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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.7 no.12 São Paulo  2002

 

ARTIGO

 

Dentro ou fora essa escola, onde está?

 

Inside or outside: where is that school?

 

 

Fernando Cézar Bezerra de Andrade

Psicólogo. Mestre em Educação pela Universidade Federal da Paraíba. Professor do Departamento de Fundamentação da Educação do Centro de Educação da UFPB. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicanálise e Educação (NEPPE) do EPSI-Espaço Psicanalítico (João Pessoa - PB)

 

 


RESUMO

Este artigo discute implicações que o relacionamento entre escola e pais/ comunidade exerce sobre o desenvolvimento moral dos alunos. A partir do referen. cia! teórico da psicopedagogia institucional psicanaliticamente orientada, supõe-se que os pais e a comunidade podem funcionar como terceiro elemento na dinâmica inconsciente da escola. Considerando-se dois modelos de relacionamento (o inclusivo e o excludente), a análise de duas escolas revela que a escola inclusiva - que consegue envolver pais e comunidade e permanece dentro da rede interinstitucional - lida melhor com os conllitos intersubjetivos e oferece um ambiente mais propício para o desenvolvimento da autonomia moral. Com a escola excludente, ocorre o contrário.

Escola; pais; comunidade; desenvolvimento moral; psicanálise; psicopedagogia institucional


ABSTRACT

This article discusses the implications of the relationship between school and parents/ community on the students' moral development. Inspired by the theory of institutional psychopedagogy (based on psychoanalysis), it is suggested that the parents and the community can function as the third element in the school's unconscious dynamic. By considering two models ot relationship (the inclusive and the excluding), the analysis ot two schools reveals that the inclusive school - wich is well succeeded in involving the parents/the community and remains inside the interinstitutional system - works better with the conllicts of the human coexistence and otiers a favorable environment to the autonomous moral development. The opposite is the case with the excluding school.

School; parents; community; moral development; psychoanalysis; institutional psychopedagogy


 

 

Até o advento do capitalismo, a escola era um privilégio restrito aos detentores do poder. A partir das transformações sofridas pela escola, com o advento da Modernidade, ela gradualmente se abriu para outras camadas da população, ganhando uma importância crescente enquanto instituição formadora nas sociedades ocidentais. Esse processo de valorização da escola culminou com a idéia de que ela seria a condição básica para o progresso. Tal idéia chegou até nós principalmente pela influência exercida por Dewey sobre o movimento da Escola Nova, atestando uma nova forma de relacionamento entre escola e sociedade.

John Dewey concebia uma escola que poderia, a partir de seu interior, até mesmo transformar a sociedade, como uma espécie de laboratório a partir do qual se preparariam as células de democracia, os futuros cidadãos e líderes da sociedade. Nesse sentido, o pensamento de Dewey é um dos pioneiros na relação entre escola e vida, por ultrapassar o distanciamento que a escola tradicional havia promovido entre conhecimento formal e vida prática. Ao mesmo tempo, essa proposta inovadora manteve uma forte idealização do ambiente pedagógico e das suas possibilidades de autonomia democrática, ao acreditar que a escola poderia ser purgada das imperfeições sociais e, com isso, contribuir para limpar a própria sociedade através da ação de seus futuros dirigentes, formados numa escola democrática. Nos dizeres de Anísio Teixeira, ela deveria "organizar um meio purificado de onde se eliminem certos aspectos reconhecidamente maléficos do ambiente social. A escola não visa a perpetuar na sociedade os seus defeitos. Em uma sociedade progressiva, ela é o órgão específico de uma constante melhoria, pela qual desejamos legar a nossos filhos a possibilidade de uma vida mais feliz que a nossa" (1980, p. 122).

Naquele momento já se assistia, então, à remodelação do papel formativo da escola em suas relações com o poder estatal - que começou a organizar e manter a escolarização pública - e com a sociedade como um todo - quando à escola é designada uma participação cada vez maior na formação do cidadão. As relações entre escola e comunidade passavam a ser revistas e, para isso, muito contribuiu a crítica do ideário escolanovista, feita pelos teóricos de influência marxista ou estruturalista a partir de meados do século passado, que, com diferentes matizes, apontaram para as múltiplas determinações sofridas pela escola.

A partir desse legado, hoje sabemos que a escola pode ser considerada em dupla dimensão: externa e interna. Por um lado, não é, nem pode ser, isenta dos conflitos experimentados na sociedade em que se insere - pura, como a queriam Dewey e Teixeira. Não pode estar distanciada dos problemas da sociedade, até porque também é determinada por eles. Não deve estar desligada de seus limites externos, não deve funcionar sem contato com o mundo exterior, mais particularmente a comunidade em que se insere. É o exterior da escola que a emoldura, oferecendo-lhe, inclusive, um formato institucional. Em contrapartida, ela também pode e deve ser um espaço em que a democracia seja aprendida nas relações pedagógicas quotidianas - ao mesmo tempo em que se realiza o aprendizado do cabedal cultural humano. Ou seja, por sua especificidade enquanto instituição formativa, a ela também é delegado o poder de contribuir para o aprendizado das normas e valores sociais necessários à convivência e à solução pacífica de conflitos - resumindo, para o desenvolvimento moral das novas gerações. Esta faceta de seu objetivo formador, entre outras, também constitui o sentido de sua existência, o seu interior.

O primeiro aspecto daquela dupla dimensão - o da comunicação e das relações que a escola consegue estabelecer com seu entorno - tem sido um dos que mais chamam a atenção quando se considera institucionalmente a escola. As suas relações com o espaço que a circunda, tanto no passado como no presente, revelam como ela funciona em seu interior.

Nesse sentido, pretendemos discutir, neste trabalho, possíveis implicações, sobre o desenvolvimento moral de seus alunos, de dois modelos distintos de relacionamento da escola com outras instituições que fazem seu entorno - em particular a família dos alunos, o poder público e a comunidade em que se encontra o estabelecimento de ensino. A primeira, a de uma escola que se insere ativamente nessa rede interinstitucional, que se implica socialmente através de sua função formativa: é uma escola que se mantém ligada ao corpo social ou, ainda, que está dentro dessa teia de trocas materiais, simbólicas e culturais. A segunda, a de outra escola que se exclui dessa rede, mantendo-se fora dela.

Ao final, esperamos ter demonstrado que escolas que conseguem ser inclusivas mantêm-se dentro da rede interinstitucional e oferecem a seus alunos um cenário mais propício para o desenvolvimento de uma moral autônoma, por alcançarem, elas mesmas, um maior grau de autonomia. E o contrário também é verdadeiro: escolas que excluem esses atores que lhe fazem o entorno estão fora da rede interinstitucional e oferecem menos chances para o desenvolvimento da autonomia em seu cotidiano, por serem elas mesmas mais heterônomas.

 

A ESCOLA: INSTITUIÇÃO FORMADORA DA AUTONOMIA MORAL

O verbo instituere significa, em latim, "colocar, estabelecer, construir" (Faria, 1962, p.510). Dele derivou-se o termo contemporâneo "instituição" (do latim institutione) que, segundo Ferreira, indica uma "estrutura decorrente de necessidades sociais básicas, com caráter de relativa permanência, e identificável pelo valor de seus códigos de conduta, alguns deles expressos em leis; instituto" (1986, p. 953). Abbagnano (1998), por sua vez, lembra que o termo, além de designar o que seria, para Durkheim, o objeto mesmo da Sociologia, também pode referir-se, especialmente, ao "conjunto de normas que regulam a ação social" (p. 571).

Castoriadis (1991), discutindo o processo dialético da subjetivação humana (que transita entre a autonomia e a alienação), lembra: o sujeito constitui-se na intersubjetividade, que se materializa na dimensão sócio-histórica. Note-se que essa dimensão "É, por um lado, estruturas dadas, instituições e obras 'materializadas', sejam elas materiais ou não; e, por outro lado, o que estrutura, institui, materializa. Em uma palavra, é a união e a tensão da sociedade instituinte e da sociedade instituída, da história feita e da história se fazendo" (p. 131).

Assim, as instituições são as responsáveis diretas pelo processo de inclusão do indivíduo nas diferentes expressões culturais em que está imerso, desde o nascimento. Ao mesmo tempo, resultam desse processo de inclusão, na medida em que também são produzidas e transformadas pelos homens que nelas se constituem, de forma que, segundo Kaës, mobilizam "investimentos e representações que contribuem para a regulamentação endopsíquica e que asseguram as bases da identificação do sujeito com o conjunto social" (1991, p. 27).

Nesse enfoque, como bem lembra Aquino (2000), as relações intersubjetivas ganham um valor especial, já que elas se fundamentam no pressuposto de que somos incompletos por condição e, por isso, os outros são nossos complementares. Ora, quando essas relações intersubjetivas são organizadas segundo rotinas, regras e procedimentos em torno de um mesmo objeto e de uma meta comum, elas ganham um caráter institucional, a partir de contratos explícita ou implicitamente mantidos pelos diferentes interlocutores, "(...) com uma densidade notável, posto que suas cláusulas balizam silenciosamente o que fazemos e o que pensamos sobre o que fazemos" (pp. 60-61). Os responsáveis por esse acordo, na medida em que ocupam lugares distintos nas várias relações que se sustentam pelos contratos institucionais, assumem funções também diferentes, mas complementares: agentes ou destinatários diretos da ação, mandantes/legitimadores ou público avaliador da instituição, são eles todos os celebrantes de "uma espécie de 'liturgia do cotidiano' das instituições, se se quiser" (Aquino, 2000, p.61).

Quando aplicamos tal modelo à escola, vemos que o papel de agente é assumido pelos educadores (professores, técnicos, diretores), enquanto os destinatários diretos do trabalho pedagógico são os alunos; no caso da rede pública de ensino, gerada e mantida pelas instâncias do poder público, é o Estado quem ocupa as funções de mandante; nesse mesmo universo da rede pública, o público é constituído pela comunidade em que se insere o estabelecimento de ensino e, mais particularmente, pelas famílias dos seus alunos.

E se a escola é a instituição moderna incumbida da tarefa de garantir, para as novas gerações, o aprendizado dos conhecimentos formalmente produzidos pelas ciências, artes e pela cultura em geral, ela também é, cada vez mais já no nível básico, encarregada da formação em outras temáticas antes atribuídas ao mundo privado da família ou ao terreno público do trabalho, como testemunham os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997); além das matérias tradicionais, há outros temas que, denominados transversais, devem fazer-se presentes no currículo escolar. São eles a orientação sexual, o meio ambiente, o trabalho, consumo e ética.

Levando-se em conta esses Parâmetros Curriculares Nacionais (doravante PCNs), na medida em que na escola, ao lado do aprendizado de conteúdos formais, também se amplia o processo de socialização, cabe à escola garantir que nesse processo haja também aprendizagem dos valores morais necessários à convivência humana permitindo, em última instância, que se desenvolva em cada aluno a moralidade em todas as suas dimensões (cognitiva, afetiva e com-portamental), através da prática pedagógica cotidiana, em direção a uma autonomia moral.

"Há, sem dúvida, uma intenção de se realizar uma educação moral, na perspectiva do desenvolvimento da capacidade de autonomia das crianças e jovens com quem se trabalha. A moral já se encontra instalada na prática educativa que se desenvolve nas escolas: o cotidiano escolar está encharcado de valores que se traduzem em princípios, regras, ordens, proibições. O que se quer é que a ética aí encontre espaço, a fim de que se reflita sobre esses princípios (em que se fundamentam?), essas regras (qual a sua finalidade?), essas ordens (a que interesses atendem?), essas proibições (que resultado pretendem?), para que se instalem ações/ relações efetivamente democráticas" (Brasil, 1997, p. 53).

Assim, em se tratando de ética na escola, a meta consiste em chegar à autonomia, a partir da heteronomia. Esse roteiro para o desenvolvimento moral resultou do trabalho de Piaget e de teóricos que também produzem com base na referência cognitivista (Piaget, 1977; La Taille, 1992; Araújo, 1999, Aquino, 2000). A heteronomia é aquela etapa na qual a criança "legitima as regras porque provêm de pessoas com prestígio e força" sem procurar "o valor intrínseco das regras": "a validade das regras é exterior a elas, está associada à fonte de onde provêm" (Brasil, 1997, p. 72). Ocorre uma apropriação dos valores e regras "legitimadas pelo valor afetivo de quem as profere" (p.72), sem que sejam resultantes de elaboração racional. A racionalidade é um traço significativo da autonomia, na medida em que "a autonomia moral refere-se à possibilidade de a pessoa pautar suas condutas predominantemente por valores e regras que assume conscientemente em função da validade que atribui a elas e de sentir-se legítima para construir novas regras" (p. 72).

Favorecer o desenvolvimento moral com o encaminhamento para a autonomia, em princípio, para a escola, implica criar oportunidades para que o aluno participe, quotidianamente, com sua reflexão e sua ação, da constituição de regras, da disciplina, das decisões. Ele também deve aprender a arcar com as conseqüências de seus atos e, ao mesmo tempo, a superar os conflitos inerentes à convivência, preferencialmente, através do diálogo, num ambiente que os PCNs chamam de democrático. Nele não apenas se apela para o raciocínio, mas, igualmente, para as dimensões afetiva e comportamental da formação moral.

"Trata-se de democratizar as relações entre os membros da escola, cada um podendo participar da elaboração das regras, das discussões e das tomadas de decisão a respeito de problemas concretamente ocorridos na instituição. A virtude da escola democrática está em focalizar a qualidade das relações entre os agentes da instituição. De fato, as relações sociais efetivamente vividas, experienciadas, são os melhores e mais poderosos 'mestres' em questão de moralidade" (Brasil, 1997, p. 66).

Assim, trata-se de constituir um ambiente democrático, o que também torna necessário que a escola seja gerida democraticamente. A gestão democrática favorece a formação autônoma na medida em que admite, inclusive, a participação de alunos, da comunidade e da família no estabelecimento de seus projetos, de suas regras e de suas práticas. Desse modo, a administração participativa da escola aumenta as chances de que a escola integre-se à comunidade e as famílias dos alunos acompanhem a escolarização de seus filhos, sem, com isso, descaracterizar o lugar dos educadores nas decisões pedagógicas.

"A gestão democrática da escola supõe a participação de todos nas decisões que ali se tomam. (...) A participação exige uma tomada de consciência sobre os valores presentes no processo educacional e um posicionamento crítico em relação a eles. (...) A explicitação dos diferentes posicionamentos, o debate, a troca e a consulta a todos que fazem parte da instituição, à luz de princípios eleitos por seus membros como norteadores da ação, auxiliam as tomadas de decisão" (Brasil, 1997, p. 78).

A autoridade que emana desse tipo de gestão, desde aquela exercida pelo professor em sala de aula até aquela exercida pelo diretor em relação a toda a escola, tende a ser mais bem reconhecida pelos alunos e pela comunidade, já que se sentem incluídos e partícipes. De sorte que, com a inclusão da comunidade, das famílias dos alunos, além dos próprios alunos, as regras institucionais contribuem para a identificação de todos os atores com a escola. Certamente que, de modo contrário à gestão tradicional, não se podem restringir as decisões ou a feitura das regras às mãos de um só: as relações de poder "são desviadas da sua convergência habitual - a centralização na pessoa do diretor ou do professor - confluindo para o grupo representativo de todos os elementos envolvidos no processo " (Vianna, 1989, p. 24). Sem essa mudança, a gestão escolar deixa de ser concebida enquanto "mediação na busca de objetivos" - uma atividade-meio a serviço da finalidade última da escola, o ensino-aprendizagem - e se mantém burocratizada, no modelo tradicional (Paro, 2000). Até os fantasmas que confundem partilha do poder com fragmentação da ordem e pulverização da autoridade (Neves, 1998, p.98) não se justificam mais, porque os agentes continuam sendo o diretor e os professores, sem os quais não há possibilidade de manutenção da escola.

Portanto, segundo esse ideal pedagógico, a autonomia escolar, condição para o desenvolvimento da autonomia moral dos alunos, implica necessariamente a inserção da escola em uma rede interinstitucional que a ultrapassa e a emoldura: não se compreende a escola sozinha, ilhada, à parte das outras instituições que lhe margeiam, constituem e dependem dos seus serviços educacionais. Autonomia não é sinônimo de auto-suficiência. É o reconhecimento maduro das próprias capacidades, diante da consciência da permanente necessidade dos outros. Por isso, adverte Paro (2000, p. 305):

"Se os fins humanos (sociais) da educação se relacionam com a liberdade, então é necessário providenciar as condições para que aqueles cujos interesses a escola deve atender participem democraticamente da tomada de decisões que dizem respeito aos destinos da escola e a sua administração (...) envolvendo principalmente os usuários e a comunidade em geral (...)".

Resumindo nosso percurso até aqui: se a escola buscar cumprir suas tarefas, estará preocupada com a formação moral de seus alunos. Se essa formação é uma de suas metas, convém que a instituição escolar seja um ambiente propício para a autonomia. Esse ambiente, por sua vez, deve ser democrático; isto implica dizer que os acordos institucionais fundadores e as regras cotidianas sejam firmados de modo a valorizar todos os atores que compõem a escola, inclusive pais dos alunos e comunidade em geral.

Contudo, as relações com pais e comunidade, externamente, assim como as relações intersubjetivas no interior da escola nem sempre ocorrem de forma ideal. Na verdade, elas acontecem, freqüentemente, com muitos conflitos, pois a escola, como qualquer outra instituição, lida com contradições decorrentes da sociabilida-de humana, no seu cotidiano escolar.

"Nas instâncias de participação em que estão presentes membros que representam os diferentes segmentos da escola, com freqüência surgem conflitos que exigem negociação, para que a escola realmente atenda os anseios da comunidade e ao mesmo tempo seja valorizada por ela" (Brasil, 1997, p. 78).

Assim, as instituições comportam, como condição sine qua non, o conflito. A escola, entre elas, não é exceção. Por certo que, diante dessa condição de conflito, inerente à existência da escola, um ambiente escolar mais democrático tende a favorecer uma solução melhor para esses conflitos da convivência. Mas, se a solução implica a participação de todos os membros da instituição escolar para resolver coletivamente problemas comuns, ficam algumas perguntas: por que, tantas vezes, é tão difícil lidar com os conflitos em instituições, inclusive a escola? E, por que, muitas vezes, os conflitos na escola tomam a forma de exclusão dos pais e da comunidade por parte dos educadores? Quais as conseqüências dessa exclusão do externo sobre o projeto de formação moral dos alunos?

 

CONTRIBUIÇÕES DA PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL PARA O ENTENDIMENTO DO CONFLITO NA ESCOLA

A Psicanálise nasceu como ciência do inconsciente. As descobertas acumuladas, já com o trabalho de Freud em nível do psiquismo individual, fizeram-no estender parte de sua teoria ao funcionamento social. Assim, partindo do entendimento de que o psiquismo humano é marcado por uma divisão essencialmente conflituosa entre inconsciente e consciente, entre desejos e limites, o olhar psicanalítico, desde Freud (1930), vem indicando precisamente esse paradoxo típico da sociedade humana e, por decorrência, das instituições: nós nos fazemos sujeitos autônomos, mas em uma sociedade que nos quer igualmente grupais, submetidos a regras que permitem a convivência. Liberdade e responsabilidade, direitos e deveres dialeticamente se complementam. Nesse processo, uma certa parcela de infelicidade é produzida em decorrência da necessidade de estabelecerem-se limites aos desejos individuais, a fim de que objetivos comuns sejam alcançados. A mesma convivência que mitiga alguns sofrimentos impõe outros; as mesmas estratégias de sobrevivência terminam por provocar outros conflitos entre as necessidades sociais e os desejos individuais. "A inadequação das regras que procuram ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no Estado e na sociedade", é o que Freud denomina terceira fonte do sofrimento humano (Freud, 1930, p. 105).

Nesse sentido, as instituições experimentam um conflito de base que as fundamenta, como ocorre com os indivíduos, na medida em que há uma continuidade entre sociedade e instituições - até pelo fato de que o social "é o que só pode apresentar-se na e pela instituição" (Castoriadis, op. cit, p. 135). Mesmo assim, o social "é sempre infinitamente mais do que a instituição" (ibidem). Por conseguinte, o social ganha contornos da totalidade em que se inserem as diferentes instituições.

O social tem o suporte de uma característica - típica das instituições - que as ultrapassa: a simbolização. As instituições só podem ser entendidas, nesta perspectiva, como produtos e produtoras de símbolos, cuja função consiste em reler a realidade a partir dos vários sentidos que se lhe podem ser atribuídos criativamente. Assim, as instituições, além de estruturarem a sociedade, ganham um estatuto simbolizador, pelo qual os indivíduos aprendem a lidar com seus desejos considerando, igualmente, a alteridade - isto é, os limites colocados pelos desejos dos outros - a partir da mediação das leis, normas, regras.

A psicopedagogia institucional, apoiada também nesses pressupostos, "engloba um conjunto heterogêneo e fragmentário de teorias, técnicas, resultados de pesquisas e de intervenções. Trata-se, no campo educativo, de pesquisas institucionais com fins diagnósticos que servem de suporte para as ações de assistência técnica, avaliação ou assessoramento" (Garay, 1998, p. 111).

A psicanálise introduz, nesse conjunto heterogêneo a que se refere Garay, as considerações acerca dos efeitos que os desejos inconscientes exercem nas instituições e grupos - desejos esses cujas origens remontam às dinâmicas da vida psíquica, desenvolvidas, sobretudo, a partir da infância, com o ingresso da criança no mundo dos adultos (com seus símbolos, sua cultura, sua sexualidade). Desse modo, a análise institucional psicanaliticamente orientada permite constatar que a escola não apenas se sustenta por suas relações com o social, mas participa do conflito antes mencionado, entre as necessidades do coletivo, por um lado, e necessidades e desejos individuais, por outro. Esses desejos, em particular, "constituem o nível (inconsciente) de aspirações que [as pessoas] esperam realizar na instituição, esperanças nem sempre explícitas, pelas quais com freqüência se produzem buscas inúteis, porque ali não podem ser alcançadas" (Butelman, 1998, p. 24).

Voltada para entender os conflitos subjacentes nas interações em âmbito escolar, essa prática - por meio de um esforço de explicitar e interpretar significados (manifestos ou latentes) que circulam na produção simbólica (especialmente através da linguagem) - "permite um questionamento, um diagnóstico e uma elaboração de recursos para a solução de problemas em situações de carência, conflito, crise, em instituições educacionais" (Butelman, 1998, p. 11).

Nessa produção são considerados, além da estrutura física da instituição, a memória da escola, seus documentos, normas e objetivos manifestos, produzidos no decorrer de sua história. Igualmente, são consideradas as falas individuais - sempre emolduradas pelo contexto grupai em que essas falas aparecem, cuja dinâmica deve ser analisada - naquilo que sua enunciação indica dos desejos, expectativas, sentimentos, objetivos e representações acerca de si mesmos, das outras pessoas implicadas na instituição e da própria instituição como um todo. Destacam-se, portanto, características imaginárias desse espaço, pois sobre as representações da instituição (construídas individual, mas também coletivamente), bem como sobre a totalidade mais ou menos fragmentária que elas compõem, incidirão também desejos inconscientes de cada membro. Por fim, os conflitos entre os níveis individual e institucional aparecem na defasagem entre os discursos manifestos e os sentidos escondidos sob as práticas cotidianas. Assim, torna-se possível descobrir "sob a rede de interações conflitivas, a multiplicidade de significados profundos, motivo pelo qual se torna possível traduzir e explicar o que não se entendeu até o momento com descrição dos fenômenos; (...) Quer dizer que aqueles significados que permanecem ocultos nos conflitos estão, contudo, 'acontecendo' em alguma parte do discurso, e devemos levá-los ao nível das palavras (...), encontrar-lhes o sentido para localizá-los no tempo histórico e retirá-los da circularidade repetitiva do conflito, (...) já com a inclusão das possíveis mudanças" (Butelman, 1998, pp. 22-24).

A escola, por se caracterizar como uma das instituições de existência, tende a ser mais aberta a tais movimentos de transformação e auto-avaliação, na medida em que seus objetivos estão essencialmente implicados no intersubjetivo e nos conflitos dele resultantes. Um bom exemplo dessa implicação: ela experimenta o paradoxo moral constituído pelo par autonomia versus obediência; ao mesmo tempo em que busca educar os indivíduos de modo que estes venham a ser autônomos, visa igualmente ao desenvolvimento de valores caracterizados pela referência à alteridade (respeito, solidariedade, tolerância etc.) - os quais ganham tanto direções negativas (não agir em função do que prescreve um valor) quanto positivas (agir em função dum valor).

Em resposta à primeira das três perguntas formuladas acima, fica claro agora que a dificuldade de lidar com conflitos nas instituições, inclusive a escolar, resulta, também, da possibilidade permanente de serem eles investidos por determinações do inconsciente -freqüentes, impossíveis de prever, de evitar ou, por isso mesmo, de manipular antecipadamente. Restam, ainda, duas perguntas: aquela sobre a exclusão de pais e comunidade da escola e, por derivação, a última, acerca das conseqüências dessa eventual exclusão sobre o projeto de formação moral dos alunos.

 

OS PAIS E A COMUNIDADE COMO UM OUTRO PARA A ESCOLA

Crema (1998) observa que, no processo de urbanização e de industrialização decorrentes da Modernidade, a escola assumiu, em muitos aspectos, funções que eram atributo da família extensa (avós, tios, primos). Disso decorre que os educadores ganharam, com as novas responsabilidades, mais credibilidade: a palavra dos professores e técnicos tornou-se quase inquestionável. Ao lado dessa valorização do saber técnico, a crise do paradigma familiar tradicional fez com que muitos pais duvidassem de seus métodos de ensinar normas e valores. Para os pais, a escola passou a representar esse outro que quebraria a exclusividade das relações parentais com a criança, agora também aluna.

Conforme a presença ou ausência de identificação com os ideais da escola, os pais conseguirão ou não fazer a renúncia da relação exclusiva com seu filho ou sua filha, reforçando o processo de diferenciação pais - criança. Em caso de identificação, podem surgir mais facilmente a confiança na competência docente e a aceitação da separação da criança. Na ausência dessa identificação, os pais podem sentir-se traídos, deslegitimados, provocando uma rivalidade que, no mais das vezes, inicialmente é só imaginária. O excesso de identificação, por sua vez, também é problemático, porque a escola é demasiadamente idealizada e os pais, quando mais imaturos, podem sentir inveja da esperada competência escolar ou mesmo não confiarem mais em si mesmos, na sua capacidade de formar seus filhos. Passam a não se considerarem mais capazes de decidir, de participar das decisões sobre seus filhos, inclusive as escolares.

Do lado da escola, as mudanças sócio-históricas também aumentaram os conflitos relacionados à competência: muitos profissionais sentem-se despreparados para lidar com os novos desafios oriundos do aumento de suas delegações; outros, ainda, tendem a crer nesse superpoder imaginário, supondo que podem resolver todos os problemas escolares no âmbito das relações internas à escola. Para além da questão da competência, as próprias relações entre escola, pais e comunidade tornaram-se mais complexas, já que, com uma maior delegação para a escola, os pais passaram a usar o tempo disponível para o trabalho (especialmente as mães). No entanto, são os pais que ocupam uma importante posição de alteridade para a escola. Nas palavras de Crema (1998, p. 153):

"Os pais, se bem que não façam parte da vida escolar cotidiana, têm um significado e um lugar transcendentes nela, dado que, geralmente, são os que escolhem o colégio para onde irão seus filhos, sobre a base das expectativas culturais, sociais e econômicas que tenham para com eles. São os pais, pois, os que, em última instância, definem a continuidade do aluno na escola."

Para a escola, por conseguinte, é fundamental uma comunicação com os pais, os quais muitas vezes, no caso da escola pública, também compõem parte da comunidade em que está inserida. Partindo do modelo triádico de inspiração edípica, na relação entre educadores e alunos que se dá no interior da escola, os pais (e a comunidade local) funcionam como o terceiro que se insere na relação dual mãe-bebê, estabelecendo limites para os desejos perversos que possa haver e configurando uma nova dinâmica, até mesmo mais autônoma para todos os membros da tríade.

A escola que inclui os pais e a comunidade nas suas decisões e projetos é uma escola que facilita, no processo educacional, uma melhor estruturação psíquica que aparece, inclusive, na formação progressiva de uma autonomia moral em seus alunos. Ainda seguindo o modelo triádico primário, assim como a mãe que, diante do bebê, acolhe o pai, a escola que insiste na inclusão dos pais e da comunidade (enquanto seus interlocutores no processo pedagógico) muito provavelmente se mantém ligada à totalidade constituída pelo social e continua valendo-se dos instrumentos de simbolização criados por esse social para dar conta de sua tarefa e dos conflitos eventualmente surgidos. É uma escola que se mantém ativamente dentro da rede interinstitucional, por onde circulam mais facilmente as produções de sentido. Por isso mesmo, é reinvestida de identificações, é aproximada do modelo, do ideal, sendo eventualmente considerada até uma extensão e uma ampliação do que possa haver de protetor no espaço familiar.

O contrário também é verdade: a escola que se desliga desse contexto social tende a excluir os pais e a comunidade, favorecendo o surgimento de conflitos que não serão solucionados de maneira mais democrática. Essa escola - marcada ora pela tendência ao isolamento (fazendo pensar na perversão da auto-suficiência); ora pela tendência à fragmentação (fazendo pensar na psicose); ora ainda pela tendência ao desinvestimento e ao descaso indiferente (fazendo pensar na depressão) - fica fora da totalidade social, distancia-se da vida de seus alunos e gradualmente perde, para estes, o valor institucional que lhe é próprio. Desse modo, essa escola é destituída de qualquer saber, deixando de favorecer a simbolização através da cultura que deve transmitir. Ela passa a ser apenas um lugar, um prédio, um estabelecimento que pode ser usado para outros fins que não o de sua especificidade. Isso ocorre quando muitas escolas tornam-se apenas lugares para comer ou para o lazer. Se houver alguma ordem, ela será, no mais das vezes, resultado de relações autoritárias.

A exclusão dos pais e da comunidade contribui significativamente, segundo o modelo interpretativo aqui adotado, para a retirada do terceiro da relação pedagógica. Perdida a mediação, aparecem conflitos que demandam, como sintomas comportamentais, a superação através do retorno da intermediação: a violência, a depredação do prédio ou dos materiais escolares, a indisciplina. Excluir pais e comunidade também comporta o atendimento a movimentos institucionais de caráter e conteúdo inconscientes.

Qual o caráter inconsciente nesses movimentos? Nessa leitura, uma cisão entre a instituição escolar e seu substrato social, com freqüência manifesta-se, como já mencionamos antes, em processos de desestruturação que sofrem os efeitos de interesses antagônicos latentes e não negociados: o isolamento interinstitucional (escola sem comunicação com os pais e a comunidade) repercute na fragmentação e deterioração da rotina e das relações intersubjetivas que mantêm o cotidiano pedagógico. Daí, por fim, resta apenas um passo para a indiferença que abandona e despreza qualquer possibilidade de reconstituição da atividade pedagógica por meio do diálogo, da negociação, do contrato institucional. Como conteúdos inconscientes que podem estar na fonte dessas práticas institucionais excludentes, alimentando as relações intersubjetivas, pode haver desejos narcísicos, ódios mal elaborados, negações (parciais e, em casos extremos, até mesmo totais) da alteridade ou alianças perversas de subgrupos, ausência da simbolização e, em decorrência, o descrédito do diálogo como alternativa para a solução dos impasses surgidos. Escolas assim entram numa marcha que pode culminar até mesmo na completa falência institucional, exigindo intervenção do poder público.

Vistos, portanto, alguns dos motivos inconscientes que ajudam a entender por que os conflitos escolares podem expressar-se na exclusão das famílias dos alunos (e da comunidade inteira) do processo educativo, resta entender as conseqüências desse processo, comparando duas escolas que estabeleceram, segundo esses dois modelos, tipos de vinculação opostos com os pais e a comunidade.

 

DENTRO OU FORA: ESSA ESCOLA, ONDE ESTÁ?

A melhor forma de responder à terceira questão, parecenos, é partir do concreto, em que podem ser observadas diretamente as conseqüências da exclusão do referencial mais externo dos pais e comunidade sobre o projeto de formação moral dos alunos. Comecemos pela Escola Um.

Quando da realização da pesquisa que resultou em nossa dissertação de mestrado sobre a violência na escola (Andrade, 1998), tivemos a oportunidade de conhecer alguns estabelecimentos de ensino em João Pessoa. Considerando as impressões gerais que cada qual oferecia, inicialmente nos perguntamos se a escola visitada, no limite do possível, mantinha ou não boas relações com as famílias dos seus alunos e com a comunidade em que se inseria. Em resumo, se estaria dentro ou fora das relações interinstitucionais, incluindo ou excluindo as referências aos atores externos.

Entre várias, uma particularmente pareceu ser o lugar adequado para o estudo de caso a ser realizado. A Escola Um, como será doravante identificada, queixava-se de uma violência crescente entre os alunos e se mostrou, ao longo de um ano de observações, com o apoio de questionários e entrevistas realizadas durante nosso acompanhamento, nitidamente fora da rede interinstitucional que, em princípio, liga a escola pública à família, à comunidade e ao poder que a instituiu.

A história dessa escola ajudou a entender esse estado de coisas. Situada em um bairro de classe média, atendia, em seus primórdios, à comunidade do lugar. No decorrer de dez anos, com a crescente depauperação do ensino público, a escola passou a ser utilizada por alunos oriundos de uma favela próxima. Assim, relegada pela comunidade original, passou a servir a outra que, por não ter inicialmente escolas em seu território, estudava em outras escolas públicas um pouco mais distantes do bairro. Com esta comunidade, seus educadores, também de classe média, não se identificavam:

"Quando eu cheguei aqui, já peguei a coisa mais... problemática, com o pessoal da favela (...). Talvez fosse mais fácil para as outras direções administrar isso aqui, por conta da clientela com melhores condições que agora. O pessoal do bairro [em que se localiza a escola] foi deixando a escola. Foi começando a se assustar" (vice-diretor).

Certamente que esse processo ocorreu com a maioria das escolas públicas, mas o que se ressalta aqui é o estranhamento entre o administrador e a comunidade de origem de seus alunos, que chega a supor o medo como causa do afastamento da primeira clientela, numa possível projeção de seus próprios receios em relação a alunos tão diferentes do que ele gostaria. No passado, a clientela inicial, referida por ele, testemunhou uma escola que mantinha uma rotina pedagógica que incluía reuniões para vários fins: planejamento, encontro com pais, conselho escolar. Técnicos e professores conseguiam relacionar-se de modo mais cooperativo. No presente, contudo, o distanciamento entre escola, pais e comunidade só aumentava, alimentando dificuldades com a disciplina na relação professor-aluno, com a preservação material do prédio e de seus pertences. Daí o desânimo, registrado por uma professora que acompanhou essas modificações: "Minha impressão que ficou é péssima! É de fracasso, diante do que foi."

A Escola Um encontrava-se em péssimas condições materiais: suja e depredada, com carteiras quebradas, salas sem limpeza, paredes pichadas, lâmpadas quebradas; banheiros com descargas quebradas, sem papel higiênico. Faltavam materiais de limpeza e de consumo. Muitas salas estavam sem escrivaninhas e portas. Merenda e espaço para lazer (não existente na comunidade dos alunos) eram vistos pelas educadoras entrevistadas como os dois grandes fatores motivadores para os alunos na escola. A distribuição de merenda era irregular na escola, que tinha dificuldades em administrar a quantidade de alimento disponível para os alunos, por não fazer planejamentos e previsões, por faltar reposição pela Secretaria de Educação e por haver pequenos furtos de comida na dispensa (tudo isso fazendo pensar em uma grande dificuldade em exercer o controle sobre sua própria economia interna, deixada ao acaso).

Enquanto a primeira fase do ensino fundamental funcionava regularmente, a segunda fase quase não funcionava e era precariamente mantida pelas disciplinas de Português e Matemática (cujas professoras iam trabalhar), já que os outros professores, muitas vezes, simplesmente não compareciam à escola para cumprir suas responsabilidades. "A verdade é que a gente tem professores que dizem abertamente que não vêm e não vêm mesmo, não é?", comentou uma outra educadora.

Resultado: não se faziam mais planejamentos pedagógicos em conjunto e as técnicas não mais se envolviam com o trabalho pedagógico, o que provocava um descompasso entre disciplinas e entre os turnos, especialmente no que se referia à avaliação. Na verdade, a escola não promovia mais qualquer reunião com educadores ou pais. "Aqui tudo é solto!", disse a professora de Português.

Solto é realmente um adjetivo apropriado para o que se passava naquela escola, cujas educadoras sentiam-se desamparadas e despreparadas para lidar com tantos conflitos. Pior: não tinham a quem recorrer como referência de autoridade, já que a própria diretora visivelmente não conseguia assumir de modo adequado seu lugar de gestora, percebendo-se fraca e incapaz. Durante uma entrevista, ela chegou a declarar: "Quando eu paro e penso, me sinto tão impotente pra... reverter alguma coisa! Eles aqui me têm como autoridade, e eu me sinto assim, tão fraca, tão mole!"

Diante de tanta desorganização, as relações com a Secretaria de Educação eram bastante deficientes, segundo afirmação da diretora, a escola era dependente (e vítima) de uma burocracia institucional que atrasava a entrega de material para consumo e de merenda para os alunos. O tratamento dado pela Secretaria de Educação, conforme foi descrito, beirava a indiferença e o descaso para com a escola. "Um esmoler. Toda vez que a gente precisa de algo tem de ir pedir na

Secretaria, que só dá pouquinho, uma vez na vida, como se a gente fosse pedir esmola! É assim que eu me sinto...", disse a diretora.

Estavam distantes dos pais e/ou responsáveis pelas famílias de seus alunos, de tal forma que seu trabalho se fazia isoladamente, sem qualquer integração com o universo deles. Todo o processo de ensino-aprendizagem tornava-se parcial, muitas vezes sem continuidade pela família, sem o apoio parental. Não havia, à época do início da pesquisa, reunião de pais há aproximadamente dois anos.

"Se a gente fizesse reunião, falasse com os pais... mas o problema é que os professores não querem ficar (...). Noventa e nove por cento diriam: 'Eu, ficar depois do expediente? Nem pensar!'" (professora de Matemática).

O distanciamento entre escola e comunidade causava, entre algumas das educadoras, uma angústia visível, principalmente porque as constantes faltas já não provocavam qualquer reação por parte dos pais ou da comunidade. Elas já não faziam mais falta, sentindo-se desimportantes, dispensáveis, sem lugar. Disse, certa vez, uma professora da primeira fase:

"Quando nós não vamos dar aula, não damos nem um aviso aos pais, a comunidade não chega pra perguntar: 'Por que vocês não vão dar aula? Por que a escola vai fechar?' E nem nós vamos a eles dizer o porquê..."

A Escola Um, por conseguinte, era o retrato desse descompasso entre a instituição escolar e seu entorno. Se sua queixa inicial era a da violência dos alunos, pouco a pouco as educadoras entrevistadas e acompanhadas foram conscientizando-se de que, por trás do que consideravam como violência, havia indisciplina dos alunos e irresponsabilidade dos professores. Tanto educadores quanto alunos agiam, quando muito, segundo critérios morais heterônomos, estabelecendo a figura da diretora como a única responsável pela disciplina e o bom funcionamento das regras. Para não reconhecerem mais auto-nomamente o próprio compromisso com os acordos pedagógicos, faziam repousar sobre a figura da diretora, fundamentalmente, a função ordenadora e dehmitadora das relações na escola - o que implica dizer também censora. Este ambiente heterônomo expressava-se em conceitos diametralmente opostos de autoridade, desde a valorização da ditadura militar, como exemplo de poder eficaz, até a confusão entre democracia e laissez-faire.

"Nós temos um exemplo aqui na escola: nós temos uma diretora democrática, só que muitos daqui não entendem o que é democracia, porque democracia é trabalhar juntos, unidos. Aí porque ela é democrática e abre a mão um pouquinho, porque falta um e ela dispensa, aí todo mundo não quer mais voltar! E isso, democracia? 'Não, a diretora é democrática, não tem problema que a gente falte, não!' Mas isso aí, a democracia é onde está a disciplina, o compromisso, o assumir, a democracia é isso: você trabalhar com liberdade, mas assumindo o que você faz, eu acho que é isso" (professora de Matemática).

Por sua vez, os alunos também reclamavam por alguém que aplicasse as normas para todos, com igualdade, na escola. A idéia de uma hierarquia verticalizada necessária à manutenção da ordem na escola, em cujo topo estaria a direção, era compartilhada pelos alunos, que, em redações e questionários aplicados pela professora de Português, pediam mais autoridade por parte da diretora.

À pergunta: "Como você gostaria que sua escola fosse?", uma aluna de 16 anos, da sétima série, estudando na Escola Um há nove anos, respondeu: "Eu gostaria que fosse maior e que tivesse um diretor que fosse mais responsável do que o que a escola tem agora". E à pergunta: "Você gosta da organização de sua escola? Por quê?", outra aluna, de 17 anos, estudando na sétima série, há seis anos na Escola Um, foi mais incisiva ainda, ao considerar o desmantelamento da autoridade nas relações entre os educadores: "Não! Porque não tem organização em nada. Os organizadores não têm capacidade de organizar nada. Nem eles mesmos". O que a aluna denuncia é a mais pura verdade: quando os responsáveis pela coordenação do ambiente escolar e pela educação moral não conseguem assumir suas tarefas com a autonomia pretendida, não podem criar um ambiente que ofereça as condições ideais para o desenvolvimento moral de seus alunos. Com uma afirmação como essa, pode-se até dizer que a aluna já foi além dos seus professores!...

Direção e professores têm a responsabilidade de suportar a função simbólica de representantes dos acordos institucionais. Ao atribuírem a responsabilidade pelos desarranjos da escola sempre aos outros, as educadoras buscavam fugir às implicações daquela função de autoridade, que repercutiria sobre si mesmas em primeiro lugar. Na Escola Um, não apenas havia isolamento externo da escola, mas, no interior, negações das regras, afrouxamento da autoridade e fragmentação das relações pedagógicas.

Entende-se que a descaracterização da autoridade, em suas diversas instâncias, nas relações entre educadores e alunos, alimentava, inconscientemente, a fantasia de onipotência infantil, oposta ao reconhecimento da castração. Se, por um lado, aquelas educadoras certamente projetavam na indisciplina de seus alunos parte de seus desejos mais profundos: agir irresponsavelmente por não ter quem as controlasse - quando elas mesmas deveriam regular-se autonomamente e, assim, contribuírem para a desejada formação moral de seus alunos - era a contrapartida que permite fazer essa inferência -, por outro lado, elas também não queriam interditar, seja por imaginarem que os alunos eram mais fortes que elas (projetando sobre esses alunos a intensidade de seus próprios desejos), seja, certamente, por estarem identificadas com eles (não querendo ser interditadas, lidar com limites, deveres e impossibilidades de maneira mais criativa e construtiva).

A Escola Dois, então, foi escolhida por servir como contraponto. E uma escola que incluía de maneira expressiva a família dos alunos em suas decisões. Em condições semelhantes à Escola Um, viveu uma história inversa: com o tempo, foi sendo ampliada, com investimentos que a valorizaram infra-estruturalmente. Sempre serviu à comunidade em que se situa, não havendo, portanto, qualquer modificação substancial na origem econômica ou social de seus alunos. Essa comunidade, tradicionalmente, convive com crimes e violência.

Segundo depoimento das educadoras entrevistadas, estava havendo um aperfeiçoamento constante na organização da Escola em geral, tanto no que diz respeito a formas de garantir a motivação, a disciplina e a aprendizagem dos seus alunos, quanto no que diz respeito ao contato com os pais e a comunidade, por um lado, e à integração, estímulo e comunicação entre seus educadores, por outro.

"Melhorou muito de uns tempos pra cá e vem melhorando mais ainda. No geral é assim, é uma escola que o pessoal não quer sair. Tem professor que prefere pegar dois ônibus pra vir pra cá, ao invés de deixar a escola. Então a gente fica contente" (vice-diretora).

Na época da pesquisa, a Escola Dois foi descrita pelas educadoras entrevistadas e pelos alunos (através de questionários) com várias características: limpa, organizada, atraente, motivadora, capaz de manter a presença do aluno, com baixos índices de evasão. As educadoras referiam-se ao restante do corpo docente como um grupo que buscava manter-se integrado, trabalhando em equipe, o que era fator de valorização da escola pelos próprios docentes, alunos e comunidade. As entrevistadas revelaram que os educadores em geral faziam o possível para atenuarem os efeitos das muitas privações materiais e mesmo afetivas dos alunos - principalmente no campo ideológico e moral.

A Escola Dois comunicava-se com os pais regularmente, para avaliação conjunta do andamento na aprendizagem dos filhos. Algumas metáforas também eram utilizadas, tratando especialmente dessas relações entre escola e família/comunidade. Ela era "refúgio" e "casa", na medida em que oferecia segurança (muitas vezes não existente na comunidade de origem) e intermediava o processo educacional entre pais e os filhos que eram seus alunos: enquanto os métodos dos pais (educacionais em geral e disciplinares em particular) tenderiam a ter base no castigo físico, os métodos dessa Escola eram caracterizados por critérios dialogais, buscando mais o convencimento pela palavra.

Assim, essa Escola adotou princípios de relacionamento com o aluno, que tinham como eixos o diálogo e a calma, mesmo em situações de atrito entre eles ou entre eles e os educadores, incentivando os professores (que no passado eram referidos como sendo, muitas vezes, grosseiros e desrespeitosos) a adotarem esses eixos na relação com seus alunos. Para tanto, a Escola tinha o hábito de consultar seus alunos por meio de questionários, sobre diferentes temas relacionados ao cotidiano institucional. Também estava preocupada em estabelecer hábitos de higiene e convivência com eles, tendo mais dificuldade com aqueles alunos novatos, oriundos de outras escolas, que ainda não conheciam as regras na Escola Dois, do que com aqueles que já vinham estudando lá, desde as primeiras séries da primeira fase.

No tocante à disciplina, na Escola Dois aplicavam-se, por sugestão dos pais de alunos indisciplinados, penalidades sociais: os alunos recebiam, como castigo, o dever de trabalharem na escola, executando pequenos serviços no turno em que não estudavam. Ao lado destas penalidades, mais e mais se vinha eliminando o recurso às penalidades regulamentares (suspensão, expulsão), tendo em vista a redução de ocasiões em que o aluno se mostrava indisciplinado.

Para esse cenário contribuía, naturalmente, a figura de autoridade do diretor.

"Muito disso se deve ao diretor. Ele tem uma lei da igualdade. Por exemplo, a gente tem livro de ponto, aqui na escola. Seja lá quem for, quando falta, se coloca falta. Depois, se for justificada, a gente acrescenta a justificativa, mas quem falta leva falta. Aqui todo mundo cumpre o horário, direitinho."

Ressalte-se que a figura do diretor ainda é considerada bastante representativa da autoridade nas escolas, já que ele, na rede pública, é o responsável direto pela administração do pessoal, do material e das rotinas pedagógicas. E se tal ênfase, hoje, é revista pelos teóricos (Neves, 1998; Paro, 1987), não deixa de ser significativo que esse líder seja imaginariamente investido como o maior, senão o único, responsável pela condução das atividades na escola. Nesse sentido, se considerado na dinâmica típica da triangulação edípica, que aqui serve de base interpretativa, muitas vezes ocupa o lugar do terceiro que interdita certos interesses individuais, mas ao mesmo tempo garante, através da preservação das regras, uma proteção. Isto fica claro quando se pensa no diretor como mediador das relações entre os educadores ou entre professores e alunos. Estes últimos, que são sempre responsabilizados pelos fracassos pedagógicos na visão tradicional, vêem-se protegidos contra eventuais abusos do poder docente, já que o professor também estará submetido a regras que o impedem de usar sua autoridade de forma totalitária.

Na Escola Dois, os alunos, em sua maioria, eram apresentados positivamente por suas educadoras: motivados com o trabalho das professoras e da escola como um todo; pediam e aceitavam regras para a convivência cotidiana na escola, e eram disciplinados. O estabelecimento de vínculos afetivos favoráveis com a escola, tais como festas, passeios, concursos, premiações e outras atividades para além daquelas habituais inerentes ao ensino-aprendizagem, contribuía para manter o bom nível dessa motivação, avaliado pelas educadoras por meio de índices como a freqüência e a pequena evasão. Isto significa que a maioria participava ativamente dos eventos da escola.

É verdade que as famílias mantinham uma visão tradicional da escola e da autoridade no processo educativo. Os pais confiavam inteiramente nas decisões dos educadores, entregando-lhes a responsabilidade pela educação de seus filhos durante a permanência destes na Escola. Contudo, ainda utilizavam o critério da punição física como corretivo, muitas vezes de forma excessiva, o que era combatido pela escola. Ainda que houvesse tais diferenças conflituosas entre escola e pais, estes (em particular as mães), por seu turno, na experiência das participantes do grupo, valorizavam e legitimavam as medidas pedagógicas da escola.

O que se ressalta na Escola Dois, quando comparada com a Escola Um, é o bom suporte para o desenvolvimento moral, chegando suas educadoras a acreditar na possibilidade de suplementação de um modelo menos autoritário e repressivo (fundado na punição física), através do modelo dialogai. Lá não apenas a autoridade era assumida por seus responsáveis, mas adequadamente representada pelo diretor, que fazia valer as regras de convivência. A consulta aos alunos provavelmente aumentava as chances de que eles se sentissem valorizados e efetivamente participantes das decisões que interferiam no cotidiano em que estavam envolvidos. Os pais e a comunidade, a considerar os discursos dos próprios alunos e a história da escola, ídentificavam-se com a instituição, que eventualmente funcionava mesmo enquanto mediadora entre os alunos e suas famílias.

É preciso insistir que não se quer, nessa caracterização, desenhar a escola perfeita. Havia também vários problemas na Escola Dois. A forma como eram considerados e resolvidos, todavia, era bem diferente daquela na Escola Um: não havia referência, nos discursos, à impotência e sim a dificuldades. Não havia alianças perversas, mas igual aplicação das regras para todos. Havia integração entre os educadores e entre os turnos da Escola, o que, há muito, não ocorria com a Escola Um. Com essa distribuição de forças, na Escola Dois a interdição aos desejos individuais, decorrente das regras de convivência, não funcionava estritamente como um peso, porque era contrabalançada pelo aspecto positivo do interdito: a promessa, inerente à preservação do valor atribuído ao objeto que dava sentido a essa Escola -o conhecimento e sua gradual aquisição, através da aprendizagem. É o que encontramos nas palavras de um aluno da segunda fase, quando lhe foi perguntado sobre o que achava da Escola Dois: "Ela é muito legal para quem gosta de estudar. Eu acho que a escola é muito organizada."

Manter-se integrada à rede interinstitucional - que, no caso da escola pública, inclui a família e a comunidade de origem dos alunos -traz como conseqüência para o ambiente escolar o que Neves (1998) chama de racionalidade interna: essa organização, favorecedora do desenvolvimento do juízo, dos sentimentos e da conduta autônomos nos alunos. Incluir os pais significa, para a escola, manter-se incluída, dentro da rede simbólica que produz sentidos para a instituição, favorecendo o que Neves (1998) denomina a racionalidade externa da instituição escolar. Desprezar o contato, a comunicação com o exterior repercute sobre a organização interna da escola, deteriorando seus hábitos, apagando seu sentido e obscurecendo suas metas.

"A autonomia coloca na escola a responsabilidade de prestar contas do que faz ou deixa de fazer, sem repassar para outro setor essa tarefa e, ao aproximar escola e famílias, é capaz de permitir uma participação realmente efetiva da comunidade, o que a caracteriza como uma categoria eminentemente democrática" (Ibidem, p. 99).

Assim, evidencia-se uma relação diretamente proporcional entre uma escola que, mantendo a autonomia sempre como uma meta (por vezes, carregada de uma saudável utopia), tende a oferecer um ambiente pedagógico no qual são maiores as possibilidades para o desenvolvimento moral de cada aluno, também este em direção às capacidades de julgar, sentir e agir autonomamente.

Dentro ou fora: onde fica cada escola? A posição que assumir determinará os seus rumos institucionais e também será sempre efeito de motivos inconscientes que preenchem a base dos projetos e atividades pedagógicos. Como dissemos, entre esses motivos há oposições. Cabe aos educadores valerem-se do caráter mais construtivo, sublimatório, das forças inconscientes para que elas sejam, dentro dos limites e incertezas das relações humanas, aproveitadas em benefício dessa convivência, que sempre pode oferecer, quando adequadamente estruturada, sua parcela de alegria e de prazer.

 

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Recebido em dezembro/2001.

 

 

NOTAS

1 Aqui entendida no sentido hegeliano do (ermo, num processo pelo qual o sujeito se reconhece a partir do outro, da alteridade.
2 Para Kaës, as instituições têm importância inclusive porque são responsáveis pela realização de "funções psíquicas múltiplas", constituindo "o fundo da vida psíquica no qual podem estar depositadas e contidas algumas das partes da psique que escapam à realidade psíquica" individual (1991, p.27), já que só são produzidas e mantidas na inserção institucional (p. 29). Um bom exemplo da influência dessa dinâmica institucional sobre o funcionamento psíquico é o que o autor denomina "pacto denegatório" (pp. 46-48).
3 Várias vezes, esse grupo representativo tem se constituído no conselho escolar, como é a proposta da autora citada.
4 Classificamos a Psicanálise como ciência porque concebemos por ciência o conhecimento que, tendo um objeto específico, se produz sistematicamente, a partir de um método de investigação. A teoria psicanalítica, nesse sentido, é expressão de um conhecimento científico, ainda que não atenda os critérios epistemológicos estabelecidos para as ciências pelo Positivismo - a começar pelas características de seu objeto de investigação, o inconsciente: não-controlável ou previsível, perceptível apenas indiretamente por seus efeitos sobre o restante do psiquismo humano e das nossas produções culturais.
5 A expressão foi criada por Eugène Enriquez para designar as instituições voltadas não para a produção, mas para a formação e preservação das relações humanas, ou seja, instituições que não visam diretamente à produção econômica, mas ao desenvolvimento individual e social (Garay, 1998).
6 Duas observações: primeiramente, não queremos configurar uma oposição extremada. Não havia uma escola absolutamente perfeita e oulra totalmente sem remédio. Ao contrário, eram escolas que tinham mais semelhanças que distinções. Segundo, tanto a Escola Um quanto a Escola Dois pertenciam à rede pública. Na rede pública, os pais e a comunidade têm especial oportunidade de uma participação mais ativa na gestão escolar, através de conselhos que, geralmente, não são admitidos na rede privada de ensino. A rede pública, nesse sentido, tem melhores condições de experimentar a proposta democrática que, como é suposto pelos teóricos, favorece o desenvolvimento moral autônomo de seus alunos.
7Simbólico foi o fato de que, com as primeiras verbas federais, decidiram reforçar os limites da escola, aumentando significativamente o muro e acrescentando o portão principal (que não existia).
8 Apesar de estar em atividade nos três turnos, não havia qualquer comunicação entre eles. Uma professora chegou a comentar, rindo, que não havia uma, mas três escolas no mesmo prédio,
9 A escola estabeleceu mecanismos de comunicação entre os turnos: o uso de diário da escola, em que eram registrados os principais acontecimentos de cada turno, com recados para o turno seguinte, bem como reuniões de planejamento e avaliação entre os administradores e os técnicos dos três turnos.