em grupos de bilíngues uma vantagem na atenção seletiva, quando comparados com grupos de monolíngues. A autora acrescenta que diferenças sistemáticas em funções dos lobos frontais de bilíngues foram encontradas em amostras com participantes saudáveis de sete meses de idade (em um teste não-verbal de controle executivo) a pacientes portadores de demência com 90 anos. Há pesquisas que apontam para um efeito protetor contra a demência no cérebro bilíngue, referindo-se a esse efeito como reserva cognitiva. Esses dados apontam para a existência de uma reserva cognitiva nessa população, que tende a retardar o aparecimento dos sintomas da doença de Alzheimer de três anos e meio (Bialystok, Craik & Freedman, 2007) a cinco anos (Craik, Bialystok & Freedman, 2010). Tal efeito ocorreria devido à neuroplasticidade, que diz respeito à alteração cerebral que ocorre mesmo após a idade adulta, oriunda de experiências de vida (Bialystok, 2014). A neuroplasticidade é observável não apenas no bilinguismo, mas também em várias outras experiências de vida, como o treino do malabarismo com bolas (Draganski et al., 2004) e a prática com instrumentos musicais (Münte, Altenmüller & Jäncke, 2002). Nos estudos com a população bilíngue, Ellen Bialystok é uma das pesquisadoras mais importantes na área, tendo uma vasta quantidade de publicações sobre sua relação com a cognição humana. É a principal investigadora do laboratório Lifespan, Cognition and Development, da Universidade de York, em Toronto, Ontário, no Canadá, que possui o bilinguismo como principal linha de pesquisa. Seu trabalho envolve pesquisas sobre como o bilinguismo poderia afetar a capacidade de controle executivo, o desenvolvimento da capacidade metalinguística, de demências, a neurofisiologia, capacidade de memória de trabalho e o vocabulário. Considerando isto, este artigo objetivou revisar as publicações com coleta de dados em amostras de idosos realizadas pelo laboratório Lifespan, Cognition and Development.

 

Metodologia

Com exceção da determinação da força das evidências, foram seguidos os critérios descritos em Rother (2007) para uma revisão sistemática, pois os artigos foram selecionados de acordo com critérios rígidos e foram analisados criticamente de forma replicável, visando compreender a totalidade da obra de Ellen Bialystok durante um período de sete anos.

A análise do material tomou como base para critérios de inclusão artigos: publicados entre 2012- 2018 em periódicos científicos; de autoria ou coautoria da pesquisadora Ellen Bialystok; com coleta ou reanálise de dados; que tenha sido feita em amostras de idosos; que tenha comparado bilíngues e monolíngues. A análise foi realizada com a comparação e síntese dos artigos, avaliando os resultados obtidos, os instrumentos utilizados, o tamanho da amostra, suas características básicas e as conclusões obtidas. A lista de publicações feitas pelo laboratório Lifespan, Cognition and Development, Universidade de York, encontra-se no link <http://lcad.lab.yorku.ca/15-2/>. Os artigos foram acessados através de indexadores na internet como o PubMed.

 

Resultados e Discussão

Foram encontrados 13 artigos que estavam de acordo com os critérios de inclusão supracitados. O termo "estudo" foi utilizado por se considerar que algumas publicações contiveram mais de um estudo. Foi o caso de estudos em que foram aplicados mais de um instrumento ou em que foram aplicados instrumentos a amostras significativamente diferentes em idade. Tratando-se de autores principais, dentre os 13 artigos, foram encontrados 10 autores diferentes. O nome mais frequente foi o de E. Bialystok, com duas publicações. Unindo autorias a coautorias, foram encontrados 38 autores diferentes. O nome mais frequente foi o de E. Bialystok, sendo autora ou coautora de todos os artigos. O segundo nome mais frequente é o de F. Craik aparecendo em oito artigos e o terceiro nome mais frequente é o de C. Grady, aparecendo em três artigos. J. Anderson, A. Bastable, L. Clare, V. Gathercole, J. Hindle, G. Luk, L. Luo, P. Martin-Forbes, A. Martyr, Ossher, K. Pye, M. Sullivan e C. Whitaker tiveram duas contribuições cada. Outros 22 autores contribuíram com um artigo cada. As pesquisas que coletaram ou reanalisaram dados podem ser divididas em dois grupos, estando algumas delas em dois ou mais grupos, em casos de grande abrangência do estudo. Os grupos podem ser divididos em artigos que coletaram dados sobre bilíngues e monolíngues saudáveis e sobre bilíngues e monolíngues com provável demência.

Comparando idosos bilíngues e monolíngues saudáveis

Foram encontradas oito publicações que compararam grupos de bilíngues e monolíngues saudáveis. Para facilitar a compreensão dos dados, serão agrupados os artigos que possuam objetos de estudo similares – isto é, publicações que tenham pesquisado aspectos cognitivos ou linguísticos similares.

Foi verificado que em cinco (Bialystok, Poarch, Luo & Craik, 2014a; Sullivan, Prescott, Goldberg & Bialystok, 2016; Anderson, Saleemi & Bialystok, 2017; Anderson et al., 2018a; Sullivan, Poarch & Bialystok, 2018) das oito publicações foi utilizado o questionário LSBQ (Luk & Bialystok, 2013; Anderson, Mak, Chahi & Bialystok, 2018b) para a categorização do bilinguismo, tendo as outras três publicações (Luo, Craik, Moreno & Bialystok, 2013; Grady, Luk, Craik & Bialystok, 2015; Olsen et al., 2015) verificado o estado de linguagem dos participantes através de entrevista. A categorização do bilinguismo nestas três publicações foi feita através dos seguintes critérios (não de forma concomitante): os participantes informaram os pesquisadores que passaram a maior parte da vida sendo bilíngues (Grady et al., 2015; Luo et al., 2013); os participantes informaram os pesquisadores que falavam uma língua diferente do Inglês diariamente (Olsen et al., 2015).

Destas oito publicações, todas tiveram o cuidado de aplicar testes de vocabulário ou de fluência verbal nos participantes. Isto se fez importante porque nem todos os testes aplicados são não-verbais. Quatro publicações (Grady et al., 2015; Olsen et al., 2015; Anderson et al., 2017; Anderson et al., 2018b) utilizaram do mini exame do estado mental (MMSE), de forma a evitar o enviesamento dos dados por motivos de grande declínio cognitivo devido ao envelhecimento ou início de algum tipo de doença neurodegenerativa. As que não utilizaram este exame utilizaram testes não-verbais de inteligência (Bialystok et al., 2014a; Luo et al., 2013; Sullivan et al., 2016).

Considerando que o bilinguismo não é uma variável categórica e que é uma experiência de vida que pode se expressar de diferentes formas (Luk & Bialystok, 2013), é muito importante realizar uma correta categorização para que se tenha certeza que os resultados realmente são relacionáveis à variável do bilinguismo. A utilização de testes de vocabulário, de fluência verbal, de inteligência e do mini exame do estado mental (que é uma medida de rastreio para funções cognitivas gerais), foi utilizada para que houvesse um maior controle das variáveis que poderiam influenciar os resultados  dos testes utilizados nos estudos. Foi observado que as pesquisas realizaram um trabalho suficientemente bom neste quesito, tendo o cuidado de isolar tais variáveis para que fosse evitado o enviesamento dos resultados.

 

 

Sobre vocabulário, fluência verbal e raciocínio em idosos bilíngues

As pesquisas comumente incluíram testes de vocabulário e de raciocínio não-verbal, mas a intenção da aplicação destes testes foi de evitar o enviesamento dos resultados, dado que estas capacidades podem interferir nos resultados, caso não haja controle da amostra (assim como o nível socioeconômico e a idade). Foram aplicados por seis vezes testes de vocabulário e por seis vezes testes de raciocínio em amostras de idosos saudáveis, sendo contidos em seis publicações comparando bilíngues e monolíngues saudáveis.

Nos seis estudos com testes de vocabulário aplicados, em todos estes  foi observável uma vantagem dos grupos de monolíngues sobre os grupos de bilíngues (Luo et al., 2013; Bialystok et al., 2014a; Grady et al., 2015; Sullivan et al., 2016; Sullivan et al., 2018).

Os resultados indicam que os monolíngues tendem a se sair melhor nos testes de vocabulário do que bilíngues de mesma idade. Este padrão está de acordo com a revisão em Bialystok e Luk (2012), que encontrou em uma amostra de 362 pessoas com uma média de idade de 69 anos, que os monolíngues apresentavam uma vantagem em sobre os monolíngues em relação ao vocabulário. A amostra agregada conteve 379 participantes de 60-80 anos, aproximadamente. Em todos os estudos, optou-se pelo uso do Shipley Vocabulary test, com exceção de Sullivan et al. (2018), em que se utilizou um teste de nomeação de imagens (picture naming test).

Já em relação à fluência verbal, foram encontrados dois estudos. Em Anderson et al., (2017), o grupo de monolíngues demonstrou vantagem em relação ao grupo de bilíngues no subteste de fluência verbal fonêmica e semântica, enquanto em Anderson et al. (2018b), foi encontrada uma vantagem monolíngue apenas na acurácia de trocas (após o procedimento estatístico de propensity-score matching). Segundo os autores, este resultado é observável com frequência na literatura, dado que os monolíngues frequentemente apresentam vantagem em contextos verbais. Esta vantagem monolíngue ocorreria devido ao tempo de exposição a cada língua, visto que os bilíngues dividem seu tempo entre duas línguas e teriam menos oportunidades, não capacidade, para aprender (Bialystok, Craik, Green & Gollan, 2009).

Quanto aos seis estudos com testes de raciocínio aplicados, em quatro destes não foram observadas diferenças significativas entre os grupos de bilíngues e monolíngues (Bialystok et al., 2014a; Sullivan et al., 2016; Anderson et al., 2018b após o procedimento estatístico de propensity-score matching; Sullivan et al., 2018), tendo dois destes estudos encontrado uma vantagem dos grupos monolíngues (Luo, Craik, Moreno & Bialystok, 2013; Bialystok, Poarch, Luo & Craik, 2014). Foi, portanto, observado que a tendência foi que os grupos de monolíngues e bilíngues não tivessem diferenças significativas. Segundo Barac, Bialystok, Castro & Sanchez (2014), ao menos quando crianças, bilíngues e monolíngues tendem a não ter diferenças significativas nesta capacidade. Os testes Cattel Culture Fair Intelligence test e Shipley Abstraction test foram utilizados três vezes cada e apresentaram diferentes tendências. Não houveram diferenças significativas entre os grupos nas três aplicações do teste Shipley, porém, das três aplicações do teste Cattel, duas delas apontaram uma vantagem monolíngue, enquanto apenas uma não apontou diferenças entre os grupos.

Sobre memória de trabalho

Foram encontrados sete estudos contidos em três publicações que compararam grupos de idosos bilíngues e monolíngues saudáveis em relação à capacidade de memória de trabalho. O teste Recent- probe não-verbal foi utilizado duas vezes, tendo sido utilizados uma vez cada os testes Recent-probe verbal, Word span and alpha span (verbal), Blocos de Corsi (não-verbal), Star Counting (verbal) e uma versão modificada do Flanker task (tarefa não verbal modificada para que tenha mais demanda de memória de trabalho). A amostra agregada totalizou 206 participantes com idades de 60-80 anos. É possível separar os estudos em dois grupos, com um utilizando testes ou tarefas não-verbais e o outro, verbais. Desta forma, o grupo com instrumentos não-verbais totalizou quatro estudos, sendo que em três destes foi observável uma vantagem bilíngue (Luo et al., 2013; Bialystok et al., 2014a; Sullivan et al., 2016) e em um destes não foi observável uma diferença significativa entre os grupos (Sullivan et al., 2016). Já o grupo com instrumentos verbais totalizou três estudos, sendo que em dois destes foi observável uma vantagem monolíngue (Luo et al., 2013; Sullivan et al., 2016) e em um destes, não foi observada uma diferença significativa (Bialystok et al., 2014a). Portanto, uma vantagem bilíngue em testes que demandam a capacidade de memória de trabalho foi observável em idosos que foram comparados com monolíngues para desempenho em testes e tarefas não-verbais. Ao mesmo tempo, quando os grupos de línguas foram comparados para desempenho em testes verbais, os monolíngues que apresentaram uma vantagem. É preciso, no entanto, observar estes resultados com cautela e realizar mais pesquisas nesta área, considerando que, segundo Barac et al. (2014), não há evidências o suficiente para se fazer afirmações sobre a relação do bilinguismo com a memória de trabalho.

Sobre funções executivas

Foram encontrados seis estudos com coleta de dados, contidos em quatro publicações, que compararam grupos de idosos bilíngues e monolíngues saudáveis para funções executivas. A amostra agregada foi de 168 participantes variando de 69-74 anos (aproximadamente), tendo um destes estudos (Bialystok et al., 2014a) encontrado uma vantagem dos grupos bilíngues em um Stroop task, dois encontrado uma vantagem monolíngue em um Stroop task (Anderson et al., 2017) e no trail-making test (Anderson et al., 2018 após propensity-score matching) e três (Grady et al., 2015; Anderson et al., 2017; Anderson et al., 2018b após propensity-score matching) não encontrado diferenças significativas entre os grupos, tendo estes estudos utilizado os testes Simon task, Trail making e Stroop, respectivamente. Não é possível tirar conclusões somente a partir destas pesquisas, visto que os resultados foram mistos. Porém, segundo as revisões em Bialystok e Poarch (2014) e Bialystok, Craik e Luk (2012), pesquisas têm demonstrado vantagem em grupos de bilíngues idosos em comparação com de monolíngues com mesma idade, demonstrando que tais funções seriam mais bem preservadas em bilíngues.

Cabe ressaltar que as diferenças em controle executivo observadas em bilíngues seriam oriundas, segundo Bialystok (2007), da necessidade de se manejar duas línguas ao mesmo tempo, devendo os bilíngues, para a correta escolha de uma língua em detrimento de outra, planejar seu discurso de forma dependente do ouvinte, inibir a língua indesejada para o contexto e utilizar-se do monitoramento para não se expressar de forma errônea em relação ao contexto, falando palavras da língua indesejada. Evidências para as afirmações em Bialystok (2007) são apresentadas em Kroll & Bialystok (2013), onde os autores trazem evidências comportamentais, de neuroimagem e clínicas (pacientes com lesão cerebral) que apontam para a hipótese de que bilíngues, mesmo em contextos altamente monolíngues, têm, a certo nível, suas duas línguas ativadas ao mesmo tempo. Bilíngues com danos no córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo (relacionado à inibição) têm dificuldades de selecionar adequadamente o idioma propício para cada situação. Testes envolvendo o reconhecimento de palavras e sentenças mostram que, entre bilíngues, sempre há um pouco de ativação da L1, mesmo quando os testes são realizados totalmente na L2. Segundo Kroll e Bialystok (2013), há fortes evidências que apontam para a hipótese de que, em bilíngues, há uma incessante influência de L1 em L2 e vice-versa, tanto em contextos altamente relacionados à L1, quanto em contextos altamente relacionados à L2, tendo os bilíngues, então, a necessidade de inibir a língua que não será utilizada no momento (ou selecionar a língua que será utilizada). Anderson et al. (2017) defendem que os testes neuropsicológicos comumente utilizados na clínica estariam produzindo escores enviesados para populações bilíngues, visto que aspectos verbais em um teste podem influenciar negativamente o escore de bilíngues, dado que estes possuem uma desvantagem em contextos verbais que é refletida em escores menores, em relação aos pares monolíngues, em testes de vocabulário e fluência verbal, bem como em testes que meçam outras funções, mas que igualmente tenham uma significativa demanda verbal.

Os autores (Anderson et al., 2017), devido a tais fatores, defendem a criação de instrumentos não- verbais alternativos aos instrumentos  verbais frequentemente utilizados para diagnóstico e uma padronização de instrumentos verbais que leve em consideração as diferenças entre estas populações, para que se evitem erros diagnósticos oriundos de erros de medida.

Sobre diferenças neurofisiológicas

Foram encontradas duas pesquisas comparando a atividade ou estrutura cerebrais em idosos bilíngues e monolíngues saudáveis (sendo uma destas reanálise de dados).

Em estudo que fez uso de ressonância magnética funcional para comparar as áreas FPC (rede neural ligando as áreas pré-frontais dorsolaterais e o giro frontal inferior, relacionado ao controle executivo), SLN (rede que tem a função de integrar os sentidos e guiar o comportamento conforme variação do ambiente), DMN (rede neural ligando as partes posteriores do giro do cíngulo, córtex pré-frontal ventromedial, giro angular e o giro parahipocampal) e MTL (partes mediais do lobo temporal, relacionado à memória) durante o repouso e na realização de um teste que demanda controle executivo, com amostra composta por 28 participantes destros com média de idade de 70 anos, foi encontrado que bilíngues de idades avançadas possuíam ligações neurais mais bem preservadas em relação aos monolíngues nas áreas pesquisadas FPC, SLN e DMN (Grady et al., 2015). Concluiu-se assim que o bilinguismo pode ser um fator de atraso a natural deterioração das redes neurais da região paríeto-frontal do cérebro. Não foram encontradas diferenças entre os grupos para as partes mediais dos lobos temporais. Os pesquisadores previram que as áreas relacionadas ao controle executivo teriam conexões neurais mais fortes no grupo de bilíngues e os resultados encontrados estão de acordo com esta previsão, com a exceção das partes mediais dos lobos temporais.

Já em Anderson et al. (2018b), 61 idosos saudáveis e destros foram divididos em grupos de bilíngues e monolíngues através  do uso do questionário LSBQ, sendo 31 bilíngues e 30 monolíngues, entre homens e mulheres. Estes foram submetidos a tarefas neuropsicológicas e a um tipo de ressonância magnética chamada imageamento de tensores de difusão (DTI – Diffusion Tensor Imaging), que mede a integridade dos axônios no cérebro (substância branca) e o processo de desmielinização. Como a amostra era pequena e, em pesquisas que se utilizam de ressonância magnética, é muito difícil obter grandes amostras, foi utilizado um procedimento estatístico chamado propensity-score matching (escores de propensão), para que se pudesse controlar estatisticamente as interações entre as variáveis. Através desta análise das interações entre as variáveis, foram eliminados mais outliers e foi reduzida a amostra (a 23 em cada grupo) até que os grupos estivessem o mais pareados, quanto fosse possível em relação às variáveis medidas, para que as diferenças entre os grupos fossem reduzidas às diferenças de língua o máximo quanto possível, dado que este era o objeto do estudo. Analisando os dados de forma anterior e posterior ao procedimento estatístico supracitado, é observável que algumas relações entre as variáveis deixaram de ser significativas quando levadas em conta estatisticamente as interações entre as variáveis. Em primeira análise, foi observada uma maior integridade da substância branca do fascículo superotemporal esquerdo nos bilíngues, ao mesmo tempo que uma maior desmielinização nos mesmos. A segunda análise, no entanto, revelou apenas a maior integridade de substância branca já encontrada em bilíngues mais uma maior integridade de substância branca no fascículo fronto-occiptal anteroinferior. A terceira análise foi feita novamente na amostra inteira, porém considerando na análise como covariáveis as variáveis que foram previamente utilizadas para os escores de propensão. Nesta terceira análise, a única diferença significativa em neuroimagem foi a integridade de substância branca exatamente no fascículo superotemporal esquerdo, mesma região onde haviam sido encontradas diferenças significativas nas análises anteriores, sendo esta área a única que nas três análises apresentou diferenças significativas. Tal fascículo liga a área de Broca, no lobo frontal, às regiões primárias da audição, no lobo temporal, sendo uma área importante para a linguagem. Segundo os autores, estes achados estão de acordo com a hipótese da reserva cognitiva promovida pelo bilinguismo, visto que, especificamente no fascículo superotemporal esquerdo, foi encontrada uma maior integridade da substância branca.

Na pesquisa de Olsen et al. (2015), os quatro lobos principais de 28 pessoas com média de 70 anos de idade foram reanalisados através do uso da técnica volumétrica para análise do exame de ressonância magnética estrutural. Não foram encontradas diferenças significativas no volume da substância cinzenta entre os grupos, mas, em relação à substância branca, os bilíngues apresentaram maior volume nas áreas frontais. Não houve diferenças significativas em outros lobos. Na substância branca das regiões frontais, foi encontrado um atraso, por parte dos bilíngues, no processo de atrofia natural comum a idades mais avançadas. Ou seja, os bilíngues demoraram mais para sofrer atrofia na substância branca dos lobos frontais do cérebro, reforçando assim a hipótese de que a experiência bilíngue contribui para a reserva cognitiva.

Estes estudos estão de acordo com a revisão em Grundy, Anderson e Bialystok (2017), onde os autores trazem evidências para a afirmação de que o bilinguismo teria efeitos neurofisiológicos. Estas foram obtidas através de estudos de neuroimagem que apontaram para diferenças nas substâncias brancas, especialmente na rede frontoparietal, e cinzenta, especialmente nas porções anteriores do giro do cíngulo, área comumente relacionada ao controle executivo.

Estas diferenças na neurofisiologia de bilíngues seriam oriundas, para além do aprendizado de uma segunda língua per se, segundo Bialystok (2014), da elevada demanda de uso do controle executivo nesta população. Segundo a autora, isto implicaria uma maior utilização e, de acordo com o conceito de neuroplasticidade, causaria também o surgimento de diferenças neurofisiológicas relacionadas especificamente às áreas cerebrais relacionadas ao controle executivo. Adicionalmente, Bialystok (2017) sugere que os benefícios cognitivos que seriam relacionados ao bilinguismo são altamente ligados aos processos atencionais envolvidos no monitoramento de conflitos, como o monitoramento que se faz necessário em bilíngues devido ao conflito entre as línguas faladas por estes.

Comparando bilíngues e monolíngues com provável demência

Considerando a elevada demanda de uso do controle executivo em bilíngues e os conceitos de neuroplasticidade e de reserva cognitiva, é lógica a hipótese de que o bilinguismo poderia funcionar como um fator protetor para certos tipos de neurodegenerações.

Foram encontradas seis publicações sobre a relação do bilinguismo com a demência. Em Ossher, Bialystok, Craik, Murphy e Troyer (2013), 68 pacientes com CCL (comprometimento cognitivo leve) de domínio único e 43 com CCL de domínio múltiplo foram avaliados, sendo ambos os grupos divididos em monolíngues e bilíngues. Não havia diferenças significativas de escolaridade e estado cognitivo geral (medido pelo mini exame de estado mental - MMSE). Só foram inclusos na amostra pacientes que: não possuíssem dois desvios-padrão de diferença do esperado nos testes de estado mental; não tivessem resultados abaixo do esperado para seu nível educacional/idade/inteligência em pelo menos 2 testes de memória aplicados; não possuíssem outras patologias de ordem neurológica ou psiquiátrica. Foi encontrado que os bilíngues apresentavam idade média de aparecimento dos sintomas superior aos monolíngues no grupo de sujeitos com CCL de domínio único (4,5 anos), apresentando-se assim como reserva cognitiva, porém tal resultado não foi encontrado no grupo de CCL de domínio múltiplo.

Já em Schweizer, Ware, Fischer, Craik e Bialystok (2012), 40 pacientes com um diagnóstico de provável Doença de Alzheimer (DA) se submeteram a tomografias. A amostra foi dividida em grupos de monolíngues e bilíngues. Os grupos de bilíngues e de monolíngues não apresentaram diferenças significativas nos resultados dos 3 testes de estado mental, na idade de diagnóstico, na idade de participação na pesquisa, no índice socioeconômico e no sexo. O grupo dos monolíngues possuía vantagens no índice educacional e no índice de ocupação. Os achados mostraram que, apesar da semelhança nos testes de cognição e progressão da doença, o grupo bilíngue possuía uma atrofia nas áreas cerebrais relacionadas à DA (especialmente nas porções mediais dos lobos temporais) significativamente maior do que o grupo monolíngue. Portanto, como a progressão dos sintomas na DA possui grande correlação com o nível de atrofia cerebral e o grupo de bilíngues desta pesquisa apresentou resultados cognitivos semelhantes apesar de maior atrofia cerebral, esta pesquisa é uma evidência para a hipótese de reserva cognitiva promovida pelo exercício do bilinguismo em pacientes com DA, dado que se esperaria que pares com a mesma quantidade de atrofia tivessem um nível cognitivo semelhante. Não foi encontrada, no entanto, diferença de idade entre os grupos. Isto pode ter se dado, segundo os pesquisadores, pelas diferenças nos índices de ocupação e educacional entre os grupos.

Bialystok, Craik, Binns, Ossher e Freedman (2014b) fizeram uma pesquisa longitudinal com 149 pacientes com diagnóstico de provável DA (n=75) ou com CCL (n=74), sem outras condições psiquiátricas ou neurológicas, divididos em grupos de monolíngues e bilíngues. A pesquisa indicou que a média de idade em que bilíngues vão à clínica pela primeira vez foi de seis anos maior do que a dos monolíngues (mesmo com vantagem monolíngue na escolaridade média), tendo também uma progressão da doença em ritmo semelhante aos monolíngues e resultados em testes de funções cognitivas semelhantes no dia da primeira visita à clínica médica na busca por tratamento. Isto é mais uma evidência para a hipótese da reserva cognitiva decorrente do bilinguismo, pois mesmo demorando mais tempo para ir à clínica e tendo um similar ritmo de progressão da doença, os bilíngues demonstraram semelhante desempenho no primeiro dia de atendimento. Foi observada uma vantagem na capacidade de controle executivo entre os testes com reflexos comportamentais no grupo bilíngue. Essa pesquisa tomou o cuidado de analisar, através da estatística, possíveis correlações entre os resultados nos testes, a idade de diagnóstico, a primeira ida à clínica, grupos de nativos e imigrantes e resultados dos questionários sobre hábitos saudáveis. Não foram encontradas diferenças significativas entre nativos e imigrantes, bem como entre os grupos de línguas (monolíngues e bilíngues) no questionário de hábitos saudáveis.

O estudo de Clare et al. (2016) foi realizado no país de Gales com idosos em estágio iniciais de DA. Para tal, foram recrutados participantes monolíngues e bilíngues Galês-Inglês que possuíssem escore mínimo de 18 no mini exame de estado mental (MMSE), que não haviam histórico de TCE ou outro problema neurológico, psiquiátrico ou psicológico. A amostra conteve um total de 86 participantes, sendo 49 monolíngues e 37 bilíngues. O objetivo deste estudo foi verificar diferenças no perfil neuropsicológico dos grupos de línguas e verificar a hipótese da reserva cognitiva através da idade de diagnóstico.

Como previsto, foram encontradas vantagens monolíngues significativas em dois dos quatro testes de vocabulário aplicados e, também, no teste de fluência verbal, inclusive em contextos com alta demanda de controle executivo. Em relação às funções executivas, os resultados foram mistos. Nos testes de controle executivo, os bilíngues se saíram melhor no teste Test of Everyday Attention: elevator counting with distraction, mas não foi observada diferença significativa entre os grupos nos testes de Stroop e de Simon. Não foram encontradas diferenças significativas na idade de diagnóstico em Clare et al. (2016). Este resultado, contrário ao inicialmente hipotetizado, pode ter se dado, segundo os pesquisadores, devido: ao contexto Galês-Inglês, onde todos os falantes de Galês também falam Inglês e, por isto, não teriam a necessidade de inibir o Inglês ao falar Galês, com vários falantes de Galês utilizando palavras e frases da língua inglesa em sua fala; o grupo de bilíngues era, de forma estatisticamente significativa, menos propenso a utilizar medicação para tratamento dos sintomas da DA (inibidores de acetilcolinesterase); o grupo de bilíngues possuía um nível educacional menor estatisticamente significativo que o de monolíngues; a amostra de bilíngues foi um pouco menor do que a amostra mínima necessária calculada pelos pesquisadores (42- 50 participantes por grupo).

Anderson et al. (2017) aplicaram uma bateria de testes neuropsicológicos em 35 idosos saudáveis, a fim de compará-los com os idosos portadores de DA e CCL analisados em Bialystok et al. (2014b). Para tal, foram aplicados os mesmos instrumentos utilizados na pesquisa feita anteriormente. Foi encontrado que o padrão de progressão das demências, de forma transversal em cada um dos grupos de línguas (do grupo de idosos saudáveis ao grupo de CCL e, enfim, ao grupo de DA), aparenta ser mais lenta que no grupo de monolíngues. Adicionalmente, foi constatada uma dificuldade de se utilizar os testes para diagnóstico nos bilíngues, com uma incerteza, por parte dos pesquisadores, do grau de progressão real da doença nos idosos bilíngues saudáveis e com CCL – não houve certeza se os idosos saudáveis eram de fato saudáveis e se o diagnóstico de CCL feito em parte da amostra de bilíngues era procedente. Tal incerteza ocorreu devido às diferenças no nível de vocabulário entre as populações, que poderia afetar o resultado dos testes.

Isto evidencia, novamente, a necessidade de se produzir testes psicométricos voltados a esta população, a fim de evitar o enviesamento, sendo estes não-verbais ou controlados estatisticamente por vocabulário ou fluência verbal. Portanto, pode-se concluir, a partir dos resultados de Bialystok et al. (2014b), assim como os obtidos por Ossher et al. (2013) e Schweizer et al. (2012), que há evidências para a hipótese que bilíngues apresentariam um atraso no aparecimento dos sintomas de demência (DA e CCL) quando comparados com monolíngues, mesmo considerando diferenças de migração, hábitos saudáveis e escolaridade. Adicionalmente, foi observado em Anderson et al. (2017) uma evidência para uma diminuição da velocidade de progressão de DA e CCL em populações bilíngues. Esses resultados estão de acordo com as revisões em Bialystok e Poarch (2014), Schweizer, Craik  e Bialystok (2013) e Bialystok, Luk e Craik (2012). Porém, é necessária a interpretação cautelosa desses resultados e a realização de mais pesquisas na área antes de tirar conclusões, visto que não foram encontradas diferenças significativas na idade de diagnóstico em Clare et al. (2016) e que, segundo Freedman et al. (2014), deve-se ter cuidado, ao realizar pesquisas nesta área, na elaboração de metodologias, especialmente na categorização correta de bilinguismo, estado de migração e nível socioeconômico, tendo a falta do correto isolamento dessas variáveis um possível efeito de enviesamento dos resultados. Ainda há a necessidade de se realizar mais pesquisas nesta área, mas, considerando que as evidências têm apontado para que a hipótese da reserva cognitiva decorrente do exercício do bilinguismo seja procedente, esta área de pesquisa possui relevantes implicações para a saúde pública. Bialystok, Abutalebi, Bak, Burke e Kroll (2016) argumentam que os resultados que ligam o bilinguismo a um atraso no aparecimento dos sintomas de demência demonstram uma possibilidade: que o incentivo do bilinguismo e do multilinguismo através da educação e políticas públicas poderia evitar muitos casos de demência e gerar uma enorme economia, visto que cada vez mais se gasta com a saúde da população idosa. Mesmo considerando que o bilinguismo apenas atrasaria o aparecimento dos sintomas, em vez de, de fato, prevenir o surgimento da doença, é preciso considerar que muitos pacientes poderiam vir a falecer antes do agravamento da doença – gerando uma economia de recursos, uma redução no número de diagnósticos e uma vida mais saudável aos portadores de estágios iniciais demência, especialmente as supracitadas CCL e DA. O bilinguismo seria uma fonte de reserva cognitiva especialmente interessante pelo fato de que os seres humanos passam a maior parte de seu tempo utilizando a linguagem ao contrário de outras experiências que também são relacionadas com a reserva cognitiva como tocar instrumentos musicais (Bialystok, 2017). Tratando-se da Doença de Parkinson, Hindle et al. (2015) realizaram uma pesquisa onde 103 portadores da doença em estágio inicial foram divididos em grupos de bilíngues e de monolíngues, tendo em média idade e severidade da doença semelhantes, com uma única diferença de nível educacional (em que os monolíngues possuíam índices superiores). Ambos os grupos tiveram similar desempenho nos testes envolvendo funções executivas. O grupo bilíngue demonstrou pior vocabulário do que os monolíngues, e os sujeitos que mais exerciam o bilinguismo obtiveram pior desempenho nos testes. O grupo bilíngue apresentou melhor desempenho no teste de memória de trabalho e no teste não-verbal de raciocínio. Não foram encontrados indícios de vantagens bilíngues em testes de controle executivo em pacientes com a Doença de Parkinson, nem influência da reserva cognitiva. Os autores sugeriram que talvez o contexto Galês-Inglês da amostra não proporcione o efeito de reserva cognitiva associado ao bilinguismo ou que, mesmo corrigindo a diferença entre os grupos durante a análise estatística dos resultados, o maior índice educacional do grupo monolíngue tenha sido um diferencial. Segundo os autores, são necessárias mais pesquisas, utilizando diferentes pares de línguas, para melhor compreender a relação do bilinguismo com a doença de Parkinson.

Adicionalmente, em Bialystok, Anderson e Grundy (2018), é discutido o valor das evidências favoráveis e contrárias à hipótese de reserva cognitiva decorrente do bilinguismo. Os autores argumentam que pesquisas que comparam apenas as idades de diagnóstico têm como ponto positivo uma maior facilidade para serem feitas com grandes amostras, mas que o valor da evidência de tais pesquisas é geralmente muito limitado por não observar a relação entre o desempenho cognitivo e a degeneração neural. Os autores argumentaram também que pesquisas que analisaram dados apenas comportamentais (testes e tarefas neuropsicológicas) ou apenas neurais (como eletroencefalograma e ressonância magnética) seriam, mesmo considerando que estas têm seu valor de evidências, também insuficientes para se obter um grau satisfatório de certeza em relação à medida. Dadas estas críticas, os autores argumentam que o melhor desenho de pesquisa para se verificar de forma satisfatória a relação entre o bilinguismo e a demência seria a utilização de medidas comportamentais aliadas a medidas neurais, para que seja possível observar a relação entre a degeneração cerebral promovida pela demência e o exercício do bilinguismo em uma mesma análise. Tais pesquisas se fariam necessárias tanto por uma questão de saúde pública, como dito em Bialystok et al. (2016), quanto por uma questão de diagnóstico e de medidas neuropsicológicas, tal como dito em Anderson et al. (2017).

 

Conclusões

Sobre a capacidade de memória de trabalho, as pesquisas apontam para vantagens bilíngues em contextos não-verbais e vantagens monolíngues em contextos verbais, porém há a necessidade da realização de mais pesquisas nesta área. Quanto ao vocabulário, os monolíngues apresentaram uma consistente vantagem em relação aos bilíngues, sendo esta uma possível justificativa para desvantagem bilíngue observada em contextos verbais. Houve tendência à semelhança entre os grupos em relação à inteligência. Foram observadas, nas publicações revisadas, diferenças neurofisiológicas significativas entre as populações de bilíngues e monolíngues, sendo estas diferenças relacionáveis principalmente aos lobos frontais, responsáveis pelo controle executivo, que seria mais exigido em bilíngues pela necessidade de se lidar com duas línguas ativas ao mesmo tempo. Esta maior demanda pelo controle executivo em bilíngues fortaleceria suas redes neurais, retardando a atrofia natural do cérebro em idosos e o aparecimento de sintomas da Doença de Alzheimer e do Comprometimento Cognitivo Leve. No entanto, os resultados comportamentais dos estudos revisados sobre as funções executivas foram mistos. A hipótese de que o bilinguismo poderia atuar como reserva cognitiva em pacientes idosos ou com demências (doença de Alzheimer e comprometimento cognitivo leve de domínio único) foi reforçada pela maioria das pesquisas revisadas, porém há a necessidade de mais pesquisas sobre a relação entre o bilinguismo e a demência, que atentem às variáveis de diferentes pares de línguas, ao estado de migração e comparem em uma mesma análise tanto medidas comportamentais, quanto neurais. Como a linguagem é uma experiência tão presente na vida humana, é muito importante que sejam estudados os aspectos positivos e negativos do bilinguismo, especialmente quando se considera que as evidências apontam para que este fator tenha implicações na saúde pública da população idosa, podendo aumentar a quantidade de tempo que as pessoas viveriam com qualidade.

 

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Recebido: 09.04.2019
Corrigido: 07.08.2019
Aprovado: 12.11.2019

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