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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. v.10 n.18 São Paulo jun. 2005

 

DOSSIÊ

 

Prontuários revelando os bastidores do atendimento psicológico à queixa escolar

 

Psychological records revealing the psychological attendance of children and adolescents with school failure

 

 

Marilene Proença Rebello de SouzaI

Universidade de São Paulo Instituto de Psicologia

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo apresentar a análise de prontuários de crianças e adolescentes encaminhados aos serviços psicológicos por apresentarem dificuldades no processo de escolarização. Constata-se que a psicanálise é o referencial hegemônico dos psicodiagnósticos; as questões escolares pouco comparecem nos roteirosde entrevistas psicológicas; os testes são os instrumentos principais de avaliação psicológica e os encaminhamentos desconsideram ações no campo educacional. Tais dados indicam a necessidade de repensar as práticas psicológicas frente aos encaminhamentos por problemas escolares.

Palavras-chave: Psicologia escolar, Infância, Adolescência, Psicodiagnóstico.


ABSTRACT

This article aims at introducing a piece of research on psychological reports about children and adolescents who presented school failure and were sent to Psychological service. The main results of the research are: the Psychoanalysis is the hegemonic approach of the psycho-diagnosis; the school problems are not regarded in the interviews; the main psychological instruments of assessment are psychological tests and the psychological procedures taken do not consider interventions in the educational field. These results lead us to conclude that it is necessary to rethink the psychological psycho-diagnostic approach when we are dealing with school failure.

Keywords: School psychology, Infancy, Adolescence, Psychodiagnosis.


 

 

Introdução

Diariamente, centenas de crianças e adolescentes são encaminhados às clínicas psicológicas por apresentarem os chamados "problemas de aprendizagem" ou "problemas de comportamento" (Ancona-Lopez, 1983; Silvares, 1989; Souza, 1996, 2000). Atitudes agressivas, apatia, dificuldades na leitura e na escrita circulam como os principais motivos de encaminhamento em consultórios particulares, clínicas-escola e na rede pública de atendimento à saúde mental.

O acompanhamento de vários atendimentos e avaliações psicológicas de alunos de escolas públi cas paulistas tem revelado um conjunto significativo de psicodiagnósticos de deficiência mental que não se confirmam no contato com essas crianças, bem como um desconhecimento por parte do psicólogo, do processo de aprendizagem escolar, do funcionamento das escolas e das relações ensino-aprendizagem (Machado & Sayão, 1996). Os constantes "erros" diagnósticos conduziram-nos a pesquisar a formação de psicólogos com relação à queixa escolar, especialmente as práticas de atendimento à queixa escolar ensinadas nos cursos de graduação em Psicologia.

Com o objetivo de compreender mais profundamente aspectos dessas práticas, optou-se por analisar prontuários de atendimento à queixa escolar em clínicas-escola de quatro cursos de Psicologia, na cidade de São Paulo. A análise do conteúdo dos prontuários permitiu-nos verificar: o referencial teórico adotado pelo psicólogo supervisor do atendimento psicológico; a abordagem dada à queixa escolar; os instrumentos utilizados para o levantamento de dados a respeito da queixa escolar e os encaminhamentos realizados pelo psicólogo.

 

Apresentando os prontuários psicológicos.

Os registros de atendimento psicológico recebem a denominação de "prontuários psicológicos". Cada cliente, ao se inscrever na clínica-escola, recebe um número de inscrição e é aberto um prontuário em seu nome. Durante três meses, foi possível estar em contato com muitas das histórias de vida neles relatadas, com o intuito de compreender as concepções e as práticas de atendimento e encaminhamento da queixa escolar. Escolheu-se, para isso, a leitura de vinte e cinco prontuários de queixa escolar. Para analisá-los, focalizou-se dois momentos do atendimento psicológico: o relato das entrevistas de triagem e o relatório produzido no final do processo psicodiagnóstico, descrevendo a síntese do caso e propondo seu encaminhamento.

Para realizar essa análise, considerou-se que as perguntas elaboradas pelos psicólogos no roteiro de entrevista bem como a síntese do caso e seus encaminhamentos revelam as concepções teórico-metodológicas utilizadas pelos profissionais para compreensão e encaminhamento do caso atendido. Compreender tais aspectos, tornou-se o objetivo central das análises. Apresentam-se, a seguir, algumas dessas observações e considerações.

O referencial teórico adotado para o atendimento à queixa escolar faz-se presente desde as primeiras perguntas realizadas durante a entrevista de triagem. Ou seja, as perguntas revelam a concepção psicológica a elas subjacente. Das cinco clínicas-escola pesquisadas, três delas têm um roteiro de entrevista muito semelhante. Analisando as perguntas efetuadas aos clientes, constatou-se que a maioria das entrevistas utiliza roteiros centrados na história de vida da criança (parto, nascimento, doenças, processo de desenvolvimento, acontecimentos traumáticos tais como separação dos pais, hospitalização, quedas, por exemplo), em antecedentes de problemas mentais na família, bem como em aspectos referentes à situação sócio-econômica familiar.

A leitura dos prontuários da entrevista de triagem não fornece elementos para construir uma imagem da criança encaminhada. Vê-se presente uma série de dados que se somam, tais como: "andou aos dois anos, teve convulsão febril aos oito meses, a gravidez foi indesejada, viveu vários momentos de hospitalização em função de problemas de saúde". Essas informações permitem enxergar fragmentos da história de vida dessa criança, sem que se articulem de maneira a auxiliar a compreensão dos motivos do encaminhamento.

Outro aspecto recorrente refere-se à utilização de "jargões escolares", nos relatos, tais como, "não sabe nada", "tem problema de aprendizagem"; "é disperso" e de estereótipos sobre o cliente, "está bem cuidada, limpa, roupa adequada, cabelos penteados", "o pai é negro, a mãe é branca e Mariana é bem mestiça" que, longe de esclarecer a queixa escolar, denotam uma série de valores a respeito da parcela mais pobre da população que procura o atendimento nas clínicas-escola.

Observa-se que os prontuários referentes às entrevistas de triagem são os que apresentam as maiores lacunas no entendimento da queixa escolar. A maneira como muitas entrevistas são conduzidas mostram ausências quanto: a) às informações mais precisas a respeito dos atendimentos prévios pelos quais a criança tenha passado; b) à clareza do que de fato se passa com essa criança, utilizando-se muitas vezes uma linguagem cifrada, com frases curtas, pouco descritivas, como um receituário médico; c) à percepção do psicólogo em relação à relevância desse momento de avaliação.

Observa-se no prontuário que, embora a entrevista de triagem seja considerada como um importante recurso para o esclarecimento da queixa, sua utilização, de maneira geral, está muito aquém do esperado para que se atinja esse objetivo, apresentando concepções muito próximas ao senso comum. Ou seja, há um percurso seguido pelo entrevistador que, na maioria das entrevistas analisadas, é padronizado, pré-determinado, repetitivo, previsível. O "modelo de entrevista" utilizado impede, portanto, que o psicólogo recupere a particularidade do caso atendido, a diversidade que, sem dúvida, existe entre as crianças com diferentes queixas escolares. Ao ler uma entrevista, tem-se, em muitos momentos, a impressão de já ter lido todas.

Uma das instituições pesquisadas utiliza um maior número de entrevistas de triagem (duas a três) e uma abordagem fenomenológico-existencial, possibilitando assim que as questões a serem feitas ao cliente partam, principalmente, do próprio relato do cliente e esclareçam a história trazida. Nessa abordagem, as perguntas realizadas na entrevista inicial estão distantes, portanto, de considerar apenas as etapas do desenvolvimento psicossexual freudiano e as patologias e hipóteses calcadas em dificuldades no âmbito estritamente emocional e familiar. O que por si só demonstra um avanço na maneira de conceber o cliente, partindo de suas necessidades, articulando hipóteses que venham a esclarecer o seu pedido inicial, estimulando-o a analisar os motivos que o conduziram ao atendimento. A entrevista inicial tem, portanto, um caráter interventivo, de atendimento breve, em que o cliente se veja implicado no processo de compreensão de suas necessidades.

A maneira de conceber o cliente e a sua queixa também se faz presente no relatório final produzido sobre o caso. Dos prontuários pesquisados, notou-se um cuidado maior quanto à terminologia, menos acadêmica, mais descritiva e analítica, naqueles que utilizam a abordagem fenomenológica1. Mas, a leitura dos prontuários leva-nos a considerar que, embora a maneira de conduzir a entrevista amplie as questões e o foco do olhar a respeito do caso, as hipóteses explicativas, no caso da queixa escolar, ainda são centradas em aspectos individuais ou familiares de natureza física ou emocional. Um dos casos apresentados que serve para ilustrar nosso argumento é o de Marivaldo, uma criança de 10 anos:

"A mãe contou que seu filho vai muito mal na escola e não consegue ler e escreve tudo amontoado. Diz que a criança é calma mas é muito `sonso' (sic). Na escola, a professora reclama que ele é muito bagunceiro e não deixa os outros prestarem atenção. A professora diz ainda que Marivaldo é pouco interessado nas matérias. M. teve uma infecção intestinal quando tinha 8 meses e por isso ficou muito tempo internado. Ele teve também uma pneumonia muito forte que também o levou ao hospital. M. só andou com 3 anos e sua mãe nunca o levou ao neurologista. Depois que o menino fez 6 anos, nunca mais teve problemas de saúde. A mãe diz que M. levou muito tempo para falar. Terminamos a sessão pedindo que os pais levassem a anamnese para responder em casa.

Impressão pessoal: a mãe de Marivaldo nos contou uma história de muito sofrimento sobre seu filho; apesar disso, não nos pareceu acreditar que essas doenças do filho possam interferir no seu desempenho e aprendizagem. A mãe prefere acreditar que o filho é preguiçoso e desinteressado".

Nessa entrevista, os fatos destacados centram-se em questões escolares, no princípio do relato e em causas orgânicas e aspectos do desenvolvimento infantil em um segundo momento. A análise da "impressão pessoal" do psicólogo leva-nos a crer que esta é a sua hipótese central: doenças sofridas pela criança nos primeiros anos de vida, seguidas de períodos de separação materna, causaram os problemas escolares. Reforça essa crença o fato de o entrevistador não ter feito qualquer pergunta posterior sobre a escola. Embora as questões propostas pelo psicólogo não sejam relatadas, observa-se uma tendência a pesquisar os primeiros anos de vida e a acreditar que o que neles se passou seja a causa dos problemas escolares atuais.

Os relatórios finais de atendimento dos casos de queixa escolar chegam basicamente ao mesmo diagnóstico: as crianças necessitam de atendimento em ludoterapia e os pais, atendimento psicoterápico, seja ele familiar ou individual. Mais uma vez as diferenças presentes no início do atendimento dos casos encaminhados por queixa escolar se transformam, no final do processo de atendimento, em semelhanças.

As solicitações de avaliação psicológica feitas pelas escolas são atendidas pelos psicólogos no formato de laudos psicológicos, na maioria, seguindo o padrão proposto pela Secretaria do Estado da Educação. Em quatro das clínicas pesquisadas, não foram encontradas alternativas de avaliações psicológicas em relação ao processo de escolarização centradas na criança e não apenas em questões emocionais e individuais. Os relatórios que se diferenciam dos demais são os produzidos por somente uma das clínicas-escola em que a abordagem ao "problema de aprendizagem" centra-se em modelos construtivistas e psicanalíticos, descrevendo as atividades e conquistas da criança na relação de grupo de atendimento.

 

Os instrumentos de medida na avaliação diagnóstica

A análise do conjunto de prontuários mostra-nos que os testes são o principal instrumento de avaliação no psicodiagnóstico infantil de problemas escolares. A questão da utilização das medidas de inteligência como o principal instrumento de avaliação psicodiagnóstica, coloca-nos diante de situações dramáticas em relação aos encaminhamentos escolares, principalmente de crianças múlti-repetentes ou que vivem um processo de escolarização em que não se acredita em sua capacidade. Os testes de inteligência, de maneira geral, utilizam itens que têm muitas de suas respostas baseadas em informações escolares. Ao se perguntar a uma criança: "Quem é Gengis Khan?" ou ainda "Onde o sol se põe?", o teste de inteligência solicita noções de história da humanidade ou ainda o conceito geográfico de pontos cardeais. Atrelados a esses conhecimentos, há dados de pesquisa que mostram o quanto tais crianças, na escola, vivem situações diárias de perda de auto-estima, o que se reflete numa situação de avaliação psicológica2.

A observação de como os testes refletem muito mais o processo de escolarização vivido pela criança do que a capacidade infantil faz-se presente em um dos casos atendidosem "Psicodiagnóstico". Trata-se de um menino de 8 anos, Jonas, que, a partir dos três meses de escolarização, foi encaminhado para uma Classe Especial para Deficientes Mentais.3

No processo de diagnóstico realizado por aluna de quinto ano do curso de Psicologia, sob supervisão, em uma das clínicas-escola pesquisada, foi aplicada a Escala Wechsler de Inteligência, sendo o seu diagnóstico o seguinte: Jonas apresentou um rendimento muito baixo em todos os sub-testes, ficando sempre na média esperada para uma criança de 5 anos.

Mas a longa convivência da aluna com essa criança, durante as sessões lúdicas, não confirmou essa defasagem apontada pelo instrumento de medida de inteligência, chegando o mesmo psicólogo a afirmar, depois de alguns meses de contato com a criança: Vemos a necessidade de uma melhor investigação nesse caso, pois supomos que Jonas seja pseudo-deficiente mental.

Ou seja, nesse caso, foi possível, após a convivência, observar que a capacidade intelectual e cognitiva dessa criança está muito além daquela suposta pelo resultado do teste de inteligência. Mas o que se observa nos prontuários é que, na maioria das vezes, o que a criança recebe é apenas o psicodiagnóstico e, de posse desse primeiro resultado, obtido por meio de um único teste de inteligência, terá selado o seu destino escolar e a crença, por parte de seus professores e familiares, de que é um deficiente mental.

As medidas de inteligência são usadas no caso de crianças que, na maioria das vezes, apresentam uma história escolar conturbada, repleta de maus entendidos, ou até produtora de uma cronificação na relação de aprendizagem em que a criança acaba sendo convencida de sua própria incapacidade para aprender. Essa história está ausente dos prontuários das clínicas-escola. A relação que se estabelece entre psicólogo e cliente parte do que acontece "aqui e agora". Todo o processo de escolarização da criança encaminhada não é trazido para o atendimento psicológico, é negado, é omitido, criando uma leitura fragmentada e simplista das causas dos problemas escolares. Desconsidera-se, a priori, a complexa história de escolarização da criança encaminhada4.

Os prontuários analisados revelam que a hipótese central do psicólogo sobre o encaminhamento que chega até ele, via escola, é a de que a criança é portadora de um problema emocional com origens na relação familiar. É possível afirmar isso a partir da análise dos testes aplicados durante o processo diagnóstico. Os testes na sua maioria são projetivos, sendo os mais aplicados o H.T.P., o C.A.T. e o Desenho da Família.

A Psicologia tem utilizado um saber que estabelece o seu recorte sobre o indivíduo, enfatizando a importância de seu mundo interno, constituído de fantasias, desejos, habitado por mecanismos de projeção e introjeção, determinado pelas relações vividas no grupo familiar primário. Essa observação fica evidente na apresentação dos métodos psicológicos de avaliação de personalidade como o utilizado pelo C.A.T., quando seus autores afirmam:

"As ilustrações foram desenhadas para aliciar respostas especificamente a problemas de alimentação e, em geral, a problemas orais; para investigar problemas de rivalidade entre irmãos; para esclarecer atitudes concernentes às figuras parentais e o modo como estas figuras são apercebidas; para aprender o relacionamento da criança no tocante aos pais como um casal, tecnicamente falando, referente ao complexo de Édipo, culminando na cena principal: digamos, a fantasia das crianças, vendo os pais junto na cama. Com respeito a isso, é nossa intenção pelo provocar a fantasia da criança, no que concerne à agressão; sobre sua aceitação pelo mundo adulto e seu medo de ficar só à noite, numa possível conexão com a masturbação, seu comportamento no banheiro e a reação dos pais a isso" (Bellak & Bellak, 1967, pp. 5-6).

Baseado no modelo de desenvolvimento psicossexual de Freud, os autores desse teste procuram na criança os traumas vividos pelo cliente em cada uma das fases de seu desenvolvimento, bem como sua dinâmica frente a situações em que utiliza sua agressão ou ainda com relação a temas da sexualidade infantil. Os autores são claros quando descrevem o objetivo de seu instrumento de avaliação:

"O C.A.T. é clinicamente útil em determinar quais os fatores dinâmicos que podem estar relacionados com as reações infantis num grupo, na escola ou jardim da infância, ou com os acontecimentos de seu lar" (1967, p. 6).

Ou seja, por meio das histórias contadas pela criança no C.A.T., o profissional, segundo os idealizadores desse instrumento psicológico, poderia analisar que situações do mundo interno do paciente podem estar relacionadas com o fato de se negar a escrever, ou brigar com um colega na sala de aula, ou negar-se a ir à escola, ou ainda em que fases do desenvolvimento psicossexual as relações por ela vividas foram traumáticas, hostis e vividas como cenas de violência e agressão.

No caso do processo de escolarização, essa interpretação desconsidera pelo menos dois fatos. O primeiro é o de que a relação professor-aluno constrói-se no dia-a-dia da sala de aula e que pode mobilizar sentimentos e criar novas possibilidades de representação da criança sobre si mesma e sobre a escola. Nesse sentido, pode-se exemplificar com pelo menos dois trabalhos. Na pesquisa de Cruz (1987), mostrando o quanto as crianças ingressantes vêm para a escola com uma série de expectativas que vão sendo desmontadas e modificadas na relação com a professora. No trabalho de Machado (1994) com crianças de classe especial, em que a possibilidade de pensar junto com elas o lugar de deficientes em que foram colocadas nessa escola fez com que a maior parte entendesse o que é uma classe especial, reconstituísse o percurso de seu encaminhamento para essa classe, questionasse o rótulo de deficientes a elas imputado. A participação da professora nesse processo possibilitou mudanças na relação com as crianças, como indivíduos que pensam, sentem, refletem sobre a sua realidade. Essa nova relação resgatou nas crianças o desejo e a capacidade de aprender, diferentemente do que o rótulo de "especial" possibilitaria que acreditassem.

E, em segundo lugar, tal interpretação desconsidera a escola historicamente construída, cuja complexidade transcende a relação professor-aluno. Embora a escola tenha como um de seus principais objetivos ser um espaço de socialização do saber, a sua inserção se dá numa determinada sociedade, com uma organização política, social e econômica específica, sendo, no caso brasileiro, fortemente marcada por preconceitos sociais, principalmente em relação às famílias mais pobres.

O fato de uma criança pertencer a determinado bairro, freqüentar determinada escola, ser considerada como incapaz de aprender em função de sua condição de vida, está muito mais próximo dos motivos que a levam ao fracasso escolar do que de dificuldades que possa apresentar na relação com o aprender. E o que as pesquisas vêm mostrando é que grande parte dessas dificuldades se produz na escola, pela inadequação do tratamento conferido a essa criança5.

Não se quer afirmar, no entanto, que não existam problemas emocionais graves. Mas sim que estes não recaem sobre a maciça maioria de crianças das nossas escolas (públicas e privadas) e que mesmo que tais problemas aconteçam, as experiências recentes mostram a importância do espaço pedagógico como um elemento estruturante do psiquismo e promotor de relações mais saudáveis6.

Outro aspecto importante a ser pensado é que, mesmo que se cons tatasse por meio de um psicodiagnóstico que as questões emocionais de origem familiar estivessem interferindo profundamente na relação dessa criança com o conhecimento, impedindo-a de aprender, é fundamental pensar que ações pedagógicas podem ser inseridas nesse contexto. Pois, simplesmente afirmar para o professor que o seu aluno apresenta um distúrbio emocional, em geral, paralisa a ação pedagógica.

Chama também a atenção que, embora na formação de psicólogos, os alunos tenham contato com autores e concepções que analisam a queixa escolar numa perspectiva piagetiana, como a de Sara Paín (1986), ou psicanalítica, como a de Alicia Fernández (1990; 1994), ou ainda façam leituras institucionais (Bleger, 1963; 1971; 1984; Saidon, 1987), ao se defrontarem com uma criança que chega na clínica-escola com uma queixa escolar, não utilizam esses instrumentos nem para a análise nem para o diagnóstico das queixas escolares que são a eles encaminhadas.

Pode-se observar esse fato analisando o número de avaliações psicodiagnósticas que utilizam provas "pedagógicas" ou ainda "piagetianas" ou que apresentem alguma "análise da instituição escolar". A leitura dos prontuários mostra a inexistência de qualquer informação sobre a relação institucional que tenha produzido a queixa. Essa constatação permite levantar a hipótese de que o que norteia o processo psicodiagnóstico não é o conhecimento sobre a criança articulado por alunos e professores, no decorrer do curso de Psicologia e sim, muito mais, a concepção diagnóstica e terapêutica do supervisor ou do grupo de supervisores com a qual o aluno acaba não tendo como contrapor outros saberes acumulados durante o curso.

Outra hipótese que se pode levantar para explicar a utilização de um único modelo de análise da queixa escolar está na cristalização de um modelo diagnóstico considerado como "clássico" e que acaba não sendo questionado pelo profissional, pois é "algo que todos os psicólogos fazem", demonstrando que as possíveis críticas são engolidas por uma prática clínica cotidiana. Os testes psicológicos parecem revelar, na verdade, as concepções dos psicólogos, a maneira como acreditam poder conhecer um sujeito, que, como se viu no caso de Jonas, foi reduzido primeiramente a "objeto", pela padronização de um instrumento de avaliação psicológica, para só então, após uma longa convivência ser "re-conduzido" pelo psicólogo ao seu lugar de sujeito, que _ mal sabia o psicólogo _ ele nunca havia deixado de ser. Os testes psicológicos, portanto, só são usados para dar o aval "científico" a explicações (relações causais) que preexistem ao exame psicológico7.

Um belíssimo relato das possibilidades muito maiores de investigação psicológica e que permite que a criança pense sua condição numa relação humana é descrito por Machado (op. cit.). Trata-se do caso de Andressa, uma criança de apenas 8 anos e que freqüentava a classe especial. A mudança do referencial teórico permite mudar as perguntas e propiciar de fato uma análise da situação de "objeto" a que sujeitos são constantemente submetidos pelas instituições de ensino e de saúde. No caso de Andressa, um psicodiagnóstico que não levou em conta a criança que ali estava e sim os resultados dessa mediação por meio de testes de medida, concluiu que tivesse "idade mental de 4 anos" e pior do que isso, a maneira como isso foi dito à mãe dela, permitiu que ela ouvisse e entendesse que era portadora de uma doença chamada "idade mental".

Considerado como o seu segredo mais íntimo, sua condição passa a ser desvelada à medida que a relação de confiança se estabelece com a psicóloga. Ao contar seu segredo e, ao mesmo tempo, esclarecer para si mesma algo que havia ouvido atrás da porta ou até numa entrevista "devolutiva" de um psicólogo, desnuda os bastidores de nossas salas de atendimento psicológico, em que são produzidos laudos coerentes com os instrumentos mambembes de medida diariamente utilizados para afirmar a deficiência.

 

Como os dados escolares comparecem nos prontuários

Os dados escolares comparecem de duas maneiras nos prontuários analisados: por meio de questionário respondido pelo professor da criança encaminhada e por meio da visita escolar.

Nos prontuários de atendimento à queixa escolar de uma das clínicas que atende especificamente "problemas de aprendizagem", é condição de permanência da criança no atendimento que o professor responda um questionário com informações detalhadas sobre seu aluno. Estas informações são analisadas durante o processo psicodiagnóstico. Observa-se, porém, que, no relato final do caso, a maioria das questões apresentadas baseia-se em situações vividas pela criança com os psicólogos na situação de atendimento, sub-utilizando-se, portanto, em muitos aspectos, a detalhada ficha informativa do professor ou, ainda, não estabelecendo um "diálogo" entre o que foi produzido no atendimento psicológico e as informações escolares.

Nas clínicas-escola que utilizam a abordagem de psicodiagnóstico interventivo, os alunos realizam uma entrevista escolar como parte do processo de avaliação diagnóstica. Embora a inclusão da escola no levantamento de dados para a compreensão da queixa escolar se faça presente, as visitas escolares ainda são consideradas pelo estagiário (e seu supervisor) muito mais como um dado a ser acrescentado a respeito da criança. Apenas nesse momento do processo psicodiagnóstico as perguntas sobre a escola se fazem presentes. Durante todo o processo de entrevista, mesmo que a queixa seja escolar, o que norteia o olhar do psicólogo é principalmente a questão emocional na relação familiar e no mundo interno infantil.

Embora parte dessas afirmações seja trazida pelos pais e professores aos psicólogos, pouco se faz durante as entrevistas para esclarecê-las. A concepção de que na entrevista o foco deve ser o aspecto emocional do cliente, impede que perguntas a respeito do que se passa na escola sejam feitas, que se esclareçam situações absurdas constatadas nas queixas apresentadas inicialmente.

São constantes, por exemplo, os casos em que a criança não freqüenta a escola e isso ocorre em várias idades e em diversas situações. Um dos casos é de uma menina de 14 anos. Essa adolescente, dos 4 aos 13 anos foi medicada pelo neurologista, por ser considerada "nervosa e brava". Segundo sua mãe, aos quatro anos, Cláudia "quebrava tudo, rasgava a roupa do corpo, chorava, mordia o braço". Aos 14 anos fez um eletroencefalograma e "não deu nada", ou seja, não apresentou nenhuma alteração nas ondas cerebrais que indicasse a necessidade de medicação. Durante todos esses anos, Cláudia ficou fora da escola, pois, segundo o relato da mãe, "a escola também achava que ela era nervosa e brava". Embora a mãe a considerasse normal, a sua volta à escola não aconteceu. A mãe apresenta essa situação, mas não há qualquer interferência da psicóloga a respeito de um fato tão inusitado. A entrevista de triagem segue com o psicólogo perguntando a respeito da organização familiar, de dados do desenvolvimento infantil, do lugar que essa criança ocupa na familiar, enfim, não esclarecendo a própria queixa ou ainda procurando entender as explicações referentes à não escolarização.

Outro caso é de uma criança de 7 anos, Rogério, que, segundo relata sua mãe:

« foi à escola mas a professora não o queria, tentaram por uma semana e foi retirado. Durante essa semana que permaneceu na escola andava por baixo das cadeiras. A professora escrevia na lousa e ele logo apagava, todos os alunos prestavam atenção nele, menos na aula, por isso foi convidado a se retirar ».

Com apenas uma semana de aula, esse aluno é considerado como uma criança impossível de ser controlada. Nenhuma das perguntas que vêm em seguida na entrevista de triagem esclarecem o que se passou na escola, ou levanta hipóteses a respeito da impossibilidade de permanência dessa criança em sala de aula. Antes de entender mais detalhadamente o que se passou na relação escolar, ou ainda perguntar à mãe se essa atitude também ocorre em casa e em que condições, por exemplo, essa criança foi encaminhada para o neurologista.

Neste caso, também, o psicodiagnóstico realizado não considerou qualquer aspecto a respeito da história de escolarização dessa criança, que expectativas levava para os primeiros dias de aula, como era a escola que o recebeu. Muito menos se fazem presentes questões relativas à inconstitucionalidade da exclusão dessa criança da escola, sendo responsabilizados nesse caso a direção da escola e os pais. O mínimo que se espera do psicólogo é que esclareça os direitos que os pais têm nesse momento, dizendo a quem recorrer num caso em que a escola se nega a manter a matrícula de um aluno em idade escolar. O que se observa é que a concepção de que o problema está no aluno, em seu psiquismo e em suas relações impede que tais direitos básicos sejam considerados e inseridos no atendimento psicológico.

Uma grande parte dos prontuários não indica sequer o nome das escolas que os encaminham, reforçando mais uma vez o argumento de que a questão individual e familiar suplanta qualquer concepção crítica sobre o que se passa na escola.

Esse relato, assim como outros a ele somados, permitem observar a importância das concepções presentes na formação do psicólogo e o quanto os processos patológicos, quer orgânicos, quer emocionais, são evocados para explicar o chamado "problema de aprendizagem".

Em algumas clínicas-escolas, chamou a atenção também a existência de vários prontuários da mesma escola. Um dos grupos de prontuários era de quatro alunos todos da mesma classe, com um pedido de avaliação para freqüentarem a classe especial. O encaminhamento dessas crianças foi feito pela professora substituta, pois a titular adoecera e havia se afastado para cuidar de sua saúde. Os casos foram tratados separadamente e a questão da substituição do professor e as dificuldades de adaptação, que certamente advêm numa situação como essa, não foram consideradas pelo psicólogo e os encaminhamentos foram tratados como problemas individuais.

Nesse sentido, constatou-se que uma das clínicas pesquisadas começou a dar atenção a essa questão. O procedimento adotado é organizar as queixas por escola e encaminhá-las para a área de Psicologia Escolar, com o objetivo de realizar algum trabalho de atendimento à escola, responsável por tantos alunos para avaliação psicológica. Esse fato mostra o início de um outro enfoque à queixa escolar, abrindo espaço para atendimento clínico a outras demandas.

O desconhecimento pelo psicólogo do processo de leitura e escrita bem como a ausência de atenção ao processo de escolarização têm produzido uma série de equívocos graves no atendimento às queixas escolares. Em muitos trechos dos prontuários analisados, observa-se que as questões escolares passam a ser tratadas como meros problemas individuais, familiares e de natureza física ou emocional.

Esse é o caso do encaminhamento de Artur, um adolescente de 12 anos que cursava a segunda série. Com histórias sucessivas de repetência, é um aluno que, segundo sua mãe, "ainda gosta da escola". Aos três anos, teve uma encefalite e embora não apresente seqüelas, foi encaminhado pela escola para atendimento psicológico. Em seu prontuário, Artur escreve a seguinte frase « Eu sitou pedito para saber poque eu nau cosigo misai bei na sicola ». Embora esse aluno traga um pedido explícito _ quer saber porque não se sai bem na escola _ mais uma vez o seu pedido foi frustrado, pois contrariamente ao que deseja, o seu psicodiagnóstico afirma:

Artur está comprometido intelectualmente devido a suas questões afetivas. Não consegue se desenvolver intelectualmente pois apresenta dificuldades emocionais, no sentido de paralisar toda e qualquer produção.

Na continuidade do diagnóstico, a psicóloga (aluna do quarto ano de Psicologia e sua supervisora) analisa as dificuldades de elaboração de conflitos relacionados com as figuras parentais. No caso de M., foram aplicados a Escala Wechsler de Inteligência - WISC, o Teste de Apercepção Temática-Infantil - C.A.T. e Casa, Árvore, Pessoa - H.T.P.; como de praxe, o adolescente foi encaminhado para psicoterapia e os pais para terapia familiar.

A afirmação psicológica de que esse aluno tem "toda e qualquer produção paralisada" por problemas emocionais não se confirma com a frase escrita pelo próprio cliente durante o processo psicodiagnóstico. Ao escrever uma frase, demonstra o seu nível de produção escrita, o quanto consegue se expressar por meio desse instrumento de comunicação, a complexidade do texto produzido, a estrutura correta utilizando sujeito, predicado e complementos, a utilização da letra maiúscula no início da frase, o ponto final, utilizando inclusive a conjunção porque, ou seja, conhecendo esse recurso da língua para ligar duas frases que se relacionam. As trocas de letras que comete("secola" em vez de "escola"), ou ainda a junção de palavras ("misai" em vez de "me sair") mostram que o aluno não dominou ainda alguns aspectos do processo de aquisição da escrita que precisam ser mais trabalhados em classe pelo professor, assim como a questão ortográfica8.

Por outro lado, o pedido em si aponta um movimento para modificar o que existe, entender o que se passa em relação à escola. Contrário, portanto, ao diagnóstico de paralisia ou de comprometimento intelectual afirmado no relatório de avaliação.

Há ainda um grande desconhecimento a respeito do que se passa na escola, incluindo informações legais, fundamentais para um profissional. Isto ocorre em relação às classes especiais, por uma parte dos supervisores que orientam os atendimentos de avaliação psicodiagnóstica com a finalidade de encaminhamento para salas de educação especial. Esse é o caso de Paulo, um menino de oito anos que cursa pelo segundo ano consecutivo uma classe especial. Esse menino foi conduzido a essa sala por apresentar epilepsia, embora seja medicado e não apresente manifestações convulsivas, segundo seu prontuário.

Essa criança é atendida na clínica-escola e em nenhum momento do relatório se faz qualquer referência ao fato de esse menino freqüentar essa sala. Não há qualquer questionamento sobre o "encaminhamento" arbitrário dessa criança para uma sala especial. Considera-se o procedimento arbitrário, pois a decisão para que uma criança passe a freqüentar uma classe especial era regida, na ocasião em que tais prontuários foram analisados, pela Resolução da Secretaria do Estado da Educação9, devendo ser observados os seguintes critérios: ter no mínimo dois anos de escolaridade, uma avaliação psicológica de deficiência mental leve e um parecer pedagógico. No caso em exame, Paulo passou a ser aluno dessa "sala especial" no início do seu processo de escolarização, a partir de suposições provavelmente baseadas em sua história neurológica, mesclada com os preconceitos que tais distúrbios carregam, sem que houvesse qualquer menção dessa questão durante o atendimento psicológico.

Esses mesmos profissionais conhecem ou imaginam uma classe especial hipotética com professores idealizados, muito diferentes daqueles que existem na realidade da escola pública. Os próprios testes psicológicos em seus manuais defendem essa mesma hipótese.

O desconhecimento do que acontece na escola faz com que muitos psicólogos dêem pouca importância à força do laudo psicológico no meio educacional. Como analisou Patto (1990), nos estudos de casos de múlti-repetentes, a avaliação de um profissional de Psicologia "sela destinos". O laudo psicológico é um parecer técnico, ele é entendido como um instrumento definitivo que revela as verdadeiras causas psíquicas. As conseqüências da utilização desse instrumento na escola são as mais diversas, mas em geral, todas elas contrárias ao fortalecimento do aprendizado e reforçadoras da estigmatização que as crianças vêm sofrendo na escola.

Os prontuários levam a considerar uma outra questão, não menos grave que as anteriores: um número muito grande de crianças é encaminhado às clínicas-escola com a solicitação de avaliação psicológica para a classe especial para deficientes mentais. O que se pode observar é que em praticamente nenhum prontuário se faz presente a história de escolarização dessas crianças e/ou adolescentes. A análise dos prontuários permitiu observar que o quadro muitas vezes confuso apresentado pela escola e/ou os argumentos pouco convincentes apresentados pelos professores, em geral, não são questionados pelos psicólogos, reforçando os maus entendidos a respeito do encaminhamento e mantendo a criança numa sala de aula em que minimamente ela irá se beneficiar10.

Todavia, alguns profissionais começam paulatinamente a se apropriar da discussão em torno das classes especiais e iniciam um processo de inclusão com, pelo menos, uma visita a essas classes. Ou seja, saem da posição de considerar uma sala de aula idealizada e pensada para atender às necessidades das crianças mais lentas ou daquelas que precisariam de uma atenção individualizada do professor, para de fato conhecer o que se passa nessa sala, para a qual ele pretende encaminhar uma criança que seria portadora de uma deficiência mental.

Nas entrevistas realizadas com profissionais, tanto da área clínica quanto da área escolar, há relatos de que pelo menos está implantada a dúvida quanto ao encaminhamento. Mas, ainda se espera muito dos pais em relação a mudanças na escola, sem que se vislumbre a possibilidade, como psicólogos, de também participar da discussão do que tais classes efetivamente estão produzindo no processo de escolarização das crianças consideradas como pessoas com necessidades especiais.

Outra questão em relação aos encaminhamentos para a classe especial refere-se à inexistência do acompanhamento dessa criança em sala de aula pelo psicólogo. Na maioria dos casos, o psicólogo pede para que os pais façam esse trabalho, desconhecendo as dificuldades do relacionamento entre escola e pais, principalmente quando a escola não permite a participação deles em seu dia-a-dia. As práticas existentes atualmente não prevêem acompanhamento. O profissional, desconhecendo o que irá acontecer com o seu encaminhamento no interior da escola e não realizando outra avaliação posterior que revise aspectos apontados como dificuldades ou ainda que analise as vantagens desse lugar educacional para essa criança está compactuando com a manutenção e a cristalização de relações educacionais que acabam por excluir a criança da possibilidade de pensar (Machado, op.cit.).

 

A relação entre problema emocional e aprendizagem escolar

A explicação de que problemas emocionais causam o não aprendizado na escola é uma concepção corrente entre professores e psicólogos. Dos psicodiagnósticos analisados, a grande maioria parte de uma hipótese de caráter emocional para analisar o caso, utilizando instrumentos que visam a explorar mais profundamente essa hipótese e chegam a conclusões que referendam a hipótese inicial. Embora nas entrevistas, os supervisores dêem ênfase na construção de um "raciocínio clínico" com seus alunos, o que se observa nos prontuários é um "raciocínio circular", em que se parte de um ponto (hipótese de que o problema é emocional), chegando a ele ao final do percurso psicodiagnóstico11. Ilustrando nossa análise, verificam-se constantemente nos prontuários as seguintes afirmações: Criança com um nível intelectual adequado para a idade, com fatores emocionais e de dinâmica familiar prejudicando seu comportamento e comprometendo sua interação social.

Os tratamentos propostos são coerentes com essas afirmações e concluem: Torna-se necessário um trabalho psicoterápico individual para que este menino possa ter seu ego fortalecido, adquirindo desse modo mais confiança em seu potencial, tornando-se desse modo mais seguro e menos defendido em seu relacionamento com o outro e com o mundo (Diagnóstico de uma criança encaminhada para a classe especial, com 8 anos de idade e que cursava a segunda série do primeiro grau).

Um caso que exemplifica essa questão é o de um menino, Carlos (9 anos) que cursa a terceira série, repetente na primeira e "muito fraco", segundo o relato de sua mãe. Após sua primeira reprovação, consta em seu prontuário que foi considerado como uma criança com deficiência mental leve: (...) dependente da mãe, vendo-se a necessidade de dar continuidade ao atendimento de terapia psicomotora, com o objetivo de trabalhar seus conflitos internos, para dar-lhe apoio para desprender-se da relação estabelecida intensamente com a mãe, possibilitando a busca de maior autonomia em seu desenvolvimento.

Conclusão: O paciente demonstra sua dificuldade em manter relações saudáveis em sua vida, e mesmo com o trabalho em cima da questão, faz-se necessário a continuidade do atendimento em terapia psicomotora para que elabore uma imagem mais íntegra de si mesmo, o que favorecerá sua relação com o mundo, sem que este seja persecutório, onde C. tem que ser problema para se defender desse mundo tão ameaçador e superior a ele.

 

Encaminhamento: continuidade no ano seguinte

O desconhecimento da importância das relações institucionais na produção do chamado "problema de aprendizagem" é uma das mais sérias lacunas na formação do psicólogo atualmente. Embora a queixa seja a dificuldade na leitura e na escrita, todo o encaminhamento feito pelo psicodiagnóstico e pelo atendimento psicoterápico centra-se em aspectos emocionais, acreditando-se que, ao modificar sua relação com a mãe ou conseguir "lidar melhor" com seus conflitos internos, a criança melhorará sua "performance" escolar. O que se percebe é que as questões escolares parecem estar circunscritas às disciplinas de Psicologia Escolar, quando muito. Ou seja, há uma dicotomia na formação profissional entre as áreas, utilizando-se muito pouco do conhecimento produzido a respeito de uma questão tão relevante quanto o processo de escolarização e o que este envolve.

 

Algumas conseqüências do processo psicodiagnóstico

Um importante debate iniciado em 1989 no Conselho Regional de Psicologia-06 colocou o psicodiagnóstico em questão por meio de uma pergunta bastante instigante: Psicodiagnóstico: instrumento de revelação? Nessa ocasião, participaram do debate três psicólogos, professores de cursos de Psicologia, discutindo a relevância desse instrumento de avaliação. Para finalizar a análise dos prontuários, serão utilizados trechos desse debate por se considerar que a profundidade das discussões presentes é extremamente atual e relevante para a questão: como a queixa escolar é entendida e atendida no curso de Psicologia.

Uma das afirmações feitas pelo psicanalista Telles (Camillo et. al. 1989:204):

"Quando se impõe um caminho prévio de pesquisa a um objeto que acaba de ser instaurado como um campo a ser observado faz-se necessariamente um recorte apriorístico do mesmo, de tal modo que as conclusões obtidas têm mais a ver com a especificidade do método do que com o objeto propriamente dito".

É possível verificar a veracidade dessa afirmação, quando se faz a leitura das entrevistas de triagem e dos relatos de psicodiagnósticos infantis, com tendência à repetição das perguntas, das aná lises, dos diagnósticos e dos encaminhamentos propostos. Todos apresentam uma linguagem monocórdica que leva fatalmente a um diagnóstico também previsível. O método de abordagem da queixa escolar acaba apresentando um modelo único que nos fala muito mais daquele que o criou e o utiliza do que do próprio sujeito objeto da análise psicológica. Como afirma Camillo (1989):

"O psicodiagnóstico e seu produto final, que é a descrição diagnóstica, permite identificar, entre outros atributos, o tipo de orientação ideológico-científica a respeito da causação do comportamento humano que o diagnosticador adota" (p. 201).

No caso dos prontuários analisados, constata-se fortemente aquilo que o autor denomina de correntes do idealismo subjetivo, em que "as formas e os movimentos visíveis exteriores dos corpos em geral têm interesse apenas secundário, como indicadores ou sintomas do funcionamento de substratos imaginários internos", representado pelo modelo "médico-mentalista" em que se considera possível realizar um "diagnóstico da mente", em que os determinantes sociais e históricos apenas são aspectos secundários à compreensão do indivíduo.

As análises dos atendimentos de psicólogos frente à queixa escolar têm mostrado um modelo teórico predominante em relação às crianças que apresentam dificuldades de escolarização: uma concepção que entende a queixa escolar como um problema individual ou familiar, pertencente à criança encaminhada e à sua família, no qual a escola tem pouca ou nenhuma parcela de participação. A causa da queixa escolar, na maioria das práticas psicológicas, é entendida como um problema de âmbito emocional que se revela no início do processo de escolarização em função dos desafios apresentados nessa etapa do desenvolvimento da criança. Ou ainda, o que se passa com a criança na escola é um sintoma dos conflitos vividos internamente por ela ou tem sua origem em problemas neurológicos ou no rebaixamento intelectual, evocando para tanto, termos extraídos de autores da psicanálise.

Com base nessas crenças, as práticas psicodiagnósticas estruturam-se em um conjunto de avaliações que dariam, segundo seus seguidores, um quadro mais completo do que se passa no psiquismo e nas diversas áreas mentais do indivíduo com ele relacionado. Os testes psicológicos (de nível intelectual, de percepção viso-motora, projetivos) são o principal instrumento psicológico utilizado nesse processo avaliativo.

A principal conseqüência das concepções mencionadas reside no fato de se manter uma Psicologia a serviço da exclusão social dessas crianças. Ao considerar que as causas da queixa escolar encontram-se no psiquismo (problemas emocionais), ou no rebaixa mento intelectual (deficiência mental), que _ é importante ressaltar _ a maioria das vezes as crianças não têm, continua-se eximindo o sistema escolar da participação e/ou produção dessas dificuldades. Desconsiderar a produção do fracasso no conjunto de relações do processo de escolarização, dificulta propor ações que venham a modificar, pelo menos minimamente, as relações escolares. Comparando-se as taxas de reprovação das escolas particulares na cidade de São Paulo com as taxas de reprovação nos bairros periféricos, fica claro que não é possível atribuir essa discrepância a tantos problemas emocionais das crianças mais pobres. Seria como afirmar que entre as crianças aprovadas das escolas particulares não existissem problemas e conflitos psicológicos.

Chama a atenção o tema da "deficiência mental leve", deficiência essa que, segundo as padronizações de testes de inteligência, parece ser endêmica entre as crianças das classes populares. Como foi discutido anteriormente, há vários fatores que permeiam a avaliação de tal "deficiência", destacando-se o conjunto de desencontros presentes na história escolar dessas crianças12.

Um aspecto apontado anteriormente em pesquisas em relação ao discurso dos pais frente ao fracasso escolar de seus filhos (Patto, op.cit. e Kalmus e Paparelli, 2004) reproduz-se também nos prontuários das clínicas-escola: os pais, de maneira geral, chegam ao psicólogo convencidos de que seus filhos sejam portadores de alguma problema por não aprenderem a ler e escrever. O discurso da escola vai paulatinamente sendo assimilado pelos pais, depositando sobre o aluno a incapacidade para o aprendizado. Observa-se tal processo na medida em que, em muitos prontuários analisados, os pais apresentam hipóteses orgânicas ou calcadas em episódios de queda, fraturas em partes do corpo, hospitalização, doenças infecto-contagiosas como pneumonia ou diarréia e suas relações com o não aprendizado da leitura e da escrita. E aqueles pais que ainda não estão convencidos da incapacidade de seus filhos ou dos problemas emocionais e cognitivos ou o fazem no decorrer do processo psicodiagnóstico ou são considerados pelos psicólogos como "resistentes ao tratamento".

Outra questão que chama a atenção é a distância entre o tempo clínico e o tempo escolar. Para o atendimento clínico, o tempo real é algo que não se problematiza, quando se trata de queixa escolar, ou seja, acredita-se estar respeitando o tempo da criança durante o tratamento, seu ritmo, seu processo de elaboração. Enquanto isso, a defasagem série/idade da escola continua se aprofundando. No caso de um aluno da classe especial, entre a data do encaminhamento para o psicodiagnóstico, o atendimento em ludoterapia e seu posterior encaminhamento para o atendimento psicopedagógico, passaram-se dois anos e meio até que sua saída da classe especial fosse aconselhada pelo psicólogo. Isto significa que esse aluno retornou à classe comum aos 10 anos e meio, com uma defasagem de aproximadamente três anos de escolaridade, tempo necessário para terminar a quarta série do primeiro grau.

A análise do processo psicodiagnóstico e de suas conseqüências permite refletir também sobre o "poder do psicólogo" ao utilizar um instrumento de avaliação, sobre o significado da produção de um laudo psicológico, sobre o que significa dar um parecer psicológico a respeito de um indivíduo, objeto de avaliação.

Essa reflexão remete a Foucault (1989), quando analisa a mudança das relações de poder na História. Segundo ele, na Idade Média, a forma de poder se baseava no inquérito, ou seja, a verdade era produto de testemunhos de indivíduos considerados como os que detinham o saber sobre o fato (ou porque o presenciaram ou por possuírem legitimidade social). No século XVIII, a forma de organização do poder social correlaciona-se à forma de se organizar o espaço (a separação do criminoso, do doente mental, do doente físico), bem como vigiar os indivíduos e seus comportamentos. No caso das Ciências Humanas, instaurou-se a prática do "exame", isto é, passava a ser possível que um determinado profissional, com legitimidade social, avaliasse o indivíduo, baseado em normas, regras, padrões pré-estabelecidos.

Frayze-Pereira (Camillo et. al., 1989:215) analisa o poder do psicodiagnóstico, utilizando-se da concepção foucaultiana da sociedade disciplinar:

"Trata-se de um saber sobre os indivíduos que nasce da sua observação, da sua classificação, da análise de seus comportamentos, da sua comparação etc. O exame transforma cada indivíduo num caso e, portanto, num objeto de conhecimento. O exame opera uma transformação no modo de manipulação do poder.(...) O poder disciplinar inverte essas relações; é ele que busca a invisibilidade, impondo a seus objetos o máximo de visibilidade que é correlata à vigilância.".

É essa "invisibilidade" que se pretende questionar, ou seja, as ações psicológicas são visíveis por meio das conseqüências que operam nos indivíduos, nas crianças e em seus pais, participando da exclusão, da estigmatização e da desigualdade social, impossibilitando que tais crianças e adolescentes tenham acesso à cidadania, aos direitos sociais mínimos garantidos e reconhecidos como legítimos em todo o mundo.

No caso específico da queixa escolar, a visibilidade se expressa na manutenção de uma escola sabidamente excludente13. Não questionar a origem do encaminhamento, não considerá-la na prática de atendimento, apesar das melhores intenções que possam ter os psicólogos, é participar do processo de exclusão escolar de nossas crianças e adolescentes.

 

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Recebido em junho/2004
Aceito em setembro/2004

 

 

Notas

1 O prontuário contém todas as entrevistas e testes (procedimentos) utilizados para atender o caso. Ao final de cada entrevista, o estagiário escreve a sua "impressão pessoal" sobre o caso, momento em que elabora suas primeiras observações e hipóteses sobre o que acontece a partir da queixa relatada.
2 A respeito do processo de perda da crença na própria capacidade de aprender, ver Silvia Vieira Cruz (1987 e 1994).
3 Neste caso, a questão mais grave é que o supervisor que acompanha o atendimento não orientou seu aluno para levantar junto à escola os motivos desse encaminhamento para a classe especial já que, do ponto de vista legal, ele não poderia ser feito. Só depois de, no mínimo, dois anos de escolaridade.
4 Machado (1996), em sua tese de doutorado intitulada Reinventando a avaliação psicológica, discute a importância do resgate da história escolar desses alunos, demonstrando o quanto o processo de escolarização forjou uma incapacidade nessas crianças que na verdade elas não têm.
5 Pesquisas realizadas por Silvia Helena Vieira Cruz (1987) (op. cit.), Adriana Marcondes Machado (1996) (op. cit.), Maria Helena Souza Patto (1990), dentre outras.
6 Trabalho realizado nesse sentido acontece na "Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida", do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, sob a coordenação de Maria Cristina Machado Kupfer e uma grande equipe de psicólogos, alunos da graduação e da pós-graduação, em que são atendidas crianças com distúrbios globais no desenvolvimento (crianças com distúrbios emocionais graves).
7 Excelentes textos que problematizam os testes psicológicos e o pensamento psicométrico foram escritos por Maria Helena Souza Patto (1997) e Maria Aparecida Moysés/Cecília Collares (1997).
8 As contribuições de Emília Ferreiro (1982, 1983, 1985) a respeito da construção da leitura e da escrita são valiosas para compreender processos como o apresentado neste encaminhamento.
9 Trata-se da Resolução SE no. 247 de 30/09/86. Essa resolução somente foi revogada em 2000, por meio da Resolução no. 95/2000 que implantava a política de educação inclusiva de pessoas com necessidades especiais pela Secretaria do Estado da Educação, Departamento de Educação Especial.
10Um dos trabalhos que analisa as classes especiais é a dissertação de mestrado de Beatriz Beluzzo Brando Cunha: Classes de educação especial para deficientes mentais: intenção e realidade.
11 Vera Stella Telles em "Psicodiagnóstico: instrumento de revelação", in Anais - I CONPSIC, analisa essa questão em relação à utilização de testes psicológicos de personalidade, cuja base de interpretação é psicanalítica, bem como as hipóteses psicológicas subjacentes ao ato de observar o cliente.
12 A esse respeito ver a dissertação de mestrado de Jaqueline Kalmus intitulada A produção social da deficiência mental leve, IPUSP, 2000.
13 Dados educacionais recentes reafirmam a produção diária da exclusão escolar principalmente pelos altíssimos índices de reprovação e de evasão escolares. A esse respeitover os trabalhos de Sergio da Costa Ribeiro (1992) e Otaviano Helene (1990, 1994).
I Profa. Dra. do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do IPUSP. Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano.

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