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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.4 no.6 São Paulo jul. 1999

 

ARTIGO

 

O sinthoma adolescente

 

The adolescent sinthom

 

 

Jean-Jacques Rassial

Psicanalista. Prof. da Université Paris XIII - França

 

 


RESUMO

Este texto trata da adolescência enquanto momento lógico da construção do sinthoma.A partir da teoria lacaniana do sinthoma, desenvolve uma teoria do sinthoma adolescente, apresentando três de seus determinantes: o sinthoma é social, sexual e define um estado de estrutura. Este sinthoma adolescente caracteriza-se por sua mobilidade, uma vez que está em construção, e é esta construção que vai ordenar a direção do tratamento.

Adolescência; sinthoma; estrutura


ABSTRACT

This paper is about adolescence as a logic time in the constructin of the sympthom. From the Lacanian theory of the sympthom, proposes a theory of adolescent sympthom, presenting three determinants: social, sexual and structuring. This sympthom is characterized by mobility because it is in construction, which will direct the treatment.

Adolescence; simpthom; structure


 

 

Que a adolescência não seja simplesmente um tempo de reorganização imaginária das transformações anatômico-fisiológicas e de novas exigências sociais parece, doravante, já sabido. Em quaisquer termos que se formule, segundo as leituras de Freud e Lacan às quais se refira, a adolescência é concebida certamente como um segundo momento, mas não secundário, de identificação segundo as três dimensões do real, do imaginário e do simbólico.

A puberdade constitui um momento de emergência real que não se reduz às transformações físicas, mas confronta o sujeito, diretamente, ao impossível: impossível da relação sexual, prometida para mais tarde pela própria palavra que interditava a satisfação dos votos edípicos à criança, quando a genitalidade abre a perspectiva somente de um gozo fálico que não contém o gozo do Outro; impossível de limites, quando o espaço familiar, organizado pelo transicional, é aberto na direção de um infinito assustador, infinito espacial do mundo, infinito temporal da seqüência das gerações; impossível da morte quando se verifica que o pai é mortal, sem que seja necessário matá-lo, e que crescer, como esperança, é destinado à entropia do envelhecimento.

Certamente, um jogo imaginário se dá de imediato: reconstruir uma imagem do corpo que seguramente compreenda, a partir de então, esta nova genitalidade, enganadora quanto à orientação fálica do corpo, mas também mude o estatuto deste corpo que deve, ao mesmo tempo, ver se apagar todo traço de bissexualidade e encontrar valor somente numa relação defeituosa com o outro sexo. É neste campo, se o precedente foi deixado para a medicina e o seguinte para a sociologia, que abundam os trabalhos psicológicos nos quais domina a tese da adaptação imaginária às novas condições. Certamente não se trata de negligenciar a importância das modificações do eu (moi), mas não se pode concebê-las, psicanaliticamente, senão na medida do sujeito e do desejo.

Durante muito tempo insisti nos jogos simbólicos da operação adolescente: por causa de uma pane do Outro, de um defeito de suas encarnações imaginárias, o sujeito é obrigado a inventar novos nomes do pai disjuntos desta vez da metáfora paterna que constituía seu fundamento. A operação adolescente necessita ao mesmo tempo de novos significantes, ou, pelo menos, a tentativa de construí-los, o que tentaria reparar a inexistência da relação sexual então constatada, e uma nova lógica combinatória que, certamente, prolonga o fantasma infantil das teorias sexuais, mas engaja novos lugares de palavras, de objetos e de outros.

Durante muito tempo pensei que esta metapsicologia deduzida da topologia borromiana era suficiente para dar conta da patologia adolescente na sua especificidade e, principalmente, no estilo da demanda dirigida ao psicanalista, que é uma direção inversa da ordinária, pois é somente num segundo momento que a questão do objeto, e conseqüentemente do fantasma, se põe, depois da questão do valor do Outro, ou seja, da transferência.

É uma dupla constatação que conduz a uma complicação desta abordagem. Primeiramente, aquela que designo como adolescência generalizada: a clínica do adolescente implica uma complexização, ao mesmo tempo, das bases da clínica psicanalítica e de sua metapsicologia, pois é preciso levar em conta, ao mesmo tempo, um processo que não é simplesmente a repetição dos processos infantis e uma metapsicologia singular na qual as condutas, freqüentemente, substituem os sintomas. Ora, em nossa pós-modernidade, de um lado estes processos necessários não são mais, como era no tempo de Freud, diretamente associados às questões da puberdade, o que nos faz constatar as adolescências prolongadas, eventualmente designadas como estado-limite, ou, ao contrário, os questionamentos adolescentes e a posição depressiva que lhe é associada, desde o período de latência até a puberdade. Assim, estas operações adolescentes, certamente adequadas a este momento, situadas psicológica e socialmente, excedem cada vez mais um tempo dado. A adolescência, como conceito, concerne a uma realidade de processos psíquicos maior que a adolescência como período e nos informa sobre a própria construção do sujeito.

Em segundo lugar, o resultado da operação adolescente não se reduz nem a seu efeito simbólico de refundar o nome-do-pai, nem a seu efeito imaginário de reconstruir a imagem do corpo sexuado, nem a seus efeitos reais, examinados em outro lugar, de rearticular realidade e real, mas ao mesmo tempo contém todos e os ultrapassa. É neste sentido que, metapsicologicamente, a adolescência poderá ser vivida, tanto para o sujeito como para os outros, como um "segundo nascimento", ou como "entrada na vida". Nem a concepção do sintoma como compromisso, do lado neurótico, nem a do delírio como tentativa de cura são suficientes para dar conta desta questão, e compreende-se o porquê: ao redor das condutas psicopáticas e da drogadição/dependência química, por exemplo, foi construída uma psicopatologia que, ao mesmo tempo, multiplica os perfis de personalidade (narcísicas, drogaditas/dependentes, etc.) e os submete à nova classe de estados-limites.

Ora, Lacan, nas suas últimas elaborações, propõe-nos um novo significante, sinthôme, que abre toda uma série de novas perspectivas psicopatológicas, metapsicológicas e práticas, que examinarei rapidamente para apropriá-lo a uma hipótese: a adolescência é o momento lógico de construção do sinthoma.

O que reter aqui desta teoria lacaniana do sinthoma? Primeiramente, que ela faz vacilar a psicopatologia que poderíamos deduzir dos avanços precedentes de Lacan e, em particular, confronta-se com a solução de continuidade, reducionista em muitos leitores, entre neurose e psicose. De fato, se o nó borromiano, de um lado, dá conta idealmente da neurose, unificado como o nó de trevo, na psicose, de início paranóica, a realidade clínica é mais complexa e, como nos lembra Lacan, "não é um privilégio ser louco", pois "na maioria, o simbólico, o imaginário e o real estão enredados". Desta forma, para constituir esses três espaços virtuais, numerosas combinações nodais são possíveis, que devem ser reparadas por um quarto fio (na neurose), um segundo (na psicose), um terceiro, talvez1, fio que mantém uma coerência do nó. Em seguida, este quarto nó, do sinthoma, tem duas características: em primeiro lugar, ao mesmo tempo uma vez construído ele participa da estrutura, mas só pode vir lógica e cronologicamente depois de uma primeira amarração, sempre falha; em segundo lugar, e aqui eu levo Lacan para além do que ele propõe, este quarto nó, isolado soberbamente no caso Joyce, se ele existe, sem dúvida acidentalmente na existência do sujeito, segundo sua história, seus encontros e o real do acaso, não tem menos um caráter universal do que o insucesso da relação sexual: "A cada um o seu sinthoma como a cada um o seu par"2, e é bom chegar a este ponto, que perfaz o resultado principal da operação adolescente, se não foi anteriormente construído, seguindo uma pista já proposta por Joyce, de fato, no seu "retrato do artista jovem".

Dito de outro modo, uma teoria do sinthoma e uma teoria do sinthoma adolescente caminham juntas. Começarei a examinar, clinicamente, as qualidades deste sinthoma para concluir com duas conseqüências práticas no tratamento, e limitar-me-ei a três dos seus determinantes: em primeiro lugar o sinthoma é social, em segundo ele é sexual e em terceiro ele define um estado da estrutura.

Este sinthoma é social. Quando se pensa a adolescência, no tempo de Freud, é sob dois aspectos, o da masturbação - que retomaremos depois - e o da delinqüência e da socialização. É no seu prefácio a Juventude abandonada, de Aichhorn, que Freud distingue as três profissões impossíveis: educar, governar e analisar. E podemos considerar O mal-estar na civilização, para além do ensaio de 1905 sobre as Transformações da puberdade, como um livro maior sobre a juventude, que responde precisamente a Reich, mas também a Adler. A adolescência é o momento no qual se conflitualiza, e, às vezes, se criam os imperativos super-egóicos, da Autoridade primordial, do pai edípico e do coletivo. E uma das questões deste sinthoma é de regrar este conflito, sabendo que as condutas psicopáticas, no sentido de uma psicopatia ao mesmo tempo generalizada e transitoriamente normal, cedem à elaboração psíquica da adolescência. Essas condutas são, antes de mais nada, sinal desta dificuldade universal, na qual a qualidade do laço social se mede a partir do que se propõe como compromisso, como ligação, ali onde o "natural" empurra para o desligamento da pulsão de morte e dos ideais aniquiladores.

Este sinthoma é sexual na medida em que exige a saída do auto-erotismo, a renúncia definitiva e total à bissexualidade, o risco do exercício da castração próprio a seu sexo. É para construir este sinthoma-ele ou sinthoma-ela no lugar vazio da relação sexual, prometida pelo Édipo e que fracassa no que tange à distância entre o genital e o fálico, que se engaja o processo adolescente. Quando ele verifica que o gozo, ao qual a criança renunciou aceitando a interdição do incesto, não se reencontra nesta nova satisfação, genital, à qual ele não somente tem acesso como a obrigação de se engajar, é muito precisamente como tentativa de reparação, reparação desta não relação sexual, que serve o sinthoma, em todas as variações de sua construção.

Poderia multiplicar os exemplos clínicos, mas proporei apenas um: se a histérica tenta existir exatamente no lugar em que a Mulher não existe, ela aí fracassa freqüentemente por não guardar de sua esperança senão a frustração da qual ela se lamenta ao pai, com exceção de um caso, no qual ela constrói o sinthoma adequado, a anorexia da jovem dando sua principal consistência ao objeto de ser este nada do qual ela fica dependente, ao Outro que deixa a Mulher existir somente na borda "letal" da relação com o mundo, ao gozo de ser aquela de uma falta-de-ser à qual não substitui nenhum outro desejo a não ser o não desejo. Na adolescência, o sinthoma não toma um sentido sexual, mas substitui o significante faltante da relação sexual.

Enfim, este sinthoma define um "estado", conceito a ser preservado da tradução de borderline por estado-limite, e isto em dois sentidos, um clínico e outro teórico. Primeiramente porque a patologia do adolescente define-se raramente por sintomas, mas sim por condutas que, não localizadas, carregam o conjunto da atividade psíquica e de seus determinantes: a relação entre desejo e gozo, o estatuto do objeto, a qualidade do Outro, a construção dos ideais, etc... O adolescente em crise, crise necessária, pouco se apresenta como o neurótico para quem tudo iria bem sem o sintoma que o embaraça, mas num embaraço generalizado que o faz oscilar, ritmicamente, do tudo vai bem ao tudo vai mal, indicando um estado da estrutura psíquica. Em seguida, então, porque esta categoria do sinthôme, participando da estrutura sem constituir um elemento de base, dá sua forma, modificável, incerta e frágil, à estrutura: se a adolescência é bem este momento lógico de construção do sinthôme, concebemos que este sinthoma, longe de ser fixo, não se torna de fato um sinthoma, senão no final do processo, eventualmente.

É a mobilidade deste sinthoma que ordena o tratamento do adolescente, ou melhor, o tratamento do processo de adolescência, às vezes mais precoce ou mais tardio. De fato, é, na estrutura, este sinthoma, então em curso de construção, que é suscetível de uma mudança do feito da análise. Eu evoquei, não faz muito tempo, o que me parece uma operação deste tipo no tratamento do Homem dos lobos3 e que me parece próximo do que está em jogo em todo tratamento de adolescente ou de sujeito tomado pelas mesmas questões. Ao mesmo tempo para além ou aquém da interpretação do fantasma, é esta construção do sinthoma que ordena a direção do tratamento.

 

 

Recebido em 03/99

 

 

NOTAS

1 Veja J.-J. Rassial. Malaise dans la subjectivité, le sujet en état limite. A ser publicado, Erès, 1999.
2 Nota do tradutor: expressão idiomática a chacun sa cbacune, que indica a formação de um casal.
3 Veja J.-J. Rassial. "Ce que Freud a réussi". In Le Trimestre Psychanalytique, n° 1, 1997.