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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.41 no.100 São Paulo Jan./June 2021

 

I. TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO

 

Niveis de estresse em dependentes químicos sob tratamento em comunidade terapêutica

 

Stress level in addicted people under treatment in therapeutic communities

 

Niveles de estrés en dependientes químicos en tratamiento en una comunidad terapéutica

 

 

Jessica Cardoso MirandaI; Claudiane Aparecida GuimarãesII

IPsicóloga clínica, formada pela Faculdade Pitágoras de Uberlândia. Pós Graduação em Terapia Cognitivo Comportamental pelo Instituto de Psicologia e Controle do Stress (IPCS). Vínculo institucional com Grupo Salva Vidas em Uberlândia/MG. ORCID https://orcid.org/0000-0002-5846-3468
IIPsicóloga, formada pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestrado e doutorado pela Pontifícia Universidade Católica – PUC – Campinas. Especialização em Terapia Cognitivo Comportamental pelo Instituto de Psicologia e Controle do Stress (IPCS). Docente no curso de Psicologia na Universidade de Uberaba (UNIUBE) e no Curso de Especialização em Terapia Cognitivo Comportamental no Instituto de Psicologia e Controle do Stress. ORCID https://orcid.org/0000-0002-1795-3313

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O uso de substâncias psicoativas se espalha assustadoramente. As consequências afetam a vida pessoal, familiar, social e profissional. Alguns aceitam buscar ajuda, a exemplo dos dependentes enfocados neste artigo. O texto trata das relações entre estresse e recuperação de acolhidos em tratamento para dependência química. O objetivo foi identificar níveis, fases e sintomas do estresse, bem como fontes estressoras. O contexto da investigação foi uma comunidade terapêutica de cidade do interior de Minas Gerais. Onze pessoas foram informantes da pesquisa. A coleta de dados se valeu dos instrumentos Inventário de Sintomas de Stress para adultos de Lipp e protocolo de entrevista semiestruturada. Os resultados apontam a presença de estresse em 55% da amostra na fase de resistência e com prevalência de sintomas psicológicos e físicos; a fonte estressora mais apontada provém de fatores internos, sobretudo medo de decepcionar as pessoas. O estudo aponta a importância de intervenções específicas para conhecer o estresse e as estratégias de enfrentamento.

Palavras-chave: dependência química; dependentes químicos; comunidade terapêutica; substâncias psicoativas; estresse.


ABSTRACT

The use of psychoactive substances spreads frightfully. Consequences affect personal, family, social and professional life. Some addicted people agree to seek help, such as those ones considered in this article. This work deals with the relationship between stress and drug addiction rehabilitation of patients receiving treatment for chemical dependency. Its aim was to identify levels, phases and symptoms of stress, as well as stressor sources. The research context was a therapeutic community in a city of Minas Gerais state countryside. Eleven people were research informants. Data gathering relied on tools such as Lipp's Inventory of Stress Symptoms for adults as well as semi structured interview protocol. Results indicate that 55 per cent of informants face stress in their lives in the resistance phase and with prevalence of psychological and physical symptoms; the most indicated stressor source was internal factors, especially the fear of letting people down. This study points out the importance of specific interventions to learn more on stress and coping strategies.

Keywords: addiction; addicts; therapeutic community; psychoactive substances; stress.


RESUMEN

El uso de sustancias psicoactivas se está extendiendo de forma alarmante. Las consecuencias afectan la vida personal, familiar, social y profesional. Algunos aceptan buscar ayuda, tal como los dependientes que participaron en este estudio. El texto trata sobre la relación entre el estrés y la recuperación de los pacientes que reciben tratamiento por dependencia química. El objetivo fue identificar niveles, fases y síntomas de estrés, así como fuentes de estrés. El contexto de la investigación fue una comunidad terapéutica en una ciudad del interior de Minas Gerais. Once personas participaron de la investigación. Para la recolección de datos se hizo uso del Inventario de Síntomas de Estrés de Lipp para adultos y de un protocolo de entrevista semiestructurada. Los resultados indican la presencia de estrés en 55% de la muestra en fase de resistencia y con prevalencia de síntomas psicológicos y físicos; la fuente de estrés más notoria proviene de factores internos, sobre todo el miedo a decepcionar a las personas. El estudio destaca la importancia de intervenciones específicas para conocer las fuentes de estrés y las estrategias de afrontamiento.

Palabras clave: dependencia química; comunidad terapéutica; sustancias psicoactivas; estrés.


 

 

Introdução

Embora o consumo de álcool e de demais substâncias psicoativas (SPA) remonte a tempos imemoriais, os estudos sobre consumo excessivo e as abordagens específicas que buscaram entender mais da dependência química apareceram faz cerca de 300 anos. Hoje, sabe-se que tal consumo resulta em problema de saúde pública que se espalha por todas as culturas, classes sociais e faixas etárias (Ribeiro & Rezende, 2013). Com efeito, o uso de substâncias psicoativas alarma a sociedade porque aumentou o consumo não só entre adultos, mas também em meio a crianças, adolescentes e idosos. Conforme consta no II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, realizado em 2012, houve aumento no consumo de bebidas alcoólicas ante o que apontou o I Levantamento de Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira, de 2006. Não por acaso, o álcool é tido como a droga que não só gera a maior incidência de violência familiar e urbana, como ainda resulta em quase 10% das doenças que afetam os brasileiros. Em 1987 se iniciaram estudos sobre o comportamento dos jovens. Houve um levantamento do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas em 27 capitais. O resultado mostrou que o uso de drogas estava presente na vida de crianças e adolescentes. Com isso, o nível elevado de uso tem sido marcante na realidade de crianças que vivem na rua, ou seja, que têm vínculos familiares fragilizados e prejuízos psicossociais (Galduróz, Sanchez & Noto, 2011).

O consumo de substâncias psicoativas associar-se ainda, à presença de comorbidades em dependentes químicos. Nas últimas três décadas, estudos epidemiológicos apresentaram prevalência alta de transtornos mentais, tais como ansiedade, transtornos de humor, esquizofrenia e transtorno de atenção/hiperatividade. Além disso, podemos destacar possibilidades de maiores agravantes como: vulnerabilidade para contrair o vírus HIV e demais doenças sexualmente transmissíveis, ideação ao suicídio, envolvimento em situações de violência, criminalidade, propensão ao desemprego, viver na rua, e assim por diante. (Diehl & Souza, 2013).

Esse contexto impôs a necessidade da criar unidades especializadas para tratar pessoas que dependem do uso de substâncias psicoativas. Uma delas é a comunidade terapêutica, cuja existência se influencia pelos Alcoólicos Anônimos e que oferece recuperação por meio da autoajuda. Os diferenciais estão no funcionamento e nas ações propostas. As diferenças incluem o ambiente — que é o residencial, para gerar o afastamento de elementos sociais, interpessoais ou circunstanciais da vida cotidiana que possam estimular o uso – os grupos terapêuticos; e o incentivo a atividades da vida cotidiana, como: responsabilidade laboral, recreação, estímulo ao esporte, ao convívio familiar saudável, desenvolvimento de vida pautada à honestidade, integridade, a descobertas pessoais que permitem alterar atitudes e comportamentos associados à dependência química, podendo resultar em mudanças no estilo de vida e nas condições psicológicas, dentre outras (Fracasso, 2017).

Na comunidade terapêutica onde foi realizada a pesquisa subjacente a este estudo, o Programa Terapêutico dura sete meses. Os acolhidos vivem em regime de residência voluntário. O objetivo principal é proporcionar oportunidade de recuperação a quem é dependente do uso de substâncias psicoativas e apoio a familiares, amigos e/ou responsáveis para auxiliar no restabelecimento do equilíbrio de vida. O processo inclui o desenvolvimento de fatores de natureza subjetiva, psíquica (autoestima, autoconfiança, autoaceitação, autoconhecimento) importantes para a decisão e atitude de aceitar o processo de acolhimento em virtude dos resultados prováveis: a vivência de melhoria na qualidade de vida (nas áreas social, familiar e laboral). Os acolhidos criam condições para restabelecer não só suas condições físicas e psicológicas, mas também a consciência de cidadão de direitos e deveres e do exercício da cidadania. Consciência esta importante no processo de prepará-los para sua volta e reinserção na vida social; ou seja, para novas relações: familiares, afetivas e de amizade, lúdicas e laborais etc.

No contexto de tratamento, que supõe períodos de adaptação, o estresse pode ocorrer. De acordo com Lipp (2005b), esse fenômeno será lembrado como o problema de saúde mais comum do século XXI. Em seus estudos, essa autora apresenta resultados da incidência do estresse se disseminando pela população, ou seja, dos índices de aumento. A pessoa passa a apresentar sintomas por causa da necessidade de adaptar o organismo a situações novas que podem dificultar o envolvimento nas relações e no convívio com seus pares, que podem ser muito suscetíveis à irritabilidade, impaciência e agressividade aguçada, dentre outros comportamentos do dependente em tratamento.

Segundo Lipp et al. (1998), o estresse pode derivar de fontes externas (acontecimentos de vida ou situações que causam mudanças e geram fontes estressoras) ou internas (tipos de personalidade que resultam em interpretações e reações vividas). Ante situações importantes, o organismo se vê na necessidade de se adaptar, o que ocorre em forma de reações psicofisiológicas, mentais e hormonais; situações que podem ser consideradas positivas ou negativas (Lipp, 2016). Logo, podemos inferir como é a adaptação em comunidade terapêutica; afinal, essa situação pode tornar os acolhidos vulneráveis à nova fase da vida — buscar mais qualidade para vida. Busca que, por si, pode ser uma fonte estressora considerada relevante.

Lipp (2016) aponta, ainda, que a qualidade almejada se mostra no equilíbrio e sucesso nas multiáreas da vida: social, profissional, familiar, afetiva, fisiológica etc. Subentende-se que, antes de adentrarem o ambiente da comunidade, essas dimensões podem estar prejudicadas por perdas e consequências do uso compulsivo de dada substância psicoativa e de inversões de prioridade: as ações do sujeito convergem para a droga eleita, e não para sua vida. Daí se pode afirmar que há rompimento da qualidade de vida dos dependentes de substâncias psicoativas.

No intuito de buscarem a qualidade de vida outrora perdida, esses indivíduos inseridos na comunidade terapêutica se encontram, mesmo que momentaneamente, isolados da sociedade, da família e do trabalho. Desse isolamento resultam níveis elevados de preocupação, ansiedade, medo, comprometimento e necessidade de adaptação. Portanto, este estudo objetivou identificar se, em dependentes químicos residentes em comunidade terapêutica, ocorre estresse (estágio, sintomas predominantes e possíveis fontes estressoras).

 

Método

A investigação foi realizada a partir de pesquisa de campo, com corte transversal e descritivo apoiado na abordagem qualitativa e na leitura de estudos já realizados. O trabalho foi produzido em comunidade terapêutica de cidade do interior de Minas Gerais, a qual dispõe de vagas sociais para adultos do sexo masculino. Os acolhimentos são realizados mediante o desejo voluntário do interessado de aderir ao tratamento. Os critérios de inclusão para participação da pesquisa foram restritos aos acolhidos presentes na comunidade e incluíram estes quesitos: ter completado, no mínimo, dois meses de acolhimento e não ter diagnóstico médico de transtornos mentais severos (déficit de memória, transtornos bipolares em períodos em variações acentuadas) que pudessem provocar alteração nos resultados. Onze pessoas se enquadraram nesses critérios, ou seja, 37% do total de assistidos (N=30).

O "Termo de consentimento livre e esclarecido" teve por finalidade apresentar os objetivos da pesquisa e convidar os participantes selecionados de maneira clara e de fácil entendimento, assegurando-lhe proteção e sigilo; e ainda objetivou esclarecer os procedimentos, riscos e benefícios da participação. A aplicação dos instrumentos foi individual, em espaço reservado nas dependências da instituição. Durante todo o processo, foram asseguradas a participação voluntária e privacidade. Caso houvesse desejo de interromper a participação, não haveria nenhum tipo de prejuízos aos participantes. O "Inventário de sintomas de estresse para adultos de Lipp" – ISSL (2005a) forneceu uma medida objetiva da sintomatologia do estresse em pessoas com idade maior que 15 anos e adultos. Este instrumento é formado por três quadros referentes às fases do estresse. O primeiro quadro, composto por quinze itens, refere-se aos sintomas físicos ou psicológicos que a pessoa tenha experimentado nas últimas 24 horas. O segundo, composto por dez sintomas físicos e cinco psicológicos, está relacionado com os sintomas experimentados na última semana. O terceiro quadro, composto por doze sintomas físicos e onze psicológicos, refere-se aos sintomas apresentados no último mês. No total, o inventário apresenta 37 itens de natureza somática e 19 psicológicas, sendo os sintomas muitas vezes quase repetidos; diferiram apenas em intensidade e seriedade.

Para a análise do inventário, os dados obtidos foram convertidos em pontuação bruta de acordo com as normas do manual do instrumento. Com base nos escores obtidos, os indivíduos foram classificados em uma das quatro categorias ou fases: 1) alerta — o organismo se prepara para a reação de luta ou fuga; 2) resistência — o organismo tenta uma adaptação, ou seja, desaparecem os sintomas iniciais e fica a sensação de desgaste e cansaço; 3) quase exaustão — enfraquecimento da pessoa, que não consegue se adaptar ou resistir ao estressor; 4) exaustão — aparecimento de doenças sérias causadas pela extinção da reserva de energia adaptativa do indivíduo (Lipp, 2005a).

O "Protocolo de entrevista semiestruturada" é o instrumento elaborado para a pesquisa descrita neste estudo com objetivo de obter dados para caracterizar a amostra, a autopercepção da presença ou ausência do estresse e a identificação das possíveis fontes estressoras nesse contexto, por meio de uma lista de questões a ser respondidas e tópicos a serem preenchidos. É composto pelos seguintes itens: dados de identificação (iniciais do nome), idade, estado civil, quantidade de acolhimentos, religião, além de questões abertas e fechadas a fim de investigar as possíveis fontes estressoras. Para verificar os dados levantados pelo protocolo, foi realizada uma análise descritiva das variáveis através de tabelas de frequência com valores absolutos (n) e relativos (%) para variáveis categóricas.

 

Resultados

Os dados coletados possibilitaram identificar o nível de estresse e as fontes estressoras desta amostra. De acordo com os dados obtidos pelo ISSL (2005a), foi possível verificar que a maioria dos participantes (N=6, ou seja, 55% da amostra) apresentava estresse. Todos se encontravam na fase de resistência. Destes, três participantes apresentavam predominância de sintomas físicos e três sintomas psicológicos. Os sintomas físicos mais apontados foram: problemas com a memória, 55% (N=6); formigamento nas extremidades, problemas dermatológicos prolongados (problemas de pele), 45% (N=5); boca seca, insônia, excesso de gases e mudança de apetite, 36% (N=4). Os sintomas psicológicos citados com mais frequência foram: vontade súbita de iniciar novos projetos, 64% (N=7); pesadelos, angústia/ansiedade diária, 55% (N=6); aumento súbito de motivação, sensibilidade emotiva excessiva (estar muito nervoso) e pensar/ falar constantemente em um só assunto, 36% (N=4).

Os dados levantados no protocolo de entrevistas possibilitaram obter informações específicas da amostra e autopercepção do estresse. Com base nesse instrumento, são destacadas, também, as fontes estressoras apontadas pelos participantes.

A idade média dos participantes era de 39 anos. A maioria (N=7) eram solteiros, dois (18%) eram amasiados, um era casado e um é divorciado. Correspondem, igualmente, a 9% dos participantes. Quanto à religião, 64% (N=7) afirmaram ser evangélicos e 36% (N=4), cristãos.

Quanto à percepção do estresse, a maioria (N=7) afirmou que se sente estressada. Os demais (N=4), por não se reconhecerem como estressados, não prosseguiram o preenchimento do instrumento quanto à identificação dos fatores internos e externos estressantes. Dos que se reconheceram estressados, cinco acolhidos tiveram a confirmação, pelo ISSL (2005a), da presença de estresse; isto é, somente dois dos sete participantes não apresentaram estresse segundo esse instrumento. Dos quatro que não se percebiam como estressados no protocolo de entrevista, um acolhido foi identificado com estresse em fase de resistência por meio dos resultados obtidos pelo inventário. Referente ao número de acolhimentos, foi possível identificar que 45% (N=5) da amostra está no segundo acolhimento; 27% (N=3), no primeiro; e 9% (N=1 cada), no terceiro, quarto e sexto acolhimentos. Sobre o tempo de acolhimentos, foi possível verificar que 36% (N=4) estão com dois meses; 27% (N=3), com quatro meses; 18% (N=2), com três meses; e 9% (N=1 cada), no quinto e no sexto mês de acolhimento. Embora três acolhidos estivessem no primeiro tratamento em busca da abstinência do uso de substâncias psicoativas, a maioria da amostra, 73% (N=8), vivenciou históricos de recaídas em tratamentos anteriores.

Foi possível identificar que, dos sete participantes que afirmaram se sentirem estressados, 42% (N=3) se encontram no quarto mês de acolhimento; 29% (N=2), no segundo; e 14% (N=1 cada), no terceiro e sexto mês. Isso sugere que a percepção da sensação de estresse se apresenta de forma mais acentuada na terceira fase do programa terapêutico proposto pela instituição. O que corresponde aos dados identificados, também, pelo ISSL (2005a). Dos seis participantes que apresentaram estresse, 50% (N=3) se encontravam no quarto mês de acolhimento; e 17% (N=1 cada), no segundo, terceiro e sexto mês. Pelo protocolo de entrevista foi possível catalogar os fatores externos e internos estressantes apontados pelos participantes. A fonte externa estressora mais citada pela amostra (71,43%) foi "Influências de outros acolhidos ao longo do tratamento"; depois, correspondendo a 42,86%, vêm a "Perturbação pelas festas nos finais de semana/feriados na vizinhança" e as "Regras/normas da instituição". Quanto aos fatores internos estressantes, foi possível identificar que o item "Medo de decepcionar as pessoas" foi o mais referido: 85,71% (N=6). Sucessivamente, com 71,43% (N=5) da amostra, vieram a "Preocupação excessiva com o futuro" e a "Ansiedade". O terceiro fator estressante mais apontado foi "Esperança da recuperação", conforme selecionado por 57,14% (N=4) dos participantes. Dos participantes, 14,29% (N=3) acrescentaram ainda as seguintes fontes internas estressoras: Sentimento da falta de ter uma companheira, frustrações de planos pessoais e lembrança do passado.

Com base nos dados, foi possível identificar que há mais fatores estressantes internos, oriundos de sentimentos, interpretações de eventos e da personalidade dos participantes, e menos fatores externos.

 

Discussão

Os resultados obtidos por meio da aplicação dos instrumentos trouxeram respostas aos questionamentos principais da pesquisa. Dentre eles, reafirma-se o que foi exposto por Ribeiro e Rezende (2013): o uso de substâncias psicoativas está disseminado e presente em faixas etárias diversas ao reunir, na amostra, variações de idade que vai de 24 anos a 57 anos. Também podemos afirmar que a presença de estresse se dá em qualquer indivíduo, conforme afirmam Lipp e Malagris (2001). Pelos resultados, percebemos a presença de estresse em participantes variados, independentemente da idade ou quantidade de acolhimentos. Percebe-se que o estresse pode estar presente em eventos positivos e negativos; e ante a necessidade de adaptações do indivíduo exposto a situações importantes. Resulta em alterações mentais, hormonais e em reações psicofisiológicas, conforme apresentado por Lipp (2016). Os resultados obtidos por meio do instrumento ISSL (2005a) confirmam a presença de estresse em 55% da amostra; ou seja, mais da metade dos participantes apresentou reações e alterações psicofisiológicas como vontade súbita de iniciar novos projetos, problemas com a memória, pesadelos e angústia/ansiedade diária, formigamento nas extremidades e problemas dermatológicos prolongados (problemas de pele), insônia, aumento súbito de motivação, sensibilidade emotiva (estar muito nervoso) e excesso de gases. Cabe dizer que tal situação de internação é para algo positivo em suas vidas.

Semelhantemente, o instrumento protocolo de entrevista identificou a percepção de estresse em 64% da amostra, com fatores estressores diversos, externos ou internos ao indivíduo. Esse resultado reafirma que, por mais que a escolha de buscar tratamento para obter abstinência sobre o uso abusivo de quaisquer substâncias psicoativas seja uma decisão positiva (de reaproximação familiar, reinserção ao mercado de trabalho e reconstrução de planos e autoestima), notam-se os reflexos significativos do estresse.

O estresse identificado pelo inventário em 55% (N=6) da amostra se apresentou na fase de resistência. Destes, 50% (N=3) apresentaram sintomas físicos predominantes, e 50% (N=3) com sintomas psicológicos. O protocolo de entrevista mostrou que 64% (N=7) se percebe com estresse. Houve 25 afirmações para fatores externos estressores e 32 para fontes internas. Logo, para essa amostra, os fatores internos foram mais mencionados. Nota-se que as preocupações, os planos e a ansiedade têm impacto forte nos acolhidos: ressaltando a importância de intervenções específicas nesse ambiente que visem ao conhecimento maior do tema abordado e que proporcione, aos participantes e demais acolhidos, estratégias para redução de sintomas.

Foi possível verificar que 73% dos informantes não estão no primeiro acolhimento. Podemos, com isso, ressaltar a presença de recaídas e a frustração de planos outrora sonhados no que se refere a buscar a abstinência. Acrescente-se a fragilização do vínculo familiar, social e afetivo, que reafirma ser um problema de saúde pública (Ribeiro & Rezende, 2013). Diante disso, considera-se ser fonte significativa de estresse ante o questionamento da validade do tratamento, pois, por vezes anteriores, não houve manutenção da abstinência; e a isso se somaram mais autocrítica e mais autocobrança. A comparação dos resultados dos dois instrumentos aplicados mostra que, dos sete participantes que se reconheceram como estressados no protocolo de entrevista, pelo (2005a) confirmou a presença de estresse em cinco deles. Dos quatro que não haviam reconhecido que se sentem estressados, três corresponderam ao mesmo resultado apontado pelo. Nota-se, assim, que não houve divergência discrepante nos dados apresentados pelos instrumentos.

Com essa comparação, observa-se a prevalência de estresse nos acolhidos que se encontravam no quarto mês de acolhimento identificado pelos dois instrumentos utilizados. Por se tratar de sete meses de acolhimento pré-estipulados pela comunidade, a sensação de estresse pode se ligar diretamente a reflexões sobre o que representa mais de 50% do tempo percorrido; ou seja, pode resultar em aumento de ansiedade, medo, autocrítica e planos ao se aproximar o término do tratamento. Findo esse processo, vem a hora de retornar ao convívio em sociedade e ao contato com fatores de risco para recaídas. Entende-se que os critérios de inclusão para participar da pesquisa foram importantes para que os sintomas de abstinência iniciais (tremores, insônia, agitabilidade, boca seca, pensar constantemente em um só assunto, aumento de sudorese, aperto de mandíbulas, mudança de apetite) não fossem confundidos com sintomas apresentados pelo ISSL (2005a), isso porque a manifestação de ambos, podem ser similares. Com isso, os resultados obtidos foram mais fidedignos. Vale ressaltar que, nessa amostra, 64% afirmaram ser evangélicos e 36%, cristãos. A justificativa é que estão em uma comunidade que tem por princípios a educação cristã, pois se nota que o total da amostra declara crer em Cristo. Os resultados da pesquisa autorizam inferir que o contato individual com cada participante resultante da aplicação dos instrumentos de forma individual foi de grande valia para lhes dar mais fidedignidade; também o foi para permitir o momento de escuta dos internos e esclarecer dúvidas sobre estresse, sintomas e causas. Afinal, uma parte expressiva dos participantes apresentou questionamentos que não poderiam ser expostos caso fosse de forma grupal. Muitos mostraram ter compreensões divergentes do estresse, com afirmações de que só ocorre em "explosões temperamentais", e dúvidas quanto aos sintomas. Dessa forma, foi possível explicitar o significado do estresse, mostrando aos participantes as fases, os sintomas e as estratégias de enfrentamento e redução do estresse de forma subjetiva. A pesquisa permitiu reconhecer que os acolhidos em regime de residência em comunidades terapêuticas carecem de acompanhamento efetivo que lhes permita enfrentar a angústia, o medo, a ansiedade e o estresse: condições que podem resultar da decisão de se abster do uso abusivo de qualquer substância. Como se afastam da família e da sociedade por períodos predeterminados, as pessoas necessitam de adaptações ao novo ambiente, de relacionamentos e de tolerância a quaisquer dificuldades e fontes estressoras que possam encontrar ao longo do tratamento. É importante ressaltar que o acompanhamento dos acolhidos que se encontram na fase intermediária do tratamento deve ser intensificado para identificar demandas específicas do interno e de seus familiares. Tal identificação busca propiciar condições de reduzir o nível de estresse e ansiedade, bem como o excesso de preocupações e medos para todos os envolvidos. Como mais da metade da amostra apresentou estresse e relatou fatores estressores diversos (internos e externos), compreende-se que grande parte dos demais acolhidos que não fizeram parte da pesquisa pode apresentar queixas semelhantes. Daí a importância de acompanhamento assíduo aos acolhidos com base na psicoeducação sobre o tema abordado: além de oferecer orientações úteis à busca do equilíbrio nas áreas social, afetiva, saúde e profissional, pode contribuir para a manutenção da qualidade de vida durante a abstinência desejada.

 

Considerações finais

Em virtude dos pontos apresentados, percebemos a importância para os indivíduos em questão, em instrumentos eficazes que os possibilite acesso a busca pela abstinência. Neste sentido, as Comunidades Terapêuticas são ambientes que disponibiliza deste espaço seguro, que por tempo determinado, é indispensável para reestabelecimento de uma vida sem o uso de quaisquer substâncias. O resultado da pesquisa respondeu aos questionamentos iniciais da pesquisa em que, de fato mostra existência de estresse nos acolhidos na Comunidade Terapêutica, porém, apontam os resultados que em maior frequência, são causados por fatores internos oriundos de ansiedade para o recomeço de planos, objetivos, inclusive pela presença do medo da frustração de planos pessoais. Frente ao exposto, podemos sugerir melhorias no ambiente que possibilite não a extinção do estresse, mas a remissão dos dados obtidos nesta pesquisa, através do aumento das atividades que promovam psicoeducação e autoconhecimento, com maior frequência de espaços de escuta, aceitação e intervenções eficazes.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Jessica Cardoso Miranda
Avenida dos Ferreiras, 525; casa 356
Bairro: Jardim Califórnia – Condomínio Terra Nova 2
Uberlândia/MG
E-mail: jessicacmir@gmail.com

Claudiane Aparecida Guimarães
Rua Niterói, 1079
Nossa Senhora da Aparecida / Uberlândia/MG
(34) 99976.1275
claudianeguimaraes@yahoo.com.br

Recebido: 16.05.19
Corrigido: 22.01.21
Aprovado: 04.03.21

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