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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. v.8 n.15 São Paulo jun. 2003

 

ARTIGOS

 

O sintoma da criança como efeito do gozo materno: entrevistas preliminares

 

The symptom of the child as effect of the maternal joy: preliminary interviews

 

 

Christiane Whitaker*

*Doutoranda e mestre em Psicologia Clínica pelo IP-USP, professora/supervisora clínica do curso de Psicologia da Unicastelo-SP e psicóloga judiciária (Tribunal da Justiça do Estado de São Paulo).

 


RESUMO

A clínica psicanalítica do infantil, em suas especificidades, remete o analista, entre outras, à questão do manejo do lugar dos pais na cena da análise. A partir de um estudo de caso, são discutidas as conseqüências da escuta clínica realizada nas entrevistas preliminares com a mãe, em duas vertentes: nas implicações sobre a direção do tratamento, bem como nos efeitos da posição materna sobre os sintomas do sujeito, no âmbito clínico-teórico. Toda a sintomatologia do jovem que circunscreve a queixa materna revela-se convergente à sua própria neurose. Portanto, a opacidade da alienação do sujeito em questão legitima a aposta do ato analítico: oferecer escuta à mãe visando a retificação subjetiva, entendendo-se como uma condição para o suporte na desmontagem do gozo ali constituído. O texto de Lacan "Duas notas sobre a criança" e os comentários de Sauret subsidiarão o embasamento teórico, e o material das entrevistas, a discussão clínica do caso.

Palavras-chave: Psicanálise infantil, Entrevistas preliminares, Sintoma infantil, Gozo.


ABSTRACT

The psychoanalytical clinic of the infantile one, in its specification, sends the analyst, among others, to the question of the handling of the place of the parents in the scene of the analysis. From a case study, the consequences of clinical listening carried through in the preliminary interviews with the mother are argued in two sources: in the implications on the route of the handling, as well as in the effect of the maternal position on the symptoms of the subject, in the scope clinical-theoretical. All the symptoms of the young that circumscribes the maternal complaint show convergent to its proper neurosis. Therefore, the opacity of the alienation of the subject, in question, legitimizes the bet of the analytical act: to offer to listen the mother aiming at the subjective rectification, understanding themselves as a condition for the support in the dismount of the joy there consisting. The text of Lacan "Two notes on the child" and the commentaries of Sauret will subsidize the theoretical basement, and the material of the interviews, the clinical discussion of the case.

Keywords: Infantile psychoanalysis, Preliminary interviews, Infantile symptom, Joy.


 

 

A clínica, propriamente dita, nos interroga num tempo "só-depois", sobre as possibilidades de intervenção do analista na direção do tratamento.

A partir de um caso, a questão sobre o manejo em relação ao lugar dos pais na análise de um jovem (13 anos) eclodiu, entretanto, a posteriori, com sua interrupção durante as entrevistas preliminares com a mãe. Questões que nascem dessa especificidade da clínica infanto-juvenil, que em seu enquadre inclui outros, além do próprio sujeito, na cena da análise, são derivadas das implicações da subjetividade materna, e/ou paterna, sobre o sintoma do sujeito, no caso em questão, portador de múltiplas anomalias. O quadro sintomatológico desse sujeito revela-se correspondente direto da posição subjetiva materna, legitimando assim a escolha pela inclusão dos dois sujeitos: a mãe e filho na condução do caso. O discurso da mãe nas entrevistas preliminares é analisado como parte do tratamento, sobre as bases da proposta psicanalítica, incluindo suas premissas e técnica. A partir daí já se formaliza a primeira questão: a analista não prescinde da escuta analítica da mãe, embora ela não tenha sido autorizada como tal. Isto é, a mãe apenas procura atendimento para tratar de um outro sujeito que só deve entrar em cena em um momento ulterior. Por outro lado, a opacidade da alienação desse sujeito ao desejo materno legitima o ato analítico. A inclusão dessa escuta nas entrevistas preliminares sustentando o manejo clínico merece ser, então, discutida em função de suas inúmeras implicações sobre o tratamento. As entrevistas preliminares realizadas com a mãe subsidiarão a discussão e o desenvolvimento teórico-clínico que se segue.

Antes da análise do caso algumas observações são necessárias no que diz respeito ao estudo clínico. O que se escreve está intrinsecamente relacionado com o autor do escrito; são recortes de sessões a partir da escuta daquele que ouve. Os sentidos _ mesmo que extraídos ipsis litteris do discurso de quem fala _ foram propostos pelo analista. Por isso concordamos com Cesarotto quando diz: "(...) sobre a lavratura analítica, freudiana, lacaniana, ou de qualquer um que professe a clínica, e também segure a pena com mão firme: urge destacar a atividade literária como constitutiva do nó que amarra o fantasma à escrita, sendo a construção textual a transmutação da impossibilidade em verossimilhança, ou seja, a recriação daquela `estranha realidade' que, fixada no papel, cristaliza um sentido, sempre potencial, ao atribuir um sujeito ao saber do inconsciente. Em definitivo, como diria Leonardo da Vinci, se non é vero, é bene trovato..." (1997, p. 21).

Escrever um caso clínico, como é proposto aqui, não implica a descrição e análise de fenômenos sintomatológicos, ainda que se trate de uma disfunção descrita, por exemplo, pela psiquiatria como "distúrbio de comportamento". Se há um lugar para situá-lo, este seria o do discurso psicanalítico. Se do lado do sujeito estudado é a falta que produz os efeitos do inconsciente, de outro são esses os responsáveis pela sustentação teórica, ainda que parcial, a que o presente estudo se propõe. Trata-se de um paradoxo não impeditivo, mas sim próprio da prática da psicanálise: uma escrita para ser lida contemplando a falta, traduzida na impossibilidade de se apreender o todo.

A PRIMEIRA ENTREVISTA COM A MÃE

Encaminhada pelo médico que a atendeu no ambulatório de oftalmologia do HCFM-USP1, uma mãe _ demonstrando extrema ansiedade. Sem sentar, com um envelope na mão contendo inúmeros exames de seu filho (tomografia, psiconeurodiagnóstico, relatórios psicológicos, eletroencefalograma, etc.), iniciou uma fala, verborrágica, acerca desse material. No pedido feito pelo médico constavam:

_ quadro de distúrbio comportamental,

_ déficit na aprendizagem,

_ dificuldades severas na memória de evocação visual.

Ainda que esse encaminhamento tenha sido feito por um médico, foi, na verdade, solicitado por essa mãe. Relata que a indicação para a realização de tais exames fora de uma psicóloga que tratava de seu filho. Os resultados resumidamente constavam de: inteligência limítrofe, ausência de comprometimento orgânico do ponto de visto neurológico e gástrico e determinadas limitações psicomotoras (pouca agilidade corporal).

Depois de uma rápida análise desse material, foi solicitado que ela se sentasse e falasse sobre os motivos desse pedido à psicologia naquele momento. A partir de então, a escuta teve seu início.

Na primeira entrevista, relata detalhadamente o comportamento de seu filho, de 13 anos, que ela julga não ser normal para a sua idade. Faz-se necessário transcrever citações de sua fala para a articulação teórica. A seqüência da temática foi mantida com a maior fidedignidade possível.

"João não tem amizade com crianças da idade dele, porque as brincadeiras dele não são boas ... Na escola está na 6ª série, não vai bem nas provas _ aprendeu horas agora, esses dias. Ele não desenvolve a inteligência. A psicóloga atende ele de favor até eu arrumar tratamento2. Meu marido diz que João não tem problemas, é só dar umas cintadas, e pronto. Meu marido ele obedece, agora eu não, não sei se estou perdendo a paciência. ... ele morde todas as coisas ... não posso mais bater nele, porque ele me avança ... os amigos dele, pequenos, só o chamam de `veado', agora acho que está acabando esse jeito dele ... ele é prestativo, acho que ele gosta de ajudar todo o mundo. ... No banho ele gasta um tubo de xampu de uma vez só, joga tudo no chão, então, a psicóloga falou para eu não comprar mais, e ele melhorou. ... Não deixo ele fazer nada, porque eu sei que ele vai fazer errado. No ônibus ele age de maneira muito estranha: fica encostando nos outros, pare ce que não vê que tem gente na frente, sai andando e batendo nas pessoas. Já falei para ele que qualquer dia alguém vai sentar a mão nele, porque vai achar que está aproveitando da situação para se esfregar. Mesmo se já estiver sentado, quando vaga um outro lugar, ele sai correndo de qualquer jeito, atropelando todo o mundo para mudar de assento ... pega coisas do lixo de outras pessoas ... na hora de dormir ele também é muito agitado. Conversa à noite, derruba todas as cobertas no chão e tem pesadelos. É muito ansioso, não sabe esperar, não posso prometer e não cumprir. Fazia cocô nas calças, há três meses parou3 Seu cocô era grosso e pingava sangue. Quando queria fazer, sentia vontade de vomitar, porque ficava muito preso ..."

Desta primeira entrevista, destaca-se e deixa-se em suspenso a seguinte frase: "Não deixo ele fazer nada, porque sei que ele vai fazer errado". O que leva essa mãe a se pôr como interditora dos desejos e necessidades de seu filho? Desde onde seu ato de impedir torna-se legítimo a partir das respostas por ele produzidas, no sentido dos fenômenos comportamentais por ela descritos? O lugar do saber, sobre esse filho, até aqui só diz respeito a ela, pois a única referência que faz a uma fala do marido não é apresentada como uma verdade, nem talvez como algo a ser refletido. Uma outra observação que esse discurso suscita está na constância e insistência sobre os comportamentos ditos "não normais". Isto posto, há duas questões que emergem: a primeira, esse discurso aponta para uma lógica contínua embasada em fatos. E a segunda, trata-se da questão transferencial, em que, nesse primeiro tempo, é dado ao analista o lugar de testemunha das evidências por ela evocadas, a partir de uma fala que contempla única e exclusivamente as faltas do filho, objetivando o encontro de um suposto aliado e cúmplice.

Continuando, em sua segunda entrevista, quase que mantida na íntegra, com pouquíssimas intervenções do analista, Maria traz consigo alguns objetos pertencentes a João, como, por exemplo, brinquedos e material escolar. Essa amostra tem o sentido de presentificar as atitudes, ditas, incorretas. São brinquedos totalmente destruídos, uns faltando pedaços e outros mordidos. Seu material escolar está totalmente danificado em função da mordedura dos lápis, e cadernos rasgados e riscados. A partir daí, sua fala:

"Ontem, quando João disse que não ia fazer reciclagem de papel (atividade proposta pela escola), falei: `Não, então você não vai viajar com seu tio' (o que João queria muito). Aí, ele quebrou a mesa, ficou cego e me xingou. Aí, eu fiquei cega e dei nele, e ele deu em mim. Fiquei magoada e pensei em largar tudo. Meu marido chegou, eu contei. Ele perguntou a João: `Por quê?' Ele não respondeu e levou uma chinelada. Para mim e para meu marido ele não fala. Ele grita e chora quando mando ele fazer as coisas: lição, tomar banho, fazer cocô, etc. Quem ouve pensa que eu estou matando aquele moção de 13 anos. Sabe o que ele fez? Fugiu de casa. Foi para a casa dos meus pais, porque eles o apóiam muito. Eles acham que eu não devo reprimir, bater. Estou encontrando nele uma carga, e não um filho (choro). A senhora me desculpa, mas é isso que sinto. Eu não esperava que ele me xingasse. Tudo o que eu tiro de mim é para dar para ele. João me xingava porque não queria que eu o levasse para a escola, porque ninguém vai com a mãe. Eu ia porque os meninos batiam nele e passavam a mão no seu bumbum. Ele se protegia nas serventes. E, mesmo assim, ele não me contava que apanhava. Até que um dia ele ficou desmaiado na rua (porque apanhou), aí eu nunca mais deixei ele ir sozinho. Ia atrás dele sem ele me ver, na saída também. Desde aí comecei a sentir ele um peso. Eu sei que ele provoca os outros. Quando chega em casa, os meninos da rua falam: `Chegou o veado!' Ele nem liga. Pergunto: `Por que você não senta a mão neles? Ele apanha até dos meninos de 6 anos. Meu marido acha que ele tem que sofrer, que eu passo a mão na cabeça dele. Já levei em tanto médico, psicóloga, e todos dizem que ele não é normal. Eu vejo que ele não é normal. Ninguém dessa idade fica gritando, batendo e chorando. Esse jeito de ele agir _ o bebezão que não cresceu _, tem coisas que ele é inteligente. Com 13 anos os meninos são arrumadinhos. Ele não. Tenho que mandar tomar banho, escovar os cabelos, arrumar a cama, fazer cocô, se não, ele não faz. Ele não tem vergonha de andar sujo, rasgado. Não assiste televisão como a gente. Fica brincando, pulando e cantando. Aí eu desligo, e ele fica louco. Morde todos os objetos duros. Ele é uma criança? Meu marido diz que eu trato como criança, que eu não quero ver que ele cresceu, que eu não sou normal. Mas é normal ele agir desse jeito? Como ele cresceu, se faz essas coisas? Tem a parte da mão dele. Eu mandava ele virar e não conseguia. A perna também tem problema, por isso ele anda daquele jeito rebolante. Já tirei chapa, e não deu nada. O lado direito dele não é ágil. Ele gosta de picar papel, corta bem picadinho. Fico muito brava. Digo: `João, desse tamanho fazendo isso?!'"

A QUEIXA, A DEMANDA E A TRANSFERÊNCIA

O que temos a partir de então?

Mãe e filho que se complementam num ato de gozo. Ainda que pareça paradoxal o fato de um manifestamente não se satisfazer com as atitudes do outro, já que sua queixa está circunscrita ao não reconhecimento desse sujeito como filho de seu desejo, aqui no sentido lato da palavra. E o outro responder a esse modo de desejo de maneira antagônica, traduzido em comportamentos "inadequados". Isto é, há um estranhamento. Entretanto, é desde aí que essa relação pode se perpetuar, é aí que supomos um gozo que se paga mediante um alto preço de ambos, a saber, queixa da mãe e sintomas do filho. Entra-se então no campo dos desejos subjetivos. Pode-se conjeturar que nesse desdobramento do desejo, objetivo e subjetivo, algo irrompe para que nesse momento essa queixa seja dirigida a alguém, no caso, o analista. Essa demanda permite pensar em duas vertentes: uma já reconhecida, o analista como testemunha da "anormalidade" do sujeito, que incide, necessariamente, na desconsideração das implicações subjetivas da mãe sobre tais sintomas. E a segunda: um apelo que aponta para um pedido de mudança dos comportamentos não pertinentes a um pré-adolescente, em tese. Vale ressaltar que uma não anula a outra. Cabe outra questão: poderá advir uma mudança de posição nessa relação já estabelecida em virtude do manejo do analista na condução do caso, com a implicação da mãe sobre os sintomas do filho? O lugar do analista na transferência pode ultrapassar o de testemunho e conivência para o lugar de suposto saber?

CONSIDERAÇÕES SOBRE A POSIÇÃO MATERNA

Voltemos à entrevista da mãe, para algumas pontuações. No discurso, significantes que emergem são situados contemplando-se tanto suas atitudes, como as do filho: xingar, dar (no sentido de bater) e ficar cego. São atos que implicam reações, mas que, quando as forças se anulam pelo embate de ambas, trazem o seguinte resultado: "Pensei em largar tudo". Ou seja, quando a resultante dessas forças, em mesma velocidade, promove o efeito nulo, em que não há passividade, e sim atividades, tem-se o evanescimento do desejo.

Uma segunda observação: João não pode falar, quer seja dos motivos que sustentam seus atos, quer seja das supostas humilhações praticadas por seus colegas da escola. O que em sua fantasia há sobre as conseqüências desse dizer? Ou o que o impede de pôr na linguagem acontecimentos próprios, dirigidos ao pai e a mãe? Segundo a fala da mãe, esse não-dizer remete diretamente a eles, pois ela não generaliza a todas as pessoas. Esse filho/carga, já assim nomeado, talvez seja adensado na própria exposição _ apenas uma suposição. Carga, porque "tudo o que eu tiro de mim eu dou para ele". Será que é um apelo para que algo seja devolvido do tirado, ou não? Questões que no momento não admitem sentidos.

Uma terceira observação diz respeito à sexualidade de João. O significante "veado" está inscrito no discurso materno como signo (veado/João) de nomeação, ainda que fazendo referência à fala de outros. Impõe-se aí uma certeza legitimada em fatos: na cena do ônibus (esfregar para tirar proveito), assim como a chegada da escola, o andar "rebolante", e a primazia dada à questão anal, do fazer cocô. A oralidade é sublinhada nas inúmeras referências às constantes mordeduras de objetos "duros".

A TEORIA

A partir de então se faz necessário responder, para promover uma tentativa de articulação teórica, à seguinte pergunta: desde que posição esse filho está alienado no desejo materno? Para isso, as "Duas notas sobre a criança" (Lacan, 1969) e, mais ainda, as observações de Sauret (1998) sobre esse texto são imprescindíveis para o desenvolvimento teórico que se segue.

Para o devir de um sujeito, é necessário um desejo, e, mais ainda, que tenha um predicativo, a saber, "que não seja anônimo" (Lacan, 1969, Parte II). Ou seja, um desejo endereçado e com remetente, e isso aponta para o particular, no sentido de o desejo se situar como singular e único. Quanto a sua qualidade, diz Sauret: "Vale mais uma marca negativa do que nenhuma marca" (1998, p. 87). Esse desejo tem a função de nomear, de transfor mar o grito em apelo, cuja conseqüência é a de "dar" lugar na rede significante, desde onde esse proto-sujeito possa se constituir em um sujeito. Nome e sobrenome não bastam como marca significante, é necessário um mais-além. Há, então, a busca incessante de significantes pelo infans que o possam representar. Esse movimento se estabelece na tentativa de ocupar um lugar no desejo do Outro. Outro entendido aqui como relativo ao mito familiar e arquivo histórico, o que equivale também a dizer os hiatos, as incongruências, lacunas, contradições e errâncias. Nesse sentido, o estatuto do significante é de não pertencimento a alguém, mas "ele cruza, circula, atravessa gerações, trespassa o individual. Não pertencendo a um membro da família, ao mesmo tempo interpela a todos" (Falsetti, 1990, p. 96).

A partir de então, segundo Sauret, dois caminhos são possíveis para o infans: consentimento e recusa. Consentir é "fazer-se representar por esse traço para o Outro" (1998, p. 33), ou seja, apropriar-se, se assim podemos dizer, dessas marcas endereçadas. Mas a falta aí está constituída, e, em alguns casos, os que não consentirem na demanda do Outro estarão posicionados na "primordial recusa" (p. 20). Há um saber de que responder a essa demanda implica ser amado em excesso, sem espaço, ou ser odiado; nunca será na justa medida. O efeito de resposta em relação _ "O que o Outro quer de mim?" _ é o encontro com o gozo, definido por Sauret como "substância negativa que o sujeito encontra como lhe fazendo fundamentalmente falta (...) ele (gozo) tem a mesma consistência que o saldo negativo de uma conta bancária, exceto que não há chance alguma de poder reduzir a conta de gozo a zero" (Sauret, 1998, p. 17).

A maneira pela qual o sujeito interpretará o desejo do Outro sempre o levará para um impasse. Porque, desde sempre, o constitutivo do humano é a "incompatibilidade entre o significante e o gozo" (p. 46), cujo paradigma em Freud é a proibição do incesto. Manifestamente, aparece como as duas possibilidades acima descritas: ser devorado ou abandonado. Temos então, o infans situado na condição ativa, participativa, na construção de sua subjetividade. Sauret nomeia isso "insondável decisão do ser" (1998, p. 94). A incidência de significantes não é mecânica, estamos no campo da subjetividade, em que vários significados são possíveis, em que a decisão de tomar um ou outro se refere a ele.

A interpretação que o sujeito fará dessas marcas a ele lançadas é o que Freud chamou de "fixação", a qual se estrutura como fantasma fundamental, segundo Sauret (1998). Como se articula então o fantasma e sua relação com o sintoma? A função fantasmática é a de sempre deixar em falta o gozo, protegendo de seu retorno, caso contrário, emerge a angústia. O balizador desta operação é o desejo. Tem-se, então, o gozo sempre considerando o fantasma na condição de falta. "O sintoma é a marca dessa falha, um pé no significante e outro no gozo", aponta Sauret (1998, p. 22). A equação se constrói de forma que quanto mais o fantasma não é eficiente em sua função, mais o sintoma se destaca: "(...) fartando-se de gozo, nutrindo-se com o fracasso do fantasma" (Sauret, 1998, p. 22).

Lacan (1969) distingue o sintoma da criança do sintoma do neurótico, situando o primeiro como correspondente ao sintoma familiar, aqui entendido como do casal ou da mãe. A cadeia significante que é oferecida à criança está diretamente relacionada à verdade do casal. Neste sentido, a "falta-a-ser" deste é remetida à criança, como tentativa de recuperação do gozo, aí depositada nela. É necessário, para Miller (1996), citado por Sauret (1998), que a mãe seja mulher, que seu desejo vetorize para um homem, e este só é considerado como tal, na medida em que fizer de uma mulher a causa de seu desejo4.

O enfoque do sintoma da criança, representando a verdade da mãe, diz respeito a seu próprio fantasma (da mãe). Se pensarmos na inexistência do instinto materno, a criança só pode contar com alguém que desempenhe a função materna, incluindo aí toda a subjetividade inerente. Nesse sentido, como condição sine qua non para sua sobrevivência, é necessária a alienação da criança constituída na relação com esse Outro. Para que essa situação não se perpetue, porém, é necessária a separação. A função paterna _ "mediação entre identificação e a parte tomada do desejo da mãe" (Sauret, 1998, p. 89) _ efetiva-se como operador lógico. O significante só se divide, ou seja, fica impossibilitado de significar a si mesmo, a partir dessa função.

A ineficiência dessa operação se dá quando aquele que está encarregado desta função a transgride, no sentido de não apontar a mulher como seu sintoma, na medida em que ela não se situa como objeto a. Como conseqüência desta falência, "o pai, o falso pai (...) constrange cada vez mais essa criança a encontrar refúgio no fantasma materno, o fantasma de uma mãe negada como mulher", conforme Miller (1996), citado por Sauret (1998, p. 93). Isto remete à questão das posições da mãe e do filho. Desde a posição subjetiva da primeira em relação ao filho, de tê-lo como meio de obturar sua falta-a-ser _ independentemente de sua estrutura, mas com o atributo de ser "não-mulher" na lógica operacional da triangulação _, é o que se considera como "a criança vem no lugar de objeto" (Sauret, 1998, p. 90). A conseqüência mais direta disso é o seu não encontro com a própria verdade, porém, revelando-a por meio da existência do filho, "mais do que a interpretando" (Sauret, p. 89). E a do filho como algo situado no lugar da impossibilidade do devir de um sujeito dividido. Voltemos ao caso.

Na terceira entrevista preliminar, espontaneamente, após ter dito que João ficara de castigo na semana _ e por isso "estava bonzinho", para reaver o privilégio de brincar na rua novamente _, falou de si, mencionando sua lua-de-mel, gravidez e a vida conjugal. Hesitou por um instante ao dizer:

"... não sei se devo falar ... na gravidez dele, eu não contei para o meu marido que tinha distrofia muscular no sangue (gene hereditário) ... nunca tomei remédio para não engravidar. Casei em maio e tive ele em fevereiro ... quando soube que fiquei grávida, começou esse nó que sinto até hoje ... não contei nada para ele (marido), e pedi a Deus que ele (filho) fosse são. Que não fosse igual a meu irmão (que é portador de distrofia muscular). Tive o bebê porque gostava do meu marido e não queria perdê-lo. Pedia para Deus de manhã, de tarde, de noite, e assim foi ... sabia que ia ter que cuidar dele (filho). Não fiz exame, não procurei a USP (para estudo genético do feto). Não via a hora de ter ele, para ver como era".

Pode-se inferir que algo irrompeu com o nascimento de um menino sem anomalias, ou não portador de distrofia muscular?

É interessante notar que, após o nascimento do bebê, a mãe o levou à USP para a realização de diagnóstico genético diferencial sobre a presença ou não do gene da distrofia muscular, cujo resultado foi negativo. Apesar da fidedignidade do exame, essa mãe diz que não o deixava cair para que ele não se machucasse5. Sua posição passa a indicar que não há transferência com o saber da USP, ou qualquer outro; ela, acima de tudo, da USP, de médicos e psicólogos, considerava-o portador da patologia. Essa certeza de que os comportamentos "não normais" de João são relativos à manifestação sintomática dessa patologia surge em seu discurso:

"Ele nasceu normal. Levei para exames, e deu tudo normal. Eu não sei se isto tem alguma coisa, porque as psicólogas falam que ele tem problema emocional. Só pode ter sido isto (ser portador de distrofia muscular), porque nós nunca maltratamos João".

O que há com o real do corpo de seu filho dito normal, que não pode ter sido sustentado subjetivamente por ela? Na verdade, a sustentação se deu em função de sua fantasmática. A distrofia muscular, enquanto significante ameaçador, só existe enquanto tal por seu estatuto de "gozo". Porque aí temos uma gravidez revelando só e exclusivamente pensamentos obsessivos em torno da anormalidade do feto, num ato de solidão intensa, confirmando um gozo. "Sabia que ia ter que cuidar dele", vem após ter dito que rezou durante toda a gestação, não bastando isto, portanto, para ter um filho normal.

Somam-se, a esses fatos, outros da ordem de sua sexualidade, ou, melhor dizendo, de sua "não sexualidade", indicando outras vertentes fantasmáticas que se aliam com as do marido, formando complementaridade à sua posição subjetiva, seu lugar de insatisfação. Seu marido a renega na lua-de-mel, não goza de seu corpo. Só tiveram relação sexual um dia antes da viagem quando engravidou. Ela não o questiona, só o ouve chorando quando ele lhe diz que, no retorno da lua-de-mel, voltará a viver com a mãe, e deseja que ela faça o mesmo (volte para a casa de seus pais). Por intervenções familiares, isso não acontece.

A partir daí, não há casal, e, segundo seu relato, ele só a toca quando quer ter relação sexual, e ela sempre acede ao desejo dele. Não importando se isto é verídico ou não, já que se trata de sua verdade, e esta enquanto tal é que esteve presente em sua rede discursiva como sujeito da função materna. Ou seja, no campo de sua subjetividade, operando aí significantes, o que se ofereceu enquanto discurso para a criança foi o fato de a mãe ter sido negada enquanto mulher, e, por conseqüência direta, um pai não a teve como seu sintoma. Não está aí o "falso pai" nomeado por Miller (1996), citado por Sauret (1998, p. 93)?

Outra observação torna-se pertinente pela contradição. Relata que teve o filho (algumas pessoas aconselharam-na a abortar) para não "perder" o marido, situando então seu desejo como desejo do outro. Mas ela o tem na condição de seu único e exclusivo objeto de gozo, fazendo daí surgir o seu próprio desejo. Este paradoxo está situado no mais-além do princípio do prazer.

As entrevistas continuaram, assim como suas queixas em relação a João, tendo como primazia a afirmação de que ele não é normal. Relata que durante o banho solicita que ele abra a porta para ela checar se ele se lavou, e só aí é que João o faz; e isso também acontece em todos os hábitos higiênicos (ir ao banheiro, escovar os dentes e cabelos, lavar a mão, etc.). Quando assiste a TV, ele costuma picotar papéis, morder objetos duros ou se morder nas próprias feridas até que elas se infeccionem. Grita na rua, se ela o repreende. A interpretação que a mãe faz deste ato é: "Ele quer chamar a atenção". Aí se pode notar uma mistura, confusão estabelecida a partir do dito "chamar a atenção", referida por ela em ambos os discursos, dela e do filho. Diz que seu sono é agitado, que sonha com dragões, fogo e tem medo do escuro, justificando então o fato de João ir dormir junto com seus pais. Toda noite a mãe vai até o quarto para cobri-lo, o que faz com que ele perceba sua presença. Esta observação repetidamente relatada converge com o próprio ato em si, que se dá em função da conseqüência do gozo dele extraído. Ser vista (a mãe) incorre no fato de que a falta _ sono agitado _ se constitua como tal, que adquira um estatuto qualificado por sua presença; quando então, a falta, pode ser nomeada e significada pela mãe, como "sono não normal".

Relata que pediu na escola que o dispensassem da educação física, porque "ele não tem agilidade, é duro, todo desengonçado, eu percebo que sua coordenação é diferente. O lado direito dele é mais duro. Já tirei chapa, mas deu tudo normal. Ele reclama que a perna dói, que as coxas doem e a mão quando está escrevendo ... No tempo dos patins, eu não deixei, porque ele não tem a malícia de se proteger. Na reunião da escola, a professora falou que ele não faz nada, está isolado. É claro, com aquele cabelão despenteado, todo o mundo tira uma com a cara dele". Com relação à sexualidade do filho, diz: "Está muito com o pintinho na mão, fica com ele para fora, ele vê que eu estou ali; mas para ele tanto faz, é chato eu entrar na sala e ver o filho com o pinto na mão. Com 13 anos estou vendo que está ocorrendo uma mudança com ele, acho que está ejaculando um pouco na cueca. Pedi para meu marido falar com ele".

Desde a estrutura dessa mãe, a necessidade de demonstrar continuamente diante de seu filho sua falta-a-ser é imperiosa.

Marcar abertamente, seja em ato, seja por meio de palavras, que ele está sempre em falta denuncia sua posição subjetiva. Há ainda uma particularidade que não se pode desprezar, que incide na interpretação que faz sobre os sintomas de João como destinados a ela; as atitudes de João, nesse sentido, só se manifestam para provocar sua insatisfação, não sem gozo. Ou seja, sua leitura revela que a intenção das ações do filho é sempre dirigida a ela, reafirmando também seu lugar fálico, em que ele supostamente encontra receptividade à satisfação de seu gozo. E seu saber, ou seu desejo, é atravessado pelo significante da distrofia muscular, impressionantemente coincidindo com toda a sintomatologia de João.

Quando há um acordo, no sentido de igualdade nas posições de ambos, seu discurso toma outra dimensão, mesmo que por alguns instantes: "Tem horas que ele conversa tão bonzinho, eu gosto tanto... Ele se importou comigo, passou a mão na minha cabeça, coisa que eu nunca tinha encontrado, uma segurança nele. Eu acho que ele é inteligente, mas..." Literalmente faz a equação: "Se for como ele quer, eu fico nervosa. Se for como eu quero, ele fica nervoso". Há um desejo em excesso que faz eco a partir dos sintomas e da posição do sujeito, indicando a constituição da angústia. Ou seja, trata-se de um desejo que está diretamente implicado no fantasma materno, contemplando uma anormalidade, ou inadequação pela via da distrofia muscular. Mesmo ele não sendo portador de tal patologia, essa mãe não pode dela ter sido liberada subjetivamente. Do lado do filho, há uma amarração significante que ficou impossibilitada de desfazer-se, talvez pelo fracasso na operação do Nome-do-Pai. Conforme Sauret (1998), não houve mediação entre o ideal do eu e o do desejo da mãe, cuja ação é própria da função do pai: permitir a separação da criança do fantasma materno. O discurso do pai real, deste caso, é vazio, não tem força impedidora, não produz desdobramentos. Parece que não existe nenhum apelo de João a ele. Desde a posição deste filho, há um esmagamento pela presentificação constantemente discursiva da função materna. Mas ela _ mãe _ faz referências a trechos da fala de João que apontam um apelo para que essa relação se dissocie, se rompa: "Por que tenho essa família? Você não me deixa fazer do meu jeito!"

Sauret aborda a questão da criança que apresenta sintomas somáticos relacionando-os à subjetividade materna. A patologia médica, a desvantagem, ganha um benefício secundário para ela, de acordo com sua estrutura, "para testemunhar", diz Sauret, "a culpa da mãe neurótica, servir de fetiche para a mãe perversa, encarnar uma recusa primordial da mãe psicótica" (1998, p. 91).

Do segundo caso (ainda que se suponha Maria situada no campo da neurose) o objeto infantil poderia ter a qualidade de fetiche _ o amor materno _, que não estaria necessariamente implicado numa estrutura perversa. Mas como diz Miller (1996), citado por Sauret: "Uma perversão normal, lado mulher ... é o que se chama de amor materno, que pode chegar até a fetichização do objeto infantil" (1998, p. 91).

O MANEJO

Todo final de sessão, Maria perguntava se não poderia trazer João da próxima vez. Esse pedido era entendido, igual às outras vezes, como trazer in loco o objeto patológico para corroborar sua fala. Transferencialmente a demanda era que o analista pudesse garantir e sustentar seu discurso, na medida em que houvesse uma concordância com sua verdade. Essa entrada em cena do sujeito em questão foi negada, sustentada pelo ato analítico, justamente para não aceder sobre seu fantasma. Essa intervenção denunciava que sua posição de mãe estava sendo escutada, possibilitando, assim, sua implicação no sintoma do filho. Mais ainda, interrogava seu saber, suas certezas, na tentativa de estabelecer-se a transferência de suposto saber com o analista.

Na medida em que essas entrevistas foram se prolongando, sua angústia foi aumentando. Em sua penúltima vez, relatou a melhora significativa dos sintomas de João, notados pela psicóloga que ainda o estava atendendo. Nessa mesma sessão disse o quanto estava contente em ver seus cadernos. Entretanto, tragicamente, incorreu em ato falho _ "Fiquei muito feliz em ver seus erros" _, que parece resumir o que há de fantasmático nessa relação.

No último encontro vem bastante angustiada, questionando sua sanidade mental, diz que estava quase sendo insuportável estar ali, e, se não pudesse trazê-lo, que talvez não viesse mais. Naqueles instantes, a escuta abria para dois caminhos possíveis: autorizar a vinda de João seria compactuar com seu fantasma, ceder sobre seu desejo, e não autorizar seria a tentativa de implicá-la lá onde quase já era insuportável. Esta segunda opção remetia diretamente ao tratamento de João como condição para sua eficácia. A aposta foi pela não autorização, literalmente dizendo-se: "Ainda não". E, por esse erro de cálculo no manejo, essa mãe não voltou mais.

Esse fracasso remete imediatamente às questões já apontadas como próprias do atendimento infanto-juvenil. A mãe sempre procura atendimento, obviamente, não por sua causa, mas pelo filho. É legítimo escutá-la como sujeito, ou tomar seu discurso como operador na direção do tratamento? Claro que é possível analisar uma criança ou adolescente sem a presença dos pais, pois, se tivéssemos que sempre nos remeter aos discursos ascendentes, a busca seria infinita, procurando pelos pais dos pais, etc. Mas, nesse caso, o andamento do mesmo levava o analista a escutar a mãe, mesmo porque havia um gozo em falar de João, e isso se dava muito facilmente. Aliado a este fato, seu discurso apontava para o sintoma do filho, como relativo a ela própria, ou a sua neurose, seu fantasma. Haveria possibilidade de o sujeito deixar de responder a esse lugar a ele endereçado sem o corte, sem a renúncia desse modo de gozo aí estruturado? Nesse caso, a aposta na direção da análise incluía a desmontagem do gozo materno nas entrevistas preliminares, visando aí uma retificação subjetiva, e talvez, como conseqüência, a estruturação de uma demanda de análise. É importante citar Sauret, quando sustenta o ato analítico na clínica do infantil:

"Então, do que se trata numa análise com uma criança? Já o sabemos. Pode ocorrer que a criança seja `o sintoma da verdade do casal familiar', ou, de qualquer modo, que seu sintoma dependa da subjetividade do outro. Essa definição do sintoma está conforme ao uso que dela faz Lacan, referindo-se a uma mulher, quando esta localiza o gozo de um homem: ela é um sintoma para ele. Da mesma forma, a criança lo caliza seja o gozo de uma mãe, seja alguma coisa do gozo do casal parental. Neste caso, o trabalho clínico se orienta, às vezes, em direção aos pais" (1998, p. 63).

PARA FINALIZAR

A partir desse erro no cálculo do manejo percebido num momento a posteriori, ocorreu uma tentativa de retificação com a permissão da entrada de João em análise. Mesmo sabendo que esse ato não garantiria seu prosseguimento, era a única opção. Obviamente, o pedido da mãe para a entrada de João na cena analítica estava a serviço de uma construção imaginária pautada em sua imediata desimplicação do tratamento. Como também se sabia que o desejo não se traduz no pedido manifesto, ou seja, consentir, ou aceder, não implicaria a dosificação, ou diminuição da sua angústia. Essa interpretação talvez explique sua negativa diante do ato analítico que foi de encontro a seu próprio pedido. Pode-se conjeturar que o saber sobre o sintoma do filho já havia se constituído de modo radical, e não houve a possibilidade de se deslocar esse saber ao analista com o estabelecimento da transferência, o que acabou por inviabilizar o tratamento. Na verdade, nem mesmo Deus, nem a USP, nem os médicos e outros tantos profissionais a quem solicitou ajuda (o envelope que trouxe na primeira entrevista continha mais de um quilo de exames e laudos) foram capazes de produzir um saber que sucumbisse ao seu. Assim, a resistência da mãe interditou a análise do sujeito. Mas a prática da análise com crianças e jovens assim está estruturada. Ela não pode existir sem o consentimento dos pais, em todos os sentidos, e há uma enormidade de razões subjetivas para que eles a abortem. Cito novamente a mãe de João:

"... para eu deixar ele fazer o que ele quer, eu tenho que abrir mão daquilo que eu acho ... e, para isso, eu tenho que gostar daquilo que estou soltando".

Com essa frase Maria condensou a articulação de seu gozo com seu fantasma, cuja estrutura não pode ser desmontada.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Cesarotto, O. (1997). Montagem de uma sessão. Carta de São Paulo, Boletim Mensal de Psicanálise, Ano III.         [ Links ]

Falsetti, L. A. V. (1990). A criança, sua doença e a mãe _ Um estudo sobre a função materna na constituição de sujeitos precocemente atingidos por doença ou deficiência. Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.         [ Links ]

Lacan, J. (1969). Duas notas sobre a criança (S. Sobreira, trad.). Revista do Campo Freudiano, nº 37, 1986.         [ Links ]

Sauret, M.-J. (1998). O infantil e a estrutura. São Paulo, SP: Escola Brasileira de Psicanálise.         [ Links ]

 

NOTAS

1 Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo _ Instituto Central.

2 O atendimento psicológico era mantido pelo convênio que seu marido dispunha na empresa em que trabalhava. Naquele momento estava desempregado, não tendo condições financeiras para pagá-lo.

3 Segundo a mãe, o que contribuiu para a melhora do quadro foi uma dieta à base de fibras, associada a uma ginástica que auxilia nos movimentos intestinais.

4 Esta consideração teórica fará grande enlace com o histórico de Maria.

5 Existe relação, segundo a mãe, entre a má cicatrização e distrofia muscular.

 

Recebido em agosto/2002
Aceito em março/2003

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