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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.6 no.10 São Paulo  2001

 

ARTIGO

 

Invariantes institucionais que dificultam o processo de integração escolar

 

Institutional invariables which makes the school integration process very difficult

 

 

María José BorsaniI; Maria Cristina GallicchioII

ITerapeuta ocupacional em saúde mental, professora especializada em educação diferencial
IIPsicóloga, professora de ensino médio e universitário em Psicologia e professora de ensino básico comum

 

 


RESUMO

Observações relativas a certas características de funcionamento de nossas escolas, que requerem análise com o objetivo de evitar que se transformem em obstáculo para o processo de integração escolar, o que acarreta prejuízo para as crianças com necessidades educativas especiais.

Integração; projeto compartilhado; avaliação permanente


ABSTRACT

Items related to certain characteristics in the running of our schools requiring an analysis to overcome obstacles in the process of school integration and the consequential damage to children with special education needs.

Integration; a joint project; permanent evaluation


 

 

O objetivo deste trabalho é compartilhar algumas observações que realizamos e que dizem respeito a certas características do funcionamento de nossas instituições educativas de ensino comum, âmbito em que levamos adiante os processos de integração de crianças com necessidades educativas especiais (NEE).

Consideramos que esses observáveis precisam ser valorizados em sua real dimensão para evitar que obstaculizem o processo de integração com o conseqüente prejuízo para a criança.

As autoras do presente artigo fazemos parte da equipe interdisciplinar de um instituto particular da cidade de Rosario, província de Santa Fe, Argentina. Também pertencem ao grupo outros profissionais, relacionados com a saúde e a aprendizagem: psicólogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos, cinesiologistas, pediatras, neurologistas etc.

Nossa instituição ocupa-se com a abordagem da criança e do adolescente que tem problemas de aprendizagem e/ou emocionais, o acompanhamento da família e da instituição educativa. Realiza tarefas de formação profissional, supervisões clínicas e assessorias a instituições educacionais.

A maior parte das consultas que recebemos refere-se a problemas de aprendizagem de índole diversa (neurológicas, sensorials, motoras, lingüísticas, afetivas etc). As consultas sucedem-se em diferentes momentos da vida escolar do sujeito, o que condiciona a ação terapêutica e a sua conseqüente integração escolar.

As crianças que apresentam transtornos mais severos costumam ter acesso ao tratamento em épocas pré-escolares, o que permite programar a inclusão escolar com certa antecedência.

É diferente o caso das crianças cuja dificuldade é detectada só no curso da escolaridade formal, já que, caso não se intervenha em tempo, pode-se pôr em risco a permanência da criança na instituição educativa que freqüenta, seja por reprovação, transferência a uma outra instituição ou, na pior das hipóteses, por desistência.

Faz mais de vinte anos que as autoras deste trabalho vimos trabalhando de forma conjunta na prevenção e tratamento das dificuldades da infância, e na elaboração e coordenação de projetos de integração de crianças com necessidades educativas especiais na escola básica, pública ou particular.

Para levar adiante os diversos projetos que delineamos, ambas as profissionais constituímo-nos como equipe integradora, cuja função é estabelecer o nexo entre os profissionais que tratam de crianças com NEE e a escola.

A equipe integradora tenta promover e sustentar estratégias de integração e participação dos alunos com dificuldades no âmbito escolar. De acordo com as necessidades de cada caso em particular, a equipe oferece assessoria e suporte metodológico específico à escola integradora.

Julgamos fundamental explicitar o marco teórico a partir do qual abordamos a tarefa de integração escolar.

Ao traçar as linhas da postura a partir da qual pensamos a problemática da integração de crianças com dificuldades de aprendizagem à escola básica comum, recorremos a várias fontes teóricas, sabendo que cada uma contribuirá com seus conhecimentos e que, além destes valiosos aportes teóricos ou conceituais, cada disciplina nos oferecerá também seus vácuos e contradições. Assim sendo, nosso trabalho consistirá em tomar de cada uma delas aqueles conceitos e pautas que nos permitam prosseguir pensando acerca da aprendizagem humana sem cair no ecletismo.

Priorizamos a teoria psicogenética de Jean Piaget e seus colaboradores da escola genebrina, as contribuições de Vygotsky, com a ZDP, e os conceitos da psicanálise.

As contribuições anteriores permitem-nos refletir cientificamente e operar de forma conseqüente, embora seja complexo trabalhar com teorias que têm objetos de estudo diferentes, com fundamentos e métodos que são próprios de cada uma delas.

Consideramos essas obras como ponto de partida dos postulados básicos com que estamos trabalhando acerca da constituição dos sujeitos, a construção psicogenética do conhecimento, a linguagem como meio de acesso à estrutura simbólica e o marco social em que necessariamente se produzem as aprendizagens de cada sujeito. Isto é, resgatamos as premissas básicas com que operam as diferentes teorizações e nos propomos a um trabalho de reflexão para rearticular estes paradigmas de base de um modo adequado, em função do aqui e agora que nos toca viver.

Analisando nossa experiência em relação à integração escolar, constatamos que existem dois aspectos-chave a serem considerados para a integração escolar de uma criança com dificuldades em suas aprendizagens. Por um lado, as estruturas institucionais com que tentamos trabalhar nestes desafios e, por outro, cada criança como sujeito; isto nos leva a singularizar a proposta para torná-la possível e permitir que surja, em cada caso, um alcançar-se a si mesmo, em oposição às quebras e quedas a que se refere o termo fracasso.

Consideramos que ambas as questões devem ser estudadas rigorosamente, tanto em nosso país quanto em outros com os quais pudemos intercambiar experiências neste sentido.

Quando singularizamos a integração, reconhecemos que ela só é possível com determinadas crianças, em determinadas escolas e em determinados momentos da história de cada sujeito. Neste sentido, não há receita alguma nem fórmula estabelecida; ao contrário, a modalidade de integração dependerá de cada caso em particular.

É importante destacar que cada projeto de integração deve ter uma dinâmica e uma flexibilidade tal, que permita sua redefinição no curso do tempo, já que os diferentes efeitos que vão surgindo são, de alguma maneira, imprevisíveis, como os de cada sujeito.

Ao tentar uma integração escolar, é fundamental estabelecer, com a maior precisão possível, qual é a criança que pode e a que não pode ingressar em determinado grupo ou escola; quem pode se enriquecer e a quem prejudica essa decisão; e quem pode ou não suportar certo currículo ou proposta pedagógica. Deve prevalecer o conceito de integração escolar como habilitação a se nutrir da aprendizagem compartilhada, na qual a criança seja sujeito e construtora de seu próprio saber.

Consideramos importante esclarecer que integração social não equivale necessariamente a integração escolar. Uma criança pode se adaptar a um local físico, à dinâmica de uma instituição, permanecer junto a determinado grupo e, até, compartilhar atividades de tipo social com esse grupo, mas isto não implica necessariamente poder aprender sistematicamente com os outros.

Não podemos desconhecer que as crianças com dificuldades específicas de aprendizagem, a maior parte delas, precisam de abordagens especializadas e metodologias e propostas didáticas adequadas.

A integração escolar não começa nem acaba o dia em que se matricula a criança na escola, mas é o resultado de um trabalho prévio realizado com a criança, sua família e a instituição, e tem como eixo fundamental cada sujeito, o qual deve ser respeitado, ouvido e informado cautelosamente.

Ao estabelecer o projeto, tentamos fazer com que o mesmo se sustente enquanto seja exeqüível, já que o que está em jogo é um sujeito, e, se o projeto se quebra, fracassa, quem se vê envolvida nesta adversidade é a criança. É por isto que tentamos um projeto decidido por consenso e compartilhado por todas as partes que intervém nele.

Levando em consideração o acima expresso, começamos realizando o diagnóstico psicológico e pedagógico e, se estimarmos que a criança encontra-se em condições de ser sujeito ativo de aprendizagem sistemática, o seguinte passo é o de selecionar a escola possível, na qual levar adiante o projeto de integração.

É importante que nós, como profissionais, esclareçamos a demanda que estabelecemos diante de cada instituição em que tentamos a integração da criança com dificuldades de aprendizagem.

Dessa perspectiva, e da mesma maneira pela qual procuramos saúde em um hospital, justiça perante a lei ou proteção com a polícia, solicitamos educação e instrução na escola como forma de preservar sua identidade e idoneidade.

Por meio desse ato reconhecemos, de alguma forma, os limites do projeto estabelecido, registrando as respostas que cada instituição pode dar e definindo assim a situação nos limites do viável, do possível.

Consideramos que uma instituição escolar reúne as condições necessárias quando encontramos nela um desejo real de participar do projeto e a possibilidade de sustentá-lo, porque conta com docentes comprometidos com o projeto e com um corpo de alunos que podem se enriquecer e enriquecer a criança ingressante.

Por outro lado, para que a integração escolar seja possível, necessitamos contar com currículos flexíveis, um alto grau de formação e capacitação docente, e pessoal especializado que opere como apoio, para levar adiante a experiência. Sem dúvida, conseguir que se dêem essas condições garante uma melhoria na qualidade educativa para todos os alunos, não somente para as crianças com necessidades educativas especiais.

Ao aproximarmo-nos de escolas, observamos, um ano após outro, uma série de invariantes institucionais que mencionamos a seguir, considerando que dificultam o processo de integração escolar:

1) Apesar do tempo transcorrido desde que se começou a realizar esse tipo de experiências integrativas, não pudemos detectar a existência de um projeto educativo com sentido de continuidade, que reflita um eixo articulador identificatório, um compromisso institucional para além das pessoas concretas que conformam a instituição em um determinado momento. Em nossa aproximação às escolas, constatamos que este fato se evidencia inevitavelmente cada vez que se renova o corpo diretivo.

2) Grupos escolares numerosos, com uma média de 30 alunos por classe.

3) No seio dos cursos em que se tenta integrar uma criança com necessidades educativas especiais, costuma existir uma porcentagem significativa de alunos que apresentam algumas dificuldades de apredizagem e/ou conduta. Crianças que, no momento do ingresso à educação formal, não evidenciavam sinais preocupantes.

4) O período de matrícula do alunado ocupa os meses de novembro-dezembro, enquanto a transferência ou substituição dos docentes realiza-se no começo do ano escolar imediato posterior. Essa assincronia determina que os acordos estabelecidos com a instituição no momento da matrícula do aluno ofereçam pouca margem de segurança. Só os docentes titulares conhecem com antecedência suficiente qual será a série que terão a cargo, podendo, com anterioridade, aceitar ou não a integração da criança em seu grupo. E, como se sabe, os professores substitutos podem ser destituídos de seus cargos no começo do ano escolar ao ser transferido um docente titular de outra escola. Este novo docente, recém-incorporado à instituição, pode ou não se sentir comprometido com a experiência que se está realizando, fato este que terá um efeito favorável ou desfavorável no prosseguimento do trabalho.

5) Os professores de ensino básico manifestam que não contam em sua formação com conhecimentos pedagógicos e psicológicos suficientes que lhes permitam arbitrar métodos e recursos para resolver situações que se apartem do que poderíamos denominar "situação média" (para não a chamar normal).

6) Os professores de ensino especial trabalham com as crianças uma só vez por semana. Este conhecimento mútuo insuficiente gera o fato de que as dificuldades que se dão com o professor da classe observem-se com maior intensidade nas horas especiais. Em geral, quando a direção e o professor da classe aceitam participar em um projeto de integração, estes docentes de ensino especial não costumam ser consultados. Ao incorporar-se a criança em questão à sua classe, o docente especial desconhece a situação dela e, ao ser informado, nem sempre a aceita de bom grado.

7) Muitas vezes, a escola aceita o compromisso sem considerar objetivamente quais são as possibilidades institucionais reais para sustentá-lo. Esta avaliação superficial das exigências inerentes a um projeto dessa envergadura traz como conseqüência que, pouco tempo depois de iniciado o trabalho, o apoio oferecido à escola pela equipe de profissionais que trabalha com a criança e sua família não resulte suficiente para resolver as múltiplas situações que se produzem cotidianamente no âmbito escolar.

Nesse momento, solicita-se a presença de um profissional que dê assistência todos os dias, para funcionar, segundo o caso, como eu auxiliar da criança ou como auxiliar docente do professor.

A criança e sua família percebem com nitidez o mal-estar institucional. A angústia que esta inquietação lhes produz aumenta as dificuldades da criança, gerando assim um círculo vicioso difícil de deter, que termina, em geral, com a marginalização da criança no âmbito escolar.

Todos os itens mencionados tornam mais complexo e obstaculizam o processo, e nos fazem temer que a integração de crianças com necessidades educativas especiais seja cada dia mais difícil.

Mesmo com o risco de sermos recorrentes, insistimos, como propúnhamos no começo deste trabalho, que esses observáveis precisam ser valorados em sua real dimensão, para evitar que o que se iniciou como um projeto que contribuiria à estruturação da criança acabe produzindo a desintegração do sujeito em questão.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Borsani, M. J. & Gallicchio, M. C. (2000). Integration o exclusion, la escuela común y los niños con necesidades educativas especiales. Buenos Aires: Novedades Educativas.         [ Links ]

 

 

Recebido em setembro/2000

 

 

Tradução: Viviana Gelado