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Estilos da Clinica

Print version ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.2 no.3 São Paulo  1997

 

EDITORIAL

 

 

No primeiro semestre deste ano, promovemos, no Lugar de Vicia, o curso Medicina e Psicanálise na Clínica dos Distúrbios Globais do Desenvolvimento. As aulas versaram sobre diagnóstico e perspectivas terapêuticas dos quadros englobados nesta categoria nosológica do ponto de vista das clínicas psiquiátrica infantil, neuropediátrica, foniátrica e psicanalítica. O convite feito aos professores para que expusessem o conteúdo das suas aulas na forma de artigos deu origem ao dossiê que ora apresentamos, sendo que os textos que tratam do cruzamento da psicanálise com a medicina foram ali inseridos, ao passo que os textos que não tratam deste cruzamento figuram como artigos no corpo da revista.

A querela suscitada pela fórmula psicanálise e medicina data dos primeiros textos escritos por Freud, tendo prosseguido e alcançado nossos dias, apresentando-se sob a forma de dicotomias tais como "orgânico ou mental", "constitucional ou ambiental" e até mesmo "biológico ou funcional". Observamos no cotidiano compartilhado com os colegas, porém, que em larga medida tal clicotomia reside no desconhecimento que profissionais de um campo têm do outro, contribuindo assim para a institucionalização dos saberes e da competência dos respectivos campos, construindo versões suas que então passam a ser tradicionais, tidas como familiares ou sua propriedade, afastadas da clínica portanto. É essa a etiologia da "doença do sentido único", cujos sinais clínicos são a profecia, por parte dos profissionais de cada campo, da sua semiologia como sendo a única possível, sua terapêutica como sendo a única eficaz e, o mais mórbido e prevalente desses sinais, o desconhecimento das demais especialidades que se ocupam destes ca- sos, assumindo uma postura de contraricdade ou de negação em relação às mesmas: note-se que, além de referirem-se a coisas diferentes com o mesmo nome - autismo, por exemplo -, médicos e psicanalistas não fazem muitos esforços para compreenderem-se mutuamente.

A complexidade dos casos que estamos considerando, por sua vez, coloca-nos questionamentos constantes a respeito da origem e sentido dos sintomas que se nos apresentam. Ainda, as especialidades que supõem que haja algum tipo de contato ou relação entre profissional e paciente para que o trabalho ocorra têm experiência acumulada suficiente para notar-se que entre a compreensão teórica do caso e a entrada em relação com o paciente - relação que faça sentido não apenas para o profissional a partir da sua compreensão, mas também para o paciente a partir do que vive - há um longo caminho a ser percorrido. Estas situações confrontam-nos com nossas limitações, suscitando-nos uma "angústia de não-saber que no mais das vezes leva-nos a reduzir a complexidade do caso a algum aspecto conhecido ou catalogado seu, quando na realidade qualquer especialidade está longe de esgotá-la.

A clínica impõe, a partir do contato que estabelecemos com nossos pacientes, a necessidade de que assumamos uma postura de abertura: para os pacientes e para as diversas formas de compreendê-los que possam contribuir para o seu restabelecimento... mantendo-se a perspectiva e a identidade de cada um, contudo.

Esperamos, com este dossiê, estarmos mais uma vez propiciando a continuação do debate entre as diversas especialidades que tratam dos distúrbios globais do desenvolvimento, no sentido de que se situe cada clínica como um estilo.

 

Rogério Lenier