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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.6 no.10 São Paulo  2001

 

DOSSIÊ

 

Vinculo mãe-bebê pré-termo: as possibilidades de interlocução na situação de internação do bebê

 

The bond mother-preterm newborn infant: possibilities of intervention during hospitalization of the infant

 

 

Ana Lucia Henriques Gomes

Psicóloga da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas, mestranda no Instituto de Psicologia-USP

 

 


RESUMO

Neste artigo pretendo refletir sobre o vínculo mãe-bebê e as possibilidades de intervenção na situação de internação de bebês prematuros extremos (bebês que nascem com peso menor ou igual a 1.500 g/30 semanas de idade gestacional). Estes bebês, num primeiro momento, apresentam-se como muito diferentes das expectativas das mães, e era função da internação vão exigir separação logo ao nascimento. Neste trabalho as intervenções acontecem visando o estabelecimento de comunicação entre as diversas partes envolvidas, mãe, bebê e equipe, a partir da aproximação e entendimento das mães nos diversos momentos da internação do bebê.

Vínculo mãe-bebê; intervenção; equipe multi-profíssional; bebê pré-termo


ABSTRACT

The purpose of this study is to consider the bond mother-infant and the possibilities of intervention during the hospitalization of extremely preterm infants (infants born weighing 1,500 g/30 week-gestational age). At first, these infants appear as rather different from the mother's expectations and, due to hospitalization, need to be parted from her at the moment of birth. In this work, the interventions were carried out with the objective of establishing communication among the various parties involved, mother, infant and multidisciplinary team, by approaching and trying to understand the mother in the diverse moments of hospitalization of extremely preterm infants.

Bond mother-infant; intervention; multidisciplinary team; preterm infants


 

 

"Antes de uma criança falar, podemos imaginar tudo. É isso que torna as crianças tão fáceis de amar. Diante da doença, as mães perdem a imaginação. É preciso então trabalhar com estas mulheres em sofrimento dando-lhes tempo para que descubram seus bebês"
Catherine Mathelin

 

O BEBÊ DE RISCO E A SITUAÇÃO DE PREMATURIDADE EXTREMA

O desenvolvimento deste trabalho deu-se a partir de minha experiência no berçário anexo à Divisão da Clínica Obstétrica do Instituto Central do Hospital das Clínicas de São Paulo (ICHC), que atende primordialmente crianças de alto risco (prematuras ou com algum tipo malformação).

O serviço de obstetrícia do ICHC atende somente gestantes de alto risco, e, sendo assim, o berçário recebe um número maior de bebês considerados de risco. Está dividido em cinco setores: UTI, alto risco, médio risco, isolamento e normais. Este berçário tem maior incidência de bebês pré-termo, aqueles que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, nascem antes do termo, ou seja, com idade gestacional inferior a 37 semanas (a gestação a termo dura 40 semanas).

Das mulheres atendidas no berçário, por ocasião de um parto pré-termo, algumas tiveram uma gestação de risco, apresentando complicações, que foram ou não seguidas neste serviço; outras acompanharam a gestação em outros serviços, podendo ou não apresentar algum tipo de intercorrência. Em geral, meu contato com as pacientes deu-se após o parto, durante a internação do bebê no berçário do ICHC.

O parto pré-termo, invariavelmente, acontece por causa de algum tipo de complicação ao longo ou no final da gestação. Estas complicações, em alguns casos, podem ser tratadas adiando o momento do parto; em outras situações o parto coloca-se como a única possibilidade de vida para o bebê e/ou a mãe.

Segundo Calil (1996), os bebês pré-termo são considerados viáveis, com alguma possibilidade de sobrevivência, a partir de 26 semanas de gestação. A melhor atenção pré-natal e o aperfeiçoamento dos cuidados perinatais têm permitido a sobrevida de muitos bebês até há poucos anos considerados "inviáveis".

Aplicada aos bebês pré-termo, existe uma classificação de acordo com o peso do bebê no nascimento: baixo peso, <2.500 g (18,1%); muito baixo peso, <1.500 g (4,5%); muitíssimo baixo peso, <1.000 g (1,5%), de acordo com dados obtidos no berçário anexo à maternidade do ICHC, correspondentes ao ano de 19981. Esta avaliação também relacionará a idade gestacional ao nascimento: quanto menor a idade, maior será o grau de imaturidade do bebê.

Entre os bebês nascidos vivos, num total de 2.277, o percentual de nascimentos de recém-nascidos pré-termo em 1998, no berçário do ICHC, foi de 24,1%. Estes são dados que refletem uma população materna de alto risco. A incidência de prematuridade varia muito de acordo com o local considerado, bem como o tipo de serviço em questão. Da população atendida no berçário, 6% são compostos por mães de bebês muito pequenos (abaixo de 1.500 g), que são considerados pré-termo extremos. Priorizei o atendimento destas mães, em função do impacto muito maior, ocasionado pelo nascimento desse bebê muito pequeno e de condição clínica bastante instável, passando por internação prolongada.

Segundo Calil (1996), nos países desenvolvidos a proporção de bebês pré-termo chega a ser inferior a 6% do total de nascidos vivos, enquanto nos países em desenvolvimento este valor ultrapassa 15%. Segundo Perroni, Bittar, Fonseca, Messina, Marra e Zugaib (1999), a etiologia do parto prematuro permanece desconhecida em 50% dos casos, o que mantém constantes os índices de prematuridade nos países desenvolvidos.

 

POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO

O nascimento prematuro implica uma internação comparativamente prolongada desses bebês, com a possibilidade paralela de intervenções especializadas, eventualmente de caráter invasivo. Tal situação, essencial à sobrevivência do bebê, oferece risco de comprometer o vínculo mãe-bebê.

Uma preocupação com a questão da relação mãe-bebê levou a liberação da visita dos pais nesse berçário, que acontece desde 1983. Com a entrada destes pais no berçário, foi necessário gerar espaços para a demanda que eles apresentavam. Neste sentido, a partir de 1984 foi criado o Grupo de Pais Prematuros de Alto Risco (Grupar), com participação de uma equipe multiprofissional que, inicialmente, tinha como objetivo transmitir informações técnicas a respeito do estado clínico do bebê.

Com o tempo observou-se que só as informações técnicas não eram suficientes, e que esse momento de encontro com os pais podia ser mais bem aproveitado. A equipe percebeu, também, a necessidade de existir um espaço de reflexão, em que se pudessem discutir suas próprias dificuldades. Paralelamente ao grupo de pais, também com periodicidade semanal, passou a acontecer uma Reunião de Equipe Multiprofissional. Atualmente a equipe que participa destes grupos é composta por três pediatras, uma psicóloga, um fisioterapeuta, uma enfermeira e um assistente social.

Essa equipe vê-se mobilizada e tendo que atender às demandas dos bebês que nascem necessitando de vários cuidados especializados e as dos pais que se acham angustiados e confusos diante de um bebê que foge às suas expectativas e de quem será necessário se aproximar, para conhecer e posteriormente poder cuidar. Cada membro desta equipe terá de lidar com suas próprias expectativas e ansiedades, em face de situações que se apresentam nesse cotidiano bastante desgastante.

Venho percebendo que as possibilidades de interlocução a respeito dos medos e incertezas em relação ao futuro do bebê são de fundamental importância para todos os envolvidos nessa internação (mãe, bebê e equipe). Quando pais e equipe não conseguem estabelecer uma comunicação a este respeito, principalmente no início da vida do bebê, quando riscos, inseguranças e medos se confundem, toda a comunicação ficará prejudicada. Esta situação terá reflexos na relação que os pais vão estabelecer, juntamente com a equipe, com seu bebê, e em conseqüência no desenvolvimento deste.

Em meu trabalho, tanto junto à equipe quanto em relação aos pais, tento me colocar sempre a serviço do estabelecimento dessa interlocução entre as diversas partes envolvidas, a partir da aproximação e entendimento pela mãe dos cuidados que ela poderá ou não dispensar ao seu bebê, nos diversos momentos da internação.

Ao longo da internação dos bebês, essas mães passam por muitas incertezas, querendo algumas respostas sobre o prognóstico de desenvolvimento do seu bebê, demanda, que muitas vezes não é possível responder. Em geral, deparam com o risco de perder seu bebê e com as angústias que esta perspectiva acarreta.

A impossibilidade de a gestante chegar ao final do terceiro trimestre de gravidez, o momento em que estaria mais pronta para o nascimento, desejando ver seu filho, acaba provocando uma situação complexa para estas mulheres, que têm de enfrentar a gestação interrompida e confrontam-se com um "bebê frágil". As mães no início da internação, logo após o nascimento destes bebês, quase invariavelmente, fazem referência ao aspecto frágil do bebê, muitas vezes referem o receio de tocar em seu bebê.

É necessário haver a mudança do estado de gestante para a situação de mãe. O que deveria ser uma lenta transição acaba sendo uma brusca passagem. Sendo assim, os primeiros contatos mãe-bebê podem ser prejudicados.

Diante do parto prematuro e da internação do bebê, a mãe depara com diversas dificuldades: alta hospitalar da mãe (quando se configura a primeira separação mãe-bebê); os primeiros retornos da mãe ao berçário (quando o bebê ainda apresenta um estado clínico instável); os momentos em que há piora no estado geral do bebê; quando existe a necessidade de submeter o bebê a algum procedimento invasivo (exame e/ou cirurgia) e no período da alta hospitalar do bebê (quando a mãe tem que se responsabilizar por todos os cuidados, sem ter a equipe para respaldá-la). Nestas situações, as mães expõem uma série de sentimentos e dúvidas que envolvem a sua relação com o bebê.

Quando acontece o parto prematuro, a mãe depara com um bebê muito diferente de suas expectativas. Inicialmente haverá um "estranhamento" em função desta diferença entre o bebê idealizado e o bebê pré-termo. Posteriormente, ela começa a tentar entender toda a situação que os envolve. Para haver qualquer tipo de comunicação entre mãe e bebê será necessário um gasto muito maior de energia por parte da dupla, principalmente em função da imaturidade e precariedade que envolve o estado geral do bebê, da distância posta pela internação, e por este bebê ser muito diferente daquele idealizado pela mãe durante a gestação.

Diante da complexidade dessa situação, questionei-me a respeito de que tipo de intervenção é possível em relação a essas mães, seus bebês e a equipe: qual o melhor momento para realizar um primeiro contato com a mãe? Como oferecer a possibilidade de atendimento psicológico para as mães?

O que eu tenho percebido é que quanto antes se iniciar o atendimento psicológico maiores são as possibilidades de a mãe entrar em contato com as angústias e dificuldades que seu bebê lhe suscita. Principalmente no início da internação, a mãe encontra-se muito retraída quanto aos contatos com o bebê, e neste momento ela precisa de intervenções que lhe possibilitem uma aproximação, tanto em relação a suas dificuldades, como em direção ao seu bebê.

Em meus contatos, em atendimentos individuais com estas mães, tenho procurado entender como elas atravessam esse primeiro impacto do nascimento do bebê pré-termo, buscando facilitar a relação mãe-bebê.

Será necessário que a mãe encontre caminhos para significar esse bebê, pois só a partir daí ela poderá se aproximar e dar um sentido à experiência de prematuridade vivida por ambos. Este bebê precisará do acolhimento não só da mãe, mas também de toda a equipe, e esta experiência lhe possibilitará um lugar de existência, o que é de fundamental importância para que aconteça o desenvolvimento.

Pensando nas mães de bebês pré-termo, é necessário ter em vista que essas mulheres têm sua gestação interrompida antes do final. Dentro da especificidade que a situação de prematuridade impõe, as mães ao nascimento deparam com um bebê completamente diferente de suas expectativas e idealizações, e nos primeiros momentos qualquer forma de aproximação e contato será bastante difícil. De início, não será possível a estas mães estabelecer uma relação de identificação com seu bebê. Diante desta situação, importará investigar o que poderá possibilitar ou não uma aproximação e, posteriormente, uma comunicação com este bebê que se apresenta, nos primeiros contatos, como um estranho.

Nessa situação, todo o processo de aproximação se diferencia do que Winnicott (1956) descreveu como "preocupação materna primária", e percebo que haverá a impossibilidade de atingir este estado, da forma como ele é descrito, nos primeiros dias de vida do bebê. Diante da complexidade do nascimento pré-termo e das angústias que o bebê desperta, a mãe precisará se recuperar desta primeira experiência, para, posteriormente, se voltar ao bebê, e aos poucos poder se apropriar dele.

Nesse caminho a mãe necessitará de intervenções da equipe que lhe possibilitem uma aproximação e entendimento da situação. Aos poucos esta mãe poderá lidar com o impacto do nascimento pré-termo, para mais tarde ir conquistando ou recuperando suas capacidades em relação aos cuidados com este bebê.

Diante desse contexto, bastante complexo, acredito ser importante pensar a questão do holding, nestes primeiros momentos. Segundo Winnicott (1993), a função de holding tem como aspecto essencial manter o sentimento de continuidade para o bebê, evitando a necessidade de reagir e assim interromper a continuidade do existir. Como vai ficar este aspecto da relação mãe-bebê prematuro, no início da vida do bebê?

Podemos entender o holding como a capacidade de sustentação da mãe, na situação de prematuridade. Esta capacidade vai se realizar no momento em que a mãe puder suportar a situação e toda a desorganização que esta implica, dando alguma continência a seu bebê. Vão-se instaurar, a partir daí, as possibilidades de encontro e comunicação entre a mãe e o seu bebê, tão necessários para o desenvolvimento da relação, e, conseqüentemente, do bebê. Isto só será possível quando a mãe puder dar um sentido a sua experiência. Neste momento, o contato corporal mãe-bebê é bastante restrito, e a mãe passará um longo tempo sem poder segurar seu bebê no colo. O contato e a comunicação viabilizam-se a partir do entendimento, pela mãe, da situação vivida.

Szejer (1999) afirma que, diante do parto pré-termo, a mãe vê toda a sua dedicação cair no vazio, uma vez que não se sente capaz de propiciar ao seu bebê os cuidados necessários à sua sobrevivência. E, ao abordar formas de intervenção, menciona a realização de um trabalho que ela denomina "prevenção sistemática", em que explica a estas mães todas as competências do recém-nascido para o contato com os pais. Esta é uma intervenção que se faz no sentido de estimular a aproximação mães-bebês, ajudando-as a perceber os sinais de comunicação do bebê, numa tentativa de dar o máximo de subsídios às mães a fim de que possam perceber e aproveitar os momentos de concentração de seu filho, estimulando-as a exercer sua "preocupação materna primária", quando não sabiam mais a que bebê se dedicar.

Essa autora vê esse trabalho, o mais urgente a ser feito com as mães, no sentido de possibilitar esta aproximação e contato, tão necessários para o desenvolvimento do bebê, sem deixar de observar os princípios da psicanálise. Questiona o trabalho em relação ao luto da criança imaginária, pois, segundo ela, será a partir do filho ideal que os pais poderão se orientar tendo uma maior ou menor abertura para as surpresas que o filho real não deixará de trazer. Acredita que a aceitação do filho real não pressupõe a morte da criança imaginária. Essa autora iniciou suas intervenções em relação a essas mães de forma esporádica e sem segui-las em acompanhamento, durante a internação do bebê. Posteriormente, tem desenvolvido um trabalho contínuo de "prevenção sistemática" com as mães, quando o bebê está internado na UTI neonatal.

Outra autora, Mathelin (1999), acredita que, para lidar com a situação de prematuridade, será necessário possibilitar aos pais e, principalmente, às mães um espaço a fim de que eles possam entrar em contato com a situação trazendo os conflitos inconscientes que surgem, para que a partir daí possam começar a elaborar as questões que envolvem esta situação, tendo, assim, a possibilidade de aproximar-se do bebê.

Mathelin (1999) diz que é preciso "reanimar a criança e o discurso que a anima". Em face do traumatismo do parto, será necessário que se dê uma simbolização, para que os pais, principalmente a mãe, possam imaginar este bebê. Os pais terão de encontrar um sentido que possibilite dar um lugar de existência ao bebê, em suas vidas, criando a oportunidade de os olhares se encontrarem e as trocas se estabelecerem. Com a equipe será necessário abrir espaços que tornem possível discutir e entender o que se passa com determinado bebê, na sua internação, tanto do ponto de vista clínico, quanto em relação a uma diversidade de outros fatores que se apresentam. E importante notar as reações do bebê diante de toda a situação que está vivendo e verificar como está se dando a sua relação com o mundo a sua volta: a família, a equipe e os procedimentos.

As intervenções nesse início da vida do bebê têm uma importância fundamental, uma vez que podem (re)constituir um espaço de interlocução na relação mãe-bebê, o que possibilitará o desenvolvimento desta relação e do bebê.

Diante dessa situação de prematuridade, é importante poder pensar qual o lugar para uma intervenção psicológica, que irá se situar em um espaço de hospitalização, buscando uma sobrevivência objetiva, muitas vezes a qualquer preço. Dentro deste espaço, uma intervenção psicológica apresenta-se como a possibilidade de buscar um lugar em que possa acontecer o contato mãe-bebê promovendo a existência psíquica dessa relação, e conseqüentemente o desenvolvimento do bebê. E esta situação será propiciada a partir de um trabalho com os pais e equipe.

No trabalho com as mães será importante contemplar os dois aspectos que foram mencionados pelas autoras, o quanto ambos irão se entrelaçar, uma vez que para poder orientar estas mães, no sentido de promover uma aproximação e contato com os bebês, será necessário trabalhar com alguns conflitos que emergem nesta situação.

Nesse trabalho, com pais e bebês, toda a equipe tem de ser incluída, pois será ela que subsidiará o cotidiano das relações, neste período de internação. É preciso que haja um espaço em que os profissionais possam se encontrar, discutir suas dificuldades e conflitos diante de algumas situações, a fim de a partir daí encontrar formas de aproximação com o amplo espectro de questões que esta situação apresenta.

 

FRAGMENTO DE CASO

Atendida em junho de 1996, a paciente que eu chamarei de Rosa (à sua filha darei o nome de Clara) tem 25 anos, fez uma cesárea com 28 semanas de gestação, em decorrência de uma pré-eclâmpsia, o que levou a sofrimento fetal. Deu à luz um bebê pré-termo, pequeno para a idade gestacional (730 g), sexo feminino. Foi entubada com 5 minutos de vida, e, posteriormente, apresentou uma infecção que foi tratada ao longo da internação.

Clara permaneceu internada durante 70 dias, teve algumas intercorrências próprias da prematuridade, das quais se recuperou bem, e seu peso na data da alta era 1.970 g.

Ao longo da internação de Clara, Rosa participou de todas as sessões de grupo (em número de nove), tendo sido solicitado apenas um atendimento individual. Este atendimento aconteceu em torno da metade da internação, num momento em que Clara precisou de transfusão de sangue em virtude de uma anemia, intercorrência freqüente em bebês pré-termo.

O que na linguagem médica é uma intercorrência (própria da prematuridade) para a mãe de Clara foi muito angustiante, pois significava um risco. Esta situação despertou uma série de dúvidas, na mãe, em relação à vida da criança. Dúvidas que se apresentam em toda internação, mas que em alguns momentos se tornam muito mais presentes.

Nesses momentos, a mãe questionava se todo o seu empenho seria ou não recompensado, e vivência a angústia de perda do bebê. Nesse atendimento minha preocupação era de reassegurá-la em relação a todo o caminho percorrido, ressaltando que esta era mais uma dificuldade, entre tantas que ela já havia enfrentado até então.

Rosa pôde acompanhar a transfusão da filha, no dia seguinte. A menina recuperou-se bem, podendo continuar crescendo e se desenvolvendo, até alcançar o peso exigido para poder receber alta, e ir para a casa com a mãe.

Percebo que é a possibilidade de sobrevivência subjetiva que põe o bebê em posição de combate diante das dificuldades trazidas pela imaturidade física e as intervenções impostas pelo nascimento pré-termo. Em tal situação, os pais, em especial a mãe, ocuparão um lugar fundamental na vida do bebê, proporcionando lhe subsídios que vão constituí-lo enquanto ser que ocupa um lugar na história e na vida destes pais.

Se esses bebês conseguem, aos poucos, superar os obstáculos que aparecem no caminho, é porque um impulso de vida e desenvolvimento existe tanto no bebê quanto na sua relação com os pais, e principalmente com a mãe que o acompanha, durante o período de internação. Só a família poderá dar um lugar de existência para este bebê, o que é essencial para que haja desenvolvimento.

No trabalho com as mães, minha intenção é sempre promover um encontro com o bebê, no sentido de propiciar a instauração ou o restabelecimento do vínculo. Precisamos considerar que, com o nascimento pré-termo, a função materna será abalada, a mãe não poderá desempenhar os cuidados básicos em relação ao seu bebê, como segurar, alimentar, trocar, durante um longo período. Todos os cuidados serão feitos ou intermediados pela equipe, e a mãe terá que (re)encontrar o seu lugar, junto ao bebê, buscando formas de contato e comunicação. Durante a internação será preciso que a mãe possa reparar a sua imagem, podendo perceber que, se o filho está vivo, ela tem participação nisto.

Diante da situação de prematuridade e internação do bebê, a equipe precisará proporcionar um holding, tanto para o bebê quanto para os pais e, principalmente, para a mãe, o que pode significar algumas situações nesse momento de desorganização.

Nesse contexto será necessário que a equipe estabeleça um holding não só em relação aos cuidados com o bebê, mas também no que diz respeito aos contatos com a mãe, estando atenta às possibilidades de entendimento e aproximação da mãe em vista da situação vivida, podendo se postar de forma acolhedora, esclarecendo sobre as diferenças individuais que estão em jogo, o ritmo de recuperação de cada bebê, e as maneiras de aproximação e contato nos diversos momentos da internação. As possibilidades de constituição e desenvolvimento do bebê relacionam-se diretamente com o ambiente que o circunda e o acolhe, o que nesta situação diz respeito aos pais, a equipe e a todo o contexto hospitalar.

Durante a internação, as relações configuram-se de modo particular (entre bebê, equipe e mãe), principalmente no início da vida do bebê. Na situação de prematuridade extrema, a mãe é situada como uma espectadora da situação, pois toda a equipe conhece melhor as técnicas para cuidar do bebê.

A mãe acaba sendo destituída de seu papel enquanto fonte de vida para o bebê. Para que ela possa se aproximar e tomar o seu lugar junto dele, será necessário que possa entender e elaborar várias questões envolvendo as dificuldades em relação ao parto, o encontro com um bebê que lhe é estranho e assustador, o lugar que este bebê vai ocupar dentro da família, entre outras. Neste sentido, será preciso também que esta equipe possa encontrar espaços de interlocução entre si e com a mãe, para descobrir melhores formas de lidar com esta situação. Talvez possamos, ao longo da internação, passar a descrever esta relação da seguinte forma: mãe-bebê-equipe. Considerando que a equipe pode intervir no sentido de intermediar as primeiras relações, tendo em vista possibilitar o encontro e a aproximação mãe-bebê. É importante que a equipe possa, aos poucos, ir ocupando um lugar cada vez mais acessório junto à mãe, ao bebê e a família.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Calil, V. M. L. T. (1996). Caracterização do recém-nascido pré-termo. In Leone, C. R. & Tronchin, D. M. R. Assistência integrada ao recém-nascido. São Paulo, SP: Ateneu.         [ Links ]

Mathelin, C. (1999). O sorriso da Gioconda: clínica psicanalítica com bebês prematuros. Rio de Janeiro, RJ: Companhia de Freud.         [ Links ]

Perroni, A. G.; Bittar, R. E.; Fonseca, E. S. B.; Messina, M. D. L.; Marra, K. C; Zugaib, M. (1999). Prematuridade eletiva: aspectos obstétricos e perinatais. Ginecologia & Obstetrícia, Vol. X, ano 10, nº 2.         [ Links ]

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_____ (1988). Os bebês e suas mães. São Paulo, SP: Martins Fontes.         [ Links ]

_____ (1993). A família e o desenvolvimento individual. São Paulo, SP: Martins Fontes.         [ Links ]

 

 

Recebido em setembro/2000

 

 

NOTA

1 Estes dados foram obtidos, a partir de um levantamento feito através dos prontuários dentro do serviço do berçário anexo à maternidade do Instituto Central do Hospital das Clínicas de São Paulo, no ano de 1998.