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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.3 no.4 São Paulo  1998

 

EDITORIAL

 

 

Há 30 anos, milhares de manifestantes protestavam no Central Park contra a Guerra do Vietnã; no Rio de Janeiro, cem mil engrossavam uma passeata contra o regime. No México, na Argentina... Nas ruas de Paris, as barricadas do desejo levantavam-se na noite. Assim, 1968 fez historia à sua maneira. Em setembro de 1969, Maud Mannoni, junto com um pequeno grupo de psicanalistas, educadores e de jovens estudantes, deu mais uma vez prova do mais acabado realismo humano, lançando-se na batalha do impossível. Assim, recusando a resignação à qual nos condena o establishment psiquiátrico e pedagógico com suas pseudo-políticas do possível, fundaram a École Expérimentale de Bonneuil-sur-Marne, com o objetivo de possibilitar que crianças e adolescentes, excluídos de uma sociedade cada vez mais escolarizada como a francesa, viessem a usufruir de uma educação capaz de lhes mudar a vida. Bonneuil, como assim é simplesmente chamada por todos aqueles que pelo menos alguma vez passaram por esse "lugar para viver", é um lugar como poucos, pois seu dia-a-dia está animado por uma freudiana convicção, qual seja, a de que o irredutível mal-estar da civilização não justifica que nenhum homem se converta no lobo do homem. Maud Mannoni, até sua morte em 15 de março de 1998, esteve na linha de frente da batalha pela sobrevivência de uma Bonneuil sempre acuada pela mania de arregimentar a infância em nome do suposto e moderno pragmatismo implicado em toda econométrica fórmula custo-benefício. A leitura de seus livros, a lembrança de sua pausada palavra, manterão sempre viva aquela que foi sua luta para manter o caráter experimental de sua escol(h)a. A École de Bonneuil é, como algumas outras coisas da vida, uma experiência que não pode ser copiada, que não pode ser repetida pedagogicamente e que não pode ser reproduzida como mercadoria. Bonneuil possui um dom singular, qual seja, o de nos convocar a fazer apenas de modo diferente do que encontramos sempre aí à beira da vida.

Ao terem notícia de sua morte, alguns lembraram Mannoni como uma passionária, outros como uma militante sem partido. Que paixão a alimentava? Qual era sua causa? Em 1997, na Fête de l'Humanité, Mannoni encerrou o debate do qual participava com esta pergunta: "Quais lutas somos ainda capazes de sustentar para transmitirmos à nossa descendência o simples desejo de viver?" Talvez essa coisa, chamada não-resignação, tenha alimentado a simplicidade dessa mulher, nascida Magdalena Vander Spoel no dia 22 de outubro de 1923, em Courtrai (Bélgica).

Nesta oportunidade, Estilos da Clínica coloca nas mãos do caro leitor um dossiê dedicado a Bonneuil. Nele se lerão depoimentos de profissionais de diferentes partes do mundo que estagiaram em Bonneuil, um texto inédito de Mannoni e uma entrevista com ela, bem como entrevistas com alguns dos principais membros de sua equipe - M. José Lérès, Lito Benvenutti e Alain Vanier. Com este dossiê, que já estava em preparação quando se soube da morte de Mannoni, os editores esperam prestar-lhe uma homenagem.

1968... Mannoni... Bonneuil... Após 30 anos, está um pouco maior a lista impossível dos nomes do desejo.

 

Os editores