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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. v.8 n.14 São Paulo jun. 2003

 

EDITORIAL

 

Os autores que apresentam artigos no dossiê foram convocados a escrever sobre a incidência da escrita em sua clínica com crianças, por meio de articulações teóricas ou da escrita de casos clínicos construídos a partir do tema. Abordam as implicações da escrita nas estruturas da neurose, da psicose e do autismo e, ao estilo de Freud, interrogam sua atividade clínica e fazem a teoria trabalhar.

As relações entre a escrita inconsciente e a produção gráfica da escrita alfabética fundamentam os trabalhos. Eixo de intervenção diagnóstica e de direção do tratamento, a escrita se destaca na prática clínica com crianças, muitas vezes oferecendo-se como a única modalidade da linguagem acessível ao sujeito.

Cristine Lacet apresenta as noções de letra e escrita em tempos distintos da obra de Lacan para precisar suas relações com o significante, constituição do sujeito, e a clínica do literal.

Em um seminário, Alfredo Jerusalinsky estende a noção de letra em sua relação com a escrita ao considerar a ortografia como reveladora da instância da letra no inconsciente, e portanto um elemento que modula a inscrição do significante em uma determinada série. Acompanhado por seus debatedores, desdobra as conseqüências clínicas dessa construção e amplia o entendimento e o manejo de alguns fenômenos da psicose infantil.

Elaine Milmann, psicopedagoga, trata de nos chamar a atenção para aquilo que do sujeito psicótico comparece no ato de leitura e se torna revelador de sua singular relação com o sentido. Trilha esse caminho a partir do exame detalhado das implicações que a letra assume nos registros Real, Simbólico e Imaginário. Procede ela mesma a uma leitura precisa da produção de leitura de um menino psicótico para formular a consideração de que a singularidade emerge pelo transbordamento do sujeito no texto, já que o leitor fala com o texto escrito a partir de sua específica posição na linguagem.

Clarissa Carvalho e Yone Rafaelli discutem as relações de representabilidade entre escrita e fala através do atendimento de uma menina surda que faz aquisição da língua de sinais e da escrita alfabética simultaneamente. Isolam a dimensão simbólica da escrita para concluir que tais aquisições, ao confrontar o sujeito com a castração, foram decisivas para sua estruturação.

Sandra Pavone, psicanalista, e Rejane Rubino, fonoaudióloga, apresentam com vigor clínico um caso de autismo. Não recuam diante da problematização necessária sobre o modo em que a interdisciplina comparece no caso e encontram-se ao tomar, cada uma com o contorno particular de sua clínica, a escrita como aquilo que do Outro enlaça o sujeito, faz marca, e portanto se apresenta como eixo do tratamento.

Leda Fischer Bernardino abre o dossiê introduzindo as formulações teóricas sobre a escrita em sua relação com o recalque, implicando-se de modo exemplar na escrita de um caso clínico que ilustra com precisão o papel da escrita na psicanálise com crianças neuróticas. Situa o analista como promotor da leitura que o sujeito opera da escrita inconsciente, para que, em outro registro, produza as significações que culminam na escrita de uma história em análise.

Angela Vorcaro escreve o artigo que conclui o dossiê discutindo a função que a escrita de um caso assume na clínica. A partir da escrita de Freud sobre o caso Hans, apresenta a preciosa idéia de que o ato de escrever do analista está regulado pela responsabilização quanto ao seu ato clínico. É no encadeamento significante que a singularidade do caso pode ser lida.

Estilos promove, com esse dossiê, um espaço teórico-clínico afinado à concepção de Bernardino e Vorcaro de que tanto a escrita no caso quanto a escrita do caso têm a dupla função de interrogar a vertente imaginária e produzir legibilidade, ou seja, engajar-se no esforço de simbolizar o real da clínica, que nos ultrapassa.

 

 

Ilana Katz Fragelli

Psicanalista, autora da dissertação de mestrado "A relação entre escrita alfabética e escrita inconsciente: um instrumento de trabalho na alfabetização de crianças psicóticas" (IP-USP) e organizadora do dossiê do presente volume.

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