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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.41 no.101 São Paulo jul./dez. 2021

 

I. TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO

 

Felicidade e bem-estar: o uso das práticas cognitivo-comportamentais e positivas para a busca do funcionamento humano ideal

 

Happiness and wellbeing: the use of cognitive-behavioral and positive practices for the pursuit of ideal human functioning

 

Felicidad y bienestar: el uso de prácticas cognitivas-conductuales y positivas para la búsqueda del funcionamiento humano ideal

 

 

Thais Lima FarahI; Cleida de Lima VitalII; João Victor Martins de MirandaIII

IUniversidade José do Rosário Vellano, Alfenas – Minas Gerais, Brasil. Graduanda em Psicologia pela Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS. ORCID 0000-0003-4166-4383
IIUniversidade José do Rosário Vellano, Alfenas – Minas Gerais, Brasil. Docente na Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS; Coordenadora do Curso de MBA em Psicologia Organizacional e Gestão de Pessoas na Universidade José do Rosário Vellano - UNIFENAS; Mestre em Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida pelo Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino – UNIFAE; Mestre em Psicologia Social pela Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS; Especialista em Psicologia pela Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS; Especialista em Psicologia Educacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas; Especialista em Gestão Estratégica de Recursos Humanos pela Faculdade Cenecista de Varginha – FACECA; Graduada em Psicologia pela Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS. ORCID 0000-0003-3379-0523
IIIUniversidade José do Rosário Vellano, Alfenas – Minas Gerais, Brasil. Mestrando em Psicologia pela Universidade São Francisco – USF. Graduado em Psicologia pela Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS. ORCID 0000-0002-0776-6776

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Aspectos positivos das vivências humanas vêm se tornando cada vez mais alvo de interesse do campo da psicologia. Isto se deve ao advento da psicologia positiva, que intensificou as investigações sobre o assunto e permitiu a compreensão dos seus aspectos de forma bem mais científica. Neste sentido, esta pesquisa se configura como uma revisão bibliográfica de literatura, que utiliza diversos escritos como base para as discussões relacionadas ao "funcionamento humano ideal", partindo dos pressupostos teóricos e práticos da psicologia positiva e cognitivo-comportamental, para explanar as possibilidades que estas abordagens podem fornecer no favorecimento das potencialidades e o desenvolvimento humano. Os resultados apontaram para duas questões norteadoras: "o que significa 'funcionamento humano ideal'? e "Como alcançar o 'funcionamento humano ideal'?". A partir destas questões, articulou-se e discutiu-se as temáticas da "felicidade", "bem-estar" e "satisfação com a vida" e suas implicações para o alcance deste estado de funcionamento ideal; o papel das "virtudes pessoais" e "forças de caráter" como impulsionadoras do desenvolvimento pessoal. Além disso, foram expostos alguns exemplos práticos e teóricos de como isto pode ser aplicado em diversos contextos de vida. Conclui-se que as técnicas e a teoria positiva oferecem grandes possibilidades de transformação e também verifica a necessidade de novos estudos que fortaleçam ainda mais o conhecimento e disseminação da psicologia positiva.

Palavras-chave: psicologia positiva; felicidade; técnicas positivas e comportamentais; bem-estar.


ABSTRACT

Positive aspects of human experiences are becoming an increasingly target of interest in the field of psychology. This is due to the advent of positive psychology, which intensified the investigations on the subject and allowed the understanding of its aspects in a much more scientific way. In this sense, this research is configured as a bibliographic review of literature, which uses several writings as a basis for discussions related to "ideal human functioning", starting from the theoretical and practical assumptions of positive and cognitive-behavioral psychology, to explain the possibilities that these approaches can provide in favoring the potentialities and human development. The results pointed to two guiding questions: "what does ideal human functioning mean? and "How to achieve ideal human functioning?". From these issues, the themes of "happiness", "wellbeing" and "satisfaction with life" were articulated and discussed and their implications for the achievement of this ideal functioning state; the role of "personal virtues" and "strengths of character" as drivers of personal development. In addition, some practical and theoretical examples of how this can be applied in different contexts of life have been exposed. We conclude that the techniques and positive theory offer great possibilities for transformation and there is also a need for further studies that increasingly strengthen the knowledge and dissemination of positive psychology.

Keywords: positive psychology; happiness; positive and behavioral techniques; wellbeing.


RESUMEN

Los aspectos positivos de las experiencias humanas se están convirtiendo en un objetivo de interés cada vez mayor en el campo de la psicología. Esto se debe al advenimiento de la psicología positiva, que intensificó las investigaciones sobre el tema y permitió comprender sus aspectos de una manera mucho más científica. En este sentido, esta investigación se configura como una revisión bibliográfica de la literatura, que utiliza varios escritos como base para discusiones relacionadas con el "funcionamiento humano ideal", partiendo de los supuestos teóricos y prácticos de la psicología positiva y cognitivo-conductual, para explicar las posibilidades que estos enfoques pueden brindar para favorecer el potencial y el desarrollo humano. Los resultados apuntaron a dos preguntas orientadoras: "¿Qué significa" funcionamiento humano ideal "? y "¿Cómo lograr el 'funcionamiento humano ideal'?". A partir de estas preguntas, se articularon y discutieron los temas de "felicidad", "bienestar" y "satisfacción con la vida" y sus implicaciones para el logro de este estado de funcionamiento ideal; el papel de las "virtudes personales" y las "fortalezas de carácter" como impulsores del desarrollo personal. Además, se expusieron algunos ejemplos prácticos y teóricos de cómo esto se puede aplicar en diferentes contextos de la vida. Se concluye que las técnicas y la teoría positiva ofrecen grandes posibilidades de transformación y también es necesario realizar más estudios que fortalezcan aún más el conocimiento y la difusión de la psicología positiva.

Palabras-clave: psicologia positiva; felicidad; técnicas positivas y conductuales; bienestar.


 

 

Introdução

A Psicologia Positiva é um campo de estudos da Ciência Psicológica que propõe investigações sobre os fatores que contribuem para uma vida mais saudável, feliz e realizada (bem-estar), em resposta às tendencias de outras áreas da Psicologia que têm como foco a compreensão e a investigação de formas para solucionar aspectos psicopatológicos da vida humana (Campos, Faria, Reppold, Tocchetto, & Zanini, 2019). Durante a passagem das Grandes Guerras Mundiais, a Psicologia "parece ter perdido o seu norte", voltando-se quase que exclusivamente para investigação destes aspectos relacionados ao adoecimento psíquico, deixando de lado importantes questões que também concernem à vida humana e que se mostram de igual importância na busca por um estado ideal de funcionamento dos seres humanos, tal como a Felicidade e o Bem-Estar, que outrora já eram discutidos por diversos pensadores do passado (Leimon, & McMahon, 2017). A busca pela felicidade é e sempre foi uma constante, mesmo que representasse uma questão de difícil compreensão ou uma variável irrelevante às investigações científicas por ser considerada, durante algum tempo, como fruto do senso comum. Deste modo, o que se entendia por "felicidade" foi sofrendo alterações com o passar dos anos (e continua se alterando mesmo hoje) na tentativa de abranger os aspectos que se mostraram benéficos na tentativa de alcance de um estado de satisfação e bem-estar (Boccalandro & Camalionte, 2017). Atualmente observa-se que, cada vez mais o "ter" é adotado como principal ideal/maneira de se obter a felicidade, como afirmam Cortella, Karnal e Pondé (2019). Os pequenos prazeres, como as boas leituras e as conversas com os amigos, se tornaram insuficientes para o alcance da tão almejada felicidade, quando se tem tantas opções disponíveis de objetos e atividades no mercado. Hoje acredita-se ser necessário um grande emprego de energia para ser feliz e, cada vez mais acredita-se que a felicidade se encontra "no estreito do cansaço, das possibilidades e do fim".

Dentre outras coisas, a psicologia positiva, campo de estudos que é comumente relacionado ao estudo da felicidade e "as coisas mais favoráveis aos seres humanos", não a investiga exclusivamente, nem desconsidera os aspectos negativos e dolorosos das vivencias humanas, mas busca dar um lugar de maior destaque às características positivas e favoráveis daquelas (Dellazzana-Zannon, Fabretti, Rocha, Wechsler, & Zannon, 2020). As Emoções Negativas também apresentam importância na regulação e autopreservação da vida humana, sendo descritas por especialistas como mecanismos de defesa herdados das épocas mais primitivas ao surgimento dos seres humanos na Terra. Antigamente era necessário estar atento e "sempre esperar pelo pior" para que fosse possível garantir a segurança e a sobrevivência da espécie frente aos perigos do mundo primordial. No entanto, ainda hoje, os sujeitos contemporâneos continuam se resguardando de perigos que podem nem mesmo existir, que podem ser frutos do modo como foram criados ou da maneira como o seu ambiente age sobre si (Oliveira, 2017), o que impede que, muitas vezes, consigam alcançar a plenitude e o seu funcionamento ideal. Daí vem a importância das intervenções voltadas ao bem-estar e a melhores condições de vida: auxiliar na obtenção de ferramentas que favoreçam (ou mesmo permitam) as vivências humanas e o pleno desenvolvimento das potencialidades que os sujeitos apresentam.

 

Um breve histórico da Psicologia Positiva e o estudo das potencialidades humanas

O campo de estudos da psicologia positiva foi fundado propriamente em 1998, por Martin Seligman, que ocupava o cargo de presidente da Associação Americana de Psicologia (APA) na época. Desde então o assunto "bem-estar" começou a receber maior atenção pelos pesquisadores e se tornou foco de diversas pesquisas mundo afora, embora já tivesse sido tratado por alguns autores anteriormente. Seligman (2019) aponta que, mesmo que o assunto "felicidade" e "bem viver" já fosse discutido há algum tempo antes da criação do novo campo de estudos, especialmente pelas psicologias de cunho humanístico, não possuía o "respeito merecido" pela comunidade científica. Por conta disso, muitas críticas se instalaram no seu entorno, e questionamentos que perduram até os dias de hoje. Foi pela investigação de questões como a moral, a ética, os costumes e a biologia que alguns autores compuseram o arcabouço teórico que daria origem, posteriormente, à chamada psicologia positiva. Peterson e Seligman, por exemplo, partiram das antigas tradições, presentes nos mais diversos povos, e especialmente descritas pela religião, com sua enorme carga de valores e crenças, para a compreender o que é "certo/ errado", virtuoso, moralmente aceito e favorável ao bem-estar comum. Como resultado, conseguiram estabelecer importantes pressupostos que serviriam de base para o novo campo de estudos dos aspectos positivos dos seres humanos (Dametto, 2017). Em 1992 haviam apenas 216 artigos publicados com assuntos relacionados à psicologia positiva. Em 2011 estes artigos chegaram há 2300 publicações, atingindo também a novas disciplinas além da psicologia, como a psiquiatria, neurociências, saúde e o mundo dos negócios. Além disso, os conceitos da psicologia positiva começaram a ser utilizados em novos segmentos da vida humana, como por exemplo nas atividades educacionais, organizacionais, humanas, econômicas e/ou políticas além da clínica tradicional (Seligman, 2019).

 

Metodologia

Caracterização da Pesquisa

Esta pesquisa possui cunho bibliográfico, nutrindo-se de conteúdos escritos relacionados ao tema e os descritores "Psicologia Positiva"; "Psicologia Cognitivo-Comportamental"; "Bem-Estar"; "Forças Pessoais"; "Felicidade"; "Bem-Estar Subjetivo" e afins. Foram obtidos por meio de artigos, teses de dissertação e livros, para que, junto dos pensamentos de autores pertinentes à discussão, fosse possível discutir, comparar, analisar e descrever algumas das contribuições dos campos da Psicologia Positiva e da Psicologia Cognitivo-Comportamental para a compreensão do que seria o "Funcionamento Humano Ideal" e como alcançá-lo.

Embasamento teórico

Teoria Cognitivo-Comportamental

Tem como foco de trabalho a tríade Comportamento-Emoção-Sentimento, buscando  atuar  frente a distorções que possam levar ao adoecimento e ao aparecimento de psicopatologias. Seu modus operandi consiste em identificar e reestruturar estruturas cognitivas por meio do uso da conceitualização e a utilização de técnicas e práticas que levem a uma visão mais coerente de si, do outro e do mundo, em sessões estruturadas ou semiestruturadas e focalizadas na questão que o sujeito traz à terapia (Silva, 2020).

Psicologia Positiva

Visa "expandir os horizontes" da Psicologia, mostrando um novo ponto de vista para a resolução dos conflitos de uma pessoa. Para isso, busca compreender as emoções positivas, aprimorar as forças e virtudes de um sujeito e reduzir as suas fraquezas, encontrando significado em suas ações direcionando à uma vida mais feliz (Silva, 2020). Possui técnicas e estratégias que visam trazer maior qualidade de vida, de maneira simples e eficaz, atuando nas crenças do indivíduo de modo a corrigir distorções e introduzir novas atitudes mais foventes (Portella, 2014). Estas abordagens teóricas apresentam grandes afinidades, por isso, podem ser utilizadas conjuntamente, fornecendo suporte para intervenções que visem uma maior clareza nos pensamentos, crenças mais funcionais e uma maior qualidade de vida.

Coleta de dados

Foram utilizados 10 artigos, 2 teses de dissertação e 7 livros e capítulos de livros (Σ=19) para a construção do corpo do texto, localizados nas plataformas Portal CAPES, Scielo, Google Acadêmico, dentre outras. As produções foram selecionadas segundo os critérios de pertinência e atualidade.

 

Resultados e discussão

Como resultado das investigações, obtiveram-se diversas informações relevantes à temática, que puderam ser sintetizadas em duas questões norteadoras para reflexão dos aspectos propostos por este estudo: "O que significa o 'Funcionamento Humano Ideal'?" e "Como alcançar o 'Funcionamento Humano Ideal'?" (exemplos práticos e teóricos), apresentadas nas sessões abaixo de modo mais aprofundado. A partir delas foi possível explorar as diferenças entre felicidade e bem-estar; a importância das forças de caráter e virtudes pessoais no alcance do funcionamento humano ideal; contrapontos entre a realidade objetiva e o ideal de felicidade; dentre outros; trazendo também exemplificações presentes no recorte de literatura utilizado.

Mas o que significa "Funcionamento Humano Ideal"?

Pode-se afirmar que o "Funcionamento Humano Ideal" é sinônimo da Plena Felicidade? Não exatamente. Alguns filósofos como Santo Agostinho e Kant afirmam que a Felicidade é "o objetivo derradeiro da vida humana", não obstante, encontra-la e mantê-la é uma tarefa bastante complexa. Na verdade, a felicidade trata-se de uma construção e envolve múltiplos fatores, tais como razões sociais, comportamentais e psicológicas, demonstram Oliveira (2004) e Cutler (2000). Dalai Lama, representante do Budismo, afirma que não é pela religião, ou mesmo por uma ou outra religião, que se alcança a Felicidade. Ela é alcançada por meio dos esforços de cada pessoa, a autodisciplina e pelo sentido que se atribui à vida, de acordo com aquilo que se busca (Cutler, 2000). Na verdade, a felicidade não é resultada de "forças externas" ao ser humano, mas um fruto das potencialidades que existem dentro de cada um. Seligman (2012) teorizou inicialmente a felicidade como um sinônimo de satisfação. esse sentido, "se estou satisfeito com a minha vida eu sou feliz". Porém, com o passar do tempo, verificou que a satisfação de vida não depende somente da felicidade, mas de uma gama de fatores que se conjugam em prol desta satisfação. A este conjunto de condições deu-se o nome de "bem-estar". Com o estabelecimento de um conceito de bem-estar, o autor buscou descrever alguns critérios necessários para o seu alcance, sendo eles: a presença de emoções positivas, engajamento, sentido, relacionamentos positivos e realizações. Isto mostra que, embora a felicidade seja muitas vezes descrita como o "ponto central" da psicologia positiva, o bem-estar é, na verdade, o foco desse campo de estudos. Ainda assim, não se pode desconsiderar a importância que a felicidade possuiu nos avanços da teoria positiva, por representar uma componente real e mensurável do próprio bem-estar (Seligman, 2012). Ao lado disso, juntamente com Peterson, Seligman propôs, após a análise e a investigação de diversas condutas e comportamentos humanos, os conceitos de "forças" e "virtudes pessoais", que representam suportes para o engajamento (um dos principais critérios para o bem-estar), presente nos seus protótipos e na derradeira Teoria do Bem-estar. Estes são: sabedoria/conhecimento, coragem, amor/humanidade, justiça, temperança e transcendência, e as suas subdivisões mais específicas (Leimon, & McMahon, 2017; Seligman, 2012). Todas estas Forças e Virtudes estão presentes em cada pessoa, organizadas de maneira singular e específica em cada qual, o que leva à delimitação dos "pontos fortes" e dos "pontos fracos" dos sujeitos. Com base nestes princípios é possível estabelecer metas e objetivos terapêuticos para intensifica-las e assim alcançar o chamado "Estado de Fluxo" - Flow, um estado de energia, de força e de animação, que gera grande felicidade (Leimon, & McMahon, 2017). Assim, encontrar a Felicidade mostra-se como algo particular, exclusivo de cada pessoa, pois, "o que lhe faz feliz pode não me fazer feliz". Na verdade, tudo o que Seligman teorizou e buscou compreender e demonstrar pelos seus pensamentos é relacionado ao "Florescer", um ato particular, pessoal e subjetivo; um encontro consigo mesmo, autêntico e verdadeiro na medida que revela as potencialidades de um sujeito (Seligman, 2012). Este é um grande desafio da Psicologia Positiva: compreender como se articulam e como otimizar os cinco fatores (emoção positiva, engajamento, sentido, realização e relacionamentos positivos) de modo a gerar mudanças construtivas na vida das pessoas. Por outro lado, em tempos como os que vivemos hoje, a "liquidez" dos valores e necessidades tornam o encontro do "funcionamento ótimo" um sonho de difícil de ser alcançado. Ferdinand

Tönnies, Georg Simmel e Erick Hobsbawm apontam, desde algum tempo, as alterações radicais que vêm acontecendo nas estruturas e dinâmicas das sociedades atuais, apontando aspectos que se mostram bastante preocupantes quanto a questão discutida. O homem moderno/contemporâneo busca valer-se das coisas, desejando tornar-se um sujeito autossuficiente, porém individualizado e consumista, pensando poder se sustentar naquilo que pode possuir (Feitosa, 2018). Ora, não seriam as comunidades construídas por pessoas que se ajudam mutuamente nas muitas limitações que os sistemas de convívio possuem? Muitos parecem se esquecer que pouco se pode fazer sozinho no mundo contemporâneo. A moda traz a ilusão de que a felicidade é produto do consumo de itens e bens, dos padrões midiáticos e do "descarte do que não é bom", levando a acreditar que isso basta para garantir-se tudo aquilo que é preciso, algo que leva a insustentável condição de um ser que se esforça para alcançar o que que não se pode possuir. O destino final desse sujeito é o esgotamento, a frustração ou mesmo a morte (Feitosa, 2018; Cortella, Karnal, & Pondé, 2019).

Como alcançar o "Funcionamento Humano Ideal? O que dizem as pesquisas sobre os aspectos positivos das vivências humanas

Assim como feito no passado, ainda hoje buscamos maneiras de encontrar a verdadeira felicidade e o bem-estar. Neste sentido, várias são as contribuições das práticas positivas (e cognitivo-comportamentais) para o desenvolvimento e o estabelecimento de um estado de bem-estar para os sujeitos que as exercitam. Os autores Dellazzana-Zannon, Fabretti, Rocha, Wechsler e Zannon (2020) afirmam que as pessoas que possuem os mais altos -íveis de bem-estar subjetivo são também aquelas que apresentam os maiores níveis de satisfação com a vida. Além disso, exibem alta frequência de afetos positivos e baixa frequência de afetos negativos. Do mesmo modo, o inverso é verdadeiro quando se observa as pessoas com os mais baixos níveis de bem-estar subjetivo. Dell'Aglio e Silva (2018) verificaram que os adolescentes que apresentam maiores níveis de Bem-Estar Subjetivo (BES) são aqueles que passam pelo conturbado período da adolescência com maior tranquilidade. De acordo com seu estudo, os meninos tendem a apresentar maiores níveis de BES com a família, amigos e maior autoeficácia. Por outro lado, as meninas apresentaram níveis menores em algumas dessas variáveis, fator que pode estar relacionado aos aspectos socioculturais que envolvem a criação de meninos e meninas. Por outro lado, verificou-se que o BES tende a diminuir com o passar dos anos, em ambos os casos, devido às cobranças do mercado de trabalho e ao mundo acadêmico que vêm se intensificando ao final da adolescência. Germer e Neff (2017), por meio de sua pesquisa, concluem a importância do cuidado pessoal e da compaixão como promotores de saúde mental. De acordo com eles, a autocompaixão, em especial, é uma poderosa maneira para aumentar o bem-estar inter e intrapessoal, pois, quando nos atentamos ao nosso sofrimento podemos mais facilmente nos compreender e compreender o sofrimento das pessoas com quem compartilhamos nossas dificuldades cotidianas. A adoção de uma atitude amorosa e equilibrada pode também evitar o aparecimento de psicopatologias que reduzem a qualidade de vida e a liberdade para agir em situações conflitantes. A gratidão mostra-se como uma importante ferramenta de ressignificação dos eventos da vida de um sujeito, principalmente daqueles que já possuem uma idade mais avançada. Argimon et al (2017) afirmam que o sentimento de gratidão permite o desenvolvimento de mecanismos que potencializam as memórias positivas, auxilia no processo de ascensão pessoal e proporciona maior bem-estar, aumentando também a sensação de felicidade. O incentivo à uma Educação Positiva mostra benefícios a todas as pessoas presentes em um ambiente acadêmico. As autoras Cintra e Guerra (2017) afirmam que uma educação com propósito, entendimento e serviço a "algo maior que si mesmo" garante grande desenvolvimento pessoal aos alunos, que passam também a enxergar novos usos e finalidades para os seus aprendizados. O incentivo ao desenvolvimento da resiliência e hábitos mais saudáveis levam a uma vivência mais profícua dentro das instituições onde se encontram esses sujeitos. Além disso, Dellazzana-Zannon et al (2020), reforçam a importância do incentivo às atividades criativas, especialmente para crianças, jovens e idosos, como uma forma de contornar vários tipos de problemas sociais. Um estudo sobre a duração das relações conjugais demonstrou que os fatores espiritualidade/religião podem, em certo nível, representar preditores para o bem-estar conjugal, satisfação com a vida conjugal, dentre outros aspectos. Goulart (2018) observou que a crença em algum tipo de religião e o compromisso com os valores destas garante longos anos de união aos casais, por oferecer estratégias de enfrentamento eficazes para as situações conflitantes que o casal pode encontrar em seu percurso conjugal. Verificou-se que, quanto mais altos os níveis de religiosidade maiores eram os níveis de satisfação no casamento e a quantidade de experiências positivas no grupo investigado. No contexto da saúde, o uso dos conceitos e técnicas da psicologia positiva mostram-se de grande valia, seja na avaliação ou monitoramento dos aspectos emocionais dos pacientes, no desenvolvimento de competências importantes para o cuidado e o manejo das condições ambientais pelos profissionais da equipe, dentre outras possibilidades. O desenvolvimento do altruísmo e da cooperação é bem-vindo para a otimização dos trabalhos, para a integração dos componentes que trabalham em prol da saúde de outras pessoas, e garantem a oportunidade de um trabalho mais significativo, beneficiando a todos que se encontram nesta atmosfera (Barron et al, 2020).

 

Considerações finais

A proposta de uma Psicologia Positiva vem trazer cientificidade a construtos que antes eram considerados como "frutos do senso comum" (e.g. a felicidade e o bem-estar). Tal condição é coerente quando se pensa em como é possível avaliar questões tão subjetivas e particulares, algo que reflete a enorme complexidade destes fatores que há tempos procura-se decifrar e mensurar. Seligman, com seus esforços e os esforços de muitos outros estudiosos, conseguiu dar à Psicologia de cunho positivo um lugar privilegiado no campo de estudos da Ciência Psicológica, disseminando e popularizando os conceitos que a ela são atribuídos, oferecendo também condições e maneiras para que os sujeitos possam se beneficiar e conseguir ganhos em diversas áreas da sua vida pelo seu uso. Mesmo com a considerável exploração dos conteúdos relacionados à Psicologia Positiva, observa-se que ainda há muito a ser aprendido em matéria de teoria e práticas psicológicas. Deste modo, conclui-se por hora que o "estado de funcionamento humano ideal" é um estado de equilíbrio, de acordo interno com as potencialidades existentes dentro de cada um, individual e subjetivo, e que tem o esforço pessoal como combustível para a mudança. Sugere-se aos futuros pesquisadores, o investimento em pesquisas relacionadas ao assunto como forma de ampliação do campo de estudos da Psicologia Positiva, para que assim consigam-se novas e oportunas informações que facilitem e aumentem as possibilidades de intervenções que promovam melhoras na vida dos sujeitos a curto e longo prazo.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Thais Lima Farah
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Cleida de Lima Vital
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João Victor Martins de Miranda
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Recebido: 14.02.21
Corrigido: 26.07.21
Aprovado: 13.08.21

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