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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.5 no.8 São Paulo  2000

 

EDITORIAL

 

 

Neste momento, nos meios "psi", deparamo-nos com a eclosão de um verdadeiro "baby boom". A demanda por "saberes" nesta área manifesta-se na enorme procura por cursos, grupos de estudo, palestras, eventos, etc.

Se a histeria configurou-se como a clínica do século XIX e a psicose foi o objeto central no século XX, seria a clínica com bebês a clínica deste milênio que está por vir?

Pensando nestas questões convocamos psicanalistas implicados nesta clínica a escrever sobre o tema "leituras de bebês". O resultado, como vocês poderão ver a seguir, é bastante interessante. Obtivemos um panorama das principais preocupações e questões que rodeiam a clínica com bebês. Interdisciplina, diagnóstico e intervenção precoce, o lugar da psicanálise na clínica com bebês são questões que permeiam as produções que constam no dossiê.

Elsa Coriat inaugura o dossiê confrontando o avanço das neurociências com a estabilidade conceituai da psicanálise. Ao mesmo tempo em que confere importância fundamental à interdisciplina na clínica com bebês, delimita o lugar da psicanálise nesta clínica: contribui para que um "corpinho que padece de algum problema orgânico possa converter-se em um sujeito humano responsável por seus atos".

Marila Terzaghi e Haydeé Coriat, partem dos mesmos pressupostos que Elsa, uma vez que são também membros do Centro "Dra. Lydia Coriat"de Buenos Aires, mas centralizam sua discussão na clínica da Estimulação Precoce, seu objeto de trabalho, o papel fundamental da interdisciplina e a maneira pela qual a psicanálise permeia o trabalho interdisciplinar.

A seguir, Daniela Teperman apresenta o tratamento de um bebê realizado no Núcleo de Intervenção Precoce do Lugar de Vida seguido pelos comentários de profissionais que compõem equipes interdisciplinares dos centros Dra. Lydia Coriat de Buenos Aires e Porto Alegre. As questões abordadas nos dois primeiros artigos são agora trabalhadas a partir de um caso clínico, que vem intensificar a discussão acerca da interdisciplina, somada à questão diagnóstica suscitada pela apresentação.

Julieta Jerusalinsky e Lea Salles dão destaque à atuação dos psicanalistas junto aos pais e à equipe de profissionais nas UTIs neonatais. Julieta aborda a especificidade da Intervenção Precoce na UTI, na qual o principal objetivo é que um neonato possa tornar-se um bebê. Lea, utilizando a psicanálise como chave para uma leitura do processo de idealização da figura da mãe - idealização que a seu ver "carrega um barril de pólvora, prestes a estourar"- aponta os perigos da manutenção da idealização e a urgência em trabalhá-la junto aos profissionais que integram a equipe, assim como junto aos pais: "Sob a aparente calmaria no mar das idealizações sobrevive a tormenta da ambivalência, indicando perigo à vista".

Ana Elizabeth Cavalcanti partindo da seguinte frase de Winnicott: "um bebê não existe", situa a maternagem como decisiva para a construção de um sujeito, ou para sua "invenção", como prefere dizer. Discute então o caráter particular das invenções dos pais de crianças autistas, narrativa na qual inventa-se "um bebê estranho, ameaçador e imprevisível".

Marie-Christine Laznik-Penot, baseando-se em trabalhos de psicolingüistas e em casos clínicos, formula a hipótese de que a voz - ou, mais especificamente, os picos prosódicos - é o primeiro objeto da pulsão oral. Verifica que o bebê discrimina a voz materna antes mesmo da primeira mamada e demonstra como o bebê "bebe as palavras de sua mãe".

Gostaríamos de acrescentar às questões discutidas pelos autores um possível efeito deste movimento que estamos aqui chamando de "baby boom": que as imperfeições ou mal-entendidos inerentes à relação mãe-bebê (em realidade efeitos de todas as relações porque permeadas pela linguagem) passem a tornar-se alvo de uma cruzada pró-intervenção. Nesse sentido, a pesquisa em torno aos indicadores de risco para o desenvolvimento infantil, possibilitando um diagnóstico precoce assim como a intervenção precoce, faz-se imprescindível.

Bem, para concluir, uma vez que falamos em clínica do milênio, aí vai uma pequena parábola nascida na internet: Tentando enviar um e-mail para Marila Terzaghi, uma de nossas convidadas neste número, entramos em contato com Elsa Coriat, outra convidada. Elsa disse-nos que o endereço estava incorreto e que "basta uma letra para que não chegue". Ah, Lacan já nos dizia que o destino é a letra...

 

Daniela Teperman