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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.1 no.1 São Paulo  1996

 

RESENHA

 

 

Marize Lucila Guglielmetti

Psicanalista, coordenadora do ateliê do jogo e do atendimento do Lugar de Vida

 

 

VOLNOVICHJ e HUGUET,C.R. (org). Grupos, Infância e Subjetividade. Rio de Janeiro, Relume - Durnará, 1995.

Um livro sobre "Grupos, Infância e Subjetividade" é de interesse e importância para todos aqueles que estão implicados em seu trabalho com a conjunção criança/psicanálise/instituição. Não se pode deixar de ressaltar o quanto este trabalho é oportuno, na medida em que ainda é grande a carência de bibliografia a respeito do tema. Cada nova contribuição nesse campo é preciosa, porque pode cumprir a função de provocar, de alimentar a reflexão e quem sabe, de estimular a produção de novos textos.

Como está dito na abertura do texto, "o final do século confronta-nos com mudanças profundas nas estruturas político-sociais, econômicas e subjetivas, refletidas dramaticamente no campo específico da infância", pode-se pensar que tais mudanças exigem igualmente alterações dos dispositivos de tratamento. E o que sugere, num texto anterior, o próprio Volnovich:"(...) numa primeira instância porque as instituições precisam gerar diferentes formas de tratamento frente às crescentes demandas sociais e ao mesmo tempo por representar uma nova maneira de 'pensar' e teorizar a prática psicanalítica nesse novo contexto sócio-político-institucional...(Volnovich, 1991, p.24). Nada mais adequado, indicado e atual, portanto, que uma publicação que se dedique a refletir sobre abordagens institucionais e técnicas grupais.

Mas, logo vemos retomada a confrontação polêmica e já tradicional das questões "grupo de crianças x psicanálise", "grupo x subjetividade" e "psicanálise x instituição". Por consistir da reunião de textos de vários autores, possivelmente referidos a linhas teóricas diferentes, o livro faz aparecer a polêmica com considerável força e, ao mesmo tempo, um certo receio. Como se observa no texto de Esther Misgalov: " (...) ser 'diferente' para diferenciar-se implica que, além da transgressão se é culpável por ocupar o lugar do pai".

Ainda que, como consta do texto de apresentação do livro, a intenção seja a de constituir "(...) uma heterogeneidade em que o saber técnico-específico pode ser relativizado e dirigido para possibilidades instituintes (...)" e que a diversidade de posições proponha ao leitor o interessante exercício de administrar a diferença, a descontinuidade e a oposição, o fato é que, como já lembrava Volnovich em 1991, ainda persiste a oposição que ganhou força na década de 60 "por parte daqueles que sustentavam um saber hegemônico e tecnoprático", condenando toda prática grupalista como "não sendo psicanálise" ou afirmando que a psicanálise só pode ser "individual como prática terapêutica" (Volnovich, 1991, p.23-4).

Além de um documento em que a Sociedade Brasileira de Estudos e Pesquisa da Infância (Sobrepi) declara seus princípios, "Grupos, Infância e Subjetividade" reúne textos como o de Ana Celí Huguet, em que a questão do "desejo" é o pano de fundo do relato de uma experiência de duas décadas de atendimento de crianças em grupo e da reflexão sobre ela, e trabalhos como o de Emilce Dio Bleichmar, no qual a autora toma como questão a dificuldade histórica de articular os domínios do intrapsíquico e do intersubjetivo - a seu ver co-determinantes do acontecer grupai - e destaca "o desejo de reconhecimento narcísico" como um dos elementos gerais de qualquer relação grupai.

No nível sócio-político-econômico situa-se o alvo de atenção principal dos trabalhos. Trata-se do conceito de "atravessamento", abordado de forma especial nos textos de A.C. Huguet, de J. Volnovich e de M. U. de Viñar. Mais especificamente, no âmbito das instituições psicanalíticas, E. Misgalov enfoca o conceito de atravessamento do ponto de vista de seus reflexos na função do analista.

Enquanto Eduardo Pavlovsky examina a função da criatividade como técnica dentro da clínica e em oposição ao jogo em seu sentido mais tradicional, Jorge Volnovich traz três exemplos de evidências de atravessamentos em diferentes eixos das situações institucionais, tratando também da caracterização dos conceitos de atravessamento e transversalidade. E Antonio Lancetti, embora reconhecendo as dificuldades teórico-clínicas existentes na implantação das psicoterapias grupais com crianças, reconhece sua industicutível eficácia, o que o leva a colocar em discussão esse dispositivo terapêutico.

Dos aspectos desenvolvidos em "Grupos, Infância e Subjetividade", três merecem especial destaque. Em relação à questão "grupo de crianças", no sentido da grupalidade propriamente dita, destaca-se a afirmação contida no texto da Sociedade Brasileira de Estudos e Pesquisa da Infância (Sobepi), segundo a qual "(...) para uma criança nada melhor do que outra criança. Isto quer dizer que centramos nos mecanismos grupais as possibilidades transformadoras de uma realidade por parte das próprias crianças." E do texto de A. Lancetti extrai-se o seguinte trecho: "(...) compreendemos que as crianças curavam-se apesar dos terapeutas."

De fato, a experiência clínica com grupos evidencia que há algo, que há certos efeitos de uma criança sobre a outra que são precisos, decisivos, pontuais e que escapam às possibilidades de intervenção do adulto. Talvez pudéssemos traduzi-los como algo da ordem das "forças potencializadoras", "ressonâncias", "detonadores" etc. O fato é que estes efeitos costumam ser tão significativos que justificam a utilização dos grupos de crianças, ainda que sem maiores esclarecimentos a respeito deste fenômeno.

Quanto à questão das "Intervenções" e da "função do coordenador" dos grupos, encontramos basicamente duas posições. Por um lado, há aqueles que, como Eduardo Pavlovsky, defendem a posição de que a coordenação testemunha o processo em curso, apoiando-se na convicção de que do caos emergirá uma nova ordem, o novo sentido, tornando-se possível então suportar a falta (de sentido aparente), o vazio. Ou, como afirma Volnovich, o brincar livremente favorece a passagem ao ato, pois "não existe grupo terapêutico sem que algo do corpo das crianças e do terapeuta entre em jogo". Não se trata do catártico, mas o brincar coloca em questão a dinâmica do desejo, sendo o corpo e os seus "atos" valores simbólicos desse desejo.

Também A. Lancetti afirma que uma das condições básicas do funcionamento eficaz dos grupos exige que "o terapeuta deixe de ser o líder e apenas o 'colocador de limites' ou o 'animador' do grupo e disponha-se a um mergulho expressivo, dada a velocidade do acontecer grupai, para que possa intervir nos fatos menos visíveis e mais decisivos". Em posição contrária a esses autores está Emilce Dio Bleichmar. Para ela, grupo é uma situação de trabalho psíquico em que são oferecidos "enquadres de simbolização e figuração" enquanto "substituição, mediação e distanciamento da ação direta". Pois, a ausência de algum referencial, algum sistema de representação moderador parece propiciar o predomínio "do impulso motor, da ação transgressora, da desorganização". Esta é sem dúvida uma questão muito presente no dia-a-dia dos atendimentos e que deixa muitas dúvidas aos terapeutas e coordenadores.

Refletir sobre esta questão exige que ela seja deslocada para outro plano, ou seja, há uma questão de fundo que antecede a esta (que é a ponta do iceberg). Então, "o que fazer", ou seja, a tática a ser utilizada num determinado momento, pode depender da estratégia que está em jogo, em termos, por exemplo, do discurso que está operando (com seus elementos e lugares).

Neste sentido, é interessante resgatar um artigo de Anne Lysy-Stevens, publicado nos Feuillets du Courtil, segundo o qual as intervenções podem ser pensadas num continuum tendo, em um dos seus pólos, as intervenções educativas e, no outro, o ato psicanalítico. Entre um pólo e o outro há várias possibilidades intermediárias. O terapeuta pode lançar mão da intervenção que julgar cabível , viável, adequada etc. desde que esta possibilite a continuação do trabalho.

Tomando agora o conceito de atravessamento de J. Volnovich, constatamos a sua importância no livro como um todo, dada a força de sua presença nos vários textos. O atravessamento é a rede social do instituído-organizado cuja função prevalecente é a reprodução do sistema atuante no conjunto... Este entrelaçamento, interpenetração e articulação de orientação conservadora, serve à exploração, dominação e mistificação, apresentado-as como necessárias e benéficas.

Nos processos de subjetivação,"(...) estes que envolvem as crianças e suas famílias, são produtos econômicos-políticos-sociais e libidinais em que o inconsciente constitui um lugar privilegiado de imanências e atravessamentos". Neste ponto caberia comentar o seguinte: tal como é abordado, parece correto situar o inconsciente com sua dupla face e permeabilidade ao contexto social mais amplo. A ênfase que é dada à particularização e à concretização deste aspecto, em várias situações abordadas, acaba implicando um excesso de peso da balança para o lado desse contexto social mais amplo.

Então, se por um lado esta ênfase é útil e importante porque torna visíveis com muita clareza os reflexos deste contexto mais amplo atual, permitindo não sucumbir ingenuamente a ele, de outro lado, sente-se a falta de um avanço, do alcançar de mais um elo, mais um recurso oferecido pela psicanálise mais moderna, ou seja, a leitura deste contexto mais amplo no nível da ordem da linguagem, do sujeito, do significante, da relação do sujeito com o Outro. Eis aqui um ponto no qual o livro de Volnovich deixou a desejar.

Não se pode deixar de fazer corresponder o referido contexto ao Outro. "Aquele que, anterior e exterior ao sujeito, não obstante o determina", no qual " o sujeito é tomado por uma ordem radicalmente anterior e exterior a ele, da qual depende, mesmo que pretenda dominá-la" (Chemama, 1995, p.156).

Quem conhece os trabalhos de Volnovich, nos quais ele aborda as questões relativas à psicanálise com crianças e especificamente aquelas relativas à psicose, constrói, ao deparar com este livro, a expectativa de encontrar estas questões articuladas às questões institucionais. Nesse aspecto, contudo, a leitura do livro causa certa frustração e estranheza, pois nele não se encontra aquela articulação esperada.

Também em relação ao universo da Psicose, do Autismo e dos Distúrbios Globais do Desenvolvimento, tão presente hoje na realidade clínica, o livro organizado por Volnovich deixou a desejar, não incluindo o trabalho com esses quadros nem dentro da realidade institucional nem do dispositivo grupal.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHEMAMA, R., org. Dicionário de psicanálise. Porto Alegre, Artes Médicas, 1995.         [ Links ]

LYSY-STEVENS, A. Intervention et interpretation. Feuillets du Courtil, n.4, 1992.         [ Links ]

VOLNOVICH, J. Lições introdutórias à psicanálise de crianças. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1991.         [ Links ]

VOLNOVICH, J.; HUGUET, C. R., ORGS. Grupos, infância e subjetividade. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1995.         [ Links ]