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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.3 no.5 São Paulo  1998

 

RESENHA

 

Cuadernos de pedagogía rosario. Revista do Centro de Estudios en Pedagogía Crítica Rosario (Argentina)

 

 

Daniel Revah

Mestre em Sociologia - USP Doutorando em Educação - FEUSP

Dirección para correspondência

 

 

Cuadernos de Pedagogía é uma publicação semestral do Centro de Estudios en Pedagogía Crítica, que iniciou suas atividades em 1995, na cidade Argentina de Rosario. Lançada em 1997 e com três números publicados, a revista apresenta artigos escritos por pesquisadores e docentes de universidades argentinas e de outros países, alguns deles membros do centro de estudos. Contém ademais uma ou duas entrevistas e uma seção de resenhas bibliográficas.

Embora a tônica seja dada pelas questões educacionais, o leque de assuntos em pauta é bastante amplo, em geral tendo como referência - mais ou menos explícita - problemas contemporâneos. Discutem-se a globalização, o neoliberalismo, a modernidade e a pós-modernidade, as políticas educacionais nesse cenário e todo um conjunto de temas que remetem para diversos campos teóricos, tais como filosofia, psicanálise, história.

"É preciso educar, sem demora", lembra-nos o editorial que abre o primeiro número. Embora cientes dessa exigência e da ausência que ela supõe, os articulistas em geral não atendem a esse pedido com fórmulas ou respostas que possam ser objeto de instrumentalização imecliata. Antes, tendem a evitar esse caminho, delineando um campo de questões e perspectivas que podem nutrir e informar uma pedagogia crítica - que é a razão de ser do centro que promove a publicação, embora ela não seja objeto de debate explícito na maioria dos artigos. Nessas reflexões não faltam referências à Escola de Frankfurt, Gramsci, Freud, Paulo Freire e a autores que, alinhados nessa mesma tradição do pensamento crítico, não foram seduzidos pelos consensos do presente.

Aliás, os consensos atuais são o alvo privilegiado de vários artigos, como o de Carlos Alberto Torres, intitulado "Estado, privatización y política cultural. Elementos para una crítica dei neoliberalismo", e que pode ser encontrado no primeiro número da revista. De início, discute a noção de Estado, retomando a idéia de Estado Liberal e o Estado de Bem-Estar Social, para então tratar da transição para o Estado Neoliberal e a sua relação com a globalização do capitalismo. São examinadas, em particular, as políticas educativas neoliberais, incentivadas e promovidas por instituições como o Banco Mundial, cujo papel - como bem lembra o autor - não é exatamente oferecer doações, pois, fato óbvio mas nem sempre evidente, trata-se de um Banco e, como tal, o que ele oferece são empréstimos. A interferência desse tipo de agências de "cooperação" nas políticas públicas relacionadas com a educação são objeto de análise e crítica, sem cair no entanto em posições dogmáticas.

Alguns textos, que não perdem de vista as questões relacionadas com o neoliberalismo e a globalização da economia, deslocam a discussão para um outro registro, como é o caso do artigo "Refundamentación político-pedagógica de la educación popular en la transición al Siglo XXI", de Adriana Puiggrós, no segundo número da publicação. Embora se faça alusão à formação do Mercosul; o debate coloca no centro o que ela chama de "espectros", como o da "integração frustrada", que nos perseguem, "reaparecendo na noite latinoamericana". É instigante o modo como a autora procura pensar a educação, ao defini-la como "uma forma de fazer o tempo e a história". É por essa mesma trilha que segue o artigo "La operación pedagógica", de Estanislao Antelo, presente no mesmo número da revista, onde explora três proposições inspiradas naquela idéia: "educar é uma das formas de conjugar o verbo ser", "educar é uma forma de operar sobre as heranças" e "educar é uma forma da memória".

A memória, o tempo, a história são temas que perpassam vários textos, como o de Félix de Azúa, "Para qué leer?", no primeiro número. O ponto de partida é uma preocupação recorrente no discurso dos adultos: os jovens de hoje dedicam pouco ou nenhum tempo à leitura. Invertendo esse ponto de vista, ele sustenta que na verdade são os adultos os que sofrem um processo de infantilização, são eles os que menos lêem. Criticando a visão utilitária e quantitativa da leitura, própria desse olhar "que não tem tempo para nada que não seja prático", entende a "desaparição da leitura" (ou, como ele próprio afirma, o seu "deslocamento") como um "bloqueio ou ocultação da presença dos mortos". Antes, os "livros não eram uma mercadoria sujeita a índices de produção e consumo, senão depósitos de memória coletiva". "Ler era (é) consultar com os mortos. Na leitura, alcança-nos a voz dos antigos". A questão não é, segundo Azúa, o fato de que hoje se leia menos, mas sim que se lê de outro modo, pois a leitura está ancorada no "puro presente". O livro é primeiramente um bom investimento. É desse modo que "a voz dos antigos se apaga".

A voz do passado ressoa sobretudo em alguns textos, como o que resulta de uma breve entrevista com uma professora, já idosa, ao contar sobre as suas lembranças da escola, nos anos 20, na Argentina, quando o caderno era um bem precioso, junto com uma pequena lousa que toda criança possuía, antes de ingressar na escola ("Rosita Ziperovich ...una voz relato", no primeiro número do periódico).

Enveredando pela psicanálise, sem no entanto abandonar o viés histórico, o artigo de Alicia Calderón de la Barca, também no primeiro número, indaga: "que querem saber as crianças?", colocando no centro da discussão a problemática do desejo. Começa lembrando que tornar-se sujeito "é algo a alcançar ,não é algo dado" e que é o Outro social, pré-existente, que estabelece as condições de constituição do sujeito, isto é, a criança é falada pelos adultos antes de aprender a falar. E essa maneira de ser falado não é sempre a mesma, muda historicamente, assim como mudam os ideais. Quanto ao que a criança quer saber, o que a ela radicalmente lhe interessa, é saber o que representa para o "Outro-pai-mãe, etc", isto é, o que ela representa no campo do desejo do Outro. É essa falta de saber que a mobiliza em busca de respostas. Estas, sobretudo as que de maneira insistente toda criança repete e para os quais os adultos não têm propriamente respostas, indicam precisamente o que toda criança procura: "um índice de reconhecimento de seu desejo e isto só é possível se o Outro não tem uma resposta. O silêncio funciona como enigma e é aí onde a criança vai construir um saber".

De certo modo, é também nesse ponto que esta publicação procura se instalar, isto é, no lugar do enigma, onde toda resposta parece lançar uma outra pergunta, realimentando assim a cadeia de significantes cujo efeito é ressignificar o presente. Como afirma Tomás Abraham, no segundo número da revista, no artigo "Pensar es un disgusto", trata-se de pensar não para dar respostas, soluções, pois elas não estão à vista, antes é preciso desenhar, dar um rosto aos problemas, "colocar o problema", "abrir espaços de transformação possíveis", enfim, pensar.

Eis aí o que aparentemente pretende-se com esta publicação, apenas - e já é muito - pensar sobre a infância, a universidade, a mulher, a organização escolar, a didática e outros assuntos, nem sempre vinculados de maneira direta com a educação, mas que mesmo assim nela ressoam. Entrevistas e textos de pessoas cujo traço em comum é o de não terem sido seduzidas pelos consensos do presente.

 

 

Dirección para correspondência:
CENTRO DE ESTUDOS EM PEDAGOGIA CRÍTICA
Jujuy 1309 - 5º 9. (2000) Rosario Argentina
Telefone: 54-41-400465
E-mail: sserra@tau.wamani.apc.org /esantelo@satlink.com