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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. v.11 n.20 São Paulo jun. 2006

 

ARTIGOS

 

O sociodrama, dispositivo de jogo cênico grupal e de acompanhamento com visada pré-terapêutica

 

Sociodrama : a group role playing device and an accompaniment device with a pre-therapeutic aim

 

El socidrama, dispositivo de juego escénico grupal y de acompañamiento com visada pre-terapéutical

 

 

Bernard BalzaniI; Viviane Veras(Trad.)

Université Nancy 2

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo discorre sobre uma experiência conduzida com adolescentes psicopatas confiados a uma instituição encarregada de reeducá-los e de reinseri-los. Para resolver as tensões que enfrentam, esses adolescentes recorrem necessariamente a um agir que, se nada esclarece sobre o caráter dos problemas, tem por mérito diminuir temporariamente as tensões que encontram. A verbalização e a simbolização não são, portanto, os modelos preferidos em seus modos de troca e de relação que degeneram freqüentemente em comportamentos violentos. Visto de certa maneira, o sociodrama constitui uma etapa primeira no contínuo dessa assistência ao mal-estar importante de que sofrem esses adolescentes psicopatas.

Palavras-chave: Sociodrama, Adolescentes psicopatas, Jogo cênico, Violência.


ABSTRACT

This article is a report on an experiment which was carried out with psychopath teenagers who had been left with an institution to be re-educated and reintegrated . in order to settle the tensions they necessarily face, these teenagers turn to a kind of action which has the merit of temporarily reducing the tensions they meet even if it doesn’t solve the root of the problem;
As a consequence, verbalization and symbolization are not the favourite patterns in their verbal and relational exchanges , which most of the time degenerate into different forms of violent behaviour. If you consider it that way, socio drama is in fact the first step in the process of taking a grip on their important uneasiness
.

Keywords: Role playing, Violence, Sociodrama, Psychopath teenagers.


RESUMEN

Este texto relata la experiencia cabo con adolescentes psicopatas, a cargo de uma institución de reeducación. Os adolescentes para resolver las tensiones cotidianas se sirven de acciones que no necesariamente resuelven la problemática de fondo. La verbalización y la simbolización no son los modos mas usuales y por lo tanto no pocas veces recurren a comportamientos violentos. De esta forma, el sociodrama pasa a ser el lugar donde el malestar y el sufrimiento de los adolescentes encuentra acogida y escucha.

Palabras clave: Sociodrama, Adolescentes psicopatas, Juego escénico, Violencia.


 

 

Introdução

O sociodrama constitui um dispositivo de acompanhamento com visada terapêutica; constitui também uma atividade que propõe um espaço para ver, para testar, para experimentar: é uma etapa em um contínuo da ação de assistência à população, neste caso, adolescentes em sofrimento importante. A atividade oferece uma passagem indispensável em que se trata mais de partilhar uma experiência – vivê-la, dar-lhe forma e, depois, pô-la em palavras – que de interpretar seus sentidos potenciais, que serão objeto de uma segunda etapa.
Partiremos de dois postulados para nortear a intervenção em que vou tentar trabalhar a questão que nos preocupa: a posição subjetiva materna – o discurso do Outro primordial no qual o bebê é imediatamente inscrito, na medida em que concordamos que esse discurso lhe é preexistente e que, de certa forma, o aguarda em um lugar a ser definido por alguns elementos que pretendo desenvolver.

Com o que oferece e com aquilo de que é portador, o sociodrama propõe aos profissionais, freqüentemente educadores, uma organização original para acompanhar, quer dizer, ocupar uma posição engajada, em que a ação produzida favoreça a experimentação de novas posturas profissionais, do lado da assistência, assim como um protocolo de leitura do real; por meio de uma proposição nova e concreta do laço social, o sociodrama favorece a exploração de zonas de trabalho, talvez muito freqüentemente abandonadas pelas organizações sociais burocráticas, segundo as quais acompanhar define-se pela aplicação de procedimentos de ação.

Na primeira parte, apresentamos a atividade do Sociodrama, declinando-a tal como tem evoluído e em relação às questões nas quais pode encontrar uma pertinência. Na segunda parte, demarcamos esse trabalho de jogo cênico grupal entre os efeitos esperados possíveis, mas também em termo de limites, tanto para o jovem quanto para o profissional.

 

Um ateliê grupal de jogo cênico

O sociodrama define-se como a colocação em jogo de situações sociais. Cada participante é convidado a investir o espaço de jogo e de expressão que lhe é proposto. O fato de uma sessão de sociodrama realizar-se com um grupo, em um grupo e graças a ele permite reforçar a ação pedagógica com os ecos que o vivido, o falado e o encenado pelo grupo suscitam em todos os participantes. O vivido do grupo produz um impacto, e o grupo serve de caixa de ressonância para cada um dos participantes. Essa abordagem por meio do grupo permite levar em conta efeitos possíveis em termos de expressão e de socialização dos adolescentes sob cuidados (Balzani, 2002).

 

1. Breve história da técnica

Entre 1958 e 1978, o Centre Familial De Jeunes [Centro Familiar de Jovens] (CFDJ) de Vitry sur Seine desenvolveu o sociodrama junto a jovens menores e adultos delinqüentes. Seu diretor, Jean Ughetto, ao retornar de uma sessão de formação com Moreno (em 1951), instaura uma atividade de jogo cênico que a equipe educativa vai nomear sociodrama, depois de diversas tentativas, experimentações e tendo em vista a evolução dos públicos. As repercussões do jogo de grupo revelam-se, nos dias que se sucedem, em numerosas discussões, demandas de entrevistas e reações psicológicas diversas. Essas situações pós-atividade são levadas em conta pela equipe educativa, no plano coletivo e individual (Finder et al., 1979). Sensibilizado por essa experiência histórica, um grupo de profissionais instigado pelo psicólogo engaja-se em um trabalho de instauração e de adaptação da técnica ao contexto institucional e às características dos públicos acolhidos, a partir dos anos 80, pela Protection judiciaire de la jeunesse [Proteção Judiciária da Juventude] (na época, Education Surveillée [Educação Vigiada]).

 

2. Definição da técnica

O sociodrama introduz as idéias de enquadre e de regras como fundamentos da intervenção educativa junto aos menores em dificuldades, especialmente os delinqüentes. No decorrer da experimentação, desenvolvemos três grandes orientações para a atividade: (1) uma atividade de grupo; (2) uma atividade de expressão; (3) uma atividade de aprendizagem e de formação.

2.1 O sociodrama é uma atividade de grupo

Os jovens chegam a estados de decadência importantes, tanto no plano físico quanto no psicológico, mas todos têm uma característica comum: são adolescentes que vivem em grupos, recusando freqüentemente o isolamento ou a relação dual. Buscam a vida em grupo, o contato com outros jovens, enquanto freqüentemente lhes são propostas ações individualizadas. Nesse contexto, a construção da identidade do jovem é posta em perigo. Ela se elabora de maneira desequilibrada. Confrontando-se com regras impostas pela pertença ao grupo sociodramático, os participantes da atividade vão consolidar sua identidade. A evocação incessante de regras durante a sessão de sociodrama cria um envelope sonoro que contém os excessos, o mais pleno limite de excitações; protege cada um de si mesmo e dos outros, o que torna possível as trocas entre os demais participantes. O sociodrama vai autorizar essa circulação emocional e identificatória, por meio da centração do grupo na tarefa de realizar cenas da vida social. Regulado por essas regras e pelos valores universais de respeito aos outros e aos lugares, o grupo de jovens torna-se um receptáculo de pulsões, de afetos e de fantasmas que circulam entre seus membros. Ele facilita a constituição de um envelope psíquico que cada um pode interiorizar. A introdução da idéia de envelope tem por base o fato de que o grupo funciona como uma pele (Anzieu, 1985; Kainz, 1996).

2.2 O sociodrama é uma atividade de expressão

No plano pessoal, é muito difícil fazer com que os adolescentes se expressem sobre eles mesmos, fazê-los evocar sua situação. Freqüentemente nos confrontamos com certo mutismo ou recusa. No caso de jovens recidivistas, reiterantes, o «jogo» consiste em conformar-se à expectativa do profissional e a ela responder, no sentido da solicitação. O jogo que evocamos não é compatível com o projeto de atribuição de encargos, uma vez que os papéis de uns e outros se encontram «pervertidos». Nesse contexto, parece-nos bem mais adequado propor outras atividades, sempre conservando a dimensão lúdica da proposta. Expressar-se é de alguma forma tirar de si o que está impresso. Expressar-se pelo jogo é, então, manifestar seu pensamento sob a forma de impressões faladas, gestuais ou de atitudes; é forçosamente mostrar um aspecto de si sob a cobertura de um personagem imaginado e encenado sob um nome emprestado. Não nos deixamos enganar pelo fato de que o encenado seja tirado da pessoa. Ela vai ocultar-se sob a pele de um personagem, com a memória de suas próprias percepções e experiências anteriores, mas o ator poderá sempre dizer que o personagem que ele representa, revelando-o a outros em cena, não passa de pura fantasia de seu espírito. Cada participante poderá usar o tempo da reflexão para tentar pôr em ligação o que no jogo entrou em ressonância com

2.3 O sociodrama é uma atividade de aprendizagem e de formação

Seja por estar em perigo em seu ambiente familiar e relacional, seja por representar um perigo para os seus, o jovem sob mandado judicial é um adolescente que tem uma pesada vivência de fracassos, sejam eles escolares, sociais ou relacionais. Esse dado torna-se de tal modo presente que o jovem termina por imaginar que é efetivamente assim. Em certas situações, o corpo educativo reforça, pela insistência que manifesta em estigmatizar as falhas no comportamento do adolescente, a posição de exclusão. Face a essas repetições, o jovem acolhido não entende mais de modo algum o discurso positivo e valorizador, recusando, nesse sentido, a atividade fundada na experimentação de situações, mesmo negativas, e que é proposta como uma ocasião de inscrever-se em um processo vitalizante (Enriquez, 1987).

Propor esse espaço grupal tem por objetivo criar condições suficientes para conduzir bem as experiências. Representar um papel como um artista de teatro apela à imaginação e à capacidade criativa dos participantes. Eles podem inventar um personagem, enriquecê-lo, dar-lhe um estilo determinado comportamento social e traços de caráter referentes ou não a pessoas encontradas, a quem se identificar ou a quem rejeitar. Eles podem também entrar nos personagens da realidade, de sua realidade social do momento. O sociodrama é então um método ativo de exploração de outras dimensões da situação social: valores e responsabilidades do personagem, dificuldade de exercer o poder ou a autoridade.

 

3. Uma técnica que tenta responder a problemas-chave entre os delinqüentes

Confrontados com agires incoercíveis e repetitivos, com comportamentos talvez violentos, sempre ruidosos e, mais freqüentemente, inesperados, com palavras vivas e diálogos impossíveis, nossa serenidade, paciência e neutralidade são postas a rude prova, quando não se tornam pura e simplesmente impossíveis, de tal modo são fortes as reações emocionais que nascem dessas confrontações. Ficamos talvez siderados frente a essas situações difíceis. É preciso ter a virtude, algumas vezes bem encavilhada ao corpo, ou bem ser particularmente plácido para, talvez, simplesmente manter sua calma frente a manifestações comportamentais ou a palavras pronunciadas que comportam, bem evidentemente, uma incontestável dimensão de provocação e de desafio. Esquece-se muito freqüentemente que se trata de uma tentativa de estabelecer uma relação, específica e inabitual, é verdade; contudo, ainda assim, uma relação. Essa dimensão de provocação e desafio é também uma busca desenfreada de um parceiro que, uma vez mais, permitiria ao cenário conflitual reproduzir-se em seu fundo repetitivo; ou seja, não modificar em nada o problema. Tentar responder a essa questão é interrogar o que se passa na interação da relação que opõe mais do que liga os dois protagonistas. Com efeito, essas situações, se não são retomadas, são extremamente probatórias para o profissional, e podem determinar, ao final, reações de recuo, de desinvestimento e, quem sabe, de sentimentos depressivos. Ou, ao contrário, elas suscitam uma retomada, por sua conta, desse modo de comunicação caracterial. Quanto ao adolescente, ele prossegue em sua carreira de delinqüente. Quais são as causas das dificuldades? Por um lado, é preciso reestudar a relação problemática entre os termos adolescência e psicopatia. Por outro lado, o sociodrama é, antes de tudo, um espaço de jogo cuja principal característica é acomodar-se bem ao agir humano desse período da vida que talvez tenhamos esquecido.

3.1 Adolescência e delinqüência psicopática

A adolescência é, por natureza, um período de desenvolvimento difícil, mas necessário a todo indivíduo que, normalmente, atravessa-a. Esse período, difícil em si, é essencialmente fecundo e para o futuro do sujeito, é importante que muitos dos aspectos da crise juvenil sejam reconhecidos (Male, 1978). Nesse caso, o uso do termo «difícil», para adolescência, é relativamente impreciso para descrever a situação do jovem acolhido em nossos serviços e recobre realidades muito diferentes. Ele é ao mesmo tempo questão do indivíduo em uma fase de desenvolvimento normal, mesmo se ela é ruidosa, e devemos confrontar-nos com uma crise existencial grave, levando até a manifestações de um comportamento anti-social tido e havido como tal. Esse perfil psicológico do adolescente sob nossos serviços tende certamente a contrabalançar as descrições históricas provenientes das correntes psiquiátricas (francesa, com o perverso; alemã, com a personalidade anormal ou, ainda, a anglo-saxã, com a conduta anti-social). Tal é então a dificuldade da intervenção, uma vez que se trata de «discriminar» entre o que diz respeito a problemas reacionais consecutivos a esse período de maturidade afetiva – portanto, sobretudo, «normais» – e o que resulta de uma patologia latente, que encontra nesse período de mutação e de desestabilização a ocasião para se manifestar. Mas nem todos os delinqüentes são psicopatas, como poderíamos defini-lo a partir da definição de Diaktine (1983): o psicopata caracteriza-se por uma tendência permanente a resolver todo conflito intra-psíquico por uma passagem ao ato hetero ou auto-agressivo, em detrimento de qualquer elaboração mental, com ou sem conseqüências legais.

3.2 Agir e jogo

Evidentemente é necessário definir o que entendemos por agir. Caso se busque compreender o agir como manifestação do comportamento, tal como aparece de modo tão freqüente no adolescente, há grande chance de que seja definido mais por oposição – o que ele não é – do que por uma explicação real, o que ele é efetivamente (Vidit, 1995).

A primeira percepção tende a encurtar a definição do agir na direção de uma dimensão negativa, porque correspondente a manifestações comportamentais. Ou seja, a observação atenta dos sujeitos faz bem aparecer a idéia de que eles agem para se proteger de um sofrimento considerável e inominável que se deve ao medo de sua realidade interna, mas também à extrema severidade de seu sistema de defesa. O agir não é então simplesmente um fim em si, cuja essência residiria na fuga, mas o signo em negativo de um pensamento que não chega a tomar forma e a colocar-se em palavras. Tudo se passa como se a relação entre os dois protagonistas tomasse uma dimensão mais dramática (Vidit, Balzani, Ribot-Kainz, 2002). O outro ocupa uma posição muito importante, a de testemunha daquele que age. O agir torna-se objeto de uma dupla atribuição. Por um lado, a da fuga com a qual quase todos os observadores parecem caracterizar o comportamento do adolescente. Por outro lado, o agir corresponde a um mecanismo de defesa, comportamento de luta contra pensamentos intoleráveis ou inelaboráveis, que tornam falhas as capacidades psíquicas do indivíduo de pô-los em formas, em imagens e em palavras, ou seja, de contê-los.

O processo engajado entre o ato e o agir possui então uma incontornável dimensão de encenação de qualquer coisa – pensamento, afeto, emoção – que busca se formar e se transmitir. É nesse jogo relacional que podemos evocar a idéia de uma dimensão lúdica na atividade, tanto mais que lidamos com adolescentes cuja maturidade afetiva situa-se ainda na infância. Ora, o jogo ocupa, bem evidentemente, uma posição de completo primeiro plano na experiência e no desenvolvimento. Ele constitui uma das linguagens privilegiadas para dar forma a seus fantasmas e modular suas angústias que aí estão ligadas (Minazio, 1988). Para ser realmente consistente e satisfatória para o adolescente, a experiência do jogo deve ser verdadeiramente jogada, ele deve estar mergulhado no que encena. Assim, o jogo tem uma dimensão que se pode qualificar de paradoxal, uma vez que é, ao mesmo tempo, um jogo e tão somente um jogo. Ele está na charneira entre, por um lado, a realidade psíquica da criança e, por outro lado, os objetos externos que ela experimenta. O jogo encontra-se, então, em uma zona intermediária entre o ato e o pensamento, já que é ao mesmo tempo manipulação de objetos externos e desenrolar do teatro interno.

3.3 Jogo e sociodrama

Essas capacidades de jogo não são adquiridas, e é precisamente essa potencialidade que se trata de restaurar pela via do mediador técnico que é o sociodrama. Pode-se objetar talvez que os adolescentes sabem jogar! Se observarmos realmente seus jogos, nós nos apercebemos de que longe de ser criativos, eles obedecem a regras e a padrões fixos, para não dizer imutáveis, que são freqüentemente herdados de processos de iniciação do bando. O jogo não é senão um «simples» jogo. Ele é ação: ele deve ser efetivamente jogado para tomar seu valor «experiencial». Mas ele é também, no mesmo movimento, um trabalho de dar representação. Jogar é o agir «como se», na falta do qual o agir degenera em ação.
O sociodrama apresenta-se então como um enquadre e regras, no centro da situação pedagógica. Muito freqüentemente, temos tendência a pervertê-lo como elementos de condicionamento desses adolescentes à lei. Aqui, o enquadre e as regras não são aplicados senão para manter um espaço: o do jogo. Ora, curiosamente talvez, a questão do enquadre e das regras coloque menos problemas do que se poderia esperar deles; pelo menos nessa experiência. Essa afirmação pode parecer estranha, aplicada a sujeitos tradicionalmente descritos como insubordinados e intolerantes em relação à lei. Além da ambigüidade do termo lei, convém precisar que, se é possível contornar, evitar ou transgredir a rede de leis sociais, ninguém escapa, salvo caindo na psicose ou no autismo, à lei simbólica.

 

Os efeitos esperados e os limites da atividade

«Ter uma prática de mediação supõe que os profissionais – porque é evidente que não se pode intervir sozinho – trabalham juntos suas referências teóricas ou, ao menos, elaboram juntos, abordando o problema do intervalo sempre existente entre a prática e a sua compreensão, com o objetivo de poder explicar as razões de tal ou tal escolha metodológica» (Vidit, Balzani, Ribot-Kainz, 2002).

1. Os efeitos esperados

A questão dos efeitos esperados remete aos dois pólos de intervenção educativa: o profissional e o jovem. Nesta proposta, insistiremos unicamente nos efeitos esperados para o adolescente (Ver o artigo de Bernard Balzani, 2002, a propósito dos efeitos esperados para o profissional).

A técnica favorece uma tomada de consciência individual de seus estados psíquicos através da ressonância que produz o grupo, particularmente pelo desenvolvimento de uma capacidade imaginativa mais conseqüente. Essa tomada de consciência, que nada tem a ver com o fenômeno da revelação, é de fato a aquisição, por meio de múltiplas experiências, de jogos encenados – observados, mas a cada vez falados (por meio do delineamento de final de jogo ou de sessão) – e de chaves de compreensão individual. O jovem está em situação de aprendizagem. O indivíduo não progride senão a partir do momento em que se cria nele um conflito de centração entre seu ponto de vista e o de outrem: o que supõe, evidentemente, que o indivíduo faça seu o ponto de vista de outrem, a fim de que ele entre em interação com suas representações anteriores. Essa situação vai receber o nome de «conflito sociocognitivo». Em outro plano, o grupo funciona como lugar de saber individual. Por certo, o fato de propor a um adolescente delinqüente participar de uma sessão de sociodrama não acarretará, ipso facto, a descentração, a apropriação do ponto de vista de outrem e o progresso na representação de si e do mundo. Contudo, temos podido constatar que é porque o grupo implica interações que ele é um meio de aprendizagem e, portanto, de saber.

Essas «chaves» são de algum modo as capacidades de os participantes, individualmente, apropriarem-se do que se produz coletivamente no seio do grupo. Elas podem ser utilizadas em seguida no quadro de acompanhamento de tipo psicoterápico, mas fora da técnica do sociodrama e do encontro entre o animador e o jovem.

2. Os limites concernentes ao jovem

Todo educador que precisa conduzir uma entrevista com esse tipo de adolescente sabe a dificuldade que vai entrar em jogo, e vai chegar a estabelecer uma troca outra que não circunstancial, na qual a implicação possa ser sentida como real e forte. Com efeito, não se deve confundir o que diz respeito a uma formação ou estrutura caracterial que o sujeito oferece ao nosso olhar e a nossa compreensão, e que diz respeito à problemática pessoal subjacente solidamente protegida por essa formação caracterial. Esta última tem como efeito opacificar, negar e manter à distância toda a dimensão da realidade interna. O discurso não passa agora de um bate-papo estandardizado, admitido que nos choca, irrita e vai nos surpreender por seu lado «exótico», porque nos pega no contra-pé sobre o plano cultural, enquanto ele é, de fato, terrivelmente desafetado. As propostas são alternadamente grosseiras, violentas e imajadas, mas desconectadas das forças vivas do sujeito. A formação caracterial é, assim, o resultado da adequação do sujeito ao que representa, para ele, a norma ou o que serve de quadro de referência: ao mesmo tempo anticonformista com relação aos valores e aos usos socialmente reconhecidos e dominantes e, em contrapartida, conformista com relação aos valores, aos modelos e às linguagens da cultura delinqüente, tais como podem ser enaltecidas, veiculadas e adotadas nas regras do bando ou na lei do meio. Essa formação caracterial resulta da exclusão do imaginário1 (ou de seu adormecimento) do funcionamento psíquico do delinqüente. O que é importante não é ser ele mesmo, mas ser conforme à norma. O sociodrama tenta então remobilizar o imaginário do adolescente. Um dos objetivos da atividade é permitir um reinvestimento dessa esfera.

3. Os limites concernentes à assistência

Muitos limites coexistem na preparação da atividade. Mesmo se não constituem globalmente um obstáculo a essa realização, eles não devem ser negligenciados. Aliás, sublinhamos a importância da equipe educativa. Esta deve validar o projeto, poder acompanhá-lo assim como aceitar assumir seus efeitos, mesmo que ela não receba, assim como não pode dar em termos de tempo; disponibilidade e condução do emprego do tempo, por exemplo.

3.1 Não mais considerar o outro

Nessas situações em que as emoções podem ser fortemente engajadas, e em razão mesmo do desenvolvimento que mobiliza todas as energias, o profissional não chega sempre, no mesmo movimento, a estar à escuta do adolescente e a responder de maneira empática a suas necessidades. O profissional pode negar o outro, isto é, ser surdo ao que passa por ele e nele. Nessa situação, ele vai comportar-se involuntariamente como um modelo negativo e responder, portanto, de modo inadequado. No caso de agressividade excessivamente forte ou de agressão, o papel do profissional não é responder à agressão que é esperada, mas tentar levar o adolescente a discernir as razões da situação ou, ao menos, mantê-la no pôr em palavras as emoções que o agitam. E, desse modo, ele [o profissional] introduz a fala e, portanto, o pensamento, ali onde não há senão o agir.

3.2 Sob o risco da repetição

Tudo se passa como se o adolescente «utilizasse» o adulto em um cenário relacional que desdobra em toda a sua inocência uma parte esquecida de experiências traumáticas. Duas saídas coexistem em tal situação de trabalho. Por um lado, trata-se de fazer com que o outro viva aquilo que ele mesmo tinha vivenciado; processo de virada, porque acarreta dificuldades na condução da atividade. A situação gera a frustração, a irritação e talvez a cólera no jovem. A dificuldade é que o profissional tenta inverter a ordem das coisas, tentando fazer falar em nome de seu dever de intervenção. Ora, o outro é surdo ao pensamento e, por isso, fora de expectativa. O profissional deve aceitar ser impotente frente ao que o adolescente o faz viver. Depois, tentar utilizar essa ocasião para refletir e reconstruir o que o jovem vivenciou. Por outro lado, o caso da figura evocada toma a direção do que os psicólogos designam pelo termo deslocamento. Trata-se, de fato, do fenômeno em que o profissional endossa os hábitos dos pais e daqueles em relação aos quais o adolescente exprime suas queixas e sua cólera. Tomando consciência desse deslocamento, o jovem vai poder mentalizar e reencontrar, no melhor dos casos, uma relação mais adequada com o adulto, aqui um educador.

 

À guisa de conclusão

Cada participante é convidado a investir o espaço de jogo e de expressão que lhe é proposto. Ele visa a favorecer a expressão, a verbalização do sujeito, sempre lhe permitindo explorar seu imaginário. A alternância de realização de cenários e de tomada de turnos tem por objetivo ajudar cada um a posicionar-se em relação ao outro e em relação a suas próprias representações. A técnica permite uma aprendizagem da vida social sob uma forma lúdica e em um funcionamento em que valores e regras são produzidos para dar certo. Assim, o dispositivo favorece as condições de um encontro possível: fim político de toda prática de acompanhamento.

O trabalho em torno do imaginário foi deliberadamente escolhido. Uma de nossas hipóteses era a de que os sujeitos qualificados de delinqüentes têm, na maior parte do tempo, um imaginário falho. Um dos objetivos é permitir um reinvestimento dessa esfera. Se é verdade que nos lugares em que praticamos o sociodrama os participantes aceitam o jogo do imaginário, isso não significa que somos feitos de tolos pelos cenários que eles elaboram, que sempre têm a ver com uma parte de sua realidade. O laço de acompanhamento que assim se cria vai permitir ao adolescente fazer o luto do absoluto e saber encontrar uma posição no relativo e também as imperfeições dos laços que o cotidiano propõe. Se o sociodrama visa, em um primeiro tempo, um trabalho com o grupo, é, contudo, claro que a técnica permite a cada participante explorar (de maneira mais ou menos aprofundada segundo o nível e o desejo de cada um) sua dinâmica, através do jogo, e sua re-experimentação da relação aos outros, em busca do «eu» [«je»]. No prefácio do livro Du jeu et des délinquants. Jouer pour pouvoir penser, Claude Balier escreve: «Esse trabalho, que qualifico de autenticamente terapêutico – talvez fora das normas, mas inspirado em conceitos psicanalíticos, mesmo se não se fala de representações nem de transferência no sentido habitual do termo –, tornou-se possível pelo apoio em um enquadre, um envelope grupal, um ar transicional [...] permitindo perceber as vivências sem se sentir ameaçado por uma dissolução interior.» (Vidit, Balzani, Ribot-Kainz, 2002, 7).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Balzani, B. (2002). Le sociodrame: un atelier de jeu scénique groupal. Enfances Adolescences, 4 - 2002/2, 115-138.         [ Links ]

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Finder, J., Martin, C., Tomkiewicz, S. & Zeiller, B. (1979). La prison, c’est dehors. Paris: Delachaux et Niestlé, coll. A5.

Kainz, G. (1996). Des carences à la rupture in B. Balzani et Ph. Rebstock (Dir.) L’autonomie est-elle un objectif éducatif? L’Untiermédiaire, 12, 43-54.

Male, P. (1978), La psychothérapie de l’adolescent. Paris: PUF, coll. SUP Paideia.


Minazio, N. (1988). Le travail du jeu: transformation et intersubjectivité. Journal de psychanalyse de l’enfant.

Vidit, J.-P. (1995). La souffrance de l’agir. Cahiers de psychologie clinique, 5.

 

 

Endereço para correspondência
Bernard Balzani
CS 14109 – 109 Boulevard d’Haussonville –F – 54 041 Nancy cedex 01
tels.: 00 33 (0)3 83 40 01 85
Fax: 00 33 (0)3 83 40 00 17
Bernard.Balzani@justice.fr
Balzani@univ-nancy2.fr

Recebido em outubro/2005
Aceito em dezembro/2005

 

 

NOTAS

1 O imaginário deve ser tomado aqui no sentido de um lugar de possibilidades que permitem ao indivíduo encontrar soluções existenciais originais e individuais em proveito de soluções estandardizadas “já prontas”; portanto, sem os acasos da elaboração mental.
I Conselheiro técnico da Direção Regional da Proteção Judiciária da Juventude (Ministério da Justiça), Lorraine, Champagne-Ardenne (Nancy), Professor associado de Sociologia na Université Nancy 2.

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