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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.41 no.100 São Paulo jan./jun. 2021

 

I. TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO

 

Uma compreensão psicodinâmica da obesidade em pacientes pós-bariátricos

 

A psychodynamic understanding of obesity in post-bariatric patients

 

Comprensión psicodinámica de la obesidad en pacientes sometidos a cirugía bariátrica

 

 

Aline Cordeiro dos Santos GilI; Karyne Santiago LimaII; Mônica Gurjão CarvalhoIII; Danuta MedeirosIV

IPsicóloga, Pós-Graduanda em Pós em Dependência Química e Assistência Terapêutica. Universidade São Judas Tadeu. ORCID https://orcid.org/0000-0003-0940-4266
IIPsicóloga, Pós-Graduanda em Psicologia Hospitalar. Universidade São Judas Tadeu. ORCID https://orcid.org/0000-0002-2611-6787
IIIMestre em Psicologia Social, Psicóloga, doutoranda em Psicologia Social. Docente no curso de graduação em Psicologia da Universidade São Judas Tadeu, São Paulo / SP. ORCID https://orcid.org/0000-0001-9534-5818
IVDoutora e Mestre em Ciências/Saúde Pública, especialista em Psicologia Hospitalar e em Psicoterapia Psicanalítica, Psicóloga. Docente no curso de graduação em Psicologia da Universidade São Judas Tadeu, São Paulo / SP. ORCID https://orcid.org/0000-0003-3820-7093

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo buscou compreender a percepção da imagem corporal em indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica. Participaram 3 homens e 3 mulheres, com idades entre 34 e 50 anos, submetidos à cirurgia bariátrica em um período que variou entre 3 e 13 anos. Os dados foram coletados através do procedimento Desenho Estória com Tema e de uma entrevista semiestruturada, analisados a partir da abordagem psicodinâmica. Os resultados mostraram satisfação com a imagem corporal e maiores afetos positivos após a cirurgia, mas também apontaram para dificuldades de aceitação e uma prevalência de afetos negativos relacionados a figura obesa. Foi possível observar os efeitos psicológicos que a imposição do corpo considerado magro e belo causam, principalmente em relação às mulheres, pressionadas a demonstrar uma feminilidade tanto em comportamentos quanto em seu aspecto físico.

Palavras-chave: cirurgia bariátrica; obesidade; imagem corporal; autopercepção; Desenho estória com tema.


ABSTRACT

This study aimed to understand the perception that individuals who underwent bariatric surgeries have of their body images. The participants were three men and three women, from 34 to 50 years old, who had undergone bariatric surgeries from 3 to 13 years earlier. Data were collected through the Thematic draw-a-story method, in addition to a semi-structured interview, both of which were analyzed using a psychodynamic approach. The results showed that participants were satisfied with their body images and had more positive affections after the surgery. However, they also indicated difficulties in acceptance and a prevalence of negative affections toward obese figures. It was possible to observe the psychological effects of the imposition of bodies considered to be slim and beautiful, especially among women, who are pressured to show femininity both in their behavior and in their physical aspects.

Keywords: bariatric surgery; obesity; body image; self-perception; Thematic draw-a-story.


RESUMEN

El presente estudio buscó comprender la percepción de la imagen corporal en personas sometidas a una cirugía bariátrica. Participaron tres hombres y tres mujeres, con edades entre 34 y 50 años, sometidos a esta cirugía en un periodo que varió de 3 a 13 años. Los datos fueron colectados por medio del procedimiento de dibujo-historia temático y de una entrevista semiestructurada, ambos analizados desde un abordaje psicodinámico. Los resultados mostraron satisfacción con la imagen corporal y más afectos positivos después de la cirugía, indicaron también dificultades en la aceptación y una prevalencia de afectos negativos relacionados a la figura obesa. Se puede observar los efectos psicológicos causados por la imposición de un cuerpo considerado delgado y bello, especialmente entre las mujeres, presionadas a demostrar feminidad tanto en sus comportamientos como en su aspecto físico.

Palabras-clave: cirugía bariátrica; obesidad; imagen corporal; autopercepción; Dibujo historia temático.


 

 

Introdução

A obesidade existe deste a antiguidade, mas é evidente que a forma como essa condição é compreendida vem sendo alterada com o passar dos anos. Segundo o Ministério da Saúde (2020) a obesidade decorre do acúmulo de gordura no organismo, que se associa, frequentemente, a riscos para a saúde. Destaca, ainda, que a obesidade deve ser compreendida sob um caráter multifatorial, pois suas causas estão relacionadas a questões biológicas, históricas, ecológicas, econômicas, sociais, culturais e políticas. Na atualidade, o Ministério da Saúde, destaca que essa condição tem se apresentado na sociedade como uma das doenças crônicas não transmissíveis mais crescentes. Segundo os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2018), no ano de 2016, mais de 1,9 bilhões de pessoas maiores de 18 anos estavam com sobrepeso, e dentre eles, 650 milhões eram obesos, sendo que essas porcentagens vêm aumentando com o passar dos anos, sem fazer distinção entre faixa etária, sexo ou níveis socioeconômicos. Devido ao grande crescimento da obesidade e suas alarmantes consequências, de acordo com Castro (2017), o Brasil tem expressado formalmente esforços na saúde pública para o enfrentamento da obesidade, como o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Por conta desse aumento, o Ministério da Saúde (1999) afirma que a obesidade se tornou objeto de políticas públicas, sendo o próprio Ministério da Saúde, através do Sistema Único de Saúde (SUS), o autor das ações, que a partir da década de 1990 definiu diretrizes para realizar trabalhos ligados a áreas de alimentação e nutrição da população, o que inclui a prevenção e o tratamento da obesidade. Para autores como Silva, Sato, Rosa, Esteves, Marques e Oliveira (2019), o diagnóstico da obesidade consiste na classificação através do cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC), que é avaliado por meio do peso do indivíduo em relação à sua altura. As consequências do aumento do IMC é um fator de risco para as doenças não transmissíveis. Através deste cálculo é possível investigar se o indivíduo se encontra abaixo, acima ou dentro do seu peso ideal, além de identificar o nível de cada categoria, como, por exemplo, se a obesidade se configura como leve ou moderada. Ademais, a obesidade predispõe doenças físicas como hipertensão arterial, diabetes tipo 2, síndrome de insuficiência respiratória, embolismo pulmonar, insuficiência cardíaca, infertilidade, propensão a quedas, dentre outros. Para se ter uma ideia, estima-se que no Brasil, morrem, por ano, cerca de 80 mil pessoas, por conta de doenças desencadeadas pela obesidade (Rech, Borfe, Emmanouilidis, Garcia & Krug, 2016). Mas, além destas problemáticas, segundo Paim e Kovaleski (2020) existe uma estigmatização e uma desvalorização quanto a pessoa obesa, que podem ser expressas por meio das crenças de que a pessoa gorda é deprimida, fracassada e até mesmo como alguém sem um autocontrole. Esses pré-julgamentos são tão naturalizados, que fazem com que a própria pessoa obesa incorpore uma imagem de si de alguém doente e inapto. Contudo, diferentemente do que a medicina define, o excesso de peso para a psicanálise, não se prende apenas ao corpo concreto. De acordo com Kirch (2017), no ponto de vista psicodinâmico, a obesidade pode estar atrelada ao fato de ainda na infância, quando o objeto de prazer (seio) foi retirado, o bebê se deparou com a falta, e uma vez que não tendo sido essa falta elaborada, a pessoa passará a sua vida em busca de outros objetos que deem a satisfação já antes sentida, podendo encontrá-la no ato de comer, por exemplo. Essa colocação corrobora com a ideia de que o indivíduo obeso entende a comida como sendo seu objeto de satisfação, o que demonstra uma possível relação com a fase oral exposta por Freud (1905/1989), que afirma que nessa fase, a zona erógena é a boca, ou seja, através dela o bebê obtém prazer e satisfação, sendo que o contato de sucção com a boca não possui nenhum propósito de nutrição.

Conforme destacado por Kirch (2017), a alimentação tem uma relação intrínseca com a afetividade e o carinho desde o momento do nascimento. Tal fato ocorre, pois é por meio da boca, que o bebê conhece o mundo ao seu redor e que sente o calor e a receptividade do acolhimento materno. Essa sensação de bem estar e aconchego está gravada no inconsciente como algo que trás segurança e amparo. Isso pode ser relacionado com a ideia de que, a pessoa tende a buscar de maneira persistente o mesmo sentimento de satisfação já antes encontrado no colo de sua mãe ainda quando era um bebê. Nessa busca incessante, pode surgir a instalação do comer compulsivo e consequentemente a obesidade, uma vez que o alimento pode ser usado como uma forma de proteção, prazer e de preencher um vazio sentido (Kirch, 2017). Isso corrobora com a ideia de Spada (2009), de que quando o indivíduo obeso está se alimentando, o sentimento de angústia desaparece, mas ao parar de comer, o sentimento retorna, sendo esse retorno de sentimento o fator desencadeador pela busca da comida novamente. Freud (1905/1989) destaca ainda que durante a fase do desenvolvimento humano, cada etapa pode se transformar em um ponto de fixação. Conforme o bebê vai se desenvolvendo, outras áreas do corpo se tornam regiões prazerosas, no entanto, alguns elegem a boca como fonte primordial de satisfação e prazer, o que pode se estender por toda a vida. Para que haja menos sofrimento, é necessário que a mãe faça a retirada do seio de maneira gradativa e amorosa, para que assim, o bebê possa ter uma boa elaboração dessa perda. Quando o desmame ocorre de maneira positiva a criança tem a possibilidade de explorar o seu mundo de maneira a encontrar novos prazeres em outros objetos, podendo assim elaborar a sua subjetividade. Quando o contrário ocorre, há grandes chances do sujeito ter na boca a sua fonte de prazer, usando o alimento, por exemplo como forma de alcançar sua satisfação (Kirch, 2017). Ainda sabendo que possui relações intrínsecas com o psíquico, não podemos ignorar que a obesidade é um fenômeno com muitas causas e origens. De acordo com Lima, Oliveira e Barbosa (2017), por exemplo, a obesidade apresenta múltiplos fatores como, biológicos, ambientais, genéticos, culturais e psicológicos. E com essa etiologia multifatorial, o enfrentamento dessa condição exige uma atenção multiprofissional.

Para obter sucesso na perda de peso, o sujeito necessita uma constante autovigilância no que tange a ingestão de alimentos, além do apoio familiar, social e uma automonitoração. Devido às dificuldades na mudança do estilo de vida, e por requerer uma manutenção a longo prazo, muitas vezes o sujeito obeso não obtém êxito de emagrecimento. A percepção da ineficácia dos tratamentos tradicionais, fez com que surgisse uma outra opção para o tratamento da obesidade, que surtisse um resultado eficaz em um curto período de tempo e a longo prazo (Silva et al., 2015). Dessa maneira, uma das formas de combate a obesidade é a Cirurgia Bariátrica, que, segundo Martins e Miyazaki (2019), é indicada para indivíduos que possuem um Índice de Massa Corporal (IMC) superior a 35 kg/m2 (obesidade moderada) ou 40 kg/m2 (obesidade grave), e apresentam comorbidades de difícil controle, tais como apneia do sono, hipertensão arterial, diabetes, dentre outras. Um segundo critério utilizado, de acordo com a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO, 2015), refere-se ao tempo em que o indivíduo se encontra em um determinado grau de obesidade e quais foram as tentativas convencionais utilizadas para o seu tratamento. Entretanto, a procura pela cirurgia bariátrica nem sempre está pautada apenas pelas indicações médicas vistas anteriormente. Fagundes, Caregnato e Silveira (2016) expõem que a busca pela cirurgia bariátrica ocorre por motivos estéticos, sendo esse procedimento visto como uma forma de não se sentir diferente dos outros e de recomeçar uma nova vida. Essa ideia corrobora com o que Macedo, Portela, Palamira e Mussi (2015), acentuam que a percepção da imagem corporal se atrela ao autoconceito sobre o julgamento do sujeito sobre a seu peso. Com isso, existem sentimentos de insatisfação, depreciação e até mesmo distorção da imagem corporal apresentada a sociedade. Além disso, a cirurgia bariátrica parece surgir como um último recurso, que oferece uma melhora mágica, atuando inicialmente no imaginário através de uma promessa de modificação do olhar sobre si mesmo e o olhar das demais pessoas, para somente assim, o sujeito passar a existir de forma completa (Machado, 2017). Além disso, como destaca Federici (2017), a comercialização do corpo feminino tornou secularmente impossível que as mulheres se sintam confortáveis com seus corpos, independentemente de suas medidas ou formas. A autora aponta que, historicamente o corpo das mulheres foi tratado como objeto para a implementação das técnicas de poder e das relações de poder. Tal informação parece corroborar com os dados apresentados pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica – SBCBM (2019) que aponta que 70% dos pacientes de cirurgia bariátricas são mulheres. A sociedade afirma que "as mulheres tendem a se preocupar mais com a estética". Aos olhos de Federici (2017) tal preocupação é historicamente constituída uma vez que a "magreza" é uma das imposições que recaem sobre a mulher para a sua aceitação social.

Com base neste pensamento, apesar de ser muito procurada pelos indivíduos com excesso de peso, a cirurgia bariátrica não pode ser considerada como uma solução total dos problemas. Marchesini e Antunes (2017) explicam que a imagem corporal implica na autopercepção do indivíduo sobre o próprio corpo e sobre as atitudes relacionadas a esse corpo. Além disso, a perda de peso nem sempre irá garantir o aumento da autoestima, já que muitos pacientes bariátricos, mesmo após perder uma grande quantidade de peso se mostram insatisfeitos com sua imagem corporal (Marchesini & Antunes, 2017). Essa insatisfação pode estar relacionada com o pensamento proposto por Castanha, Ferraz, Castanha, Belo, Lacerda e Vilar (2018), sobre a necessidade de serem trabalhadas as expectativas do paciente bariátrico, a fim de aproximá-las dos reais resultados do procedimento, uma vez que há mudanças positivas como a perda de peso e a redução de comorbidades, mas há mudanças que podem ser sentidas como negativas, como o excesso de pele e possíveis complicações.

Dada a importância do tema, o presente estudo buscou compreender a percepção de indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica sobre si mesmo frente à sociedade, e especificamente analisar se essa percepção é a mesma de quando ainda não haviam sido submetidos a cirurgia bariátrica. Por fim, buscou-se identificar os processos de aceitação e de defesa após a realização do procedimento cirúrgico.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 6 pessoas, contatadas através de uma amostra autogerada, que foram submetidas a cirurgia bariátrica devido ao excesso de peso. Para o critério de inclusão, foi definido que os participantes precisariam ter realizado o procedimento cirúrgico em um período mínimo de dois anos e ter idade superior a 18 anos.

Instrumentos

Foram utilizados para a coleta de dados o procedimento "Desenho Estória com Tema", que foi desenvolvido por Aiello-Vaisberg (1997). Esse procedimento é capaz de favorecer a expressão emocional de forma não defendida, relaxada e lúdica, sendo utilizada por diferentes grupos para representações sociais (Medeiros, 2014). Na presente pesquisa, o Desenho Estória com Tema buscou investigar os aspectos relacionados à percepção de indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica sobre si mesmo frente à sociedade antes e depois do procedimento cirúrgico. Além do Desenho Estória com Tema, foi realizada uma Entrevista Semi-Estruturada contendo cinco perguntas referentes à temática em questão (outras tentativas de emagrecimento, motivação pelo procedimento cirúrgico, tempo antes e após a cirurgia, mudanças após a cirurgia e informações a respeito de acompanhamento psicológico pré e pós cirúrgico).

Procedimentos éticos, de coleta e análise de dados

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade São Judas Tadeu (CAEE 12510119.8.0000.0089), de acordo com o que prevê a Resolução 196/96 do Conselho Federal de Psicologia. A coleta de dados ocorreu individualmente após contato via telefone com os participantes e agendados em data, horário e local escolhidos por eles. Inicialmente foi apresentado a cada um dos participantes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), garantindo o sigilo e o anonimato dos mesmos. O início da atividade sucedeu com a realização do procedimento mediante a seguinte instrução: "Desenhe uma pessoa que você considere com excesso de peso", após a execução do desenho foi requerido que o participante contasse uma história e atribuísse um título a produção. Posteriormente foi dada uma nova orientação: "Desenhe uma pessoa que você considere com um peso ideal" e novamente o participante foi convidado a contar uma história sobre o desenho e atribuir um título a produção. Por fim os participantes responderam a uma Entrevista Semi Estruturada. Conforme proposto por Aiello-Vaisberg (1997) e Medeiros (2014), às produções gráfico-verbais foram analisadas individualmente levando em consideração o objetivo da apreensão da psicodinâmica e das representações sociais. Assim, o material coletado passou inicialmente por uma leitura, para que posteriormente em uma segunda leitura minuciosa, fossem destacadas características que se mostraram similares nas produções, possibilitando o levantamento de categorias que auxiliaram na compreensão das percepções da autoimagem presentes em cada produção. Após a análise individual foi realizada uma análise geral, considerando todos os participantes, buscando os elementos semelhantes e diferentes.Os dados coletados por meio da utilização do procedimento do Desenho Estória com Tema com os participantes da pesquisa, foram apresentados em formato de transcrições e analisados qualitativamente, segundo a teoria psicodinâmica. As respostas obtidas na Entrevista Semi Estruturada auxiliaram na análise e discussão dos resultados do Procedimento do Desenho Estória com Tema.

 

Resultados e Discussão

Foram submetidos à pesquisa 6 participantes, dentre os quais, três eram do sexo feminino e três do sexo masculino, cinco deles eram casados e suas idades variaram entre 34 e 50 anos. Observou-se também que o tempo de realização de cirurgia bariátrica variou entre 3 e 13 anos, além de outros dados expostos na tabela 1.

 

 

Como dito anteriormente, o tratamento da obesidade pode ocorrer de diversas formas. Entre os principais métodos utilizados pelos participantes para o enfrentamento da obesidade, foi citado por todos eles o uso de dietas, sendo que cinco deles (P1, P2, P3, P5 e P6) também fizeram uso de medicamentos para emagrecer. Entretanto, a ineficácia apresentada por esses métodos utilizados, levou os participantes em questão a optarem pela cirurgia bariátrica como forma de enfrentamento da obesidade. Nesse ponto, a literatura aponta para as dificuldades que o indivíduo obeso possui para perder peso por meio dos métodos tradicionais como dietas, práticas de exercícios físicos e uso de medicamentos. O estudo de Delapria (2019) acentua que os tratamentos convencionais como a reeducação alimentar e o uso de medicamentos, em maior parte das vezes se mostram ineficazes para uma perda significativa, além de terem maior incidência no reganho de peso. Essa grande ineficiência vivida, gera grande sofrimento a pessoa obesa levando-a muitas vezes a optar pela cirurgia bariátrica.

Por outro lado, as motivações pelas quais a pessoa obesa busca por um tratamento mais invasivo, podem variar. Entre os participantes, cinco deles (P1, P2, P3, P4 e P5) optaram pela cirurgia bariátrica por questões de saúde, sendo que desses, três P1, P2 e P4) relataram que estavam com todos os exames de saúde sem nenhuma complicação, apresentando problemáticas apenas com a pressão arterial. Isso pode ser evidenciado na afirmação de P1: "Foi mais a saúde. Eu enfartei, super bem, super tranquilo, mas a pressão lá em cima.", e também no discurso de P4: "Tava tudo ok. Meus exames estavam tudo ok, mas por causa da pressão, que eu entrei de gaiata na história mesmo".

Além disso, motivações relacionadas a autoestima baixa e estética também foram observadas entre os participantes, como, por exemplo, nos relatos de P4 "A autoestima baixa, relaxada", e P5 "Estética foi também, mas é mais alguns problemas de saúde que eu tive". Sobre isso, Castanha et al. (2018), sugerem que os índices de cirurgia bariátrica são maiores em mulheres, uma vez que tendem a buscar o procedimento por motivações estéticas pessoais, devido ao padrão de beleza estabelecido como um corpo magro e escultural. Diferentemente dos homens, esse imperativo é menor, e sua busca pelo procedimento cirúrgico é pautado muitas vezes no comprometimento de suas atividades corriqueiras. Ademais, o procedimento cirúrgico, além de auxiliar na melhora da saúde dos indivíduos, oferece também uma mudança com relação ao peso que desejam e a busca por um corpo considerado ideal, já que o peso anterior a ele é compreendido como algo negativo. Outro exemplo dos afetos negativos atribuídos ao excesso de peso pode ser observado nas produções gráfico-verbais realizados sob a orientação "Desenhe uma pessoa que você considere com excesso de peso", onde o desenho de um dos participantes (P3) possuía uma expressão de infelicidade (ver Figura 1), tendo os lábios sido rabiscados diversas vezes pela participante. Outras duas produções gráfico-verbais (P1 e P4) não continham expressões faciais e quatro (P1, P2, P3 e P4) das seis histórias apresentaram afetos negativos referentes à obesidade. Esta conotação negativa referente a obesidade pode estar relacionada ao que afirmam Araújo, Coutinho, Araújo-Morais, Simeão e Maciel (2018) sobre o padrão de beleza imposto na sociedade moderna, principalmente em relação às mulheres, que valoriza corpos magros gerando consequências negativas na população com excesso de peso, a pessoa obesa distancia-se do modelo idealizado de beleza e saúde, sendo condenada à exclusão social, por não se encaixar no padrão propagado.

 

 

À espera de um milagre

Era uma vez (risos) uma pessoa acima do peso, frustrada, triste e que era ponto de referência (risos). Ah...desde ponto de referência, tinha dificuldades de subir no ônibus, uma queda gerava quatro quedas. Era bem difícil, sei lá (risos). É isso!

Ainda nesta mesma produção gráfico-verbal, também foi identificado na fala de P3 o uso do humor como mecanismo de defesa, possivelmente utilizado no intuito de aliviar a tensão do conflito, visto que a participante discorreu sobre as vivências de uma pessoa obesa com muita insatisfação, como pode ser observado não só na história de sua produção, mas também em um relato da entrevista semi estruturada: "eu também já tava gordinha, tinha dificuldades de subir no ônibus, usava absorvente todo dia, porque se eu espirrasse ou tossia, eu perdia urina, e nunca tive parto normal". De acordo com Perry (1990) o humor é um mecanismo de defesa que auxilia no alívio da tensão existente em torno de um conflito enfatizando os aspectos divertidos e/ou irônicos do fator estressor. Outro fator analisado nas produções gráfico-verbais, refere-se à diferenciação do conteúdo produzido pelos diferentes sexos. Pode-se notar que as produções gráfico-verbais das 3 participantes mulheres (P2, P3 e P4) sob a instrução "Desenhe uma pessoa que você considera acima do peso" possuem um conteúdo depreciativo, e as figuras ilustradas não contém características femininas, como pode ser notado na produção da P2 (ver Figura 2). Isso pode estar relacionado com a ideia de que apesar de pessoas de ambos os sexos com excesso de peso sofrerem com os padrões de beleza impostos, esse imperativo é mais rígido com as mulheres, uma vez que o corpo feminino é cada vez mais ajustado aos ideais sociais, revelando a idealização de um corpo considerado perfeito como um elemento essencial e constituinte da mulher e da sua feminilidade (Federici, 2017).

 

 

A borboleta

Era uma vez uma mulher obesa que sofria, era deprimida, triste, que se sentia oprimida pela sociedade, que sofria por essas cobranças externas. É... familiarmente, é... a família, é... ela aceita bem... é... a gente como a gente é... é mais a gente que não se aceita... não sei que história te contar. Tem toda uma questão de gente ser mulher, tem toda uma vaidade feminina, a gente quer se sentir bonita, a gente quer sempre tá bem, né... não sei!

Paralelo a isso, Almeida (2016), destaca ainda que vivemos em uma cultura sexista firmada na tríade beleza, saúde e juventude, fazendo com que a ênfase de vida e também a esperança da mulher obesa, seja direcionada para a aquisição de um corpo magro e considerado belo. A não conquista desse corpo estimado, gera na mulher obesa sentimentos negativos a seu respeito, além de perceber-se como alguém diferente aos demais. Ainda para o autor, posteriormente ao emagrecimento, a mulher passa a sentir que não mais possui atributos visíveis que a deprecie diante dos olhares da sociedade. O sentimento de estar dentro dos parâmetros estéticos corporais, faz com que a mulher, já não mais vista como uma obesa, sinta-se mais próxima do padrão estético estabelecido socialmente, o que trás maior sentimento de auto aceitação e de aceitação do outro.

Ademais, foram constatados alguns sentimentos conflituosos com relação ao peso atual dos participantes. Por exemplo, três deles (P4, P5 e P6) relataram estarem satisfeitos com o peso atual, enquanto outros três (P1, P2 e P3) demonstraram não se sentirem satisfeitos. A satisfação do P6 está presente abertamente na resposta dada ao ser questionado como se sente com o peso atual, quando ele afirma: "Muito satisfeito! Muito satisfeito mesmo! Hoje eu estou completamente satisfeito com meu peso. Hoje eu posso entrar em qualquer loja, pegar qualquer roupa e isso é... Tô muito satisfeito!". Já o P1 destacou-se pela sua preocupação com o reganho de peso, demonstrada na história do primeiro desenho, ao dizer: "E com o meu peso atual eu estou totalmente ligado. Sempre procuro manter. 'Ah, eu comi demais esse final de semana! Ok, segunda-feira é jejum!'". Outro exemplo de insatisfação pode ser destacado também na fala da P3, quando questionada como se sentia com o peso atual: "Péssima, gigante! Horrível! A roupa aumentou um pouco. É muito horrível!".

Essa insatisfação pode estar relacionada com o que Souza Neta (2020) afirma, ao dizer que pacientes pós-cirúrgicos, percebem a recorrência do peso como uma constante ameaça que precisaram enfrentar ao longo de toda a sua vida. Isso ocorre, pois o medo de estar acima do peso foi instalado antes mesmo da cirurgia bariátrica, devido ao não sucesso de outros tratamentos para o emagrecimento que resultaram no reganho do peso perdido. Além disso, esse descontentamento com o peso e com a imagem corporal em pacientes pós-bariátricos pode gerar comportamentos nocivos à saúde, como o surgimento de psicopatologias, tais como bulimia, anorexia e dismorfia corporal, além disso, há adesão a dietas inadequadas gerando carências nutricionais, podendo ocasionar a morte (Lacerda, Castanha, Castanha, Campos, Ferraz & Vilar 2018).

Outro ponto de conflito observado na fala de alguns participantes (P1, P3, P4) são referentes às mudanças fisiológicas ocorridas após o procedimento cirúrgico, por exemplo, no relato de P1 na segunda produção gráfico-verbal: "eu perdi muita coisa, perdi muito cabelo, eu perdi dente. O meu dente quebrou, por causa da má absorção", enquanto P4 relatou durante a entrevista: "Óh, seu intestino fica totalmente diferente, você tem problema de gases direto, você tem que tomar uma injeção chamada B12. Se você não tomar ela você fica com demência". Nesse ponto, os estudos de Lacerda et al. (2018), apontam que não existem mudanças apenas positivas após a cirurgia, mas que complicações podem surgir no pós-operatório tardio, como por exemplo, queda de cabelo, anemia, náuseas e vômitos frequentes, deficiência nutricional, obstrução intestinal, além de depressão e infecções graves.

Fora esses fatores, foi apresentado também problemáticas referentes a nova imagem corporal dos participantes devido à grande quantidade de peso perdido após a cirurgia. O P1, por exemplo, disse: "Cheguei a menos, cheguei a 100... 99, mas aí o pessoal falou 'para que você tá parecendo um cadáver.'", enquanto P2 afirmou: "eu cheguei a pesar 54 quilos, o que não foi bom, porque eu emagreci demais. Né? Visualmente ficou muito esquisito, as pessoas começaram a perguntar se eu não estava com AIDS.". Porém, mesmo com essas questões os participantes disseram não se arrepender de terem realizado o procedimento cirúrgico, visto que ele também contribuiu para mudanças positivas. Por exemplo, quando questionados sobre as alterações observadas em suas vidas após a cirurgia bariátrica, os entrevistados ressaltaram mudanças na autoestima, melhorias na saúde e bem-estar, como podemos ver na afirmação feita por P2, que diz: "Qualidade de vida em todos os sentidos, na questão pessoal, de saúde, autoestima, é... Eu comigo mesma, as cobranças que eu fazia. A questão da vaidade, tudo! Pra mim mudou tudo".

Essas mesmas mudanças também surgiram nas produções gráfico-verbais realizadas sob a instrução "Desenhe uma pessoa que você considera com o peso ideal", já que quando solicitado que contassem uma história sobre a figura que eles retrataram como tendo o peso ideal, alguns desenhos foram representados com fisionomia alegre (P2, P3, P5 e P6). Além disso, nas produções gráficas de duas das participantes do sexo feminino (P2 e P3), foi constatado uma grande diferença das produções anteriores, visto que os desenhos além de apresentar expressões felizes, continham aspectos femininos representados como cabelo, roupas e acessórios, o que confirma essa melhora decorrida pela realização da cirurgia bariátrica na percepção da autoimagem e no convívio social (ver Figura 3).

 

 

Renascimento

Eu vou falar de mim (risos). Ah... Uma pessoa, é um renascimento, né? Autoestima, vaidade, preocupada mais com a aparência, mais disposta, mais entusiasmada com as coisas da vida. Acho que só.

Mudanças na área social também foram observadas, como, por exemplo, um aumento na sociabilidade, facilidade em utilizar transportes públicos e comprar roupas, além de ter havido uma diminuição da vergonha frente à sociedade, como pode ser constatado na fala de P4 e P6, respectivamente: "[...] Eu perdi todas as amizades, eu tinha vergonha de sair. Eu era uma pessoa numa concha! E a cirurgia mudou isso" e "A parte social da coisa. Eu tinha um pouco de vergonha de sair de casa. Um problema muito ruim era transporte público que me incomodava muito. As pessoas têm um preconceito muito grande com o obeso, isso é fato!".

Essas mudanças positivas referentes à perda de peso corroboram diretamente com a ideia negativa que os participantes apresentaram sobre a obesidade, já que três deles (P2, P3 e P4) ressaltaram algumas características desfavoráveis e dissertaram sobre como uma pessoa obesa se sente, atribuindo conotações negativas a figura do desenho realizado sob a orientação "Desenhe uma pessoa que você considera acima do peso", como no caso da história de P4 (ver Figura 4).

 

 

O introspectivo

Tímido... Inseguro... E introspectivo. Ele... Ele vive se escondendo apesar da inteligência dele. Ele não consegue socializar, devido ao peso, então ele vive se escondendo apesar da grande capacidade... E não é pelo que os outros enxergam, mas é como ele se enxerga! Então ele acaba tendo poucos momentos felizes nesse sentido.

Essa fala da participante vai de encontro com os achados de Macedo et al. (2015), que afirmam que pessoas acima do peso sofrem com uma imagem corporal negativa, o que gera sentimentos depreciativos, de vergonha, baixa autoestima, tristeza e frustração. Além disso, para esses autores a pessoa obesa sente-se feia e inibida com uma forte crença de desvalorização pessoal. Esse sentimento de inadequação da figura obesa pode justificar o motivo pelo qual, quatro dos participantes (P3, P4, P5 e P6), não se colocaram na história do primeiro desenho como sendo a figura obesa, demonstrando certo afastamento em relação à imagem do obeso, como se esta não pertencesse mais a eles. Isso corrobora com a ideia de que existe um impacto na subjetividade do indivíduo, causado pela cirurgia bariátrica, que transforma as suas vivências, e o faz se reestruturar e se ressignificar na sociedade, se distanciando da figura do "gordo" (Queiroz, Santos, Silva, Laham, Garrido Jr. & Lucia, 2011).

Outro fator analisado foi que, embora a maioria dos participantes tenham relatado histórias que fazem alusão a temática da obesidade, o P6 não relacionou a figura do desenho feito sob a orientação "Desenhe uma pessoa que você considera acima do peso", com a história, como pode ser observado na Figura 5. Esse fator, vai em desencontro com a ideia proposta por Aiello-Vaisberg (1997) que afirma que a técnica do Desenho Estória com Tema pode favorecer a expressão emocional de forma lúdica e não-defendida, visto que diante da situação, pode-se considerar que o participante utilizou do mecanismo de defesa de anulação para se afastar da figura obesa desenhada por ele, por quem ele diz ter muito afeto, mas é alguém distante a ele, como pode ser visto na história a seguir. A anulação é um mecanismo de defesa utilizado pelo indivíduo para lidar com conflitos emocionais compensando ou negando sentimentos, pensamentos ou ações anteriores (Perry, 1990).

 

 

Meu amigo do trabalho

Bom, é um amigo meu de trabalho, que trabalha comigo a uns seis anos... Ele entrou na empresa pra trabalhar no estoque... É... Nosso relacionamento é estritamente profissional, eu não tenho um relacionamento fora da empresa com ele... É meu amigo de trabalho, mas ele é uma pessoa muito gente boa e eu tenho carinho muito especial por ele, porque ele também é cristão e a gente conversa bastante assim, sobre a palavra de Deus, mas assim, ele mora em Santana então fica longe pra ele vir na minha igreja... Eu já chamei ele pra vir aqui, só que pra ele fica ruim porque é um pouco longe... Mas ele é uma pessoa... Eu não tenho muita história com ele, é mais profissional, eu tenho um relacionamento profissional com ele... Pessoal assim, fora da empresa eu realmente não tenho, mas eu tenho um carinho especial por ele... Não tenho o que falar mesmo... Caramba, eu peguei uma pessoa que eu não tenho história.

Outra análise sobre a identificação com o desenho, pode ser observada nas histórias da segunda produção gráfico-verbal, que continha a instrução "Desenhe uma pessoa que você considera com o peso ideal", visto que, apesar de apenas dois participantes (P1 e P3) falarem que a história era deles, outros dois participantes (P2 e P5) demonstraram também estarem falando de si mesmos. O P5, por exemplo, adicionou objetos ao desenho da pessoa, como o boné que estava usando no dia da atividade (ver Figura 6).

 

 

Sempre feliz

Aqui é o seguinte, o cara nasceu gordinho... Aí cresceu gordinho, aí com o crescimento emagreceu... Sempre foi tranquilo, nunca teve problema com isso, mas chegou um ponto que precisou, até pela saúde... fez a cirurgia bariátrica e hoje tá tranquilo.

Contudo, sobre o acompanhamento psicológico, dois dos participantes (P1 e P6) contaram que fizeram parte apenas de grupos terapêuticos, que se dividiram em dois encontros, sendo um antes do procedimento cirúrgico e um depois, outros três participantes (P2, P3 e P5) relataram que fizeram psicoterapia antes e durante o processo da cirurgia bariátrica, enquanto apenas um deles (P4) afirmou que não teve nenhum tipo de acompanhamento psicológico anterior a cirurgia, mas deu início a um processo terapêutico no pós-cirúrgico, devido a recomendações médicas.

Nesse ponto é importante ressaltar que o acompanhamento psicológico antes e depois da cirurgia se faz extremamente necessário, uma vez que, assim como apontado no estudo de Joaquim, Bassetto, Castro e Polli (2019), pessoas que optam pela cirurgia bariátrica como forma de enfrentamento à obesidade, apresentam algum tipo de sofrimento, podendo ser avaliado no processo de avaliação terapêutica, quais são os medos, as angústias, além das expectativas quanto a cirurgia. Ainda nesse sentido Souza Neta (2019), expõe que alguns pacientes pós bariátricos, podem desenvolver alguns transtornos, tais como ansiedade, compulsões, além de comportamentos de risco, como relacionamentos extraconjugais, vícios, gastos excessivos, transtornos alimentares, dentre outros. Isso se deve ao fato de a redução do estômago não permitir que sejam consumidos alimentos em grandes quantidades, como forma de escape, como antes se fazia, assim, são buscadas outras formas, como dito durante a entrevista por P4:

Eu não passava no psicólogo. Eu cheguei no psicólogo do hospital que eu tava trabalhando e falei "doutora, eu preciso de uma carta de recomendação pra fazer cirurgia bariátrica" e ela me deu! Aí quando eu fiz a cirurgia, o médico me obrigou a fazer, porque eu sou ansiosa e eu desconto na comida, mas agora eu desconto nos livros!

O que corrobora com o que foi discorrido por P2:

Você trabalha isso na terapia antes de fazer, porque o que eu percebo, que quem não faz, acha que a bariátrica faz milagre, que você vai fazer, vai emagrecer e ficar maravilhosa, que é uma coisa definitiva. Só que na verdade não, porque os problemas continuam, e você vai continuar somatizando, e você vai descontar onde? As pessoas sempre acabam desviando para alguma coisa [...] Então eu não posso comer, então vou procurar sempre um escape.

Em síntese, de acordo com Lacerda et al., (2018), a cirurgia bariátrica gera mudanças no peso e na percepção corporal, e essas mudanças podem levar a uma persistência na percepção da imagem corporal do peso, que gera insatisfação, mesmo que o indivíduo tenha tido uma perda significativa de peso. Isso pode ocorrer devido ao fato das mudanças físicas não acompanharem, de forma imediata, a imagem corporal, uma vez que em nível psicológico essas percepções podem exigir maior tempo para que ocorram. Dessa forma, o acompanhamento psicológico se faz imprescindível, tanto antes como depois do procedimento cirúrgico.

 

Considerações finais

Pode-se inferir que a ineficácia dos métodos menos invasivos de emagrecimento não oferece ao indivíduo obeso a imagem corporal idealizada por ele, e, por isso a busca pela cirurgia bariátrica vem aumentando no mundo, desde sua criação. Além disso, apesar de ser colocada muitas vezes apenas como uma solução para uma melhora na área da saúde, pode ser constatado que esse procedimento cirúrgico é entendido de maneira recorrente, como uma solução mágica para a resolução dos problemas relacionados ao excesso de peso, sendo desconsiderados os efeitos negativos que o procedimento pode causar. Essa compreensão pode estar diretamente ligada à falta de acompanhamento psicológico acentuado, visto que a busca cirúrgica não se dá apenas por problemas físicos, mas também por conflitos internos, como, por exemplo, a maneira que o indivíduo se enxerga e forma com a qual ele acredita que os outros o enxergam no mundo.

Pode ser constatado uma satisfação dos pacientes pós-bariátricos, não somente em relação ao peso, mas também referente a uma melhora na qualidade de vida e na percepção social, visto que antes do procedimento cirúrgico, tendiam a ser mais tímidos e ter maiores dificuldades com relação ao convívio social, diferente dos sentimentos presentes após a realização da cirurgia bariátrica, onde possuem sentimentos mais positivos e maior facilidade na interação com o outro. No entanto, também podem ser observados sentimentos de insegurança diante da possibilidade de voltar a engordar e até mesmo uma rejeição a imagem corporal atual, o que demonstra a grande importância que esses indivíduos atribuem a um peso percebido por eles como o ideal, como se somente a partir desse ideal alcançado, fossem aceitos e respeitados pela sociedade, e a partir dessa aceitação do outro, fosse possível ter uma autoaceitação. Ainda nesse sentido, vale ressaltar os efeitos psicológicos que a imposição do corpo considerado magro e belo causam, uma vez que esse padrão é cada vez mais explorado pela indústria da moda, que há anos estabeleceu fortemente o ideal de um corpo esbelto e escultural. Essa cobrança ocorre tanto com os homens como para as mulheres, no entanto, o imperativo da beleza padronizada e magra, possui maior ênfase com o público feminino. As mulheres são pressionadas a demonstrar uma feminilidade tanto em comportamentos quanto em seu aspecto físico, o que ocasiona muitas vezes um sentimento de frustração e desaprovação consigo mesma. Dessa forma, se faz necessário a quebra desse padrão de beleza cada vez mais impossível de se alcançar e excludente.

Outro fator verificado é de que após a cirurgia bariátrica, os pacientes fazem um acompanhamento médico regularmente para a manutenção do corpo. Porém, o acompanhamento psicológico não é visto como sendo algo importante. Dessa forma, se faz necessário ressaltar a importância de que haja um acompanhamento psicológico não somente antes, mas também após o procedimento, uma vez que tanto os fatores considerados como negativos, anterior a cirurgia, assim como as melhorias advindas após o procedimento, ocorrem não somente a um nível físico, mas também psicológico, sendo necessário que o paciente seja atendido em sua totalidade, visando diminuir quaisquer sofrimento e auxiliar no processo de aceitação e adaptação.

Espera-se que os resultados, bem como a introdução apresentada a respeito da obesidade e suas causas sob uma perspectiva psicodinâmica, possam colaborar com novos estudos, levantando outros aspectos importantes dessa temática, uma vez que a pesquisa teve uma amostra limitada de participantes, possibilitando assim novos conhecimentos que auxiliem no tratamento desses pacientes, visando a diminuição do sofrimento físico, social e psicológico.

 

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Recebido: 11.10.20
Corrigido: 03.02.21
Aprovado: 09.03.21

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